Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2414/20.0T8VRL.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: MEIO DE PROVA ILEGAL
MEIO DE PROVA PROIBIDO
GRAVAÇÃO
RESERVA DA VIDA PRIVADA
COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
A nossa Constituição consagra e garante determinados direitos considerados fundamentais, como os relativos à esfera de reserva da pessoa, entre os quais o direito à imagem e o direito à palavra, enquanto pressupostos fundamentais do Estado Democrático, baseado na dignidade humana.
A norma do artigo 32º 8 da CRP, acolhida no artigo 126º do CPP, é de aplicação geral, embora inserida nas garantias do processo criminal; sendo de aplicar a todos os ramos do direito as garantias penais, relativamente às provas ilícitas, salvo norma ou princípio específico que imponha outra solução e não fira a CRP.
com o regime de provas ilícitas, pretende-se desincentivar o recurso a métodos ilícitos e imorais de recolhe de prova, relevando essa opção, não tanto como garantia do “arguido”, mas como garantia de todo o cidadão, como manifestação de um modo social de proceder na investigação de ilícitos, que garanta à comunidade que as relações socias são pautadas pela ética e com respeito pelos direitos fundamentais. Pretende-se garantir o primado do Estado de Direito Democrático.
A vivência social como “Estado de direito democrático”, implica riscos, como tudo na vida, decorrentes do respeito pelo “acordo social”, como sejam os que resultam do regime de provas ilícitas, podendo implicar em casos concretos não se conseguir atuar a função coerciva do Estado ou a sua função de Justiça.
Tais riscos constituem como que a moeda de troca da garantia de preservação e inalteração pela praxis, do Estado de Direito Democrático e do respeito pelos direitos fundamentais que são a base e pressuposto daquele, evitando o resvalamento para níveis inferiores de democraticidade.
A prova cuja produção ou obtenção implicar um ilícito penal é nula, não devendo ser valorada. Não há em tal caso, e por referência ao momento da apresentação da prova, que proceder a qualquer ponderação com os interesses na produção da prova e na realização da justiça.
A ponderação de interesses deve ocorrer, deve reportar-se, ao momento da obtenção da prova, e pelos mecanismos consagrados na própria lei, ou seja, mediante a análise da verificação de ocorrências que possam implicar a falta de ilicitude, como a ocorrência de causa justificativa do comportamento violador do direito fundamental.
Se o depoimento se baseia exclusivamente, e nessa medida, na prova ilícita, o mesmo não deve ser valorado, sendo nulo - “efeito à distância” -. O depoimento é de atender se resulta de conhecimento direto do próprio depoente, embora possa ter tido contacto com a prova ilícita.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

AL.…, intentou a presente ação declarativa comum de impugnação de sanção disciplinar contra “Instituição…”, peticionando:

a) Ser declarada a nulidade da prova obtida – quer da prova direta quer da prova derivada ou mediata - para efeitos disciplinares, redundando na nulidade de todo o procedimento disciplinar, com a inerente revogação da sanção disciplinar aplicada à autora;
b) Ser ademais declarada a nulidade do procedimento e da respetiva decisão, por violação – sem prejuízo de outros normativos ao caso aplicáveis – do nº 1, do artigo 353º, do nº 2, do artigo 354º, do nº 1, do 356º e do nº 4 e 5 do artigo 357º, todos do Código do Trabalho, com a inerente revogação da sanção disciplinar aplicada à autora.

Se assim não se entender,
c) Ser a sanção disciplinar aplicada à autora revogada por não provados ou não demonstrados os factos sobre os quais a mesma assentou;
d) Ou, em último ratio, ser a mesma sanção reduzida ou atenuada em função de todo o comportamento anterior da autora e das demais circunstâncias atenuantes que se mostrem provadas;
E, na sequência da procedência de qualquer um dos pedidos supra,
e) Ser a ré condenada a pagar à autora, a título de reposição salarial, a quantia de €1.495,54 (mil quatrocentos e noventa e cinco euros e cinquenta e quatro cêntimos), correspondente a sessenta dias de remuneração e quarenta e quatro dias de subsídio de alimentação (654,05€ x 2 + 4,26€ x 44), ou o montante proporcional aos dias em que a sanção vier a ser reduzida;

E ainda,
f) Ser a ré condenada a pagar à autora a título de danos não patrimoniais o valor de € 5.000,00 (cinco mil euros);
g) Ser a ré condenada no pagamento de juros até efetivo pagamento da dívida.
***
Alegou em resumo, que foi admitida para trabalhar sob a autoridade e direção da ré em 2014.
Sempre exerceu as funções inerentes à categoria profissional de Ajudante de Ação Direta, primeiro na Estrutura “A” e atualmente na estrutura “B”, ambas estruturas propriedade da ré.
Em fevereiro de 2020, alegadamente na sequência de factos reproduzidos em programa televisivo, foi a autora notificada de que se encontrava suspensa de funções, sem perda de retribuição.

Posteriormente, foi a autora notificada de Nota de Culpa deduzida pela ré, na qual lhe eram imputados os seguintes factos:

- “estando com a colega “R” a virarem o sr. “A” para o posicionar, fizeram-no com movimentos bruscos”;
- “segurou a mão do sr. “A” para não o deixar cair, mantendo-lhe o braço em tensão, ao mesmo tempo que afastou a cama com o pé”;
- “referindo-se ao sr. “A”, e na presença deste, perguntou aos colegas “que é que hei-de vestir a este filho da puta, falando bem e depressa?””
- “noutra ocasião, disse “deixa estar a porta aberta que é para sair o cheiro a merda”, e referiu-se ao sr. “A” por “espantalho”;
- “mudou a fralda ao sr. “A” com movimentos bruscos e agressivos” – doc. 6.

Pese ter apresentado defesa à Nota de Culpa, a R. decidiu, através de notificação de março de 2020, aplicar à A., com efeitos imediatos, a sanção unitária de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade, pelo período de 60 dias, e ainda o fim da sua suspensão preventiva sem perda de retribuição.
A autora cumpriu integralmente a sobredita sanção disciplinar, com a correspondente perda de retribuição e de antiguidade, não podendo, contudo, conformar-se com a mesma.
Regularmente notificada, veio a ré pugnar pela total improcedência da ação, com os fundamentos constantes do seu articulado/contestação que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

Realizado o julgamento foi proferida decisão nos seguintes termos:
“Em conformidade com o exposto, decide-se julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente ação e, em consequência, decide-se:
a) Declarar lícita e isenta de nulidades a sanção disciplinar aplicada pela ré/empregadora à autora/trabalhadora; e
b) Absolver a ré/empregadora dos pedidos formulados pela autora/trabalhadora.
(…)”

Inconformada a autora interpôs recurso com as seguintes conclusões:

1) A douta sentença recorrida – na senda aliás da decisão disciplinar – deixa transparecer um punhado de incongruências e insubsistências sobre a questão da nulidade da prova obtida para efeitos disciplinares – quer da prova direta quer da prova derivada ou mediata…
2) Diga-se, como consta do documento 5 junto com a petição inicial, datado de fevereiro de 2020, a Conversão em Processo Disciplinar eclode da difusão pública do programa televisivo …
3) Também o introito da decisão disciplinar é claro ao referir a difusão pública das imagens em programas televisivos e na internet como a fonte do processo disciplinar…
4) Por outro lado, a decisão recorrida, na senda decisão disciplinar, refere que, “mesmo que se considerasse terem sido as imagens a fonte do processo disciplinar, certo é que tais imagens não eram e não foram o único meio de prova a ser tido em consideração, porquanto também foi produzida e livremente apreciada a confissão da A. e a prova testemunhal sobre os factos que levaram ao procedimento disciplinar.
5) Sobre esta aventada “confissão” da autora e sobre a prova testemunhal produzida em sede disciplinar, jamais a mesma poderá valer para sustentar o que quer que seja, pois foi obtida no cotejo com prova ilícita, a redundar na questão da ilicitude da prova derivada ou mediata (a teoria do “fruto envenenado”) sobejamente aflorada na petição inicial.

8) Ora, como é evidente, isso mesmo se reconhecendo na decisão disciplinar e na douta sentença, as imagens que espoletaram o procedimento disciplinar em causa, reproduzidas no programa televisivo e depois na internet, foram obtidas de forma clandestina, oculta e sem conhecimento da autora e dos demais trabalhadores da Estrutura (e da própria entidade patronal, ora recorrida), derivando em autêntica surpresa, constituindo a sua utilização e reprodução pública uma clara violação da dignidade e privacidade dos trabalhadores e, enfim, dos próprios utentes filmados, pessoas naturalmente debilitadas em função da sua saúde e da sua idade.
9) Mesmo a tese daqueles que defendem que em determinadas circunstâncias, pode ser lícita a utilização de dados com fins disciplinares quando o que se descobre acidentalmente são factos particularmente gravosos, e que constituem ilícitos penais de relevo, a verdade é que essa validade pressupõe sempre que as imagens tenham sido licitamente obtidas, de acordo com as regras e princípios aplicáveis, nomeadamente as constantes dos artigos 20.º e 21.º do Código do Trabalho.
10) Caso essas regras e princípios não tenham sido observados – e no caso vertente manifestamente não o foram – então as imagens não podem valer como prova disciplinar.
11) A consequência legal da utilização ilícita dos meios de vigilância à distância é a total invalidade da prova obtida para efeitos disciplinares.
12) Assim, à luz do artigo 32.º, n.º 8 da Constituição da República Portuguesa, a prova produzida através desses registos será sempre de considerar absolutamente nula…
13) A douta sentença recorrida considera, todavia, sobre esta matéria que “no caso sub judice “a captação de imagens será antes relativamente proibida, abrangida pelas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 417.º do CPC” e que, fazendo apelo ao princípio da “teoria da ponderação dos interesses”, e tendo em “atenção os princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação”, a ilicitude a prova deve ser considerada justificada.
14) Para o douto Tribunal a quo “no presente caso consideramos que nos direitos em colisão, (direito à imagem e vida privada da A./versus direito à saúde e bem-estar dos utentes do lar) decorrentes das imagens que circulavam clandestinamente na localidade, captadas sem autorização da A., deve prevalecer o direito à saúde e bem-estar dos utentes em detrimento da imagem da A….
15) A autora /recorrente não coloca em causa a relevância do direito à saúde e bem-estar dos utentes do lar, todavia, o juízo do Tribunal não pode ser erigido em torno desta premissa, sobrepondo-a a outras premissas fundamentais numa análise que se quer sensata e, enfim, de Direito – não confundível com um julgamento público como o do Programa televisivo -, como são as premissas, de cariz imperativo e absoluto, relativas à licitude da obtenção de provas
16) A autora também não coloca em causa que, após a divulgação pública das filmagens, a ré/recorrida deveria espoletar um procedimento de averiguações, exercendo o seu direito subjetivo/potestativo de instaurar procedimento disciplinar. Deveria fazê-lo, como fez.
17) Não pode é a ré, em caso algum, estribar e conduzir esse processo disciplinar em torno das imagens clandestinas, editadas e trabalhadas a preceito por desconhecidos…

19) Por exemplo, no caso vertente, não foram sequer inquiridos os familiares do Sr. “A” e esposa, Sra. “D”, sobre eventuais queixas anteriores reportadas pelos progenitores que pudessem consubstanciar “maus tratos” perpetrados pelos funcionários no interior do seu quarto na instituição.
20) Também não foi inquirida a Sra. “D”, que partilhava quarto com o Sr. “A”, entretanto falecido em meados de janeiro de 2020, sobre quaisquer situações que pudessem consubstanciar maus tratos.
21) Não foi espoletada qualquer diligência para averiguar sobre a autoria das filmagens clandestinas… nem foram questionados ou aprofundados os desígnios do autor/a das filmagens clandestinas.
22) O que demonstram os autos é que a autora/recorrente foi chamada a depor depois da difusão do programa televisivo, nessa sequência foram inquiridos também outros trabalhadores, criando-se um clima de delação dentro da instituição, colocando-se colegas a identificar colegas, num registo de “salve-se quem puder”, tendo por base as imagens difundidas publicamente.
23) Ora, quanto a esta prova testemunhal produzida em sede disciplinar, cumpre dizer que se a prova produzida através das filmagens clandestinas é nula, por uma questão de lógica, também não podia a entidade empregadora substituir as regras e imperativos legais acima descritos através dos depoimentos dos trabalhadores tomados na sequência e no cotejo com as imagens exibidas no referido programa televisivo e noutros canais de media e/ou internet.
24) Pois, por muito que a decisão disciplinar o pretenda negar ou aligeirar, é inquestionável que as declarações da autora de 02-2020, constante de fls… dos autos disciplinares, foram tomadas integralmente na sequência e no cotejo com as referidas imagens, assim como o foram os depoimentos de “C” e da Enf. “E”, mencionados na decisão disciplinar, aos quais foi questionada diretamente a atuação da autora alegadamente repercutida naquelas imagens.

26) Mesmo que as imagens não tivessem sido diretamente exibidas à autora e às testemunhas, suas colegas de trabalho, durante as respetivas inquirições … -, toda essa inquirição versou diretamente sobre elas …
27) Atente-se, neste sentido, na redação dos pontos 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 28 dos factos considerados provados para assim se concluir.

31) Sendo a prova obtida mediante um método proibido e ilícito, ilícita é a prova adquirida mediante esse mesmo método, bem como a prova derivada ou mediata, que é aquilo que se chama um “fruto envenenado”.
32) Tendo a primeira das provas, os vídeos que espoletaram o procedimento disciplinar - … e sendo a prova testemunhal obtida no processo extraída integralmente na sequência e no cotejo com a prova ilícita, ou seja, com as filmagens clandestinas, tais depoimentos por constituírem prova reflexa, secundária, mediata, derivada ou indireta, não poderiam em caso algum ser usados contra a autora, sendo prova ilícita por derivação.

35) Ademais, jamais se devia ter ancorado uma decisão tão gravosa e penalizadora numa aparente “confissão” obtida e trabalhada sobre prova flagrantemente ilícita, num contexto de extrema pressão mediática e concomitantemente de extrema pressão psicológica sobre autora e demais trabalhadores da estrutura, ouvidos ora como arguidos ora como testemunhas contra os colegas de trabalho, num verdadeiro clima de delação dentro da instituição, colocando-se colegas a identificar colegas, num registo de “salve-se quem puder”, tendo como pano de fundo as imagens difundidas publicamente.

37) Também na questão da suscitada nulidade do procedimento e da respetiva decisão, por violação do n.º 6 do artigo 329.º, n.º1 do artigo 353.º, do n.º 2 do artigo 354.º, do n.º 1 do 356.º e dos n.º 4 e 5 do artigo 357.º, todos do Código do Trabalho, consideramos que o douto Tribunal recorrido procedeu a uma errónea e enviesada análise jurídica desta questão.
38) Desde logo, como se pode aferir da fundamentação entregue à autora/recorrente, a decisão de suspensão de funções, proferida sem a sua prévia audição, não fazia qualquer referência aos motivos pelos quais a presença da autora nas instalações da ré/recorrida se afigurava inconveniente para a averiguação dos factos, conforme se preconiza na parte final do n.º 2 do artigo 354.º do Código do Trabalho, apenas fazendo alusões vagas e indeterminadas a “maus tratos” levados a efeito pelos trabalhadores da estrutura e referindo ser “imperioso evitar que os responsáveis por aqueles comportamentos fossem prontamente afastados de qualquer contacto com os utentes, e substituídos por pessoas que prestem efetivamente àqueles todos os cuidados a que eles têm direito”.
39) Ora, os fundamentos para a suspensão de funções estão taxativamente previstos no n.º 2 do artigo 354.º do CT, não se vislumbrando em que medida tais fundamentos possam ser afastados ou aligeirados em caso de decisão diferente da do despedimento, até porque a decisão, por definição, vem sempre jusante da suspensão, a qual tem cariz preventivo.
40) Como tal, a suspensão preventiva da autora foi operada de forma ilegal, a redundar na nulidade posterior do procedimento.
41) Outrossim, a factualidade pela qual a autora foi condenada, que equivale rigorosamente à factualidade imputada em 5.1, 5.2, 5.3, 5.4 e 5.5 da Nota de Culpa – vd. ponto 7 dos factos provados -, carece de adequada circunstanciação do modo, tempo e lugar em que terá ocorrido, impedindo a autora de dela se defender convenientemente, o que configura uma clara violação do preceituado na parte final do artigo 353.º n.º 1 do Código do Trabalho.
42) Para o douto Tribunal quo, as referidas exigências valerão apenas para os processos de despedimento por facto imputável ao trabalhador, com o que não concordamos.
43) Pois, se é certo que só o procedimento disciplinar relativo à ação disciplinar que conduza ao despedimento do trabalhador com invocação de justa causa é que se encontra regulado no Código de Trabalho, nos seus artigos 352.º a 358.º, tal não pode significar, todavia, que na condução do procedimento disciplinar com vista à aplicação de outra sanção que não seja o despedimento não tenha a entidade empregadora de observar os requisitos que contendam com o direito de audição do trabalhador (salvaguarda do direito de defesa deste – artº 329º, nº 6 do CT).
44) Na verdade, os direitos e garantias básicos de defesa em procedimento disciplinar devem ser respeitados quer se trate de procedimento conducente ao despedimento ou a qualquer outra sanção.
45) Ora, no caso concreto, não foi especificada à autora/recorrente durante o processo, e a decisão disciplinar também não o concretiza, a data, o lugar e as circunstâncias em que terão ocorrido os imputados factos, não bastando, para estribar a condenação, alegar-se laconicamente que tais factos “terão ocorrido em dezembro de 2019 e/ou janeiro de 2020”.
46) Não sabe a autora/recorrente se os factos lhe são imputados terão acontecido no mesmo dia ou em dias diferentes, se terão decorrido no quarto do Sr. “A” ou em qualquer outra divisão da estrutura.
47) Por outro lado, não se concretizam os “movimentos bruscos e agressivos” que se imputam à autora, deixando-se o critério de brusquidão e agressividade à maior ou menor sensibilidade do decisor disciplinar.
48) Fica ademais cerceada à autora, por exemplo, a invocação de eventual prescrição do procedimento, pois não se sabe sequer a concreta data em que terão ocorrido os factos que lhe são imputados.
49) Em face do exposto, deveria ter sido declarada a nulidade do procedimento e da respetiva decisão, por violação – sem prejuízo de outros normativos ao caso aplicáveis – do n.º 6 do artigo 329.º, n.º1 do artigo 353.º, do n.º 2 do artigo 354.º, do n.º 1 do 356.º e dos n.º 4 e 5 do artigo 357.º, todos do Código do Trabalho, com a inerente revogação da sanção disciplinar aplicada à autora, o que pelo presente recurso se requer.

51) A douta sentença recorrida, limitou-se a acolher nos factos provados a factualidade dada como provada na decisão disciplinar, ignorando tudo quanto alegado a este respeito nos artigos 46.º a 53.º da petição e, sobretudo, ignorando a prova testemunhal produzida nos autos.

58) Em suma, conjugando-se e articulando-se as declarações das testemunhas em sede disciplinar com aquelas que as mesmas testemunhas prestaram em audiência de discussão e julgamento, a única conclusão legítima que se pode retirar é de que deveriam ter sido dados como não provados o facto constantes de 5.1, 5.2, 5.3 5.4 e 5.5 da nota de culpa, acolhidos nas alíneas a) a f) do ponto 37 da decisão disciplinar e repercutidos no ponto 7 dos factos provados.

61) Pelo que, em conclusão, a sanção disciplinar aplicada á autora deverá ser revogada, por não provados os factos sobre os quais a mesma assentou, o que se requer seja feito por este Venerando Tribunal da Relação, ou então reduzida ou atenuada essa sanção em função dos factos que se considerem efetivamente provados e não provados.
62) De tudo quanto vem de se expor resulta, de forma abundante, a ilicitude e culpa na atuação da entidade patronal, pelo que, dando-se por reproduzida a factualidade dada como provada nos pontos 11, 12, 13, 14 e 15 dos factos provados, será sempre de condenar a Ré/Recorrida a pagar à autora/recorrente, a título de reposição salarial, a quantia de 1.495,54€ (mil quatrocentos e noventa e cinco euros e cinquenta e quatro cêntimos), correspondente a sessenta dias de remuneração e quarenta e quatro dias de subsídio de alimentação (654,05€ x 2 + 4,26€ x 44), e ainda, com recurso à equidade, da quantia de 5.000,00€ a título de danos não patrimoniais, acrescido dos legais juros, o que se pugna seja feito através do presente recurso, alterando-se a decisão recorrida sobre estes pedidos.
Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
O Emº PGA deu parecer no sentido da improcedência.
Colhidos os vistos das Ex.mas Srsª. Des. Adjuntas há que conhecer do recurso.
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Factualidade:

1) A autora foi admitida para trabalhar sob a autoridade e direção da ré em … setembro de 2014.
2) Sempre exerceu as funções inerentes à categoria profissional de Ajudante de Ação Direta, primeiro na Estrutura “A" Residencial Para Idosos e atualmente na estrutura “B”, ambas estruturas propriedade da ré.
3) Auferindo remuneração base de €654,05, acrescida de €4,26 diários de subsídio de alimentação.
4) Em 2 de fevereiro de 2020, alegadamente na sequência de factos reproduzidos em programa televisivo de … janeiro de 2020, …, foi a autora notificada de que se encontrava suspensa de funções, sem perda de retribuição.
5) Na decisão de suspensão de funções consta entre outros “O Dr. … em meados de janeiro teve conhecimento da Informação nº …dando conta da suspeita de ocorrência de maus tratos na estrutura “A”, e imediatamente lavrou despacho em que consignou que “face à gravidade da situação exposta, remeta-se ao Dr. “ad”, consultor jurídico …
“Da visualização das referidas imagens, apesar dos cuidados dos editores do programa em ocultar os rostos, julgamos ter identificado alguns dos nelas intervenientes….”
“Os factos indiciados são inegavelmente muito graves e, para tranquilizar os utentes e a comunidade é imperioso que os responsáveis por aqueles comportamentos sejam prontamente afastados de qualquer contacto com os utentes, e substituídos por pessoas que prestem efetivamente àqueles todos os cuidados a que eles têm direito”
Pelos fundamentos antecedentes, considera-se inconveniente a presença nas instalações… e determina-se a sua suspensão preventiva. Sem perda de retribuição, até à conclusão do processo disciplinar…”.
6) Da notificação de suspensão de funções constava ainda a indicação de que a autora deveria comparecer no dia seguinte, dia …de fevereiro de 2020, para ser ouvida à matéria dos factos referidos no processo em curso.
7) Posteriormente, foi a autora notificada de Nota de Culpa deduzida pela ré, na qual lhe eram imputados os seguintes factos:
5.1 “estando com a colega “R” a virarem o sr. “A” para o posicionar, fizeram-no com movimentos bruscos”;
5.2 “segurou a mão do sr. “A” para não o deixar cair, mantendo-lhe o braço em tensão, ao mesmo tempo que afastou a cama com o pé”;
5.3 “referindo-se ao sr. “A”, e na presença deste, perguntou aos colegas “que é que hei de vestir a este filho da puta, falando bem e depressa?””
5.4 “noutra ocasião, disse “deixa estar a porta aberta que é para sair o cheiro a merda”, e referiu-se ao sr. “A” por “espantalho”;
5.5 “mudou a fralda ao sr. “A”, com movimentos bruscos e agressivos”
7.1 “Nas circunstâncias de tempo referidas na nota de culpa, designadamente, em dia não concretamente apurado de dezembro de 2019 e janeiro de 2020 (mais concretamente primeira quinzena), a autora quando se encontrava a prestar cuidados ao utente Sr. “A” e na presença deste, perguntou aos colegas “que é que hei de vestir a este filho da puta?
8) A autora apresentou a sua defesa à Nota de Culpa em março de 2020, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – doc. 7.
9) Na qual, em suma, se alertava que “Como é evidente, as imagens que despoletaram o procedimento disciplinar…foram obtidas de forma clandestina, oculta e sem conhecimento dos trabalhadores da estrutura…”
10). No entanto, decidiu a ré, através de notificação de … de março de 2020, aplicar àquela, com efeitos imediatos, a sanção unitária de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade, pelo período de 60 dias, e ainda o fim da sua suspensão preventiva sem perda de retribuição.
11) A autora cumpriu integralmente a sobredita sanção disciplinar, com a correspondente perda de retribuição e de antiguidade.
12) Sentiu-se revoltada com a sanção disciplinar, tendo passado dias difíceis por ter sido privada da sua única fonte de rendimento, e teve que pedir €300,00 a uma irmã, durante os meses da suspensão, para pagar as despesas com alimentação, luz, água e empréstimos mensais.
13) Após o término da suspensão foi a autora notificada da intenção da ré em mudar o seu local de trabalho, porque “tinham sido contratadas novas funcionárias durante a suspensão, encontrando-se preenchido todo o quadro de pessoal necessário ao funcionamento da estrutura “A” – doc. 10.
14) A autora acabaria por se manter a trabalhar na cidade …, com colocação na estrutura “B”, onde se mantém à presente data, o qual se situa mais perto da casa da A..
15) A situação decorrente do processo disciplinar causou à A. angústia, transtornos, aborrecimentos e mais triste.
16) Depois da emissão da reportagem televisiva … e antes de terem sido ouvidas no processo disciplinar, algumas das arguidas, e entre elas a autora, confessaram perante outros colegas e até perante seus superiores hierárquicos os factos em que reconheceram estar envolvidas.
17) No dia 3 de fevereiro de 2020, ao ser constituída como arguida, e antes de ser inquirida, a arguida foi informada dos seus direitos e deveres, de que disse ficar ciente, e declarou pretender falar sobre a matéria dos autos (documento 1 junto com a contestação).
18) Mais declarou que “Identifica-se como estando retratada em três dos vídeos exibidos no programa televisivo, uma vez com a colega “R” a virarem o sr. “A” com mais força, mais rápido do que devia ser, noutro ela a segurar a mão do sr. “A” para não o deixar cair, e a afastar a cama com o pé; e no outro, em que estão várias pessoas: o sr. C”, que andava a ajudá-la a levantar os utentes, outra pessoa que pensa ser a enfermeira “F”, e pensa que também a senhora “H”, que está a vestir a utente “D”, e admite que foi a inquirida a dizer a frase “que é eu vou vestir a este filho da puta””.
19) A arguida voltou a ser inquirida em …02/2020, tendo então declarado que “Perguntada sobre a sua intervenção nos vídeos divulgados na internet em notícia de jornal…, disse estar representada num vídeo, que é uma repetição do já exibido no programa televisivo; está com a colega “R” a esticar o lençol para reposicionar o sr. “A”.
Tinham sempre o cuidado de esticar bem o lençol para não o magoar; falam uma para a outra e dizem “não está nada bem o espantalho”… “caralho”… “está bem”. Não sabe qual das duas terá dito cada uma destas frases. Os textos e imagens seguintes já são de outras situações em que não se reconhece nem reconheceu ninguém.
Não as ensinaram a fazer aquilo que se vê no reposicionamento do sr. “A” com tanta rapidez, mas tinham que fazer daquela maneira, porque de outro modo não conseguiam virá-lo. Tinham de ser duas a fazê-lo, e tinham o hábito de colocar almofadas, como lhes foi ensinado, e também de lhe colocar nos pés os carpelos para não aleijar (almofadas nos pontos de pressão, cotovelos, joelhos e no sacro quando tinham feridas). Na imagem não se vê nada disso, o que acha estranho, porque estavam no quarto e costumavam colocá-las; não sabe se a imagem foi cortada ou se por qualquer motivo naquela ocasião não os colocaram. Também, repete, tem a sensação de que a imagem foi acelerada. (Doc. 2 junto com a p.i.)
20) O colega da arguida, sr. “C”, ao ser inquirido declarou que “… Identifica-se como estando retratado no vídeo em que alguém diz a expressão “filho da puta”, “… que é que eu hei de vestir a este filho da puta?”. As pessoas que estavam presentes, com quem estava a trabalhar, e que identifica no vídeo eram a AL.…, a “D” e a enfermeira “F”. … Não consegue identificar quem a foi a pessoa que disse “que é que eu hei de vestir a este filho da puta?” mas tem a ideia de que foi a pessoa que estava junto do guarda fatos, mas não consegue recordar quem era essa pessoa. Quando ouviu aquela frase virou-se para o lado do guarda fatos, donde viera a voz. Quando se virou quem viu naquele local foi a AL.…” (Doc. 3 junto)
21) A colega da arguida, “R”, ao ser inquirida declarou que “Identifica-se como estando retratada num único vídeo da referida reportagem:
naquele em que estão duas colegas a rodar o sr. “A”. Ela é a ajudante que está do lado direito, a levantar o lençol para rodar o sr. “A”. Esse é o procedimento normal. Foi assim que lhe ensinaram, e é assim que vê proceder as suas colegas. A colega que estava com ela era a “I”. A inquirida puxou o lençol e a colega colocou a mão no sr. “A” para o virar”. (documento 4 junto).
22) A testemunha “E”, no seu depoimento declarou que “Identifica-se como estando retratada num vídeo da referida reportagem: aquele em que se ouve: “que calças vou vestir a este filho da puta?”. A cabeça da inquirida aparece naquela imagem, por estar a prestar um cuidado à “D”, cuidado esse que já não recorda em concreto. Ainda se ouve no vídeo alguém a dizer: “é melhor fechar a porta”, e pensa que foi ela a dizer isso. Foi-lhe respondido: “é melhor deixar aberta para sair o cheiro a merda”. Naquela ocasião estavam no quarto a “I”, o sr. “C” e pensa que a “G”. O vídeo está editado porque falta no meio uma pequena parte. A testemunha tem a ideia de que quem disse: “que calças vou vestir a este filho da puta?” foi a AL.... … Logo que ela o disse a inquirida advertiu-a, dizendo: “atenção à linguagem; “até pode haver câmaras ou microfones” e a AL.... respondeu: “O “F.” é meu amigo”, ao que a testemunha retorquiu: “então depois entenda-se com ele”.” (documento 5 junto).
23) A testemunha “O”, no seu depoimento de …/02/2020, declarou que:
“Também à colega AL.... já ouviu palavras semelhantes, como “caralho”, “merda”, mas são situações mais espontâneas, menos frequentes, e sem intenção de ofender. Nunca lhe ouviu dizer “filho da puta” diretamente para um utente. De qualquer modo identifica a AL.... como sendo a autora dessa frase no vídeo em que ela surge, porque é ela que está frente ao armário e o vídeo dá a imagem de que dali é que parece vir o som, e também os movimentos indicam estar associados àquela frase:
“o que é eu vou vestir a este filho da puta”. (documento 6 junto).
A mesma testemunha nesse mesmo depoimento declarou ainda: “Esteve presente em situações em que utentes são mal sentados, ou virados com alguma brusquidão, mas a depoente não se recorda de ter sido ela a proceder desse modo.
Viu proceder desse modo a AL...., a “R”, a “O”, a “P”, mas todas elas só com os utentes mais pesados e nunca levou a mal porque era de facto difícil virá-los sem fazerem mais impulso”. (mesmo documento).
24) A colega da arguida “RR”, ao ser inquirida em …02/2020 declarou: “…nunca ouviu ninguém tratar qualquer utente por “filho da puta” Sabe que foi a AL.... a dizer a frase em que isso é dito porque lho ouviu confessar a ela, não porque a tivesse identificado quando viu o programa.” (Documento nº 7 junto à contestação).
25) Também a colega da arguida “JJ” declarou que “Tem trabalhado mais com a colega “L”, e no início com a AL...., tendo sido esta que lhe ensinou a fazer os serviços e que nunca viu portar-se como o fez num dos vídeos emitidos no programa televisivo, e por isso ficou surpreendida e chocada com aquelas imagens.” (documento 8 junto com a contestação).
26) Também a encarregada “TT”, quando ouvida em …02/2020 declarou que: “Ainda quanto à reportagem do Programa televisivo teve conhecimento, por lhe ter sido contado pela enfermeira “F”, de que foi a mesma AL.... que lá disse as palavras mais ofensivas ao sr. “A”, e que nessa ocasião estava presente a enfermeira MA. que logo a repreendeu dizendo: “cuidado com a linguagem”… e “até pode haver câmaras” ao que a AL.... teria dito que era amiga do “F.” e a enfermeira lhe disse para depois se entender com ele.”
(documento 9 junto)
27) Nenhum dos mencionados vídeos foi exibido ou visualizado durante as inquirições e depoimentos.
28) Não obstante, os mesmos foram mencionados, diversas vezes, por já se terem tornado do conhecimento comum e por serem evocados pelas próprias arguidas para contextualizar os seus relatos.
29) O que despoletou o procedimento disciplinar não foram os vídeos projetados na Televisão em …, e nos dias seguintes, mas sim a tomada de conhecimento, em… de janeiro de 2020, de que andavam a “circular pela cidade … gravações/filmagens que apresentavam maus tratos ao casal (do Sr. “A”, falecido no dia anterior, e esposa) por parte de auxiliares que integram a equipa da estrutura “A” (documento junto sob o nº 10).
30) Na nota de culpa (documento 6 junto pela autora) se fez constar que os comportamentos indiciados “…não são impeditivos de uma mudança de atitude por parte dos seus autores, viabilizando assim a manutenção da relação de trabalho. Por este motivo e na perspetiva de que uma sanção menos radical permitirá alcançar tal objetivo, não se proporá o despedimento de qualquer dos arguidos”, excluindo deste modo a intenção de despedimento por justa causa.

Factos não provados:
Com relevo não se provou:
A A. esteja assolada constantemente por pensamentos depressivos.
***
Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Questões a apreciar:
- Nulidade da prova obtida para efeitos disciplinares / nulidade da confissão da autora e dos depoimentos, por serem prova derivada da prova ilícita e consequente nulidade do processo disciplinar (PD).
- Falta de fundamento da suspensão preventiva.
- Falta de circunstanciação dos factos na nota de culpa (NC).
- Impugnação dos factos dados como provados em 7.
***
A autora questiona a matéria de facto, invocando a nulidade do meio de prova – gravação – e de toda a prova, considerando-a derivada ou mediata em relação àquela -. A argumentação relativa à prova considerada na instância é em parte comum à que invoca para sustentar a nulidade do procedimento disciplinar, tendo a ver com a invocada ilicitude da prova.
Passemos à apreciação da validade ou não da prova.
A autora refere a ilicitude da prova que determinou o procedimento disciplinar, as gravações, e daquela prova que dependendo dessa prova ilícita, sustentou a decisão final da empregadora.
Trata-se de registos de imagem com áudio, efetuado por câmara oculta, que terão circulado … (pela localidade), e depois, após tratamento e edição, foram exibidas em programa televisivo em finais de 1/2020. A prova, gravações com imagem e som, não se tendo apurado embora quem a efetuou, pode concluir-se que foi efetuada por pessoa estranha à ré, e por particular, seja pessoa singular ou coletiva, e sem autorização e conhecimento quer dos visados, quer da instituição ré.
Estamos no campo dos limites intrínsecos à prova, no campo dos limites na produção da prova, por razão a ela própria respeitante, que resultam da violação pelo meio de prova, ou do procedimento tido para sua obtenção, de pressupostos constitucionais fundamentais do Estado Democrático.
Tais pressupostos reconduzem-se, no caso, à violação de direitos fundamentais tutelados pela CRP – relativos à esfera de reserva da pessoa, o direito à imagem e o direito à palavra -.
Nos termos do 35.º do CPT as partes podem apresentar qualquer meio de prova, mas depreenda-se, com os limites que decorrem do ordenamento jurídico, desde logo limites processuais (por exemplo as limitações ao número de testemunhas), mas não só. Importa considerar os limites decorrentes das provas proibidas (limite substancial), seja pela ilicitude da própria prova seja pela ilicitude do método da sua obtenção.

Entre nós e quanto aos meios probatórios proibidos importa o artigo 32º, 8 da CRP que refere:
“São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.”
Trata-se de norma diretamente aplicável e que vincula entidade públicas ou privadas e particulares. Embora inserida nas garantias do processo criminal, tal regra constitucional é de aplicação geral a qualquer processo, como se tem entendido, já que deve ser lida à luz dos princípios constitucionais fundamentais, sendo de compaginar o artigo 25º, 26º, 34º da CRP.
Porque a garantia dos particulares contra abusos das autoridades públicas demandava uma maior preocupação e cuidado; dados os poderes de autoridade que o Estado detêm em face do particular, e na prossecução das suas funções securitárias e coercivas; a matéria encontra-se desenvolvida em sede penal e relativamente à ação investigatória do Estado, não encontrando grande desenvolvimentos legislativos ao nível do direito civil.
Relativamente aos restantes ramos do direito é de atender à regulamentação penal, até por razões de harmonia e unidade do sistema jurídico, salvo se regra própria ou princípios específicos impuserem outra solução.
Sobre a aplicabilidade aos restantes ramos do direito das regras penais nesta matéria, Ac. RG de 30-4-2009, processo nº 595/07.8TMBRG, aludindo à aplicabilidade a meio de prova obtida por particular.

Quanto aos métodos proibidos de prova consta do artigo 126º do CPP:

Métodos proibidos de prova
1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coação ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.

3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular.
4 - Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos neste artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo.

Especificamente para as reproduções mecânicas, o artigo 167.º do CPP refere:

Valor probatório das reproduções mecânicas
1 - As reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo eletrónico e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal.
2 - Não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no título iii deste livro.
O título III refere-se aos meios de obtenção de prova, sem relevo ao caso.
No CPC temos afloramentos relativamente a ilicitude de provas (obtenção) nos artigos art.s 417.º, n.º 3, e no art. 490.º, nº 1. Contudo não são aplicáveis ao caso, pois o que está em causa nos autos é uma prova pré-constituída.
Resulta da CRP que é nula a prova obtida mediante “abusiva intromissão na vida privada”, regra com acolhimento no referido artigo 126º do CPP.
Conforme se refere no Ac. RG acima referido, aquela nulidade da prova inquina a prova mediata – efeito à distância -, ou seja, a prova que deriva dessa prova nula. Por exemplo aquele que depõe não por conhecimento direto, mas porque ouviu a gravação ilícita.
Trata-se de proibir a produção de prova; e consequente valoração por parte do julgador; que seja moralmente ilegítima, designadamente porque a sua obtenção constitui um ilícito penal, ou a sua valoração implica a prática de um ilícito – ex: junção de diário íntimo mesmo que licitamente obtido – Ac. RL de 15-4-2021, processo nº 705/18.0T8CSC-A.L1-2.
A prova pode ela própria ser ilícita, por violar em si mesmas de forma grave normas do ordenamento jurídico (imagem/filmagens íntimas, sem consentimento), e prova que não sendo em si ilícita, foi produzidas/obtidas de forma ilícita (confissão obtida mediante violação integridade física e/ou moral, como tortura ou ameaça grave; documento furtado).
Como refere Lebre de Freitas, “em sede de prova, o direito ao processo equitativo implica a inadmissibilidade de meios de prova ilícitos, quer o sejam por violarem direitos fundamentais, quer porque se formaram ou obtiveram por processos ilícitos” - Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, págs. 107-108.
No caso coloca-se a questão da ilicitude relativa ao modo de obtenção da prova.
Importa referir que as normas dos artigos 20º e 21º do CT, referidas pela recorrente, não são chamadas ao caso, pois se trata de normas destinadas à empregadora. Ora o meio de prova em análise não decorre de qualquer gravação por esta efetuada.

Voltando à questão, como se refere no ac. da RL acima referido:

“São diversas as situações em que se pode convocar a temática da prova ilícita, podendo-se elencar do seguinte modo:
a) Por violação do direito à integridade física ou mental das pessoas (prova obtida mediante a provocação de stress ou tortura, por coação, por ameaça de um mal, por administração de substâncias desinibidoras ou narcóticos, pelo uso de hipnose, pela utilização de polígrafo e de outras provas neurofísicas;
b) Por violação da reserva na intimidade da vida privada (a fotografia de uma cena da vida íntima; a gravação de uma conversa telefónica; a intromissão em casa alheia para testemunhar ofensas dos membros desse agregado familiar, com o consentimento de um deles e o desconhecimento do outro; o furto de documento alheio; a obtenção – mediante pagamento – de dados bancários referentes a cidadãos que “fugiram” ao fisco);
c) Por violação do domicílio (intromissão em casa alheia para obtenção de prova);
d) Por violação do direito à imagem (fotos apresentadas em juízo e cuja obtenção não foi consentida pelo retratado);
e) Por violação do direito à inviolabilidade da correspondência (a abertura de carta dirigida a outrem);
f) Por violação do direito à palavra (a gravação não consentida de conversa entre terceiros).”
A questão da prova contaminada tem dado azo a várias propostas de solução relativamente à possibilidade da sua utilização, algumas com reflexo jurisprudencial.
Há quem defenda a aceitação da prova ilícita sem restrições, remetendo a reação do direito para as reações penais e disciplinares ao infrator; outros defendem a aceitabilidade, mas mediante ponderação dos valores envolvidos, tese seguida no tribunal a quo, outros a pura simples inadmissibilidade.
Em face da nossa constituição e das normas já acima referidas; quer as do CPC, que embora não pensadas para a prova pré-constituída, de algum modo traduzem o sentir do nosso ordenamento, quer sobretudo as normas do CPP; a pura e simples aceitabilidade da prova não é de perfilhar.
Julgamos que sempre que se conclua por uma violação de direito material, ao nível penal, por uma ilicitude penal na obtenção ou formação da prova ou na sua utilização, a mesma não deve ser admitida. Estando em causa uma ilicitude penal, relativo a valores e bens fundamentais da sociedade, não há que proceder a qualquer ponderação, sob pena, julgamos, de o sistema de contradizer, pois com tal possibilidade abre-se a porta ao incentivo à prática do ilícito.
Por outro, com a proibição da prova, nos casos que envolvem ilicitude penal, pretende-se salvaguardar um núcleo irredutível dos direitos fundamentais dos cidadãos, condição da salvaguarda da própria dignidade da pessoa, de cada pessoa, base do Estado de Direito Democrático.
Pretende-se com o regime de provas ilícitas, desincentivar o recurso a métodos ilícitos e imorais de recolhe de prova, relevando essa opção, não tanto como garantia do “arguido”, mas como garantia de todo o cidadão, como manifestação de um modo social de proceder na investigação de ilícitos, que garanta à comunidade que o comportamento dos agentes será pautado pela ética, pela moral e com respeito pelos direitos fundamentais. Pretende-se garantir o primado do Estado de Direito Democrático – artigo 2º da CRP e seu preâmbulo.
Estes pressupostos basilares do modo de funcionamento da comunidade, que determinam as regras relativas à prova proibida, implicam riscos – em determinado caso concreto não se conseguir atuar a função coerciva do Estado ou a função de Justiça -, riscos que a comunidade, através dos seus representantes, ponderadamente entendeu aceitáveis, tendo em conta os fins visados.
A vida em sociedade implica riscos, que diariamente corremos. A vivência social como “Estado de direito democrático”, implica igualmente riscos, decorrentes do respeito pelo “acordo social”, e das regras tendo em vista garantir esse respeito.
De outro modo os “pressupostos” do Estado de Direito, vão sendo violados e o modelo vai resvalando para um Estado de polícia, ou para modelos ditatoriais, à sombra da legitimação de violações a regras basilares, em função de objetivos tidos como legítimos – o fim justifica o meio, redundando na prática numa mais ou menos extensa diminuição dos níveis de democraticidade – ao cidadão está garantido o respeito pelos seus direitos fundamentais, só podendo os mesmos ser restringidos nos casos expressamente previstos na constituição ( artigo 18º, nº 2 da CRP), a menos que
Aceitar a validade de tais provas constitui indiretamente um incentivo à sua prática, ou pelo menos não desincentiva; o que redundará na lesão de direitos fundamentais dos cidadãos, arguidos ou não, de qualquer cidadão que possa ser objeto de suspeita, ainda que sem fundamento.
Tendo em conta os objetivos pretendidos pela CRP, como garantia que pretende dar aos cidadãos relativamente a uma esfera de domínio própria, na exclusiva disponibilidade de cada sujeito, garantia que constitui um valor não apenas pessoal mas coletivo, e sendo embora que os direitos não são absolutos, devendo proceder-se a uma ponderação de interesses em caso de confronto entre direitos, parece-nos que ocorrendo ilicitude penal; relativa pois aos bens mais caros da comunidade; a questão da ponderação não deve colocar-se a não ser em sede de obtenção da prova.
Dito de outro modo, a ponderação de interesse não deve ocorrer no momento da apresentação da prova e da verificação da sua admissibilidade; ponderando-se o interesse do lesado com a violação da norma criminal, com o interesse daquele a quem aproveita a utilização de tal meio de prova, e com o interesse coletivo na realização da justiça.
A ponderação deve antes ocorrer no momento da sua obtenção, e pelos mecanismos consagrados na própria lei, ou seja, mediante a análise da verificação de ocorrências que possam implicar a falta de ilicitude. Reportamo-nos à verificação, demonstração da ocorrência de causa justificativa do comportamento violador do direito fundamental.
Se resultar penalmente ilícito o comportamento de obtenção ou utilização da prova, esta não deve ser valorado. A ponderação dos interesses no momento da apresentação da prova ou sua utilização, tem sentido fora do quadro de violações penais.
Está em causa no processo a proteção da imagem e da palavra – artigo 26º, 1 do CRP. Importa verificar se a recolha da prova – filmagem -, foi licita ou ilícita, o mesmo é dizer, se a conduta pode integrar uma previsão penal, designadamente os artigos 192º e 199º do CP.

Refere o artigo 192.º
Devassa da vida privada
1 - Quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual:
a) Intercetar, gravar, registar, utilizar, transmitir ou divulgar conversa, comunicação telefónica, mensagens de correio eletrónico ou faturação detalhada;
b) Captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou de objetos ou espaços íntimos;
c) Observar ou escutar às ocultas pessoas que se encontrem em lugar privado; ou
d) Divulgar factos relativos à vida privada ou a doença grave de outra pessoa;
é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 - O facto previsto na alínea d) do número anterior não é punível quando for praticado como meio adequado para realizar um interesse público legítimo e relevante.

E no artigo 199.º
Gravações e fotografias ilícitas
1 - Quem sem consentimento:
a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas;
é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem, contra vontade:
a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 197.º e 198.º

No caso importa apenas o artigo 199º, já que não resultam elementos que possam integrar o tipo do artigo 192º. Esta norma insere-se no capítulo “Dos crimes contra a reserva da vida privada” enquanto o artigo 199.º se insere no capítulo relativo a “Crimes contra outros bens jurídicos pessoais”. O bem protegido é diverso. No artigo 192º protegesse a reserva da vida privada contra a sua “devassa”, sendo elemento do tipo a “intenção de devassar”, que não se demonstra ocorra nas gravações em causa nos autos. Já a norma do artigo 199º não faz qualquer exigência relativamente à intenção do agente, dirigindo a tutela aos próprios direitos à imagem e à palavra, enquadrando-se abstratamente nesta norma as gravações em causa.
Importa verificar da ocorrência de um “direito de necessidade” ou “estado de necessidade”

Refere o CP:
No artigo 31º:
Exclusão da ilicitude
1 - O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade.
2 - Nomeadamente, não é ilícito o facto praticado:
a) Em legítima defesa;
b) No exercício de um direito;
c) No cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade; ou
d) Com o consentimento do titular do interesse jurídico lesado.

No artigo 34.º
Direito de necessidade
Não é ilícito o facto praticado como meio adequado para afastar um perigo atual que ameace interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, quando se verificarem os seguintes requisitos:
a) Não ter sido voluntariamente criada pelo agente a situação de perigo, salvo tratando-se de proteger o interesse de terceiro;
b) Haver sensível superioridade do interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado; e
c) Ser razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse em atenção à natureza ou ao valor do interesse ameaçado.

O TRE ac. de 29/3/2016, refere, para processo penal, resultar da “remissão do art. 167º do CPP para o campo da ilicitude penal, ser inadmissível e proibida a valoração de qualquer registo fotográfico (fílmico, vídeo, etc) que, pela sua produção ou utilização, constitua o seu agente em autor de um crime de Gravações e fotografias ilícitas, previsto entre os Crimes contra outros bens jurídicos pessoais no art. 199º do C.Penal, ou de um crime de Devassa da vida privada, previsto no art. 192º do C.Penal entre os crimes contra a reserva da vida privada.” Já nada obsta à valoração da prova, refere-se, se a licitude resultar de justificação legalmente prevista. Neste sentido, citado naquele, o Ac TRL de 28.05.2009, CJ XXXIV, TIII p. 135.

Como se refere no ac. RE:
“A não ser assim, acabaria por aceitar-se a condenação por crime contra o direito à imagem de quem se limita a documentar através de filme ou fotografia o facto ilícito de que é vítima, o que representaria uma inversão dos valores e interesses penalmente tutelados, se não mesmo a subversão, em alguma medida, do regime dos direitos fundamentais. Tanto mais que para além do interesse em proteger a esfera pessoal ou patrimonial da assistente de atentados ilícitos, estará igualmente em causa projeção do direito fundamental de acesso dos particulares ao direito e a tutela jurisdicional efetiva que a CRP reconhece no art. 20º da CRP, pois as mais das vezes a fotografia ou filme são determinantes na prova do ilícito típico.”
Todas as causas justificativas, constantes de qualquer norma, independentemente da sua natureza, relevam para o efeito, designadamente o disposto no nº 2 do artigo 79º do CC., no que tange à imagem, dado o principio da subsidiariedade do direito penal – Sobre este assunto o Parecer da ProcuradoriaGeral da República n.º 95/2003, 2004, https://www.ministeriopublico.pt/pareceres-pgr/1036, referindo os trabalhos preparatórios e a discussão parlamentar.
A verificação de uma causa de exclusão da ilicitude, de uma causa justificativa, deve verificar-se em concreto.
Em causa, como vimos, esta o ilícito previsto no artigo 199º do C. Penal.
Exige a norma que a conduta do agente ocorra contra a vontade do titular do direito à imagem, sendo entendimento de que tal contrariedade se pode presumir tendo em conta o circunstancialismo concreto.

No caso presente, pode ter ocorrido um estado de necessidade por parte do agente, tendo em conta que poderá ter pretendido demonstrar os maus tratos a terceiros, determinados utentes do lar. A gravação poderá ter sido; na falta de outros meios de demonstração desses mais tratos, designadamente por eventualmente ter esbarrado na falta de colaboração de quem presenciava tais comportamentos; meio idóneo para afastar “um perigo atual” que ameaçava terceiro, resultando clara a superioridade do interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado, sendo razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse em atenção à natureza ou ao valor do interesse ameaçado.
Contudo os factos são escassos, não sendo possível dos mesmos concluir pela efetiva verificação de um estado de necessidade. Ignora-se quem procedeu à gravação, quais os motivos que o nortearam, se tentou acautelar os interesses de terceiro por outras vias. Resulta dos autos que a ré esbarrou com a falta de colaboração, que se compreende, dos familiares do utente a que os factos imputados à autora se reportam. Assim só pode concluir-se pela ilicitude do meio de prova.
**
Refere o recorrente que toda a prova deve ser desconsiderada, porque derivada da prova ilícita.
A recorrente parte do pressuposto de que as testemunhas foram inquiridas na sequência e no cotejo com os vídeos ilícitos. Sendo verdadeira a afirmação, nem uma nem outra coisa implicam por si a nulidade desses depoimentos.

O artigo 122º do CPP constitui um afloramento do efeito à distância – STJ de 20-2-2008, processo nº 07P4553, disponível na net -. Refere-se a propósito neste acórdão:

“II. Em nome de uma” exigência de superioridade ética “ do Estado , das suas “ mãos limpas “ na veste de promotor da justiça penal , a violação das proibição de provas , que significaria o “ encurtamento da diferença ética que deve existir entre a perseguição do crime e o próprio crime “ , é hoje uma questão de atual e premente abordagem , uma vez que sob a égide de uma justiça penal eficaz , se vem mobilizando a doutrina e a jurisprudência para um “ clima de moral panic “ , um “ estado de necessidade de investigação “ , de que fala Hassemer , assistindo-se segundo este autor , a uma “dramatização da violência “ que “ encosta a sociedade à parede “ e induz a “ colonização da política criminal por lastros de irracionalidade “ , escreve o Prof. Costa Andrade , in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal , págs. 68 e 73 .

As provas obtidas, além do mais, mediante o recurso à intromissão na correspondência, são nulas, nos termos do art.º 32. º, da CRP, com a consequência da invalidade do ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afetar –art.º 122.º n.º 1, do CPP.
A declaração de nulidade declara quais os atos que passam a considerar-se inválidos ou ordena sempre que possível e necessário a sua repetição (n.º 2) e ao declará-la o juiz aproveita todos os atos que ainda podem ser salvos, de acordo com o princípio “utile per inutile non vitiatur “ –n.º 3, daquele preceito.
O preceito em causa é um afloramento do problema “desesperadamente controverso “, no dizer de Rogall, citado pelo Prof. Costa Andrade, op. cit., pág. 61, denominado de “efeito à distância (Fernwirkung), ou seja quando se trata de indagar da comunicabilidade ou não da valoração aos meios secundários da prova tornados possíveis à custa de meios ou métodos proibidos de prova.
Quando , parafraseando-se , ainda , o Prof. Costa Andrade , op.cit . , pág. 61, encarando-se certo crime, que uma prova não é válida –caso da busca e apreensão ilegais de …-, tudo se passando-se como não existisse , importa apurar em que medida, complementarmente, essa proibição se projeta prospectivamente ou não nos factos ou provas ulteriores ( …) , de que modo a anomalia refrange, comunicando-se, a outros meios de prova, à distância “ , tendo sempre presente que se a afirmação da culpabilidade penal do arguido é importante para a segurança coletiva e a afirmação do primado da lei sob o instinto primário e o restabelecimento da paz e da segurança, não menos importante é a materialização do julgamento à luz das regras preestabelecidas sem atropelo às garantias de defesa em favor do acusado.
O efeito à distância das provas inválidas sobre outras pressupõe e não abdica da indagação dicotómica sobre a verificação ou não “de um “nexo de antijuridicidade “que aquele fundamente ou de um grau de independência, de autonomia, da prova relativamente à primeira, desta se destacando e se subtraindo.

Uma longa evolução jurisprudencial , de que dá nota o Ac. do TC , n.º 198/04 , de 24/3/2004 , in DR , II Série, de 2.6.2004 ,exemplificou os casos em que aquele efeito à distância se não projeta, os casos em que a indissolubilidade entre as provas é de repudiar, por não verificação da árvore venenosa, reconduzindo-os a três hipóteses que o limitam: a chamada limitação da fonte independente, a limitação da descoberta inevitável e a limitação da mácula “ ( nódoa) dissipada” -cfr. Criminal Procedure, Jerold H .Israel e Wayne R. Lafave , 6.ª Ed., St . Paul, Minnesota, 2001, págs. 291 a 301.
A fonte independente respeita a um recurso probatório destacado do inválido, usualmente com recurso a meio de prova anterior que permite induzir, probatoriamente, aquele a que originário tendia, mas foi impedido; ou seja quando a ilegalidade não foi “conditio sine qua“ da descoberta de novos factos.
O segundo obstáculo ao funcionamento da doutrina da “árvore envenenada“ tem lugar quando se demonstre que uma outra atividade investigatória, não levada a cabo, seguramente iria ocorrer na concreta situação, não fora a descoberta através da prova proibida, conducente inevitavelmente ao mesmo resultado, ou seja quando inevitavelmente, apesar da proibição, o resultado seria inexoravelmente alcançado.

A terceira limitação da “mácula dissipada “(purged taint limitation) leva a que uma prova, não obstante derivada de outra prova ilegal, seja aceite sempre que os meios de alcançar aquela representem uma forte autonomia relativamente a esta, em termos tais que produzam uma decisiva atenuação da ilegalidade precedente. Foi o caso Wong Sun e al.v. United States (371, US., 471, em 1962), resumindo situações em que a ilegalidade de uma prova anterior se não projeta numa atividade posterior porque assente em decisões autónomas e produto de livre vontade em que se quebra o nexo de antijuridicidade entre a prova ilegal e a confissão.
Estes critérios provindos do direito anglo -saxónico, mais norte-americano , nem por isso deixam de servir de caminhos de orientação no direito europeu, que apontam para um esforço cuidado de interpretação dos factos com vista à fixação do “ efeito à distância “, com consagração entre nós, como dito , no art.º 122.º n.º 2 , do CPP , cuja não aceitação equivaleria a neutralizar “ a expressividade cultural e jurídica da proscrição dos meios proibidos de prova “ e a “ compelir o arguido a cooperar na sua própria condenação “ – cfr . , ainda , Prof. Costa Andrade , op . cit . , pág. 315...”
O que deve considerar-se inquinado pela prova ilícita é apenas a prova que outra coisa não represente, que ser outro modo de levar ao processo a prova ilícita. Por exemplo, o depoente que refere os factos apenas por ter visionado a gravação.
A nulidade do registo não pode implicar nem ferir o depoimento de quem esteve presente aos factos e depõe na “primeira pessoa”, não obstante poder estar também nas gravações, e, não obstante poder referir-se a elas no seu depoimento. Estaremos neste caso face a uma prova, um meio de prova distinto, o depoimento, que embora conhecido eventualmente por via do ilícito registo de gravação, é autónomo daquele, desde logo no que tange à razão de ciência.
Não é por causa da prova ilícita que o “depoente” tem conhecimento dos factos. A produção de tal prova assenta numa decisão numa vontade autónoma, quebrando qualquer nexo de antijuridicidade. Será o caso paradigmático da “confissão”, quando esta ocorra após o confitente estar inteirado da ilicitude da prova que o incrimina. Acresce no caso, que a ré se encontrava já em investigações, sendo de presumir que no decurso destas “chegasse” aos depoentes conhecedores dos factos, seus colaboradores.
Assim, os depoimentos, na parte que respeitar ao conhecimento direto dos depoentes, independente pois da existência ou não da prova ilícita, independente do conhecimento desta ou não, não podem considerar-se inquinados.
A não ser assim criar-se-iam obstáculos à realização da justiça, sem motivo justificativo, quebrando o equilibro que deve existir entre a função do Estado de garantir a paz social e a realização da justiça, e a proteção que deve dispensar-se aos direitos fundamentais de qualquer pessoa.
Tal prova não tem uma ligação suficientemente forte com a prova ilícita em moldes que impliquem a sua desconsideração – o saber dos depoentes não decorre nem depende da prova ilícita -, e poderia ser trazida ao processo sem interferência daquela.
Estão neste caso a generalidade dos depoimentos produzidos no processo, deixando de lado a confissão da autora no PD. Relativamente a este, não resulta claro se a mesma ocorreu por causa do confronto com as gravações, numa circunstância de perturbação da liberdade de decisão, que inquinaria a mesma. Contudo a decisão não é suportada exclusivamente nestas provas - gravação e confissão.
Quanto aos depoimentos testemunhais, os depoentes estiveram presentes nos acontecimentos que relataram, tendo, portanto, conhecimento direto dos mesmos. São de desconsiderar, não devendo ser valorados, os depoimentos na parte em que a razão de ciência advém exclusivamente da visualização das imagens, o que ocorre com uma testemunha, cujo depoimento não será valorado.
E não é o facto de na decisão disciplinar constarem referências à emissão televisiva que determinam a invalidade do procedimento. A decisão refere outras provas para a sua sustentação, máxime, depoimentos testemunhais. Ora os depoimentos prestados, referindo-se embora alguns depoimentos ao registo, resultam no seu essencial de conhecimento direto, como já referido, por estarem no local e terem presenciado os acontecimentos.
Consequentemente não ocorre a nulidade do procedimento disciplinar, já que assenta em outras provas, especificamente depoimentos de quem presenciou, ou por outra via que não as imagens ilícitas, teve conhecimento.
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Impugnação do facto 7:
Quanto aos factos, embora imperfeitamente expresso, o tribunal a quo considerou provadas as ocorrências tal como constantes da decisão disciplinar - facto 7 –, como resulta claro da fundamentação e como aliás a autora percecionou. É esta factualidade que a recorrente aliás questiona, pretendendo seja considerada não provada.

Consta do facto:
7) Posteriormente, foi a autora notificada de Nota de Culpa deduzida pela ré, na qual lhe eram imputados os seguintes factos:
5.1 “estando com a colega “R” a virarem o sr. “A” para o posicionar, fizeram-no com movimentos bruscos”;
5.2 “segurou a mão do sr. “A” para não o deixar cair, mantendo-lhe o braço em tensão, ao mesmo tempo que afastou a cama com o pé”;
5.3 “referindo-se ao sr. “A”, e na presença deste, perguntou aos colegas “que é que hei de vestir a este filho da puta, falando bem e depressa?””
5.4 “noutra ocasião, disse “deixa estar a porta aberta que é para sair o cheiro a merda”, e referiu-se ao sr. “A” por “espantalho”;
5.5 “mudou a fralda ao sr. “A”, com movimentos bruscos e agressivos”
Da prova produzida não resulta claramente demonstrado o teor do ponto 5.1. A “R” refere que o movimento foi efetuado como era normal, aludindo, como outros depoimentos, designadamente a “RR”, a que a transmissão televisava poderia estar um pouco acelerada. A “R” referiu que estava no vídeo a virar o sr. “A”. Descreve o movimento, referindo que pegam no lençol, que são utentes pesados e tem que ser um bocadinho brusco. Refere que vendo a imagem parece mais brusco. Refere que na televisão parecia tudo mais… “uma imagem mais fora do vulgar”. Considerando que a imagem não pode servir de suporta à fundamentação do facto, por ilícita, e o teor dos depoimentos prestados sobre este particular, é de considerar não provados os pontos 5.1 e 5.2.
Quanto aos pontos 5.4 da prova produzida em julgamento não resultam referências, pelo que é de considerar não provado.
Resta o ponto 5.3, confirmado por depoimentos presenciais, como a “E”. Referiu esta que estava presente na altura em que D. AL.... se virou e disse “que calças ia vestir àquele filho da puta”. A depoente chamou-a à atenção, para ter cuidado com a linguagem e ela respondeu que era amiga do filho do Sr. “A” o “F.”. Referiu que a expressão foi dita para o ar, quando andava à procura da roupa, estando a depoente, julga, junto da cama. Resulta do depoimento que o utente tinha condições para ouvir a expressão... Mais tarde falou com a D. AL...., já depois do programa, e ela chorou. Também a depoente “RR” confirmou que a autora lhe confessou ter sido ela a proferir a expressão, ainda antes de ter sido suspensa. A “G” referiu a receção de uma mensagem enviada pela autora a dizer que não pretendia maltratar ninguém e a pedir desculpa. Para cabal compreensão do facto, passará a constar a referencia possível, ao modo e tempo, resultando dos autos que se circunscreve ao período de dezembro e primeira parte de janeiro. Veja-se o depoimento de “LL” no processo disciplinar, aludindo a mudanças no quarto nessa ocasião, em dezembro. Outros depoimentos aludiram a este período.
Consequentemente altera-se a factualidade, corrigindo-se ainda a sua formulação, mantendo o facto 7, restrito ora, na sua compreensão, aos seus termos literais, aditando-se o ponto 7-1 do seguinte teor:
“Nas circunstâncias de tempo referidas na nota de culpa, designadamente, em dia não concretamente apurado de dezembro de 2019 e janeiro de 2020 (mais concretamente primeira quinzena), a autora quando se encontrava a prestar cuidados ao utente Sr. “A” e na presença deste, perguntou aos colegas “que é que hei de vestir a este filho da puta?
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A recorrente refere que a factualidade imputada na NC não está devidamente circunstanciada em modo tempo e lugar. Refere não bastar a indicação de que terão ocorrido em dezembro de 2019 e/ou janeiro de 2020 e que não se concretizam os “movimentos bruscos e agressivos”.
Refere o artigo 353º, 1 do CT, que no caso em que se verifique algum comportamento suscetível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.

A este propósito refere-se no Ac. do STJ de 14/11/2018, processo nº 94/17.0T8BCL-A.G1.S, disponível na net:

“ Tem este Supremo Tribunal entendido que … “os comportamentos imputados ao trabalhador, suscetíveis de integrar infração disciplinar, devem ser descritos na nota de culpa com a narração, tão concreta quanto possível, do circunstancialismo de tempo, lugar e modo em que ocorreram, de forma a permitir ao arguido o perfeito conhecimento dos factos que lhe são atribuídos, a fim de poder organizar adequadamente a sua defesa”
E citando Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 5.ª Edição, pág.976 e 977, transcreve:
“… a jurisprudência tem admitido que as deficiências da nota de culpa se considerem sanadas, desde que, na sua defesa, o trabalhador mostre ter compreendido o teor da nota de culpa (…). É uma posição que se subscreve, tendo em conta a finalidade das exigências de indicação circunstanciada dos factos da nota de culpa: visando estas indicações assegurar o direito de defesa do trabalhador, se este se defende em relação a um facto não completamente circunstanciado, mostra que o conhecia, pelo que a finalidade da norma se deve considerar cumprida.”
No Ac. de 27-02-2008, processo nº 07S3422, refere-se:
“Daí que, se a narração dos factos é incompleta, omitindo o relato de elementos circunstanciais relevantes, de tal modo que não se possibilita ao arguido ter uma perceção adequada do que lhe é imputado, impedindo-o de, convenientemente, contrariar a acusação, resulta ofendida a garantia de defesa.

Tal não sucede, porém, quando a nota de culpa, apesar de revelar insuficiências quanto ao circunstancialismo da infração, se apresenta em termos de o visado poder compreender quais os factos nela individualizados, o que pode aferir-se, em primeira linha, pelo modo como é deduzida a defesa.
Assim, se a resposta à nota de culpa revelar que o arguido compreendeu a acusação, teve perfeita noção dos factos que lhe eram imputados, sabia do que estava acusado, e exercitou o seu direito de defesa, mostrando pleno conhecimento do circunstancialismo da infração disciplinar, opondo argumentos idóneos a contrariar a inculpação, não pode então falar-se de violação das garantias de defesa, já que a finalidade da referida exigência legal se apresenta cumprida.”
Vejamos.
Quanto ao lugar a NC não deixa dúvidas de que se trata da estrutura “A”, no quarto do utente, o que resulta de um dos atos descritos, em que se refere a cama e o ato de virar o mesmo. Quanto ao modo refere-se:
“estando com a colega “R” a virarem o Sr. “A” para o posicionar, fizeram-no com movimentos bruscos;
Segurou a mão do Sr. “A” para não o deixar cair, mantendo-lhe o braço em tensão, ao mesmo tempo que afastou a cama com o pé;
Referindo-se ao Sr. “A”, e na presença deste, perguntou aos colegas … que é que hei de vestir a este filho da puta, falando bem e depressa?
Nesta situação estava presente a enfermeira “E”, que a repreendeu dizendo-lhe: “atenção à linguagem”; até pode haver câmaras ou microfones” e a arguida respondeu; “o “F.” é meu amigo”, ao que a enfermeira “E” retorquiu; “então depois entenda-se com ele”.
Noutra ocasião, disse “deixa estar a porta aberta que é para sair o cheiro a merda”, e referiu-se ao Sr. “A” por “espantalho”;
Mudou a fralda ao Sr. “A”, com movimentos bruscos e agressivos.”
Os factos estão suficientemente descritos e concretizados. Quanto ao tempo refere-se na nota de culpa que, “não foi possível apurar as datas da sua ocorrência, mas os indícios apontam para que os vídeos terão sido filmados nos meses de dezembro de 2019 e janeiro de 2020”.
A circunstanciação temporal mostra-se efetuada na medida em que foi possível, permitindo à recorrente defender-se cabalmente dos factos, como fez.
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Invoca a recorrente, sustentando nulidade, que a conversão em procedimento disciplinar eclode da difusão pública do programa televisivo, em …1/2020. Na decisão refere-se que “contrariamente ao entendimento trazido aos autos pela A., não foram as imagens, ainda que recolhidas ilicitamente pelo programa televisivo, que serviram para desencadear o processo disciplinar”, e que “mesmo que se considerasse terem sido as imagens a fonte do processo disciplinar, certo é que tais imagens não eram e não foram o único meio de prova a ser tido em consideração, porquanto também foi produzida e livremente apreciada a confissão da A. e a prova testemunhal sobre os factos que levaram ao procedimento disciplinar.”
O procedimento disciplinar tem início em fevereiro, após o programa televisivo aludido.

Consta do documento:
“O Dr-… em janeiro de 2020 teve conhecimento da informação nº … da senhora diretora do departamento de ação Social, dando conta da suspeita de ocorrência de maus tratos… imediatamente lavrou despacho em que consignou que “face à gravidade da situação exposta, remeta-se ao…consultor jurídico… para competente análise e informação.
No cumprimento desse despacho, a após conferência para o efeito decidiu-se iniciar desde logo apresentar nos serviços do Ministério Público… queixa contra incertos para averiguações…iniciou-se internamente processo de inquérito para averiguação de maus tratos contra utentes.

Entretanto esta instituição … foi visitada por jornalistas… que estando a ultimar a preparação de programa a emitir, e que veio a ser emitido no dia… de janeiro, exibindo imagens que não deixam dúvidas acerca da ocorrência dos denunciados maus tratos, que até então eram completamente desconhecidos … (dos responsáveis da instituição)…”
O início das investigações por parte da ré assenta na participação, não nos vídeos, embora estes sejam ali referidos. Veja-se que na participação se referem as queixas de um dos filhos do casal de utentes em causa e na sequência dessa participação o representante da ré determina o início das diligências. Refere-se no documento que dá inicio ao PD que após aquele despacho, a após conferência para o efeito decidiu-se iniciar desde logo averiguações internas e apresentar queixa contra incertos.
A empregadora, que não procurou de forma ilícita a prova nem a “notícia”, tendo “notícia” da infração, pode dar início ao procedimento, ainda quanto aquela resulte de prova obtida de forma ilícita por terceiro. Não pode é utilizar essa prova para sustentar uma decisão final.
Ainda que assim não se entenda, no caso, sempre seria de considerar, em face da prévia existência de averiguações internas, que a ré lograria sustentar o início do procedimento disciplinar por via dessa averiguação, designadamente dos depoimentos dos seus colaboradores presentes no ato.
Improcede consequentemente o alegado.
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Refere a recorrente a falta de fundamento da suspensão preventiva.

Dispõe o artigo 354.º
Suspensão preventiva de trabalhador
1 - Com a notificação da nota de culpa, o empregador pode suspender preventivamente o trabalhador cuja presença na empresa se mostrar inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição.
2 - A suspensão a que se refere o número anterior pode ser determinada nos 30 dias anteriores à notificação, desde que o empregador justifique, por escrito, que, tendo em conta indícios de factos imputáveis ao trabalhador, a presença deste na empresa é inconveniente, nomeadamente para a averiguação de tais factos, e que ainda não foi possível elaborar a nota de culpa.
A suspensão ocorre antes da entrega da nota de culpa, a …2/20, no mesmo documento de “conversão em processo disciplinar”.

Refere-se para sustentar a decisão de suspensão preventiva:
“Os factos indiciados são inegavelmente muito graves, e para tranquilizar os utentes e a comunidade é imperioso evitar que os responsáveis por aqueles comportamentos sejam prontamente afastados de qualquer contacto com os utentes”. Refere-se mais adiante que “os acima identificados funcionários estão indiciados pela prática de maus tratos ou conivência na sua ocorrência. Todavia é necessário proceder a mais averiguações para completo apuramento dos factos, e são necessários alguns dias para esse efeito, e para que passa vir a ser elaborada a nota de culpa… considera-se inconveniente a presença nas instalações… durante a averiguação em curso…”

A nota de culpa é elaborada a …2/20 (três dia depois).
Refere a autora que a suspensão faz alusões vagas a maus tratos. A exigência de concretização da factualidade, estando nós face a uma suspensão antes da entrega da nota de culpa, é diversa da que deve constar da nota de culpa, já que estamos no momento inicial, onde as referências levadas ao conhecimento da entidade disciplinarmente responsável podem ser algo genéricas, necessitando averiguação para sua concretização e circunstanciação. No caso e no documento de suspensão refere-se como indícios, “palavras e frases ofensivas, e algumas gritadas com agressividade, até manipulação do Sr. “A” com impetuosidade e brusquidão… “. Conquanto com alguma generalidade, a ré descreve os indícios em causa e a averiguar, e refere porque entende que a presença recorrente é inconveniente. A inconveniência não se reporta apenas à realização e instrução do processo, como resulta do termo “nomeadamente” constante do nº 2 do artigo 354º do CT.
Refere a recorrida para justificar a inconveniência, “para tranquilizar os utentes e a comunidade é imperioso evitar que os responsáveis por aqueles comportamentos sejam prontamente afastados de qualquer contacto com os utentes”. O termo evitar resulta manifestamente constituir erro de redação. Tendo em conta os factos em analise e a justificação dada, mostra-se adequada a medida, improcedendo o alegado.
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Tendo em consideração a matéria provada, conquanto algumas das “acusações” não tenham sido demonstradas em tribunal, o demonstrado por si só e tendo em conta o estado de dependência em que o utente se encontrava, justifica a medida aplicada. O estado de dependência do utente exigia especial cuidado, sendo de extrema importância que quem lida com estas situações tenha uma postura, designadamente de respeito, que permita ao necessitado manter a sua dignidade.
Consequentemente é de manter a decisão.
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DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação confirmando-se a decisão.
Custas pela recorrente
15-6-22

Antero Veiga
Adjuntos: Alda Martins
Vera Sottomayor