Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
838/12.6TBGMR.G3
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: INSOLVENTE
APOIO JUDICIÁRIO
RECURSO
TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

Beneficiando a insolvente de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e pretendendo interpor recurso da decisão proferida pelo tribunal, nos termos da qual tendo a insolvente requerido a exoneração do passivo restante, a mesma, nos termos do art. 248º do CIRE, tem de pagar taxa de justiça e custas no âmbito do processo de insolvência, é materialmente inconstitucional, por violação do direito da apelante ao recurso e, consequentemente, do direito fundamental daquela de acesso ao direito e de não ver esse seu direito limitado devido a limitações económicas, bem como por violação do direito fundamental da mesma de acesso à via jurisdicional e de nele lhe ser assegurado um processo equitativo, a interpretação feita pelo tribunal a quo do art. 642º, n.º 1 do CPC, no sentido de que para admitir esse recurso, a apelante tem de pagar a taxa de justiça devida pela interposição do mesmo e, bem assim, da multa a que alude o n.º 1 daquele art. 642º.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.
*
I. RELATÓRIO.

Recorrente: Maria (…).

Nos autos de insolvência de Maria (…), em 21/12/2016, foi proferida a seguinte decisão:

Ao abrigo do disposto no art. 243º, n.º 1, al. a) do CIRE, recuso a exoneração do passivo restante requerida por Maria (…).
Custas pelo insolvente”.

Desta decisão apelou a insolvente para esta Relação, a qual, por acórdão de 04/04/2017, confirmou a decisão recorrida.

Devolvidos os autos à 1ª Instância, aí se determinou a notificação do fiduciário para prestar contas (16/05/2017).

Fixada a remuneração do fiduciário, em 25/09/2017 determinou-se a remessa dos autos à conta e, efetuada a contagem, notificou-se o fiduciário para depositar à ordem dos autos o valor existente na conta da fidúcia, a fim de permitir o rateio da conta (fls. 434).

Foi elaborada a conta em 11/02/2017 (fls. 435 e 436), figurando como responsável a massa insolvente, tendo o oficial de justiça que a elaborou lavrado cota do seguinte teor:

A Insolvente Maria (..) beneficia do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo.
Assim, nos termos do art. 29º, n.º 1, al. d) do RCP, aprovado pela Lei n.º 7/2012, de 13/02, não há lugar à elaboração da conta de custas da sua responsabilidade – art. 7º-A da Portaria n.º 419-A/2009, de 17/04”.

Em 13/10/2017 a insolvente e o Ministério Público foram notificados de que foi dispensada a elaboração da conta da responsabilidade daquela pelos motivos constantes da referida cota.

Na mesma data o administrador da insolvência foi notificado da conta elaborada (art. 31º do RCP) para, querendo, reclamar e pedir a reforma e ainda para depositar o valor existente na conta da fidúcia.

Igualmente se notificou em 13/10/2017, a conta ao Ministério Público (fls. 442).

Foram juntos aos autos os comprovativos do pagamento da guia e do depósito autónomo efetuado pelo administrador de insolvência e a secretaria procedeu aos reembolsos que constam de fls. 449, incluindo o reembolso ao IGFEG pelo apoio judiciário (patrono).

O Ministério Público teve vista nos autos e nada opôs ou requereu (04/12/2017).

Em 11/12/2017 foi proferido e inserido no Citius o seguinte despacho:

Visto.
Nada tendo sido promovido quanto às custas ainda em falta (não obstante a recusa de exoneração), proceda ao oportuno arquivamentos dos autos”.

Foi aberta vista em fiscalização e visto em correição e 18/12/2017, no qual, com data de 23/02/2018, se exarou (fls. 453) o seguinte despacho manuscrito:

Recuso o visto, não obstante o teor do despacho de fls. 451, porquanto constatei no dia de hoje que as custas foram calculadas tendo como sujeito devedor a insolvente, mas sim a massa insolvente.
Assim e porque à insolvente não foi concedida exoneração do passivo restante, proceda à elaboração da conta de custas a cargo da insolvente pessoa singular. G 23/02/2018 (assinatura também manuscrita)”.

Deste despacho, que não foi inserido no processo eletrónico, ninguém foi notificado.

Em 27/02/2018 foi elaborada nova conta, como ordenado (fls. 454) e foram emitidas guias em nome da insolvente para pagamento da quantia de 2.239,11 euros.

Em 01/03/2018 foi notificada a insolvente para proceder ao pagamento, no prazo de dez dias, acrescido de dilação de cinco dias, daquela quantia ou, querendo, no mesmo prazo, reclamar da conta ou requerer a sua reforma.

Em 06/03/2018 a insolvente veio dizer aos autos que beneficia de apoio judiciário, estando dispensada de pagar as aludidas custas processuais e requerer que sejam dadas sem efeito as guias emitidas.

Em 20/03/2018 foi proferida a seguinte decisão:

“S.m.o, não assiste razão à insolvente quando alega que está dispensada de proceder ao pagamento de qualquer conta de custas por lhe ter sido concedido o benefício de apoio judiciário.
Com efeito, prescreve o art. 248º do CIRE, epigrafado “Apoio judiciário” e sistematicamente integrado no capítulo I do Título XII do CIRE, capítulo esse que regula o incidente de exoneração do passivo restante:

1- O devedor que apresente um pedido de exoneração do passivo restante beneficia do diferimento do pagamento das custas até à decisão final desse pedido, na parte em que a massa insolvente e o seu rendimento disponível durante o período da cessão sejam insuficientes para o respetivo pagamento integral, o mesmo se aplicando à obrigação de reembolsar o organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do fiduciário que o organismo tenha suportado.
2- Sendo concedida a exoneração do passivo restante, o disposto no artigo 33º do Regulamento das Custas Processuais é aplicável ao pagamento das custas e à obrigação de reembolso referida no número anterior.
3- Se a exoneração for posteriormente revogada, caduca a autorização do pagamento em prestações, e aos montantes em dívida acrescem juros de mora calculados como se o benefício previsto no n.º 1 não tivesse sido concedido, à taxa prevista no n.º 1 do artigo 33º do Regulamento das Custas Processuais.
4- O benefício previsto no n.º 1 afasta a concessão de qualquer outra forma de apoio judiciário ao devedor, salvo quanto à nomeação e pagamento de honorários de patrono”.
Ou seja, o art. 248º/4 do CIRE é muito claro quando prescreve que o benefício previsto no art. 248º/1 CIRE (diferimento do pagamento das custas até à decisão final do pedido de exoneração do passivo restante, na parte em que a massa insolvente e o seu rendimento disponível durante o período de cessão sejam insuficientes para o respetivo pagamento integral) afasta a concessão de qualquer outra forma de apoio judiciário ao devedor, salvo quanto à nomeação e pagamento de honorários ao patrono.
Significa isto que os insolventes pessoas singulares que tenham requerido a exoneração do passivo restante não beneficiam da dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo (com exceção de nomeação e pagamento de honorários ao patrono) nos processos das respetivas insolvências, não havendo, por isso, lugar à aplicação, nestes, do disposto no art. 29º/1/al. c) RCP.
Porém, nada tendo sido promovido quanto à falta de pagamento da conta de custas por banda do MP, resta somente determinar o arquivamento dos autos.
Notifique o presente despacho à insolvente e ao MP”.

O despacho foi notificado em 21/03/2018.

Na mesma data a magistrada do M.P. deu entrada a um requerimento (fls. 466) em que, após exposição dos motivos, requer a emissão de novas guias para a devedora proceder ao pagamento e, caso assim não se proceda, requer informação sobre a existência de bens ou rendimentos, a fim de ponderar a eventual instauração de execução por custas.

Em 05/04/2018 foi proferido o seguinte despacho:
Proceda como promovido”.

Foi novamente a insolvente notificada da conta, para reclamar ou pagar, consoante nova guia que lhe foi enviada em 06/04/2018.

Em 14/04/2018 a ilustre patrona oficiosa da insolvente requer a confiança do processo (“A fim de preparar a reclamação da conta final, a aqui Mandatária necessita de consultar toda a documentação, despachos e outros documentos juntos a fls. dos autos. Pelo que requer a V. Exa. se digne autorizar a confiança do processo à margem identificado, para exame no seu escritório, por um prazo não inferior a 3 dias”), o que lhe foi deferido em 17/04/2018 e entregue na mesma data o processo físico.

Em 19/04/2018, na sequência do exame do processo físico, a insolvente veio arguir a nulidade da falta de notificação do despacho de fls. 453 e do requerimento do M.P. de fls. 466, requerendo que a Mmª juiz se digne:

a) Declarar a falta de notificação da Insolvente do despacho de fls. 453 dos autos, com todas as legais consequências;
b) Declarar a falta de notificação da Insolvente do requerimento do Digno M.P. de fls. 466, com todas as legais consequências, no caso de não proceder o pedido formulado na alínea a) deste pedido; e
c) Declarar a nulidade do processado, por falta da notificação da Insolvente do despacho manuscrito de fls. 453 dos autos, com todas as consequências legais;
d) Declarar a nulidade do processado, por falta da notificação do requerimento de fls. 466, com todas as legais consequências; no caso de não proceder o pedido formulado na alínea c) deste pedido;
e) E em consequência ordenar a notificação da aqui Insolvente do despacho de fls. 453 ou do requerimento de fls. 466, para efeitos de apresentação da sua resposta, no prazo legal, e atos processuais subsequentes”.

Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho:

“O despacho de fls. 453, que determinou a elaboração da conta de custas, é um despacho de mero expediente que não tem de ser notificado à insolvente, até porque do mesmo esta não pode recorrer (art. 630º/1 do CPC).

Igualmente não tem de ser notificado à insolvente os pareceres do MP relativamente às questões das custas processuais, pois que tais pareceres não são igualmente passíveis de recurso.

O que tem de ser notificado à insolvente – e foi-o – são os despachos que se pronunciem sobre questões jurídicas, mormente sobre eventuais reclamações à conta de custas – e esses despachos, sim, é que poderão ser passíveis de recurso, reunidos estejam os legais pressupostos.

Acresce que mesmo que assim se não entendesse, o certo é que o prazo de que a insolvente dispunha para arguir a por si qualificada “nulidade” ao abrigo do disposto no art. 195º/1 CPC era de 10 dias (art. 149º/1 CPC) contados a partir do dia em que a insolvente foi notificada da conta de custas da sua responsabilidade (art. 199º/1 CPC).

Tendo a insolvente sido notificada da conta de custas em 05/03/2018 (4 – domingo), o dies ad quem do prazo de 10 dias de que dispunha para arguir a nulidade alcançou-se em 15/03/2018. Tendo o requerimento a que se responde dado entrada em juízo somente em 19/04/2018, bem é de ver que em tal data há muito havia decorrido o prazo em causa, pelo que a eventual nulidade apontada (se o fosse) há muito se encontraria sanada.
Termos em que se indefere o requerido”.

Desta decisão a insolvente interpôs recurso para esta Relação, que por acórdão proferido em 10/07/2018, revogou o decidido, julgando procedente a arguida nulidade de falta de notificação do despacho manuscrito no processo físico a fls. 453, datado de 23/02/2018, e anulou todos os atos posteriormente praticados na estrita dependência do mesmo e determinou a sua regularização e notificação às partes.

Tendo os autos baixado à 1ª Instância, em 13/09/2018 notificou-se à insolvente, via Citius, o despacho manuscrito junto ao processo físico a fls. 453.

Em 27/09/2018, a insolvente apresentou requerimento nos seguintes termos:

“A insolvente não se conforma com o despacho proferido a fls. 453, por entender que o mesmo é violador do princípio do caso julgado formal e por estar esgotado o poder jurisdicional do Tribunal face as decisões anteriores proferidas no processo e já transitadas em julgado, pelo que o despacho de fls. 453 deverá ser revogado por V. Exa. dando-o sem efeito.

Assim, e por uma questão de celeridade processual e economia processual, mas sem prejuízo de a Insolvente apresentar recurso do referido despacho, e por isso não renunciando a esse direito, se for caso disso, vem requerer a V. Exa a revogação de tal despacho dando assim o mesmo sem efeito, nos termos e seguintes fundamentos: …”

Por despacho proferido em 02/10/2018, recaiu sobre esse requerimento a seguinte decisão:

“Requerimentos avulsos não são meios idóneos de reação contra decisões das quais se discorde.
Acresce que tendo-se o Tribunal pronunciado sobre uma questão, vedada fica a possibilidade de se voltar a pronunciar sobre a mesma (cf. art. 613º/1 e 3 do CPC).
Como tal, nada há a ordenar.
Notifique”.

Este despacho foi notificado à insolvente via Citius em 02/10/2018.

Em 04/10/2018, a insolvente interpôs recurso do despacho manuscrito proferido a fls. 453 para esta Relação, juntando as respetivas alegações de recurso.

O Ministério Público não contra-alegou.

Conclusos os autos, em 05/11/2018, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:

“S.m.o., não assiste razão à insolvente quando alega que está dispensada de proceder ao pagamento de taxa de justiça devida pela interposição de recurso por lhe ter sido concedido o benefício de apoio judiciário.

Com efeito, prescreve o art. 248.º CIRE, epigrafado “Apoio judiciário” e sistematicamente integrado no capítulo I do Título XII do CIRE, capítulo esse que regula o incidente de exoneração do passivo restante:

“1 - O devedor que apresente um pedido de exoneração do passivo restante beneficia do diferimento do pagamento das custas até à decisão final desse pedido, na parte em que a massa insolvente e o seu rendimento disponível durante o período da cessão sejam insuficientes para o respectivo pagamento integral, o mesmo se aplicando à obrigação de reembolsar o organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do fiduciário que o organismo tenha suportado.
2 - Sendo concedida a exoneração do passivo restante, o disposto no artigo 33.º do Regulamento das Custas Processuais é aplicável ao pagamento das custas e à obrigação de reembolso referida no número anterior.
3 - Se a exoneração for posteriormente revogada, caduca a autorização do pagamento em prestações, e aos montantes em dívida acrescem juros de mora calculados como se o benefício previsto no n.º 1 não tivesse sido concedido, à taxa prevista no n.º 1 do artigo 33.º do Regulamento das Custas Processuais.
4 - O benefício previsto no n.º 1 afasta a concessão de qualquer outra forma de apoio judiciário ao devedor, salvo quanto à nomeação e pagamento de honorários de patrono.”

Ou seja, o art. 248.º/4 CIRE é muito claro quando prescreve que o benefício previsto no art. 248.º/1 CIRE (diferimento do pagamento das custas até à decisão final do pedido de exoneração do passivo restante, na parte em que a massa insolvente e o seu rendimento disponível durante o período da cessão sejam insuficientes para o respectivo pagamento integral) afasta a concessão de qualquer outra forma de apoio judiciário ao devedor, salvo quanto à nomeação e pagamento de honorários ao patrono.

Significa isto que os insolventes pessoas singulares que tenham requerido a exoneração do passivo restante não beneficiam da dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo (com exceção de nomeação e pagamento de honorários ao patrono) nos processos das respetivas insolvências.

Logo, determino se dê cumprimento ao disposto no art. 642.º/1 CPC “.

Nessa sequência, em 06/11/2018, a Secção emitiu guias para pagamento pela insolvente/recorrente, até ao dia 19/11/2018, da quantia de 102,00 euros de taxa de justiça devida pela interposição do recurso em 04/10/2018, acrescida de multa de igual montante, nos termos do art. 642º do CPC, e notificou via Citius, em 06/11/2018, a insolvente do teor daquele despacho e para proceder ao pagamento da taxa de justiça e da multa nos termos do art. 642º, n.º 1 do CPC.

Em 17/11/2018, a insolvente apresentou requerimento, alegando, além do mais, não se conformar com o despacho proferido em 05/11/2018, pelas razões que indica; que irá interpor recurso desse despacho e que irá proceder ao pagamento da guia “para não correr o risco de ver precludido injustamente o seu direito de acesso à justiça e ver assim admitido o recurso com as alegações de fls. com a referência Citius n.º 7648217 e com data de 04/10/2018”, deixando expressamente consignado “que o pagamento da supra referida Guia/Duc e referente a taxa de justiça e multa do supra referido recurso será efetuado com total reserva e condicionalmente, sem prejuízo da interposição tempestiva de recurso do despacho/decisão com a Refª Citis 16050 e do seu efeito”.

Inconformada com a decisão proferida em 05/11/2018, a insolvente veio interpor o presente recurso de apelação, em que apresenta as seguintes conclusões:

1 - O presente recurso é interposto do douto despacho com a Refª. Citius nº 160504956 com a data de 05-11-2018 e junto a fls. dos autos, que tem o seguinte teor:

“S.m.o., não assiste razão à insolvente quando alega que está dispensada de proceder ao pagamento de taxa de justiça devida pela interposição de recurso por lhe ter sido concedido o benefício de apoio judiciário.

Com efeito, prescreve o art. 248.º CIRE, epigrafado “Apoio judiciário” e sistematicamente integrado no capítulo I do Título XII do CIRE, capítulo esse que regula o incidente de exoneração do passivo restante:

“1 - O devedor que apresente um pedido de exoneração do passivo restante beneficia do diferimento do pagamento das custas até à decisão final desse pedido, na parte em que a massa insolvente e o seu rendimento disponível durante o período da cessão sejam insuficientes para o respetivo pagamento integral, o mesmo se aplicando à obrigação de reembolsar o organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do fiduciário que o organismo tenha suportado.
2 - Sendo concedida a exoneração do passivo restante, o disposto no artigo 33.º do Regulamento das Custas Processuais é aplicável ao pagamento das custas e à obrigação de reembolso referida no número anterior.
3 - Se a exoneração for posteriormente revogada, caduca a autorização do pagamento em prestações, e aos montantes em dívida acrescem juros de mora calculados como se o benefício previsto no n.º 1 não tivesse sido concedido, à taxa prevista no n.º 1 do artigo 33.º do Regulamento das Custas Processuais.
4 - O benefício previsto no n.º 1 afasta a concessão de qualquer outra forma de apoio judiciário ao devedor, salvo quanto à nomeação e pagamento de honorários de patrono.”

Ou seja, o art. 248.º/4 CIRE é muito claro quando prescreve que o benefício previsto no art. 248.º/1 CIRE (diferimento do pagamento das custas até à decisão final do pedido de exoneração do passivo restante, na parte em que a massa insolvente e o seu rendimento disponível durante o período da cessão sejam insuficientes para o respetivo pagamento integral) afasta a concessão de qualquer outra forma de apoio judiciário ao devedor, salvo quanto à nomeação e pagamento de honorários ao patrono.

Significa isto que os insolventes pessoas singulares que tenham requerido a exoneração do passivo restante não beneficiam da dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo (com exceção de nomeação e pagamento de honorários ao patrono) nos processos das respetivas insolvências.

Logo, determino se dê cumprimento ao disposto no art. 642.º/1 CPC.”
2 - Decisão esta com a qual discordamos em absoluto.
3 - O aludido despacho é uma decisão surpresa e é violador do principio do caso julgado formal e foi proferido quando já se encontrava esgotado o poder jurisdicional do Tribunal “a quo” face as decisões anteriores proferidas no processo e já transitadas em julgado para alem de ter violado os princípios consagrados nos artigos 3º nº 3, 6º, 7º e 8º do Código Processo Civil e no nºs 1 e 4 do art.º 20º da Lei Fundamental.
4 - E também, é violador dos princípios do acesso ao direito e da separação de poderes constitucionalmente consagrados nos artigos 20º e 111º da Constituição da República Portuguesa, bem como violador do regime jurídico da Lei do Apoio Judiciário (-Cf. artigo 20º da L.A.J) dado que a aqui Recorrente beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e de outros encargos junto a fls. 30, e isso desde o início do processo de insolvência.
5 - O Tribunal “a quo” no douto despacho aqui posto em crise fez uma errada interpretação do disposto no artigo 248º do CIRE no caso em apreço que merece s.m.o censura.
6 - Assim vejamos, à aqui Recorrente, em momento prévio ao do início do presente processo especial de insolvência, foi-lhe concedido pela Autoridade Administrativa competente o benefício de proteção jurídica na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação de patrono, e que se encontra junto a fls. 30 dos autos e junto a Petição Inicial de fls. com a referência Citius nº 2246594 de 27/02/2012.
7 - Em 28 de Junho de 2012, com a Refª. Citius nº 9207222, a aqui Recorrente foi declarada insolvente com custas a cargo da massa insolvente - Artigo 304º do CIRE.
8 - Foi-lhe concedido liminarmente a exoneração do passivo restante e posteriormente foi-lhe recusada a concessão da dita exoneração.

Ora, fazendo um enquadramento cronológico dos presentes autos temos que:

9 - Depois da decisão de recusa da exoneração do passivo restante da aqui Recorrente, foi fixada a remuneração do fiduciário, e em 25.09.2017 determinou-se a remessa dos autos à conta e, efetuada a contagem, o fiduciário foi notificado para depositar à ordem dos autos o valor existente na conta da fidúcia, a fim de permitir o rateio da conta (cfr. fls. 434 dos autos). Foi elaborada a conta do processo em 11.10.2017 (a fls. 435 e 436) figurando como responsável a massa insolvente, tendo o oficial de justiça que a elaborou lavrado uma cota com o seguinte teor: - “A Insolvente Maria (..) beneficia do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo.
Assim, nos termos do art.º 29º, nº 1, al. d) do RCP, aprovado pela Lei nº 7/2012, de 13/02, não há lugar à elaboração da conta de custas da sua responsabilidade- Art.º 7ºA da Portaria nº 419-A/2009, de 17/04”.
10 - Em 13.10.2017, a insolvente, aqui Recorrente, e o Ministério Público foram notificados de que foi dispensada a elaboração da conta (da responsabilidade da Insolvente, aqui Recorrente) pelos motivos constantes da referida cota, e este último nada disse, pelo que aceitou tal situação.

Na mesma data o Administrador da Insolvência foi notificado da conta elaborada (art.º 31º do RCP) para querendo reclamar e pedir a reforma e ainda para depositar o valor existente na conta da fidúcia. Sendo certo que o A.I nada reclamou.

Igualmente se notificou em 13.10.2017 a conta ao Ministério Público (fls. 442).

Foram juntos aos autos os comprovativos de pagamento da guia e do depósito autónomo efetuado pelo Administrador de Insolvência e a secretaria procedeu aos reembolsos que constam de fls. 449, incluindo o reembolso ao IGFEF pelo apoio judiciário (patrono).
11 - O Ministério Público teve vista nos autos e nada opôs ou requereu em 04/12/2017.
12 - Posteriormente, em 11.12.2017 foi proferido a fls. 451 dos autos e inserido no Citius o seguinte despacho do Juiz “a quo”:
“Visto.
Nada tendo sido promovido quanto às custas ainda em falta (não obstante a recusa de exoneração), proceda ao oportuno arquivamento dos autos.”
13 - Foi posteriormente aberto vista em fiscalização e visto em correição certificado e elaborado pelo Citius em 18.12.2017.
14 - E nesse mesmo documento e posteriormente - para o grande espanto da aqui Recorrente - com data de 23/02/2018, a Juiz “a quo” exarou a fls. 453 o despacho manuscrito, o seguinte:

“Recuso o visto, não obstante o teor do despacho de fls. 451. Porquanto constatei no dia de hoje que as custas foram calculadas tendo em conta como sujeito devedor a insolvente mas sim a massa insolvente. Assim, e, porque à insolvente não foi concedido exoneração do passivo restante, proceda à elaboração de conta de custas a cargo da insolvente pessoa singular.”
15 - O supra aludido despacho não foi notificado a aqui Insolvente mas a mesma arguiu atempadamente no processo em 19/04/2018 a nulidade processual ocorrida sobre o qual recaiu, em 24/04/2018, um despacho de indeferimento da arguida nulidade com a Referência Citius nº 157942172.
16 - Em 16/05/2018 com a referência do Citius nº 7097746, a Recorrente interpôs recurso do aludido despacho e não pagou a taxa de justiça porque beneficiava do apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e de encargos do processo conforme referiu no seu requerimento de interposição de Recurso.
17 - O Tribunal “a quo” admitiu o aludido recurso em 12/06/2018, com a referência Citius nº 158708652. De facto, no momento da admissão do referido recurso o Tribunal “a quo” não referiu nada quando ao facto que no seu entender a Recorrente não beneficiava do apoio judiciário e que por isso teria que pagar a respetiva taxa de justiça e respetiva multa.
18 - Por força do acórdão proferido, em 10/07/2018, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, foi ordenado a notificação do despacho manuscrito de fls. 453, datado de 23.02.2018, anulando-se todos os atos posteriormente praticados na estrita dependência do mesmo e determinando-se a sua regularização processual. Pelo que, o Tribunal “a quo” em estrita obediência ao estipulado no supra referido acórdão, ordenou em 06/09/2018, com a ref.ª Citius nº 159434953, a notificação da aqui Insolvente/Recorrente do despacho manuscrito de fls. 453. E a Insolvente, após notificação do aludido despacho, em 04/10/2018 interpôs recurso do mesmo, não pagou a taxa referindo novamente no seu requerimento de interposição de Recurso com a ref.ª 7648217 que beneficiava de apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e de encargos do processo.
19 - Ora, o Tribunal “a quo”, “lembrou-se” e de forma imprevisível, no despacho com o qual discordamos e aqui posto em crise, que afinal a aqui Recorrente não beneficiava de apoio judiciário e que por isso tinha que pagar a taxa de justiça e a respetiva multa ao abrigo do disposto no artigo 642º nº 1 do C.P.Civil, se não queria ver desentranhado o seu recurso de 04/10/2018 com a ref.ª Citius nº 7648217 e que incidia sobre o despacho de fls. 453. E para o efeito, com a notificação do aludido despacho aqui posto em crise, a aqui Recorrente também foi notificada para pagar a Guia/Duc nº 703080068495358 (no montante total de 204,00€ respeitante a taxa de justiça e multa), cuja data limite de pagamento correspondia ao dia 19/11/2018.
20- Face ao teor do despacho aqui posto em crise, e a fim de acautelar o direito de acesso da Recorrente/Insolvente ao tribunal superior, foi efetuado em 19/11/2018, o pagamento da aludida Guia/Duc (com o valor da taxa e da multa), mas tal pagamento foi feito com reserva e condicionalmente ao efeito do presente recurso do despacho aqui posto em crise.
Tal condicionalmente foi expressamente e previamente comunicado aos autos conforme melhor consta do teor do Requerimento com a referência Citius nº 7858197 com data de 17/11/2018.
21 - De facto o despacho aqui posto em crise, é uma decisão surpresa e injusta.
22 - Na verdade, e conforme acima se referiu, o tribunal “a quo” já assumiu no processo que a aqui Recorrente beneficiava de apoio judiciário. Pois, aquando da interposição do recurso com data de 16 de Maio de 2018, com a referência nº 7097746, o Tribunal “a quo” admitiu o Recurso sem levantar a questão de que a aqui Recorrente não beneficiava da aludida proteção jurídica e que tinha que pagar a respetiva taxa de justiça (Cfr. referência Citius nº 158708652 de 12/06/2018).
23 - Pelo que o despacho aqui posto em crise, depois de toda a movimentação processual supra referenciada, é violador do princípio do direito a um processo equitativo.
24 - Portanto, face a toda a movimentação processual supra identificada e face ao aludido despacho que determinou o arquivamento do presente processo e junto a fls. 451, despacho este, já transitado em julgado quando foi proferido o despacho de fls. 453 (cujo respetivo recurso ainda não foi admitido por causa do teor do despacho aqui posto em crise), bem como quando foi proferido o despacho aqui posto em crise, verifica-se que está processualmente adquirido que o processo estava arquivado por ordem judicial e que a aqui Recorrente beneficia de proteção jurídica e que por isso não tem que pagar a taxa de justiça nem a multa remetida através da guia/Duc nº 703080068495358 notificada com a referência 160603583 com a Certificação Citius elaborado em 06/11/2018.
25 - Pois, todas as partes envolvidas no processo se conformaram com o despacho de fls. 451 que ordenou o arquivamento dos presentes autos, pelo que o mesmo transitou em julgado.
26 - Assim o despacho que ordenou o arquivamento do processo e que transitou em jugado tem força obrigatória no processo. Cf. – Artigos 613 e 620º do C.P. Civ. Dúvidas não restam que com o trânsito em julgado do supra referido despacho (de fls. 451) bem como com o trânsito em julgado das contas de fls. 435, 436, 437 e 450, o poder jurisdicional do juiz neste processo ficou esgotado quanto a esta matéria (Cf. artigo 613º do C.P.Civ). E, tendo o despacho de fls. 451 força obrigatória neste processo, o mesmo fez assim caso julgado formal neste processo (cf. artigo 620º do C.P.Civ).
27 - Pelo que o juiz “a quo” estava vedado de poder proferir o despacho de fls. 453, e foi com o supra referido fundamento que foi interposto o recurso que aguarda a sua admissão, sendo certo que tal fundamento aplica-se também ao despacho, aqui posto em crise, pois este não tinha também fundamento legal para ser proferido.
28 - O Juiz “a quo” ao proferir o despacho de fls. 453 com a data de 23.02.2018, bem como o despacho aqui posto em crise violou o principio do caso julgado formal e por esse motivo o mesmo deverá também ser revogado e ser dado sem efeito e em consequência deverão ser devolvidos/restituídos os valores pagos condicionalmente, e respeitante a Guia/Duc de 204,00€ (referente a taxa e multa) com o nº 703080068495358 notificada com a referência Citius nº 160603583 de 06/11/2018 bem como a taxa de justiça de 102,00€ paga aqui também de forma condicional e, condicionada de facto, ao efeito do presente recurso.
29 - Mais, no caso vertente, atenta ao trânsito em julgado do despacho de arquivamento do processo de fls. 451, da conta do processo elaborada a fls., da cota de dispensa de elaboração da conta em nome da aqui insolvente/Recorrente e junto a Fls., da admissão do recurso em 12/06/2018 com a referência Citius nº 158708652 sem ter que pagar taxa de justiça porque beneficia de proteção jurídica (de fls. 30) é de todo inusitada e inesperada uma decisão posterior em que se determina que afinal a Insolvente não beneficia da proteção jurídica (de fls. 30) e que tem que pagar a taxa de justiça e respetiva multa respeitante ao disposto no artigo 642º, nº 1 do C.P.Civil para ver o seu recurso com a referência citius 7648217 de 04/10/2018 ser admitido, o que constitui uma decisão surpresa e injusta.
30 - Impunha-se pois à Meritíssima Juiz “a quo” o exercício do contraditório antes da tomada de qualquer decisão, o que não se verificou, tendo a mesma violado um princípio basilar em direito, o Princípio do contraditório.
31 - A violação do disposto no nº 3 do artigo 3º do CPC é suscetível de consubstanciar a prática de uma nulidade processual, quando a irregularidade cometida se mostre capaz de influir no exame ou decisão da causa, que é o caso dos autos. E estando a nulidade decorrente da violação do princípio do contraditório coberta por um despacho judicial, a respetiva arguição deverá verificar-se em sede de recurso interposto desta mesma decisão. Nulidade esta que aqui expressamente se invoca
32 - Para além do já referido, o arquivamento do processo, a conta emitida em nome da massa insolvente bem como a cota de dispensa de elaboração da conta em nome da Recorrente (tudo já transitado em julgado), a admissão do recurso em 12/06/2018 com a referência Citius nº 158708652 sem ter que pagar taxa de justiça porque a Insolvente beneficia de proteção jurídica (de fls. 30) criou a convicção na aqui Recorrente que o processo estava terminado e encerrado e que beneficia da proteção jurídica junta a fls. 30 dos autos. Esta convicção é fundada e legítima e merece, por isso, a tutela do direito.
33 - Existe justificação para essa confiança, uma vez que, como se disse, era razoável e plausível que a Recorrente/Insolvente aderisse a essa aparência, que tinha por legítima. Pode dizer-se que estamos perante uma situação de confiança, assente na boa-fé e gerada pela aparência – o modo como o processo foi arquivado (fls. 451) e o modo como foi admitido o recurso em 12/06/2018 (sem ter que pagar taxa de justiça).
34 - Assim sendo, o despacho do juiz “a quo”, aqui posto em crise, que ordena que seja paga a já referida Guia/Duc com a multa (no montante total de 204,00€), contraria de forma manifesta e ilegítima a segurança jurídica do caso concreto e as legítimas expectativas criadas pelas partes, bem como viola o princípio do direito a um processo equitativo e os princípios do acesso ao direito e da separação de poderes constitucionalmente consagrados nos artigos 20º e 111º da Constituição da República Portuguesa.
35 - Assim, ao proferir aquele despacho, o douto tribunal “a quo” violou tais princípios constitucionais, violou o princípio do contraditório ínsito no artigo 3.º, n.º 3 e os princípios explanados nos artigos 6º, 7º e 8º do C.P.Civil gerando uma nulidade nos termos do artigo 195.º, n.º 1 do CPC pois tal influiu irremediavelmente na decisão dos presentes autos.
36 - Concluindo, o Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, não considerou todos os factos constantes dos autos e interpretou e aplicou erradamente normas legais, em manifesta violação dos princípios do contraditório, confiança, da boa-fé processual, da cooperação, da proporcionalidade, do acesso ao direito, bem como do direito a uma tutela efetiva e a um processo equitativo.
37 - Pelo que o referido despacho posto em crise deverá ser revogado por violação dos princípios supra mencionados.
38 - Assim, caso assim não se entenda o que só por mera hipóteses académica se concebe, sempre se dirá que o Tribunal “a quo” fez uma interpretação errada do artigo 248º do CIRE neste processo.
39 - A aqui Recorrente/Insolvente beneficia do direito a proteção jurídica neste processo (Cfr. fls. 30 dos autos), a proteção jurídica foi pedida pela Recorrente e a mesma foi deferida pela entidade competente a fim de a aqui Recorrente apresentar o seu pedido de insolvência e o pedido de exoneração do passivo restante.
40 - Beneficiando da proteção jurídica na modalidade de dispensa total de pagamento da taxa de justiça e de todos os encargos do presente processo, a aqui Recorrente/Insolvente não tem que pagar qualquer tipo de conta (artigo 527º do nº 1 do C.P.C.), nem qualquer taxa de justiça já que esta última está dispensada do seu pagamento por força do benefício de apoio judiciário que lhe foi deferido a fls. 30 dos autos. - Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06/03/2018 - Processo nº 24377/11.3T2SNT –B. L1-7 (www.dgsi.pt),
41 - E é por esse motivo que a mesma foi dispensada da elaboração da conta ao abrigo do disposto no artigo 29º, nº 1, al. d) do Regulamento das Custas Processuais, conforme aliás foi a Recorrente/Insolvente notificada a fls. 437 e 438 dos autos.
42 - Pelo que o apoio judiciário concedido e deferido por uma autoridade administrativa não pode sem mais ser desconsiderado pelo Tribunal “a quo”.
43 - Só a respetiva autoridade administrativa é que tem competência para revogar a decisão que deferiu a proteção jurídica conforme melhor consta de fls. 30 dos autos. Ora, nos autos a proteção jurídica concedida está em vigor e isso desde o início deste processo de insolvência.
44 - Diga-se ainda, o sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se, tal como se refere no art.º 1.º da Lei n.º 34/2004, de 29/07, a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.
45 - No entanto, há que conjugar este regime geral da oportunidade do pedido de apoio judiciário com o regime especial introduzido no CIRE (do artigo 248º), designadamente na situação de pedido de exoneração do passivo restante.
46 - Isto é, estando o devedor, impedido de apresentar incidente do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, ter-se-á que lhe conceder essa possibilidade no momento em que essa impossibilidade desaparece. Ou seja, no momento de indeferimento liminar do incidente (do pedido de exoneração do passivo restante) ou no momento da revogação da exoneração.- Cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06/02/2018 - Processo nº 749/16.6T8OAZ.P2 –B.L1-7 (www.dgsi.pt),
47 - Face ao supra exposto, dúvidas não restam que a proteção jurídica de que beneficia a Insolvente/Recorrente desde o início do seu Processo de Insolvência tem que ser tomada em consideração no sentido que a Recorrente está dispensada de pagar quaisquer taxa de justiça e encargos no processo mesmo se neste caso foi-lhe revogado a exoneração. -Cfr. artigo 29º, nº 1, alínea d) do Regulamento das Custas Processuais.
48 - Pois, o artigo 248º do CIRE aplica-se apenas tão e somente à questão incidental da exoneração do passivo e enquanto a mesma estiver pendente.
49 - O afastamento da concessão de apoio judiciário previsto no nº 4 do artigo 248º do CIRE somente tem aplicação quando e se a insolvente requerente do pedido de exoneração do passivo restante beneficiar do diferimento previsto no nº 1 do mesmo preceito legal - o que não é o caso nos autos, porquanto a Recorrente beneficia de proteção jurídica na assinalada modalidade.
50 - Pelo que neste caso, verifica-se uma interpretação normativa inconstitucional dos nºs 1 e 4 do artigo 248º do CIRE que pelo tribunal “a quo” foi efetuada, o que expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
51 - No caso em apreço tendo sido decretada a insolvência, as custas ficam a cargo da massa insolvente e não da insolvente, ora Recorrente. - Cf. artigo 304º do CIRE.
52 - O benefício de proteção jurídica atribuído a Recorrente em momento anterior ao do início do presente processo judicial mantém-se até ao momento do pagamento das custas finais do processo como aconteceu aliás nos autos conforme supra descrito. E por força da aludida proteção jurídica que a aqui Recorrente beneficia, a mesma não tem que pagar qualquer tipo de taxa de justiça nem quaisquer custas processuais.
53 - Diga-se ainda que o regime previsto no artigo 248º do CIRE prevalece sobre o regime do apoio judiciário, mas não o afasta ou exclui tanto mais que o benefício de apoio judiciário tem como fim “assegurar que ninguém seja dificultado ou impedido, (...) por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos (art. 1º nº 1 da L.A.J e artigo 20º da C.R.P.). Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10/05/2018 - Processo nº 2676/10 no Jus Net 2770/2018 e ainda o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/06/2018 - Processo nº 1525/12.0TBPRD.P1 (www.dgsi.pt).
54 - Assim, tendo em conta o supra referido, e analisando o caso dos autos, quando terminou o incidente da exoneração do passivo restante, com a decisão final proferida no procedimento de exoneração de passivo restante, passou automaticamente a valer o regime de apoio judiciário geral de que beneficia a Recorrente desde o início do processo de insolvência e junto a petição inicial a fls. 30. Tal apoio judiciário é válido no processo e não foi revogado no processo.
55 - Ao decidir como decidiu o Tribunal “a quo” recorrido violou e/ou interpretou de forma errada os citados preceitos legais e princípios constitucionais. Pelo que a Recorrente/Insolvente, não tem que pagar as custas processuais nem quaisquer taxas de justiça.
56 - Termos em que, face ao supra exposto deve o despacho aqui posto em crise ser revogado com todas as consequências legais. E, assim deverão ser devolvidas a aqui Recorrente as taxas de justiça e multa pagas de forma condicional, a saber:
- a Guia/ DUC nº 703080068495358 notificada com a referência Citius nº 160603583 de 06/11/2018 (taxa de justiça e multa) no total de 204,00€, para admissão do recurso de 04/10/2018 com a referência citius nº 7648217, que foi paga condicionalmente, conforme expressamente estipulado no Requerimento de 17/11/2018 com a referência Citius nº 7858197
- bem como a taxa de justiça no montante de 102,00€ que foi paga condicionalmente para a interposição deste recurso conforme expressamente estipulado no requerimento de interposição do presente recurso.
57 - Pelo que, o douto despacho é violador de normas substantivas designadamente o artigo 29º, nº 1 alínea a) e 31º do Regulamento das Custas Processuais, os artigos 20º nºs 1 e 4 e 111º da Constituição da República Portuguesa, os artigos 1º e 20º da L.A.J e os artigos 248º e 304º do CIRE e de normas adjetivas designadamente os artigos 3º, nº 3, 6º, 7º, 8º, 195º, 527º nº 1, 613º nº 1 e 620º nº 1 do Código de Processo Civil e deverá ser revogado com todas as consequências legais.

TERMOS em que deve ser dado provimento ao presente recurso,

a) revogando-se em conformidade o douto despacho recorrido, com todas as consequências legais, seguindo-se os demais termos legais.
b) E em consequência deverá ser ordenado a devolução à aqui Recorrente o valor de 306,00€ correspondente ao somatório da multa e das taxas de justiça pagas de forma condicional, a saber:
- a Guia/ DUC nº 703080068495358 notificada com a referência Citius nº 160603583 de 06/11/2018 (taxa de justiça e multa) no total de 204,00€, para admissão do recurso de 04/10/2018 com a referência citius nº 7648217, que foi paga condicionalmente, conforme expressamente estipulado no Requerimento de 17/11/2018 com a referência Citius nº 7858197, e
- bem como a taxa de justiça no montante de 102,00€ que foi paga condicionalmente a aguardar decisão do presente recurso aqui interposto conforme expressamente estipulado no requerimento de interposição do presente recurso.
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cf. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação, as questões que são colocadas pela apelante ao tribunal ad quem são as seguintes:

a- se a decisão recorrida de 05/11/2018, que ordenou fosse dado cumprimento ao disposto no art. 642º, n.º 1 do CPC, é uma decisão surpresa, sendo, por isso, nula por violação do princípio do contraditório e, bem assim, se essa decisão foi proferida quando já se encontrava esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo face a decisões anteriormente proferidas no processo e transitadas em julgado; e
b- se essa decisão é violadora do princípio do acesso ao direito, na sua dimensão de processo equitativo, e da separação dos poderes, bem como do regime jurídico da lei do apoio judiciário.
*
A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para a decisão a proferir na presente apelação são os que constam do relatório acima elaborado.
*
B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.

Sustenta a apelante que a decisão recorrida de 05/11/2018, que ordenou fosse dado cumprimento ao disposto no art. 642º, n.º 1 do CPC, é uma decisão surpresa e foi proferida quando já se encontrava esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo face a decisões anteriormente proferidas no processo e já transitadas em julgado, além de que essa decisão é violadora do princípio da separação de poderes, dado que apenas incumbe à entidade administrativa conceder ou não o benefício do apoio judiciária àquela, bem como da lei de proteção judiciária.

Antes de mais, incumbe referir que o despacho recorrido é o proferido em 05/11/2018, em que o tribunal a quo, ordenou o cumprimento do disposto no art. 642º, n.º 1 do CPC, perante a constatação que a apelante não tinha junto aos autos o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso do despacho proferido a fls. 453, embora, neste despacho (o recorrido), o tribunal tenha novamente esgrimido os argumentos que já tinha explanado no despacho de 20/03/2018, justificando a razão de ter proferido esse despacho manuscrito de fls. 453, em que recusara a aposição de visto em correição por entender que não obstante à requerente tivesse sido concedido o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo, tendo a mesma requerido a exoneração do passivo restante, teria, ainda assim, de suportar as taxas de justiça e as custas do processo de insolvência, razão por que determinou a elaboração de nova conta, com custas a cargo da insolvente.

Sucede que desse despacho manuscrito de fls. 453, a insolvente interpôs recurso por requerimento entrado em juízo em 04/10/2018, justamente porque não se conformou com esse entendimento do tribunal a quo.

Como referido, esse recurso não foi ainda admitido pelo tribunal a quo porquanto, quando os autos foram conclusos à Meritíssima Juiz para se pronunciar sobre a admissão ou não desse recurso, tendo esta constatado que a apelante não tinha junto aos autos, com o requerimento de interposição de recurso e respetivas alegações, o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida pela interposição desse recurso, na sequência da posição anteriormente adotada na decisão de fls. 453 (decisão recorrida, mas não a presente, sobre que versa esta apelação), nos termos da qual, pese embora a recorrente gozasse de apoio judiciário na modalidade de isenção total de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, tendo a mesma requerido a exoneração do passivo restante, nos termos da interpretação que o tribunal a quo fez do art. 248º, n.º 1 do CIRE naquela decisão de fls. 453, ainda assim a insolvente teria de pagar a taxa de justiça e as custas do processo de insolvência, pelo que ordenou o cumprimento do disposto no n.º 1 do art. 642º do CPC.

Significa isto que, no caso, se impõe distinguir os fundamentos de recurso do despacho recorrido, em que se ordenou o cumprimento do disposto no n.º 1 do art. 642º do CPC, daqueles outros, que se reportam ao despacho manuscrito de fls. 453, em que se discute se a interpretação que foi dada pelo tribunal a quo ao regime jurídico constante do art. 248º do CIRE se mostra ou não conforme ao quadro legal e, na positiva, se esse entendimento jurídico não violará o caso julgado formal decorrente de anteriores decisões proferidas nos autos e já transitadas em julgado, uma vez que nestes autos o tribunal ad quem não pode entrar na apreciação do objeto deste último recurso, o qual, inclusivamente, reafirma-se, nem sequer ainda se encontra admitido.

Esta distinção que se impõe operar, sob pena de se estar a confundir os fundamentos de ambos os recursos e, inclusivamente, neste recurso, se estar a decidir o recurso interposto pela apelante em 04/10/2018, quando este nem sequer ainda foi admitido, não foi devidamente ponderado pela apelante, ao que não terá sido alheio o facto do tribunal a quo, no despacho recorrido, ter novamente esgrimido os fundamentos que já anteriormente tinha esgrimido e que justificaram, na sua perspetiva, a decisão antes tomada a fls. 453 e de que a apelante recorreu em 04/10/2018.

Com efeito, conforme decorre da simples leitura das conclusões de recurso apresentadas pela apelante, todas as questões por ela suscitadas nas conclusões 5º a 14º, 24º a 34º e 38º a 55º, designadamente, quando põe em crise a interpretação que foi feita pelo tribunal a quo a propósito do art. 248º do CIRE, quando sustenta que essa interpretação viola o caso julgado formal operado por anteriores decisões proferidas nos autos e transitadas em julgado e, bem assim quando sustenta que aquele entendimento configura uma decisão surpresa e viola a lei do apoio judiciário, são fundamentos que respeitam exclusivamente ao recurso que aquela interpôs do despacho manuscrito de fls. 453 e onde, consequentemente, esses fundamentos de recurso teriam de ser suscitados pela apelante no recurso que interpôs desse despacho e onde, caso tenha invocado esses fundamentos de recurso, terão de aí ser apreciados, caso evidentemente esse recurso que interpôs do despacho manuscrito de fls. 453 venha a ser admitido.

É que caso exista uma indevida interpretação do regime jurídico do art. 248º, n.º 1 do CIRE pelo tribunal a quo na decisão manuscrita de fls. 453, ou caso essa interpretação por ele feita viole o caso julgado formal operado por anteriores decisões proferidas por esse tribunal e transitadas em julgado, ou caso essa decisão configure uma decisão surpresa e seja, por isso, nula por violação do princípio do contraditório, ou caso esse entendimento viole a lei do apoio judiciário, esses invocados vícios suscitados pela apelante na presente apelação respeitam, única e exclusivamente, à decisão manuscrita proferida a fls. 453, de 23/02/2018, que não está aqui a ser sindicada e que nem sequer pode aqui ser sindicada sob pena de estarmos a apreciar os fundamentos do recurso interposto pela apelante em 04/10/2018 daquela decisão ou a apreciar fundamentos de recurso que a mesma devia ter suscitado a propósito dessa decisão, recurso esse que, reafirma-se, nem sequer foi ainda admitido.

Quanto à decisão recorrida, que ordenou o cumprimento do disposto no art. 642º, n.º 1 do CPC, esta é mera decorrência da decisão manuscrita de fls. 453, em que se decidiu que não obstante a apelante ser beneficiária de apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de taxas de justiça e demais encargos do processo, ainda assim, por força do art. 248º, do CIRE, aquela tinha de pagar taxa de justiça e custas nos presentes autos de insolvência, dado ter neles requerido a exoneração do passivo restante.

Consequentemente, a pretensa interpretação contra legem que a apelante diz ter sido feita pelo tribunal a quo em relação ao art. 248º do CIRE, assim como a alegada violação que essa interpretação gera do caso julgado formal em relação a decisões anteriormente proferidas por esse tribunal em que terá feito uma interpretação jurídica diversa ou incompatível com aquela que agora, no despacho de fls. 453, fez daquele art. 248º, decisões essas que terão transitado em julgado, bem como a pretensa violação que dessa interpretação decorre do regime jurídico da lei do apoio judiciário, bem como a nulidade que assaca a essa interpretação jurídica decorrente da violação do princípio do contraditório, sustentando que essa decisão em que se sufraga aquele entendimento do enunciado art. 248º do CIRE configura uma decisão surpresa, são vícios que se reportam, única e exclusivamente, à decisão manuscrita de fls. 453 e que, consequentemente, a apelante tem de assacar a essa decisão e não à decisão recorrida, a qual, reafirma-se, é mera decorrência do que ficara decidido na referida decisão manuscrita de fls. 453 e do regime aplicável ao assim decidido e explanado no art. 642º, n.º 1 do CPC, pelo que é manifesto que esses pretensos vícios não podem ser apreciados na presente apelação, sob pena de se estar a conhecer do objeto do recurso interposto pela apelante em relação à identificada decisão manuscrita de fls. 453, quando este nem sequer ainda foi admitido.

Sustenta a apelante que assim não é quanto ao pretenso vício da nulidade por violação do princípio do contraditório que assaca à decisão recorrida, sustentando que esta configura uma decisão surpresa já que, anteriormente, a mesma tinha interposto recurso da decisão que incidiu sobre o requerimento que apresentara em 19/04/2018 e, na altura, o tribunal a quo admitiu esse recurso, não obstante aquela não tenha junto, com o requerimento de interposição desse recurso e respetivas alegações, o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso, mas sem manifesta razão.

Com efeito, é certo que a apelante interpôs recurso do despacho que recaiu sobre o seu requerimento de 19/04/2018 e que então não juntou aos autos, juntamento com o requerimento de interposição de recurso e respetivas alegações, o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida pela interposição desse recurso e que esse recurso foi admitido, sem que o tribunal a quo, sequer esta Relação, tivessem ordenado o cumprimento do disposto no art. 642º, n.º 1 do CPC.

Acontece que, na altura, quer o tribunal a quo, quer esta Relação limitaram-se, respetivamente, a admitir e a conhecer desse recurso, sem tomarem qualquer decisão expressa sobre se era ou não devida taxa de justiça por parte daquela pela interposição desse recurso em face da decisão antes proferida a fls. 453.

Ora, para que se pudesse concluir pela existência de uma decisão surpresa em relação ao despacho recorrido e, inclusivamente, violação pelo mesmo do caso julgado formal, necessário seria que o tribunal a quo ou o tribunal ad quem se tivessem expressamente pronunciado no sentido de que, não obstante o que ficara decidido no despacho manuscrito de fls. 453, onde se decidira que a recorrente, não obstante beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa total de taxas de justiça e demais encargos com o processo, tinha de pagar essas taxas e custas no âmbito do presente processo de insolvência à luz do disposto no art. 248º do CIRE dado ter apresentado pedido de exoneração do passivo restante, e do regime jurídico explanado no art. 642º do CPC, que impõe que nos casos em que o recorrente não esteja dispensado do pagamento de taxa de justiça e não junte, com o requerimento de interposição do recurso e respetivas alegações, o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso, a Secção deve oficiosamente notificar o recorrente para pagar, no prazo de dez dias, a taxa de justiça omitida, acrescida de multa de igual valor, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC, e não, como aconteceu no caso, em que aqueles tribunais se limitaram a admitir o recurso e a dele conhecer, sem que tivessem tomado qualquer posição expressa quanto a essa concreta questão.

Destarte, é indiscutível que ao proferir o despacho recorrido, o tribunal a quo não incorreu na prolação de qualquer decisão surpresa e, por conseguinte, em qualquer postergação do princípio do contraditório, posto que ao ordenar que a Secretaria desse cumprimento ao disposto no art. 640º, n.º 1 do CPC, limitou-se a dar sequência ao que fora anteriormente por si decidido no despacho que proferiu a fls. 453 e a aplicar o regime jurídico previsto no art. 642º, n.º 1 do CPC na sequência do por si antes decidido na referida decisão de fls. 453.

A questão que se suscita é a de saber se tendo a apelante interposto recurso do despacho proferido a fls. 453, em que a 1ª Instância tinha decidido que aquela, ainda que beneficiasse de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo, tinha de arcar com as taxas de justiça e as custas devidas no presente processo de insolvência perante o pedido de exoneração do passivo restante que nele formulara e tinha, por conseguinte, de proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso dessa decisão e da multa a que alude o art. 642º, n.º 1 do CPC, para que pudesse ser admitido esse recurso e a mesma ver reapreciada essa questão por uma Instância Superior, conforme foi o entendimento do tribunal recorrido, ou se esse entendimento viola o direito constitucionalmente assegurado à apelante de acesso ao tribunais, na vertente de ser assegurado a todos um processo equitativo, e do direito daquele de acesso ao direito, conforme é entendimento da apelante acontecer e, a nosso ver, com manifesta razão.

Na verdade, o n.º 1 do art. 20º da CRP assegura a todos o acesso ao Direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos, acrescentado o seu n.º 5 que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisões em prazo razoável e mediante processo equitativo.

A CRP, sem sede de princípios gerais e no âmbito dos direitos fundamentais, assegura assim, a todos o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.

O direito de acesso ao direito e aos tribunais embora sejam direitos distintos, são direitos conexos, pois “o conhecimento dos seus direitos e dos seus deveres por parte de cada um é condição para os exercer e para cumprir e observar os deveres. Qualquer deles constitui elemento essencial da própria ideia de Estado de direito, não podendo conceber-se uma tal ideia sem que os cidadãos tenham conhecimento dos seus direitos, a protecção jurídica de que careçam e o acesso aos tribunais de que precisam … O direito de acesso ao direito não é apenas instrumento de defesa dos direitos e interesses legítimos. É também elemento integrante do princípio material da igualdade e do próprio princípio democrático, pois este não pode deixar de exigir também a democratização do direito” (1).

O direito de acesso ao direito engloba o direito à informação jurídica e à proteção jurídica e tem ínsito o direito de acesso aos tribunais, uma vez que, como referido, não existe um verdadeiro e efetivo acesso ao direito, sequer um efetivo Estado de Direito, ou um verdadeiro Estado Democrático, sequer um real Estado baseado na dignidade da pessoa humana, erigidos pelo legislador constitucional como pedras angulares do Estado Português (artºs. 1º e 2º da CRP) sem se assegurar a todos os cidadãos um efetivo acesso à via jurisdicional para fazer valer os seus direitos quando estes necessitem de tutela jurisdicional.

Os direitos constitucionais e fundamentais que são reconhecidos pela Constituição de acesso ao direito e à via judiciária impõem-se a todos os particulares e a todos os poderes públicos, incluindo aos próprios juízes e tribunais, isto é, aos órgãos constitucionalmente habilitados a defender e garantir os interesses legítimos dos cidadãos.

Pela sua própria natureza, a defesa desses direitos fundamentais contra atos jurisdicionais é assegurada mediante o reconhecimento a todos do direito ao recurso para um tribunal superior dotado de poderes para revogar as decisões ofensivas desses direitos.

O direito de recurso para um tribunal superior, é assim, uma das mais importantes garantias constitucionais conferidas aos cidadãos (2).

Precise-se que “o reconhecimento do direito de recorrer aos tribunais seria meramente teórica se não se garantisse que o direito à via judiciária não pode ser prejudicado pela insuficiência de meios económicos”. Consequentemente, “incumbe à lei assegurar a atuação desta norma constitucional, não podendo, por exemplo, o regime de custas judiciais ser de tal modo gravoso que torne insuportável o acesso aos tribunais, ou as ações ou recursos estarem condicionadas a cauções ou outras garantas financeiras incomportáveis” (3).

O direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva não se esgota no acesso à via judiciária, apresentando, para além dessa dimensão inicial, um conteúdo que se desdobra em diversos subprincípios e em vários direitos fundamentais.

Na sua dimensão de um processo equitativo, o direito de acesso aos tribunais postula que as normas processuais têm de proporcionar aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialética que elas protagonizam no processo.

“Um processo equitativo postula, por isso, a efetividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas”, impedindo que se opte por soluções legislativas ou por interpretações da lei que se mostrem arbitrárias, irrazoáveis ou infundadas e que envolvam uma compressão excessiva dos direitos de defesa das partes, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas (4).

Assentes nesta premissas, como referido, por despacho proferido a fls. 453, entendeu o tribunal a quo que, não obstante ter sido concedido o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de taxas de justiça e demais encargos do processo, que tendo a apelante requerido a exoneração do passivo restante, nos termos do art. 248º do CIRE, ainda assim, aquela, com exceção dos honorários devidos à sua ilustre patrona, tinha de pagar taxas de justiça e as custas devidas nos presentes autos de insolvência.

A apelante não se conformou com esta decisão do tribunal a quo e interpôs recurso da mesma.

Acontece que na decorrência daquilo que decidiu naquele despacho de fls. 453, entendeu o tribunal a quo que para que a apelante pudesse interpor recurso desse despacho, a mesma tinha de pagar a taxa de justiça devida pela interposição desse recurso e tinha de ter junto aos autos, em anexo ao requerimento de interposição de recurso e respetivas alegações, o documento comprovativo do prévio pagamento dessa taxa de justiça.

Verificando que a apelante não tinha junto aos autos esse documento comprovativo do prévio pagamento dessa taxa, ordenou o tribunal a quo que a Secção desse cumprimento ao disposto no art. 642º, n.º 1 do CPC.

Acontece que esta interpretação feita pelo tribunal a quo do enunciado art. 642º, n.º 1 do CPC, no sentido de que para que pudesse admitir o recurso interposto pela apelante para uma Instância Superior do despacho proferido a fls. 453, em que a apelante pretende ver justamente reapreciada essa decisão da 1ª Instância, que a obriga a pagar taxa de justiça e custas nos presentes autos de insolvência, aquela teria de pagar a taxa devida pela interposição desse recurso e a multa devida, decorrente da circunstância de não ter junto aos autos o comprovativo do prévio pagamento dessa taxa, é indiscutivelmente violadora do direito fundamental constitucionalmente protegido da apelante de acesso aos tribunais, na sua dimensão de lhe ser assegurado um processo equitativo, além de ser violadora do direito fundamental constitucionalmente protegido da mesma de recorrer à via judiciária para tutelar os seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo esse seu direito ser limitado por razões de insuficiência de meios económicos.

Na verdade, exigir-se que a apelante pague a taxa de justiça devida pela interposição do recurso do despacho de fls. 453 e, bem assim da multa (face à não junção pela mesma do documento comprovativo do prévio pagamento dessa taxa) para que se admita o recurso em que aquela pretende ver reapreciada a decisão proferida de fls. 453, que a obriga a pagar taxas de justiça e custas no âmbito do presente processo de insolvência, não obstante antes lhe ter sido concedido o benefício do apoio judiciário que a isenta do pagamento dessas taxas e demais encargos com o processo face às então comprovadas insuficiências económicas que a afetam e que justificaram a concessão desse benefício à mesma, é uma decisão que envolve uma compressão excessiva, arbitrária, irrazoável e infundada do direito da apelante ao recurso, e como tal, materialmente inconstitucional, por violadora do direito da mesma de acesso à via judiciária e de lhe ser assegurado um processo equitativo.

Acresce que essa decisão, face à reconhecida impossibilidade da apelante de suportar as custas do presente processo de insolvência, tanto assim que lhe foi concedido o benefício do apoio judiciário na modalidade de isenção total de pagamento de taxas de justiça e demais encargos com o processo, viola frontalmente o direito fundamental constitucionalmente consagrado daquela de aceder ao direito e de que esse seu direito não seja prejudicado/limitado pela situação de insuficiência de meios económicos com que se vê confrontada.

Decorre do exposto, que a interpretação feita pelo tribunal a quo do enunciado no art. 642º, n.º 1 do CPC, no sentido de que em face da decisão antes por si proferida a fls. 453, decisão esta de que a apelante recorreu, reclamava que a apelante tinha de pagar a taxa de justiça devida pela interposição desse recurso e que, não o tendo feito, tinha de ser notificada para, no prazo de dez dias, proceder ao pagamento dessa taxa de justiça e respetiva multa, como condição para que esse recurso fosse admitido, é materialmente inconstitucional, por violadora do direito fundamental da apelante de acesso ao direito, na vertente de não lhe poder ser negado esse direito por razões de insuficiência de meios económicos e, bem assim, do direito fundamental daquela de acesso aos tribunais e de neles lhe ser assegurado um processo equitativo.

Consequentemente, impõe-se revogar a decisão recorrida e ordenar a devolução à apelante das quantias que depositou condicionalmente, a título de taxa de justiça e de multa - (204,00 euros) e, bem assim da taxa de justiça que pagou pela interposição do presente recurso (102,00 euros) -, devendo o tribunal a quo, uma vez preenchidos que estejam os demais requisitos de admissibilidade do recurso interposto pela apelante da decisão proferida a fls. 453, admitir esse recurso.

Decorre do que se vem dizendo proceder a presente apelação.
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Decisão:

Nesta conformidade, os juízes desembargadores desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, acordam em julgar procedente a presente apelação e, em consequência:

- revogam a decisão recorrida que ordenou que fosse dado cumprimento ao disposto no art. 642º, n.º 1 do CPC, ordenando a devolução à apelante das quantias por elas depositadas condicionalmente, a título de taxa de justiça e de multa (204,00 euros – duzentos e quatro euros, acrescida de 102,00 euros – cento e dois euros), devendo o tribunal a quo, uma vez preenchidos que estejam os demais requisitos de admissibilidade do recurso interposto pela apelante da decisão proferida a fls. 453, admitir esse recurso.
Sem custas.
Notifique.
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Guimarães, 21 de fevereiro de 2019

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Dr. José Alberto Moreira Dias (relator)
Dr. António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto)
Dra. Eugénia Maria Marinho da Cunha (2ª Adjunta)

1. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 2ª ed., 1º vol., Coimbra Editora, 1984, pág. 180.
2. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 181.
3. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 182.
4. Jorge Miranda e Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, tomo I, 2ª ed., Coimbra Editora, págs.441 e 442.