Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3174/16.5T8VCT.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES
MAIORIDADE
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
“A Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio, é aplicável a quem atingiu a maioridade depois da sua entrada em vigor, pois o que se pretende salvaguardar é que, nas situações dos jovens até aos 25 anos, o FGADM assegure uma prestação, no lugar do progenitor, impossibilitado de pagar, desde que o jovem ainda não tenha autonomia económica e esteja em formação.”
Decisão Texto Integral:
Sumário do acórdão (art. 663.º n.º 7, do CPC):

I-A Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio, é aplicável a quem atingiu a maioridade depois da sua entrada em vigor, pois o que se pretende salvaguardar é que, nas situações dos jovens até aos 25 anos, o FGADM assegure uma prestação, no lugar do progenitor, impossibilitado de pagar, desde que o jovem ainda não tenha autonomia económica e esteja em formação.

-ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES-

1.Relatório

Maria, divorciada, residente na Rua …, Valença, veio deduzir incidente de incumprimento das responsabilidades parentais contra José, divorciado, residente na Rua …, Luanda, alegando que, por acordo homologado em 28/7/2004, o requerido ficou obrigado ao pagamento de uma prestação de alimentos de € 74,82 a título de alimentos ao seu filho Tiago.
Mais alega que o requerido tem em dívida prestações de alimentos que ascendem a, pelo menos, € 4.564,00.
Foi dado cumprimento ao disposto no art. 41º, nº 3 do RGPTC e o progenitor não respondeu.
Considerando a falta de oposição do requerido e porque a ele cabia a prova do cumprimento das prestações de alimentos, como facto extintivo do direito invocado (art. 342.º, n.º2, do Código Civil), foi julgado o incidente totalmente procedente, declarando-se verificado o incumprimento da obrigação alimentícia por parte do requerido, pelo montante de € 4.564,00.
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Após relatório social de fls. 92, do p.p., por atingida a maioridade de Tiago, veio a requerente Maria requerer o pagamento da prestação social a prestar pelo FGADM a favor do jovem Tiago Gomes, o qual, segundo alega, se encontra nas circunstâncias previstas no art. 1905º, nº 2 do CC.
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Face à impossibilidade de cobrança coerciva, veio, então, a ser proferida decisão que fixou em € 75,00 (setenta e cinco euros), o montante mensal a pagar pelo Estado a favor do jovem a título de prestação de alimentos, em substituição do devedor, quantia essa a ser entregue à mãe, determinando-se, para o efeito, a notificação do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (na qualidade de gestor do FGAM) a fim de diligenciar pelo imediato pagamento das prestações mensais fixadas.
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II-Objecto do recurso

Não se conformando com o decidido veio a interveniente FGADM instaurar o presente recurso, nele formulando as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso interposto da decisão de fls. (…) proferida pelo douto Tribunal a quo, que determinou que o FGADM assegurasse as prestações a favor do jovem Tiago que atingiu a maioridade em 16/07/2016.
B. O n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio, com entrada em vigor a 23 de Junho de 2017 veio permitir que o FGADM, em substituição do progenitor obrigado a alimentos, continue a assegurar o pagamento das prestações que hajam sido fixadas durante a menoridade, até que o jovem complete 25 anos de idade se e enquanto durar o processo de educação ou de formação profissional [e cumulativamente, terão de encontrar preenchidos todos os restantes requisitos legalmente exigidos para a intervenção do
FGADM previstos no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro em articulação com o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, o artigo 48.º do RGPTC e o Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho].
C. A alteração legislativa operada pela Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio relativamente ao n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro entrou em vigor a 23 de Junho de 2017, ou seja, em data posterior ao jovem dos autos ter atingido a maioridade.
D. Nos termos do artigo 12.º do Código Civil, a Lei só dispõe para o futuro, pelo que inexiste qualquer obrigação do FGADM quanto ao jovem dos autos.
E. O FGADM não se encontrava obrigado ao pagamento da prestação de alimentos ao jovem no momento em que a lei se torna aplicável no ordenamento jurídico.
F. A manter-se a decisão recorrida, o FGADM mantém-se a assegurar uma prestação de alimentos ao jovem dos autos, quando em data posterior à entrada da lei, nunca se encontrou aquele abrangido pelo regime de garantia de alimentos devidos a menores.

Por outro lado,

G. A nova redacção legal do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, aprovada pela Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio, pressupõe que o Fundo se encontrava a pagar a prestação de alimentos no momento em que é atingida a maioridade, entendimento que resulta da letra da própria lei quando refere no n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98: «O pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado, nos termos da presente lei, cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos, excepto nos casos e nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil».
H. Quando a nova redacção entrou em vigor, o FGADM não se encontrava a efectuar nenhum pagamento, o que sucedeu, igualmente, durante a menoridade do jovem.
I. Se o legislador pretendesse que o Estado ficasse obrigado ao pagamento de prestação de alimentos, em substituição do obrigado incumpridor, e que pudesse ser requerida a intervenção do FGADM em qualquer altura até aos 25 anos, não teria previsto a possibilidade de continuidade do pagamento, como uma excepção à cessação automática com a maioridade.
J. Tendo presente o pressuposto de continuidade que a lei confere à garantia daquele pagamento, não pode o ora recorrente concordar com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, na medida em que o FGADM nunca se encontrou obrigado ao pagamento da prestação de alimentos ao durante a sua menoridade.
K. Embora a 2ª parte do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro remeta para o regime previsto no n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil, não podemos esquecer o âmbito em que o mesmo é aplicado, ou seja, ao “pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado” – cfr. artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro.
L. Não pode assim, o recorrente concordar com a decisão recorrida, uma vez que, no presente caso dos autos, tratar-se-ia não de uma continuidade mas de pela primeira vez o FGADM ser chamado a intervir.
M. Todo o regime de garantia dos alimentos devidos a menores, estabelecido na Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e regulamentado no Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio é construído com um objectivo e um sentido: o Estado assegurar um valor de alimentos ao menor, na sequência da verificação ou preenchimento dos requisitos legalmente previstos, entre eles o incumprimento por parte do progenitor que estava obrigado a prestar alimentos, por não se conseguir tornar efectiva essa obrigação pelos meios previstos no artigo 48.° do RGPTC, bem como pela reunião de todos os requisitos previstos na Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro [com a redacção dada pela Lei n.º 24/2017, de 24 de maio].
N. Incorreu, assim, o douto Tribunal a quo em errada interpretação e aplicação do Direito, na medida em que houve violação, por omissão e erro na aplicação do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e, consequentemente, o n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil.

Sem prescindir, e por mera cautela, assim não se entendendo,

O. Entende o recorrente que a decisão proferida pelo douto Tribunal padece de falta de fundamentação, por omissão de pronúncia sobre a existência e verificação de todos os pressupostos legais exigidos para a intervenção do FGADM – previstos no n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro que remete para o n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil -, em substituição do progenitor devedor, no caso de jovens maiores.
P. Em 16/07/2016, o jovem completou 18 anos, sendo que não resulta dos autos qualquer referência de que o jovem manteve o seu processo educativo ou de formação desde que atingiu a maioridade até à presente data,
Q. O douto Tribunal recorrido não se pronuncia nem demonstra que o jovem desde 20/11/2016 até ao presente não interrompeu livremente o seu processo educativo, sendo que tal exigência se encontra prevista no n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil.
R. Apenas foi junta aos autos a prova relativamente ao presente ano lectivo de 2017/2018, faltando a prova da continuidade e efectividade de estudo ou formação profissional desde 16/07/2016.
S. Desconhece-se igualmente qual a posição que o progenitor devedor possa ter tomado nos autos, isto é, se obrigado à prestação de alimentos fez prova da irrazoabilidade da exigência da prestação em causa, conforme referido, igualmente, no n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil.
T. Face à omissão de pronúncia sobre os pressupostos legais e cumulativos que estão expressos na 2ª parte do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro [por remissão do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro], não existindo qualquer referência aos mesmos e sua eventual verificação, entende o recorrente ocorrer falta de fundamentação.

Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, revogada a douta decisão recorrida que determina a intervenção do FGADM relativamente ao jovem (maior) em causa nos autos, seguindo-se os demais trâmites legais.
Decidindo-se assim, far-se-á JUSTIÇA.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III - Fundamentação

Os factos a ter em conta, com relevância para a decisão do recurso, são os que constam deste relatório, bem como os seguintes:

1-O jovem Tiago nasceu no dia 16/7/1999 e é filho de José e de Maria.
2-Por acordo de regulação das responsabilidades parentais devidamente homologado em 28/7/2004, o progenitor ficou obrigado ao pagamento de uma prestação de alimentos de € 74,82 a título de alimentos para o seu filho, a actualizar anualmente de acordo com a inflação em Portugal.
3-A progenitora vive com o jovem Tiago; aufere € 300,00 do seu rendimento de trabalho e € 49,41 de prestações familiares.
4-O jovem Tiago está matriculado no ano lectivo de 2017/2018 num curso de “Ciências e Tecnologias” do Ensino Recorrente – fls. 92.
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IV-O Direito

Como resulta do disposto nos arts.º 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apurar:

1-Sobre a aplicação no tempo da Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio, concretamente se é aplicável quando o FGADM não se encontrava a efectuar qualquer pagamento durante a menoridade do jovem.
2- Se se verificam os respectivos pressupostos para tal, após a maioridade, concretamente por ser necessário a prova da continuidade e efectividade de estudo ou formação profissional.
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Apreciando e decidindo

Como resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, ‘o direito à vida traduz-se igualmente no acesso a condições de subsistência mínimas, o que, em especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à sociedade e, em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna’.
Assim, não podendo os alimentos ao filho menor ser cobrados, a Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, veio atribuir ao Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, a obrigação de garantir esse pagamento, até ao efectivo cumprimento da obrigação pelo progenitor devedor, ficando aquela entidade subrogada em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas as prestações, com vista a ser reembolsado do que pagou (artigos 1.º e 3.º da referida Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e 2.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, diploma que regulamentou aquela lei).

A atribuição das prestações ao abrigo deste regime depende, no entanto, cumulativamente, dos seguintes pressupostos:

- o menor resida em território nacional (art.º 1.° da Lei n.° 75/98, de 19 de Novembro);
- a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfaça as quantias em dívida pelas formas previstas no art.º 48.º do RGPTC;
- o menor não tenha rendimento líquido superior ao IAS;
- o menor não beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, sendo que tal se verificará, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior ao IAS (art.º 3.°, n.° 1, als. a) e b) e n° 2 do Dec.-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio).

Assim, ainda que verificados tais requisitos, para que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores possa substituir-se ao progenitor obrigado a alimentos, é necessário que tenha sido homologado acordo ou proferida decisão fixando alimentos e, de igual modo, que a prestação de alimentos a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores seja tendencialmente igual à fixada a cargo do devedor originário que substitui (sobre o assunto, Tomé d’Almeida Ramião, Organização Tutelar de Menores Anotada e Comentada, 9.ª edição, Quid Juris, pgs. 160-166).

Efectivamente, a intervenção da segurança social tem natureza subsidiária de acordo com “uma crescente socialização do risco do incumprimento de obrigações alimentares devidas a menores e, já de outro, uma maior responsabilização do devedor de alimentos, posto que o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores se sub-roga em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas as prestações” (Remédio Marques, Algumas Notas sobre Alimentos Devidos a Menores, 2.ª edição, Coimbra Editora, pg. 230).

Acontece que, o artigo 1.º, n.º 2 da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, com a redacção introduzida pela Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio, com entrada em vigor a 23 de Junho de 2017, veio permitir que o FGADM, em substituição do progenitor obrigado a alimentos, assegure o pagamento das prestações que hajam sido fixadas durante a menoridade, até que o jovem complete 25 anos de idade (desde que, cumulativamente, se encontrem preenchidos os restantes requisitos legalmente exigidos – n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, artigo 48.º do RGPTC, DL n.º 164/99, de 13 de Maio, e DL n.º 70/2010, de 16 de Junho).

Concretamente, por força do artigo 6.º, da Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio, que veio alterar o art. 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, passou este a ter, quanto ao seu número 2, a seguinte redacção: “o[O] pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado, nos termos da presente lei, cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos, excepto nos casos e nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil”.

No entanto, já antes da referida Lei n.º 24/2017, em 01.10.2015, tinha entrado em vigor a Lei n.º 122/2015, de 01.09, que alterou o Código Civil e o Código de Processo Civil, quanto ao regime dos alimentos aos filhos maiores ou emancipados, consignando-se no n.º 2 do art.º 1905.º do CC, que “[p]ara efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da exigência”.

Já, no plano processual alterou-se, em conformidade, o art.º 989.º do CPC, atribuindo ao progenitor que assume o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores a legitimidade para exigir do obrigado a alimentos a respectiva contribuição.

Como tal, deve ser neste contexto que a norma ora vigente deve ser interpretada, sem nunca se deixar de ter em consideração que a obrigação da prestação de alimentos pelo FGADM, como subsidiária, existe se existir a respectiva obrigação do devedor originário.

In casu, como resulta dos autos, aquando da entrada em vigor da referida Lei 24/2017, a 23.6.2017, ainda o Tiago era menor, dado que só em 16.7.2017 fazia 18 anos.

É certo que naquela data, o FGADM não se encontrava a pagar qualquer prestação de alimentos ao menor.

Contudo, entendemos que se o seu progenitor estivesse obrigado a esse pagamento, mesmo para além da maioridade, também o estaria o Estado como obrigado subsidiário, desde que verificada a situação prevista no art. 1.º, n.º 2, parte final, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, com a redacção decorrente da Lei 24/2017, a considerar-se ser aplicável ao presente caso.

Ora, decorre do disposto no art.º 12.º do Código Civil, respeitante ao princípio geral sobre a aplicação das leis no tempo, que:

1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.
A este propósito, refere Baptista Machado (in “Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil”, Almedina, páginas 29 e 18 e 19): “no n.º 2 do art.º 12º do nosso Código estabelece-se a seguinte disjuntiva: a lei nova, ou regula a validade de certos factos ou os seus efeitos, e neste caso só se aplica a factos novos, ou define o conteúdo (os efeitos) de certa relação jurídica independentemente dos factos que a essa relação jurídica deram origem, e então é de aplicação imediata (quer dizer, aplica-se, de futuro, às relações jurídicas anteriormente constituídas e subsistentes à data da sua entrada em vigor)».
Por outro lado, segundo Oliveira Ascensão (in O Direito, Introdução e Teoria Geral, Uma Perspectiva Luso-Brasileira”, 10.ª edição revista, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 489), “…pode a lei atender directamente à situação, seja qual for o facto que a tiver originado…” e, nesse caso, “[a]plica-se, então, imediatamente a lei nova.”

Posto isto, entendemos que a mencionada Lei dispõe directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, pelo que sempre seria de aplicar ao caso dos autos, dado que o que se pretende salvaguardar é que, nas situações dos jovens até aos 25 anos, o FGADM assegure no lugar do progenitor impossibilitado uma prestação, desde que o jovem ainda não tenha autonomia económica e esteja em formação.
E isso é independente do momento em que atinge a maioridade (se antes ou depois da entrada em vigor da lei), o que interessa é que, a partir do momento em que esta entrou em vigor, os jovens naquela situação podem socorrer-se da mesma.
Logo, salvo o devido respeito por opinião em contrário, o factor que fundamenta o direito ao benefício de recebimento das pensões em causa não é o momento da maioridade mas sim o facto de beneficiar, após a vigência da lei, desses pressupostos de aplicação, tal como foi também já decidido no Ac. RE de 25-01-2018, no processo 161/07.8TBBJA-F.E1, publicado no site da dgsi.

Acresce que, como se referiu, a maioridade constituiu-se posteriormente ao início da vigência do novo regime, e que, assim, a situação jurídica que permite peticionar o pretendido direito se verifica à luz de uma situação jurídica já pré-existente aquando do início de vigência da lei nova quanto ao obrigado originário a que o subsidiário dará continuidade, verificada que seja a excepção prevista na segunda parte do n.º 2, do art. 1.º, da referia lei.

De resto, em conformidade com o defendido, sempre a Lei Nova será de aplicar aos factos ocorridos após o início da sua vigência que se encontram retroconectados com factos passados, uma vez que se trata de uma lei sobre o modo de exercício desse direito.

Aliás, o art.º 9.º, n.º 1 do DL n.º 164/99, de 13.05 (diploma que instituiu o FGADM e veio regular a garantia de alimentos devidos a menores prevista naquela Lei), diz que “o montante fixado pelo tribunal mantém-se enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado”.

Daí que se entenda padecer o recorrente de razão quando afirma que a continuidade do pagamento da prestação a assegurar pelo FGADM pressupõe que o Fundo se encontre a pagar a prestação de alimentos no momento em que é atingida a maioridade.

Pois, como se insiste, a situação relevante, de continuidade, é sempre a da medida em que se justifica a prestação do progenitor e, só, por arrastamento, a do FGADM.
De igual forma se discorda da argumentação da recorrente da sua desobrigação por falta de prova da continuidade e efectividade de estudo ou formação profissional desde 16/07/2016.

Primeiro, porque os pressupostos enunciados no art. 1905.º, n.º 2, do CC, não são cumulativos, dado que, como daí resulta, o pagamento das prestações, após a maioridade, só não se mantem se “…o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou (o sublinhado é nosso) ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da exigência”.

Segundo, porque cabendo ao progenitor obrigado aos alimentos o ónus de cessar tal obrigação, com a demonstração de uma das três condições previstas, tal ónus transfere-se para o FGADM por via da obrigação que passa a ter de assumir.

Ora, acontece que, para além de não ter feito essa prova, o que se provou foi que o jovem Tiago está matriculado no ano lectivo de 2017/2018 num curso de “Ciências e Tecnologias” do Ensino Recorrente.
Como tal, nestes termos, tem, pois, o recurso de improceder.
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V-Dispositivo

Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
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TRG, 22.2.2018
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária)


Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
José Carlos Dias Cravo
António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida