Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
15/18.2T8PRG-A.G1
Relator: AFONSO MANUEL ANDRADE
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
REQUISITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Os poderes de facto conferidos ao retentor sobre a coisa retida resumem-se tão só e apenas à sua conservação, de tal forma que a celebração pelo pretenso retentor de um contrato de subcessão de exploração do estabelecimento comercial claramente exorbita os poderes de facto que aquele direito real de garantia confere ao seu titular.
2. A litigância de má-fé não é exclusiva da primeira instância, podendo ocorrer nos Tribunais superiores, pois a lei não distingue. 3. Quem, depois de ter perdido a acção em primeira instância, com uma determinada causa de pedir, vem litigar para o Tribunal da Relação, invocando, como parte do fundamento para pedir a presente providência cautelar, um direito de retenção que um Tribunal já lhe tinha negado, com trânsito em julgado, deduz pretensão cuja falta de fundamento não ignorava, e faz do recurso um uso manifestamente reprovável, com o fim de protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (art. 542º,2,a,d CPC). Ou seja, litiga de má-fé, devendo como tal ser sancionada.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Sumário: 1. Os poderes de facto conferidos ao retentor sobre a coisa retida resumem-se tão só e apenas à sua conservação, de tal forma que a celebração pelo pretenso retentor de um contrato de subcessão de exploração do estabelecimento comercial claramente exorbita os poderes de facto que aquele direito real de garantia confere ao seu titular. 2. A litigância de má-fé não é exclusiva da primeira instância, podendo ocorrer nos Tribunais superiores, pois a lei não distingue. 3. Quem, depois de ter perdido a acção em primeira instância, com uma determinada causa de pedir, vem litigar para o Tribunal da Relação, invocando, como parte do fundamento para pedir a presente providência cautelar, um direito de retenção que um Tribunal já lhe tinha negado, com trânsito em julgado, deduz pretensão cuja falta de fundamento não ignorava, e faz do recurso um uso manifestamente reprovável, com o fim de protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (art. 542º,2,a,d CPC). Ou seja, litiga de má-fé, devendo como tal ser sancionada.

I- Relatório

Maria e marido Óscar, com os sinais dos autos, intentaram contra Jorge procedimento cautelar de ARRESTO, alegando em síntese que por contrato de sub-cessão de exploração outorgado em 1/6/2017 cederam ao requerido a exploração do estabelecimento comercial denominado Café X, mas este não pagou nenhuma das mensalidades a que se obrigara. Assim, para segurança do pagamento do seu crédito pediram o arresto de um veículo automóvel pertencente ao requerido.

O Tribunal procedeu à produção da prova indicada pelos requerentes, sem prévio contraditório, e a final decretou o arresto que vinha solicitado.

Em 13 de Janeiro de 2018, o requerido Jorge apresentou oposição à providência de arresto decretada, com vista a alegar factos e a produzir meios de prova que não foram tidos em conta pelo Tribunal e que, no seu entendimento, afastam os fundamentos da referida providência.

Para tanto, alegou que o contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial no qual os requerentes fundam o direito de crédito foi declarado resolvido por sentença que transitou em julgado muito antes da celebração daquele contrato, para além do que o crédito em causa foi penhorado, não podendo sequer o requerido solver eventual dívida perante os requerentes.

Mais afirmou o requerido que os requerentes litigam de má-fé, já que omitiram conscientemente o referido facto da resolução do contrato, facto esse que inviabilizaria o decretamento do arresto, assim pretendendo induzir o Tribunal em erro e causando danos ao requerido. Por tal motivo, pede a condenação dos requerentes em multa condigna e no pagamento de indemnização com o valor de € 3.000,00.

Na resposta, alegaram os requerentes serem titulares de um direito de retenção sobre o imóvel a que respeita o estabelecimento comercial objecto do referido contrato declarado resolvido, direito que, no seu entender, os legitima a celebrar contratos de subcessão de exploração do dito estabelecimento, com o que concluem, mais uma vez, pela probabilidade da existência do crédito.

A final veio o Tribunal a proferir sentença que julgou procedente a oposição deduzida e, em consequência, revogou a providência de arresto anteriormente decretada.
Mais decidiu condenar a requerente, como litigante de má-fé, no pagamento de multa no valor de duas unidades de conta e em indemnização com o valor de mil e trezentos euros.

Inconformada, a requerente veio interpor recurso, o qual foi admitido, como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo, nos termos do disposto nos artigos 629º,1, 631º,1, 637º a 641º, 644º,1,a, 645º,1,a, e 647º,1, todos do Código de Processo Civil.

Termina as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:

1. As razões e a respectiva motivação da sua discordância com a douta sentença proferida nos autos assentam, fundamentalmente, nas circunstâncias de facto dadas como não provadas e, provados outros, sem se consubstanciar na prova devidamente produzida pela ora recorrente.
2. Efectivamente, a recorrente nestes autos, celebrou com a Sociedade “RA” a 22 de Dezembro de 2004 um contrato que intitularam de “Cessão de Exploração” do Café X sito na Rua …, Peso da Régua, e na vigência do mesmo, a recorrente, desde Janeiro a 16 de Fevereiro de 2005, realizou obras uteis e necessárias no locado.
3. Em face de resolução de contrato referido em 2, a recorrente exigiu o ressarcimento do valor das obras ali realizadas quer às senhorias no âmbito do Proc. N.º 357/08.5TBPRG que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Peso da Régua – Juiz 2 do Tribunal da Comarca de Vila Real quer à sociedade cedente no âmbito do Proc. N.º 258/15.0T8PRG – Juízo de Competência Genérica – Juiz 2 que ainda se encontra em fase de recurso.
4. Goza, por isso, a recorrente de Direito de Retenção sobre o locado nos termos do artigo 1406º - 1 do CC, equiparado ao possuidor de má-fé, tendo, nos termos dos artigos 1273º e 1275º do CC, direito a ser indemnizado quanto às benfeitorias necessárias que haja introduzido no locado.
5. Veja-se a este propósito o Ac. TRC N.º 458/07.7TBTND.C1 de 09/13/2011 “Em matéria de benfeitorias o arrendatário é, por via do artigo 1406º - 1 do CC, equiparado ao possuidor de má-fé, tendo, nos termos dos artigos 1273º e 1275º do CC, direito a ser indemnizado quanto às benfeitorias necessárias que haja introduzido no locado…, assistindo-lhe quanto às benfeitorias úteis o direito a levantá-las, desde que não haja detrimento para a coisa; não sendo o levantamento possível é o arrendatário de acordo com as regras do enriquecimento sem causa; V – À ideia da recuperação pelo arrendatário, em valor, das benfeitorias não passíveis de levantamento preside a mesma lógica subjacente à obrigação de indemnizar fundada em enriquecimento sem causa por prestação (artigo 473º e ss. do CC): dar resposta a situações em que, por motivos de alterações dominiais, ocorrem transferências de valores entre patrimónios distintos.
6. Aliás “como é sabido, nos termos do artigo 759º nº 3 [CC], até à entrega da coisa são aplicáveis, quanto aos direitos e obrigações do titular da retenção, as regras do penhor, com as necessárias adaptações. Ou seja, caducado o contrato de arrendamento, não há que falar em rendas vencidas ou vincendas, importando sim apurar os direitos das partes, e o certo é que a R/Reconvinte tinha (e tem) o direito de reter a coisa até que lhe seja paga a indemnização pelas obras ali realizadas; uma vez satisfeita esta indemnização, é que passam os AA. a ter o direito de exigir uma qualquer indemnização por uma hipotética ocupação indevida do imóvel – é nisto que se traduz o direito de retenção. Um dos deveres do retentor é então, por força do artigo 671.º a) [CC], o de guardar e administrar, como um proprietário diligente, a coisa retida, respondendo pela sua existência e conservação.
7. E ainda os Ac. TRP N.º 10752/11.7TBVNG-A.P1de 02/26/2013 e TRG n.º 2544/08.2 de 01/22/2009 “As providências cautelares, cujo procedimento está previsto nos arts. 382º e ss do Código de Processo Civil, visam impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável ao autor, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o “periculum in mora” (o prejuízo da demora inevitável do processo) a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica - Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 23.
8. Chamam-se procedimentos e não acções porque carecem de autonomia – dependem de uma acção já pendente ou que vai ser seguidamente proposta pelo requerente (ibid.)”. Para que a providência cautelar proceda, basta que o requerente demonstre, perfunctoriamente, a existência do direito que visa acautelar - “bonus fumus juris”- e que comprove a existência de justo receio da perda ou frustração desse direito, caso a tutela que reclama não lhe seja deferida - “periculum in mora”. Entre as providências cautelares especificadas, conta-se o arresto, que consiste numa apreensão judicial de bens do devedor, a que são aplicáveis, em princípio, as disposições relativas à penhora – artº 622º do CCivil e 406º, nº 2, do CPCivil.
9. Dispõe o nº 1 do artº 619º do CCivil que “O credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei do processo”, estando por isso tal procedimento regulado nos artºs 406º a 411º do CPC. Assim, dispõe igualmente o nº 1 do artº 406º do CPCivil, que “o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer arresto de bens do devedor”. Examinadas as provas produzidas e mostrando-se preenchidos os requisitos legais, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária (arts. 407º, nº 1, e 408º, nº 1, ambos do CPCivil). São requisitos cumulativos da providência cautelar do arresto preventivo a probabilidade da existência do crédito do requerente e o justificado receio de perda da garantia patrimonial.
10. Tendo em conta, não só a estrutura simplificada do procedimento cautelar do arresto, mas também a sua natureza provisória, tem-se entendido que, no que respeita ao primeiro requisito, basta uma prova indiciária ou um juízo de mera probabilidade, tal como resulta aliás, do preceituado no artº 384º nº 1 do CPC. Ou seja, na prova dos requisitos do arresto, não pode exigir-se o mesmo grau de averiguação, de convicção e de certeza que se impõe relativamente aos fundamentos da acção principal, bastando que se conclua pela probabilidade séria da existência do crédito do requerente, que se reconduz à mera aparência do respectivo direito.
11. Por outro lado, a oposição ao arresto por parte do requerido, que tem lugar depois do seu decretamento, destina-se à alegação de factos ou à produção de provas que possam afastar os fundamentos da providência, de forma a obter a sua revogação (cfr artº 388º nº 1 do CPC). A presente providência cautelar de arresto, deduzida na pendência da acção principal de que é dependência, foi julgada procedente, por ter o Mmº Juiz a quo entendido que estavam verificados, em face da prova produzida, tanto a aparência do direito, ou seja a “provável existência do direito de crédito invocado pelo requerente”, como “o justo receio da perda da garantia patrimonial” (cfr decisão de fls 32 a 34).
12. Importa analisar a prova produzida em audiência de julgamento em conjugação com a matéria dada como provada e não provada;
13. Desde logo, da matéria provada os pontos 15., 16., 17., 18., 19. e 20 e da matéria dada como não provada os pontos B. e C.
14. Como já acima se referiu, assiste a Recorrente mulher, o Direito de Retenção, e nesse sentido o dever de “o de guardar e administrar, como um proprietário diligente, a coisa retida, respondendo pela sua existência e conservação”.
15. Como resulta do próprio contrato de sub cessão de exploração celebrado com o Rdo, bem como dos anteriores, pela cedência do locado ambos os outorgantes acordaram, como contrapartida dessa cedência, o pagamento de uma renda mensal no valor de 425,00€.
16. Valor esse a que a recorrente tem direito pelos poderes de administração e conservação que lhe advém do direito de Retenção que legitimamente e legalmente lhe assistem.
17. Pelo que, não poderia a Sra Juiz a quo dar como não provada a factualidade referida em B. e C., já que o motivo que determina a instauração destes autos deriva da falta de pagamento de rendas por parte do Rdo.
18. A não ser que, na sua convicção, os autos tenham sido instaurados pela recorrente apenas por mero gaudio ou prazer de ver o Rdo privado do seu veículo sem contudo ter motivos para o fazer “ brincando” com a Justiça, tal como o quer fazer crer o Ilustre Mandatário do Rdo.
19. Mas a este último é proveitoso alegar tal suspeição pois dali deriva quase exclusivamente a sua defesa, uma vez que, no seu requerimento de oposição, não faz uma única alusão ao pagamento das rendas, motivo fundamental que poderia por em causa a manutenção da anterior decisão.
20. No entanto, a Sra Juiz a quo fez “tábua rasa” dessa falta de alegação e entendeu fazer, ela própria, uma prova à parte, dando como não provada factualidade que nem sequer consta do Req. de oposição como matéria controvertida.
21. Pelo é uma das causas de nulidade da sentença o disposto no art. 615º - 1 al. d) do CPC “ É nula a sentença quando: O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
22. Pelo que se invoca a nulidade da sentença, nos termos do art. 615º - 4 do CPC “ …, podendo o recurso, no caso contrario, ter como fundamento qualquer dessas nulidades”.
23. Diz-nos a Mm.º Sra Juíz a quo na douta decisão recorrida que “Ora, na situação vertente, não se encontra demonstrada a existência provável de um direito de crédito dos requerentes sobre o requerido. Desde logo, porque embora se tenha comprovado a celebração de um contrato de cessão de exploração do Café X que atribuiria legitimidade substantiva aos requerentes para celebrarem um contrato de sub cessão de exploração…, certo é que o contrato base, foi declarado resolvido por decisão judicial anterior à celebração do contrato de sub cessão de exploração, o que retirou aquela legitimidade substantiva aos requerentes. Com efeito, não podiam eles ceder a exploração comercial cuja exploração eles próprios não tinham. Nesta linha de raciocínio, se alguma quantia for devida pela “indevida” exploração do locado e ocupação do respectivo local, seguramente não será devida aos requerentes que não têm legitimidade para a exigir…”.
24. Olvida a Mm.º Sra Juiz os próprios ditames da Lei e da Jurisprudência dominante que asseguram ao retentor um poder de o guardar e administrar, como o de um proprietário diligente, respondendo pela sua existência e conservação.
25. Aliás, confira o mencionado art. 671º al. b) do CC que “…excepto se o uso for indispensável à conservação da coisa”, quer no espaço quer no seu valor locativo, não o deixando deteriorar - se pelo não uso e aumento do seu valor, com a sua utilização e manutenção de clientela assídua e frequente no locado.
26. Ora, ao contrário do que refere na decisão recorrida “Ora, a celebração pelo pretenso retentor de contrato de sub cessão de exploração do estabelecimento comercial claramente exorbita os poderes de facto que aquele direito real de garantia confere ao seu titular…”.
27. Ao retentor não assiste apenas um direito real de garantia que se sobrepõe a todas os outros credores na obtenção do seu credito sobre o locado, mas sim um pleno poder de administração que deriva do próprio direito de propriedade como já atrás se referiu e como resulta da doutrina e Jurisprudência dominante.
28. Consubstanciou, certamente, a Sra Juíza a quo para provar a factualidade constante dos pontos 17., 18. e consequentemente 19. e 20. – pois, nada diz na decisão recorrida - no depoimento da única e exclusiva testemunha ouvida em sede de audiência de julgamento Helena, companheira do Rdo, que com ele vive maritalmente juntamente com os seus três filhos menores, fruto de um casamento anterior da referida testemunha, tendo todo o interesse em que a decisão anteriormente tomada fosse revogada, pois dele resulta “o imenso transtorno” que lhe dá, pois encontra-se impedida de ir buscar os seus filhos à escola e de andar confortavelmente ”montada” num veículo, tendo de se deslocar a pé.
29. Contudo, e apesar de ter dito que “não está de mal com ninguém”, isso nem sequer pode ser levado em consideração para aferir da credibilidade da mesma, já que como companheira do Rdo e afectada com a decisão de arresto, não poderá NUNCA dizer que nada tem contra os Rqtes, pois da sua atitude de instaurar o procedimento cautelar em causa resulta o alegado “prejuízo” que lhe interessa provar e como efectivamente provou. – Cfr. 20180205154340_1335046_2871906 de 0:00 a 0:55
30. Disse ainda “sentir-se bastante triste e envergonhada” e “ouviam comentários que a Sra Alexandra se gabava de lhe tirar o carro” - Cfr. 20180205154340_1335046_2871906 de 4:00 a 4:33.
31. No entanto, não disse de quem ouviu tais comentários a fim de aferir da veracidade dos mesmos nem isso foi questionado pela Sra Juíz a quo ou sequer pelo Ilustre Mandatário do Rdo, uma vez que o ónus impende sobre o mesmo em matéria alegada na Oposição por este deduzida nestes autos.
32. Aliás, ainda se referiu à pessoa da ora signatária “A Sra Dra Alexandra ria-se quando passava por nós” -Cfr. 20180205154340_1335046_2871906 de 4:30 a 4:57- tudo permitindo a Sra Juíz a quo até mesmo que a signatária fosse abordada desta tão desrespeitosa forma já que aqui figura como mandatária dos Rqtes e não como “arguida” ou Rda nestes autos.
33. Aliás, desrespeitoso e injurioso é o Rdo que não se abstém de fazer comentários maldosos e jocosos, na rede social Facebook, quanto as pessoas da Rqte Maria e da ora signatária referindo–se a estas “Pede umas pessoas do dourolar te emprestem o focinho de porcas” sob o nome Jorge- Cfr. Doc. 1.
34. Chegou ainda a referir a testemunha Helena, companheira do Rdo que “Nunca houve falta de pagamento” - Cfr. 20180205154340_1335046_2871906 de 6:00 a 6:06.
35. Mas este facto não se encontra alegado no req. de oposição deduzido pelo Rdo nestes autos - Cfr. 20180205154340_1335046_2871906 de 8:00 a 8:315.
36. Interessava, mais uma vez, à companheira do Rdo e afectada com a decisão anterior, reiterar que as rendas se encontravam efectivamente pagas e foi este o testemunho que logrou convencer a Mm.º Sra juiz a quo, profissional eximia e experiente nestas lides, em detrimento das declarações de parte da Rqte mulher que munida de titulo próprio, derivado do Direito de retenção que lhe confere poderes de administração e conservação como se de um proprietário fosse ou tratasse, encontrando–se impossibilitada de aceder ao locado por recusa do Rdo em proceder a entrega das chaves, encerrando portas, de modo permanente e definitivo, tal como se encontra provado com o doc. junto a fls… dos autos, desde Outubro de 2017.
37. Encontra-se, por este acto de pura arbitrariedade do Rdo, e sem dele ter efectivamente titulo que o permita, os recorrentes impedidos de administrar e conservar o bem, pois só a estes podendo ser exigida e “respondendo pela sua existência e conservação”.
38. Aliás a testemunha bem referiu “A renda que eu pagava à D. Maria…, eu e o meu marido” - Cfr. 20180205154340_1335046_2871906 de 11:45 a 12:10.
39. Deu, ainda, a Mm.º Sra Juiz a quo, como provado o facto constante do ponto 17. “Por notificação que lhe foi dirigida, datada de 8 de Novembro de 2017, ocorrida no âmbito do processo executivo n.º 162/17.8T8PRG a correr termos pela Instância Central de Chaves, em que é executada a requerente, foi determinada a penhora do crédito detido pelos requerentes sobre o requerido por virtude da outorga do contrato de Sub Cessão de Exploração referido em 2”.
40. Sucede que o notificado dessa penhora e da existência desse processo executivo foi o Requerido e não a Requerente mulher, como se pode ver do doc. de fls… destes autos junto com a Oposição.
41. E, por isso, até à sua junção, desconhecia a Requerente mulher da existência desse processo e da penhora de crédito ali efectuada pela Sra Solicitadora de Execução, Dra Elsa.
42. A própria Solicitadora de Execução, arrolada como testemunha pelo Rdo, no seu req. de Oposição, vem dizer “Eu nunca falei com ninguém” – Cfr. 20180205153153_1335046_2871906 de 7:00 a 7:22
43. “Na realidade ele nunca entregou, nem respondeu à notificação nem nunca entregou dinheiro a ninguém” - Cfr. 20180205153153_1335046_2871906 de 4:00 a 4:37.
44. E ainda “Não, não foi junta nenhuma procuração no processo executivo” e “ o processo executivo é para pagamento de quantia certa” - Cfr. 20180205153153_1335046_2871906 de 9:30 a 10:00.
45. Pois, caso fosse para entrega do locado, esclarece a testemunha que o processo teria de ser outro, ou seja, para entrega de coisa certa.
46. O que não aconteceu, pois a exequente, a sociedade “ RA, Lda”, vencedora no mencionado Proc. N.º 357/08.5TBPRG apenas instaurou processo executivo para pagamento de quantia certa, exigindo o pagamento de rendas em atraso, sanção penal por atraso na entrega- o que nem sequer é legal e legítimo – e respectivos juros de mora e não para entrega de coisa certa, exigindo a entrega do locado, livre de pessoas e bens, por força da resolução do contrato de cessão de exploração celebrado entre ambos.
47. Pelo que, continua o locado na posse legítima da Requerente mulher que o entregará quando o Tribunal o ordenar, mediante decisão judicial, com indicação e identificação do real proprietário do mesmo e quando efectivamente lhe forem pagas as benfeitorias uteis e necessárias que ali efectuou a suas únicas e exclusivas expensas.
48. Provado também a factualidade contida nos pontos 15 e 16, desde logo, fazendo referência à filha dos Requerentes/recorrentes e pelo facto de ter representado a sua mãe, ora recorrente Maria, no processo n.º 357/08.5TBPRG, apresentando contestação.
49. Resta acrescentar, e não o fez a Mm.º Sra Juiz, julga-se, que por mera desatenção, e em face da certidão junta com a resposta a Oposição no cumprimento do P.º do Contraditório que a actuação da filha dos requerentes, ora signatária, se bastou com a elaboração, assinatura e envio da contestação ali apresentada pela sua mãe, Ré naqueles autos, tendo logo de seguida mandatado o Sr. Dr. José que, mais tarde e por motivos de saúde, substabeleceu no seu filho, Sr. Dr. Cláudio, tendo sido este que esteve presente em todas as sessões de audiência de julgamento e elaboração, assinatura e envios dos respectivos recursos.
50. A filha dos requerentes, ora signatária, foi sim arrolada, em fase de audiência de julgamento, como testemunha da Ré, sua mãe, e ali prestou depoimento na qualidade
de filha da mesma com conhecimento directo de alguns factos nos quais depôs com verdade sem omitir o que quer que seja.
51. Desconhece, pois, a signatária, o desfecho desse processo dado o alheamento, em face do seu trabalho e pelo facto de viver em localidade diferente da sua mãe, não lhe permitindo saber de tudo e tratar de tudo quanto a sua mãe diz respeito.
52. Refere ainda no ponto 16 que “No requerimento apresentado para instaurar o presente procedimento cautelar, a requerente não fez qualquer referência à existência
da decisão judicial indicada em 15., com o propósito de induzir o Tribunal em erro”.
53. Porem, tal percepção, pelos vistos bastante clara e óbvia aos olhos perspicazes da Mm.º Sra Juiz a quo, não decorre da prova produzida em audiência de julgamento.
54. Pois, tal factualidade, dificilmente, poderá vir a ser dada como provada.
55. Desde logo, pelo facto de a Recorrente Maria se encontrar “coberta” pelo Direito de Retenção já anteriormente explanado.
56. Direito esse que como já se referiu lhe dá pleno direito de guardar e administrar o locado como se de um proprietário fosse.
57. E ainda pelas suas próprias declarações de parte.
58. “A minha filha esteve como testemunha e não como mandatária” – Cfr. 20180205161559_1335046_2871906 de 2:21 a 2:26
59. “Sim, continuou na minha posse, só vou entregar o locado quando o tribunal mo disser a quem” – Cfr. 20180205161559_1335046_2871906 de 4:30 a 6:00.
60. “Ninguém mo pediu, porque eu tenho direito de retenção do imóvel” - Cfr. 20180205161559_1335046_2871906 de 6:30 a 7:18
61. Referiu ainda “Não, a minha filha foi bem ameaçada pelo advogado do Rdo que lhe disse que ou entregava o veículo ou que fazia queixa dela à Ordem dos Advogados” - Cfr. 20180205161559_1335046_2871906 de 7:30 a 11:00.
62. “Na altura não fui interpelada pelas decisões judiciais e ao que me foi perguntado respondi sempre com verdade”- Cfr. 20180205161559_1335046_2871906 de 11:00 ate final.
63. E finalmente referiu “Não, não pagava rendas” -Cfr. 20180205161559_1335046_2871906 de 12:30 a 13:16.
64. Apesar das declarações da recorrente, escorreitas, sinceras e verdadeiras, corroboradas por documentos já juntos a estes autos, entendeu a Mm.º Sra Juiz a quo, dar como provada a factualidade já indicada e dar como provada outra, muito embora não alegada no req. de Oposição deduzido pelo Rdo a quem incumbe o ónus da prova, a fim de ser proferida decisão diversa da anteriormente tomada e a final revogar a anterior e assim proceder se a entrega do veiculo arrestado ao Rdo Jorge.
65. Ora, se efectivamente se provar, como se provará, em sede de audiência final, no proc. Principal de Despejo, que o Rdo ficou a dever à Recorrente o valor das rendas de Junho a Dezembro de 2017 e Janeiro a Março de 2018, perfazendo um total actual de 4.250,00€ acrescido de IVA a 23% bem como a recusa das chaves do locado, como se irá acautelar o direito dos requerentes uma vez que o único bem que o Rdo dispõe é exactamente o bem arrestado e devolvido por decisão judicial?
66. Poderão os Recorrentes ficar prejudicados por essa decisão e se efectivamente se verificar esse prejuízo qual será ou deverá ser a “punição” em termos de responsabilidade civil por parte da Sra Magistrada que a proferiu?
67. Pelo exposto será de revogar a decisão ora recorrida substituindo-se pela manutenção da anterior, decretando-se o arresto do veículo em causa.
68. Contudo, têm conhecimento os recorrentes que o Rdo se encontra no estrangeiro e em parte incerta, sendo difícil ou até impossível recuperar o bem “perdido” por decisão judicial, pelo que certamente os recorrentes ficarão com o prejuízo das rendas vencidas e vincendas ate decisão definitiva, sem qualquer acesso ao interior do locado, bem sabendo que o Rdo vendeu ou deu os bens móveis que ali se encontravam e da propriedade dos recorrentes, tal como se encontra consignado em comunicado colocado nas janelas e portas do locado e já junto a fls… destes autos.
69. Por outro lado, reitera a recorrente mulher que não litigou nem agiu com litigância de má-fé, nos termos do art. 542º - 1 als. a) a d) do CPC.
70. E por mera economia processual se remete para a alegação anterior, relativamente ao Direito de Retenção e declarações de parte da recorrente mulher.
71. Pelo exposto, terá de ser a recorrente absolvida da multa no valor de três unidades de conta bem como no reembolso de despesas relativas aos honorários dos mandatários e prejuízos sofridos pela parte contraria como consequência directa ou indirecta da má-fé.
72. Alias, não se compreende a razão de ser desta tão “dolorosa” condenação pois quem deve e não quer pagar é recompensado e quem fica com o prejuízo é condenado “sem dó nem piedade”.

Foram apresentadas contra-alegações pelo recorrido, mas por despacho foram mandadas desentranhar.
*
Ponto de ordem prévio

De uma leitura superficial das alegações de recurso pode ficar a ideia que a recorrente impugna a decisão sobre matéria de facto.
Mas será que o faz validamente?
É importante fazer uma distinção entre: a) os requisitos formais de admissibilidade do recurso sobre matéria de facto; b) o mérito do recurso apresentado sobre matéria de facto.

Quanto ao primeiro aspecto, escreve Abrantes Geraldes (Recursos, 2017, fls. 158) o seguinte:

“a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações:

a) falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b);
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a);
c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (vg. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);
d) falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”.

Ora, da leitura das alegações da recorrente resulta que ela não cumpriu o ónus de alegação que a lei impõe, seja em alguns casos pela forma vaga e incorrecta como se expressa, seja noutros por omissão total das referências que lhe incumbia fazer. Nomeadamente, não toma posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.

Repare-se o que afirma a recorrente nas suas conclusões de recurso:

1. As razões e a respectiva motivação da sua discordância com a douta sentença proferida nos autos assentam, fundamentalmente, nas circunstancias de facto dadas como não provadas e, provados outros, sem se consubstanciar na prova devidamente produzida pela ora recorrente”.

Salvo o devido respeito, esta afirmação é quase ininteligível, sobretudo o seu segmento final, onde é feita referência à prova produzida pela recorrente, em termos tais que inculcam a ideia, falsa, de que o requerido/recorrido não produziu qualquer prova.

“12. Importa analisar a prova produzida em audiência de julgamento em conjugação com a matéria dada como provada e não provada;
13. Desde logo, da matéria provada os pontos 15., 16., 17., 18., 19. e 20 e da matéria dada como não provada os pontos B. e C.
17. Pelo que, não poderia a Sra Juíz a quo dar como não provada a factualidade referida em B. e C., já que o motivo que determina a instauração destes autos deriva da falta de pagamento de rendas por parte do Rdo”.

Aqui parece que está a impugnar a decisão de dar como não provada a matéria referida sob as alíneas B e C. Porém, verifica-se que o que está apertis verbis afirmado é que não poderia a M.ma Juíz ter dado como não provados os pontos B e C por causa do motivo que determina a instauração dos autos. Nada é dito sobre prova produzida, que fosse suficiente para provar esses factos: parece que aos olhos da recorrente bastaria o motivo que levou a instaurar os autos para que tais factos devessem ter sido considerados provados. Donde se verifica “falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (vg. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc), que deveriam ter levado a decisão diferente.

“28. Consubstanciou, certamente, a Sra Juíza a quo para provar a factualidade constante dos pontos 17., 18. e consequentemente 19. e 20. – pois, nada diz na decisão recorrida - no depoimento da única e exclusiva testemunha ouvida em sede de audiência de julgamento Helena, companheira do Rdo, que com ele vive maritalmente juntamente com os seus três filhos menores, fruto de um casamento anterior da referida testemunha, tendo todo o interesse em que a decisão anteriormente tomada fosse revogada, pois dele resulta “o imenso transtorno” que lhe dá, pois encontra-se impedida de ir buscar os seus filhos à escola e de andar confortavelmente ”montada” num veículo, tendo de se deslocar a pé”.

Aqui não estamos perante uma afirmação categórica de que houve erro no julgamento de facto, mas sim perante uma hipótese aventada, não mais do que isso. É o que resulta do uso da palavra “certamente”.

“39. Deu, ainda, a Mm.º Sra Juiz a quo, como provado o facto constante do ponto 17. “Por notificação que lhe foi dirigida, datada de 8 de Novembro de 2017, ocorrida no âmbito do processo executivo n.º 162/17.8T8PRG a correr termos pela Instância Central de Chaves, em que é executada a requerente, foi determinada a penhora do crédito detido pelos requerentes sobre o requerido por virtude da outorga do contrato de Sub Cessão de Exploração referido em 2.
40. Sucede que o notificado dessa penhora e da existência desse processo executivo foi o Requerido e não a Requerente mulher, como se pode ver do doc. de fls… destes autos junto com a Oposição.
41. E, por isso, até à sua junção, desconhecia a Requerente mulher da existência desse processo e da penhora de crédito ali efectuada pela Sra Solicitadora de Execução, Dra Elsa.
42. A própria Solicitadora de Execução, arrolada como testemunha pelo Rdo, no seu req. de Oposição, vem dizer “Eu nunca falei com ninguém” – Cfr. 20180205153153_1335046_2871906 de 7:00 a 7:22
43. Na realidade ele nunca entregou, nem respondeu à notificação nem nunca entregou dinheiro a ninguém” - Cfr. 20180205153153_1335046_2871906 de 4:00 a 4:37”.

A referência feita nos pontos 49 a 51 afigura-se-nos de todo inútil, bastando ler o facto dado como provado na sentença sob o nº 15 para não perceber o que pretende a recorrente.

Os pontos 52 a 64 igualmente não contêm uma verdadeira e válida impugnação do julgamento da matéria de facto.

Assim, concluímos que a recorrente não cumpre o ónus que a lei impõe a quem pretende impugnar a decisão sobre matéria de facto.
Pelo que não iremos conhecer dessa parte do recurso.

II

As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:

a) ocorre alguma nulidade da sentença recorrida
b) existem fundamentos para manter o arresto que foi inicialmente decretado, sem contraditório prévio
c) a requerente/recorrente litigou de má-fé;

III

A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

1. A requerente celebrou, em 22 de Dezembro de 2004, com a sociedade RA, Lda., pelo período de 20 anos, contrato de cessão de exploração do «Café X», situado na Rua …, Peso da Régua.
2. A requerente celebrou com o requerido, em 1 de Junho de 2017, “Contrato de Sub Cessão Exploração”, pelo qual aquela cedeu a este a exploração do estabelecimento comercial identificado em 1.
3. O contrato indicado em 2 foi celebrado pelo prazo de um ano, automática e sucessivamente renovado por iguais períodos, se nenhum dos outorgantes o denunciar ou se opuser à sua renovação. 4. O preço acordado pela referida sub cessão de exploração foi o de € 5.100,00 anuais, acrescido de IVA à taxa de 23%, que o Requerido se obrigou a pagar à Requerente em duodécimos de € 425,00, até ao primeiro dia de cada um dos meses posteriores à outorga desse contrato.
5. Ainda no âmbito do mesmo contrato, o Requerido obrigou-se a entregar o estabelecimento comercial, bem como o seu recheio, no mesmo estado de conservação e utilização em que se encontravam à data da sua celebração.
6. Em caso de resolução unilateral do contrato, ficou o Requerido obrigado a avisar a Requerente com a antecedência mínima de dois meses, através de carta registada.
7. Ficou também acordado que, em caso de cessação do contrato, apenas à Requerente assiste o direito de retenção das instalações e, bem assim, o de exigir de quaisquer terceiros a justa indemnização pelo valor das benfeitorias realizadas por aquela.
8. Convencionaram, ainda, Requerente e requerido, que na falta de pagamento pontual das mensalidades previstas na cláusula segunda, assistia àquela o direito de denunciar unilateralmente o contrato, obrigando-se o requerido a entregar imediatamente o estabelecimento comercial e todos os móveis, equipamento e utensílios nas condições previstas nas cláusulas 3ª e 4ª.
9. O requerido iniciou a exploração do “Café X” na data da outorga do contrato em referência, ou seja, em 1 de Junho de 2017.
10. Abrindo e encerrando a sua porta, negociando com fornecedores, atendendo clientes e girando no seu comércio com exclusiva independência e autonomia.
11. Tendo, no que ao pagamento do preço da sub cessão de exploração concerne, optado por pagá-lo mensalmente, tendo convencionado com a Requerente que caberia a esta recolher mensalmente os € 425,00 e IVA respectivo no café.
12. À excepção de um veículo automóvel de marca CHRYSLER, modelo RG, com a matrícula YY, registado na sua titularidade na Conservatória de Registo Automóvel, o requerido não detém quaisquer outros bens da sua propriedade, capazes de garantir o pagamento de mensalidades e/ou rendas.
13. Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 357/08.5TBPRG, da Instância Local de Peso da Régua, J2, transitada em julgado no dia 27 de Outubro de 2016, a requerente foi condenada, para além do mais, a reconhecer a resolução do contrato de cessão de exploração celebrado com a RA referido em 1, a pagar àquela sociedade as quantias de € 14.582,00 e € 1.000,00, acrescidas de juros e a entregar o identificado estabelecimento comercial livre e devoluto de pessoas e bens.
14. Quando, em 24 de Novembro de 2017, a requerente instaurou este procedimento cautelar, já conhecia o conteúdo da decisão judicial proferida no processo n.º 357/08.5TBPRG.
15. A filha dos requerentes, advogada de profissão – a srª Drª Alexandra – representou a mãe, como mandatária forense, no processo n.º 357/08.5TBPRG, apresentando contestação.
16. No requerimento apresentado para instaurar o presente procedimento cautelar, a requerente não fez qualquer referência à existência da decisão judicial indicada em 15 com o propósito de induzir o Tribunal em erro.
17. Por notificação que lhe foi dirigida, datada de 8 de Novembro de 2017, ocorrida no âmbito do processo executivo n.º 162/17.8T8PRG, a correr termos pela Instância Central de Chaves, em que é executada a requerente, foi determinada a penhora do crédito detido pelos requerentes sobre o requerido por virtude da outorga do contrato de “Sub Cessão de Exploração” referido em 2.
18. O arresto nestes autos decretado causou grandes preocupações, incómodos e sofrimento ao requerido, o qual se sente envergonhado, triste e humilhado publicamente pelo comportamento dos requerentes.
19. Pelo mesmo motivo, o requerido ficou privado de utilizar o seu único veículo, nomeadamente para fazer as suas deslocações para o trabalho, bem como para conduzir os filhos para os estabelecimentos escolares.
20. Por via dos presentes autos, o requerido viu-se obrigado a contratar Advogado, o que lhe trouxe custos.

Ficaram por provar os seguintes factos, com relevância para a decisão a tomar no presente procedimento cautelar:

A. Quando, em 24 de Novembro de 2017, o requerente instaurou este procedimento cautelar, já conhecia o conteúdo da decisão judicial proferida no processo n.º 357/08.5TBPRG.
B. O Requerido não pagou à requerente nenhuma das mensalidades a que, por virtude do contrato em referência, se obrigou.
C. Tendo omitido a liquidação das mensalidades correspondentes aos meses de Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2017, apesar de interpelado para o efeito.

IV
Conhecendo do recurso.

A- existência de nulidade da sentença recorrida

A recorrente arguiu a existência da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil. Para isso, alegou que “…pelo que, não poderia a Sra Juiz a quo dar como não provada a factualidade referida em B. e C., já que o motivo que determina a instauração destes autos deriva da falta de pagamento de rendas por parte do Rdo. A não ser que, na sua convicção, os autos tenham sido instaurados pela recorrente apenas por mero gaudio ou prazer de ver o Rdo privado do seu veículo sem contudo ter motivos para o fazer “ brincando” com a Justiça, tal como o quer fazer crer o Ilustre Mandatário do Rdo; (…) no entanto, a Sra Juiz a quo fez “tábua rasa” dessa falta de alegação e entendeu fazer, ela própria, uma prova à parte, dando como não provada factualidade que nem sequer consta do Req. de oposição como matéria controvertida. Pelo é uma das causas de nulidade da sentença o disposto no art. 615º - 1 al. d) do CPC “ É nula a sentença quando: O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Pelo que se invoca a nulidade da sentença, nos termos do art. 615º - 4 do CPC”.

Mais uma vez temos de dizer que temos alguma dificuldade em entender o que é que verdadeiramente pretende a recorrente. Parece que considera que a decisão de considerar não provados os factos constantes de B e C constitui uma nulidade, por o Tribunal recorrido ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento.

Vejamos.

Nas referidas alíneas o Tribunal recorrido considerou não provados os seguintes factos:

-B: O Requerido não pagou à requerente nenhuma das mensalidades a que, por virtude do contrato em referência, se obrigou.
-C: Tendo omitido a liquidação das mensalidades correspondentes aos meses de Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2017, apesar de interpelado para o efeito.

Se formos ler os artigos 14º e 15º do requerimento inicial do arresto, veremos que os requerentes da providência alegam exactamente esses factos. Aliás, quem requer o arresto contra alguém, tem de alegar ser credor desse alguém, e daí emerge, neste caso, a alegação do não pagamento das prestações contratualmente acordadas.
O que não se compreende de todo é vir alegar que o Tribunal não podia conhecer desse não pagamento.

Talvez porque teve a mesma reacção que nós perante esta pretensão, o Tribunal recorrido interpretou a pretensão da recorrente como querendo antes suscitar a ocorrência de “uma omissão de pronúncia da sentença”.

Mas, o resultado acaba por ser o mesmo. Como ser possível alegar que houve omissão de pronúncia quando o Tribunal apreciou tais factos, e deu os mesmos como não provados, explicando detalhadamente porquê ?

É sabido que o pagamento é um facto extintivo da obrigação, que, nos termos do disposto no art. 342º,2 CC, deve ser provado pelo réu/putativo devedor. Porém, é igualmente sabido que o mesmo facto pode ter funções diferentes na estrutura da causa de pedir onde está inserido, consoante o pedido que é formulado, não podendo pois essa classificação ser feita em abstracto, mas apenas em concreto.

Assim, neste caso concreto, não é o facto “pagamento” que deve ser alegado e provado pelo requerido, é antes o “não pagamento” que deve ser alegado e provado pelos requerentes da providência, como aliás foi alegado, não tendo, todavia, sido considerado provado. O que é, aliás, um truísmo, pois a providência começou por ser decretada sem contraditório, pelo que por definição não havia réu para alegar a excepção peremptória pagamento.

Seja qual for a forma como se olhe para a alegação de nulidade, a mesma não tem o menor fundamento.

Vamos pois fechar rapidamente esta questão, concluindo, como o fez a primeira instância, que não se verifica qualquer nulidade.

B- Cumpre agora saber se existem fundamentos para manter o arresto que foi inicialmente decretado, sem contraditório prévio, ou se bem andou o Tribunal recorrido, quando, após cumprir o contraditório, levantou o arresto.

Tal como se escreve na sentença recorrida, é por demais sabido que, de acordo com o nº 1 do artigo 391º do Código de Processo Civil, "o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor”. Para tanto, o requerente terá de deduzir os factos "que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado (..)”, conforme exige o artigo 392.º, n.º 1, do mesmo diploma.

Assim, o arresto só pode ser decretado se o requerente demonstrar a probabilidade da existência do crédito que invoca e comprovar o seu justo receio de perder a garantia patrimonial desse mesmo crédito.

Conforme tem vindo a ser insistentemente afirmado pela jurisprudência, esse receio por parte do credor, para ser considerado justo, há-de assentar em factos concretos, que o revelem à luz de uma prudente apreciação, isto é, tem de assentar em dados objectivos, sejam eles factos, atitudes ou, pelo menos, certa maneira de ser, que denunciem uma disposição do devedor de subtrair o património à acção dos credores.

E o Tribunal recorrido concluiu, e quanto a nós, irrepreensivelmente, que não se encontra demonstrada a existência provável de um direito de crédito dos requerentes sobre o requerido. Desde logo, porque, embora se tenha comprovado a celebração de um contrato de cessão de exploração do Café X que atribuiria legitimidade substantiva aos requerentes para celebrarem um contrato de subcessão de exploração do mesmo estabelecimento comercial, certo é que o contrato base – o contrato de cessão de exploração outorgado pela requerente – foi declarado resolvido por decisão judicial definitiva anterior à celebração do contrato de subcessão, o que retirou aquela legitimidade substantiva aos requerentes. Com efeito, não podiam eles ceder a exploração de estabelecimento comercial cuja exploração eles próprios não tinham. Nesta linha de raciocínio, se alguma quantia for devida pela «indevida» exploração do estabelecimento e ocupação do respectivo local, seguramente não será devida aos requerentes, que não têm legitimidade para a exigir, já que não eram titulares do direito de exploração do estabelecimento aquando da celebração do contrato de subcessão.
Seguimos até aqui o raciocínio constante da sentença recorrida, o qual é claro, correcto e irrebatível.
Mas os requerentes não desistiram, e vieram brandir com a existência de um alegado direito de retenção sobre a sociedade cedente da exploração do estabelecimento comercial em virtude de benfeitorias realizadas.

A sentença recorrida considerou, porém, que sempre são de aplicar ao direito de retenção as regras respeitantes ao penhor, nos precisos termos decorrentes do disposto no artigo 758º e 759º,3 CC. E decorre do regime do penhor, em particular do preceituado nos artigos 670º e 671º e 673º, que os poderes de facto conferidos ao retentor sobre a coisa retida resumem-se tão só e apenas à sua conservação, ao ponto de se encontrar o retentor proibido de a usar sem o consentimento do devedor, excepto se o uso for indispensável à conservação da coisa (artigo 671º,b), do Código Civil). Ora, a celebração pelo pretenso retentor de contrato de subcessão de exploração do estabelecimento comercial claramente exorbita os poderes de facto que aquele direito real de garantia confere ao seu titular, pelo carece de qualquer fundamento jurídico o argumento aduzido pelos requerentes.

E foi com estes fundamentos (a não demonstração desde logo do primeiro requisito do arresto - probabilidade séria da existência do crédito do requerente), que o Tribunal recorrido julgou procedente a oposição ao decretamento da providência, levantando o arresto.

E que argumentos trouxe a recorrente para contrariar este julgamento ?

Limita-se a afirmar que tem direito de retenção sobre o locado nos termos do artigo 1406º,1 CC, tendo, nos termos dos artigos 1273º e 1275º do CC, direito a ser indemnizada quanto às benfeitorias necessárias que haja introduzido no locado. E acrescenta que um dos deveres do retentor é então, por força do artigo 671º,a CC, o de guardar e administrar, como um proprietário diligente, a coisa retida, respondendo pela sua existência e conservação.

Ora, a primeira coisa que verdadeiramente salta à vista ao olhar para este processo, nomeadamente para o requerimento que lhe deu início, é que os requerentes da providência não fazem qualquer referência a um direito de retenção, como fonte de legitimidade para outorgar no contrato de sub-cessão de exploração. Limitam-se a alegar que a requerente mulher é a legítima detentora da cessão de exploração do estabelecimento comercial, em virtude de contrato celebrado com a sociedade RA, Lda.

A referência a um eventual direito de retenção, tanto quanto a esta Relação é dado conhecer, apenas surge, por escrito, nas alegações de recurso.

Ora, sobre isto, apenas nos resta dizer que a pretensão da recorrente naufraga fragorosamente, e em três planos:

a) no primeiro plano, porque temos de secundar integralmente o decidido na primeira instância sobre o facto de os poderes de facto conferidos ao retentor sobre a coisa retida se resumirem tão só e apenas à sua conservação, de tal forma que a celebração pelo pretenso retentor de contrato de subcessão de exploração do estabelecimento comercial claramente exorbita os poderes de facto que aquele direito real de garantia confere ao seu titular, que é uma referência em abstracto à figura jurídica em causa e seu conteúdo;
b) num segundo plano, estritamente processual, temos que dos factos provados não consta qualquer facto ou conjunto de factos que nos permitam concluir que a requerente/recorrente é titular de um direito de retenção sobre o estabelecimento comercial; isto sucede, em grande parte, porque ela nunca o alegou quando o deveria ter feito, surgindo tal tese já na fase final da lide como uma manobra de recurso, após o requerido ter chamado a atenção do Tribunal para a decisão proferida no processo 357/08.5TBPRG;
c) E num terceiro plano, em concreto, porque já resulta da sentença transitada em julgado no referido processo 357/08.5TBPRG que a ora recorrente foi a esse processo alegar ser titular de um direito de retenção sobre o estabelecimento para garantia de um crédito de benfeitorias, formulando reconvencionalmente o pedido de reconhecimento desse direito de retenção, mas tal pedido foi julgado totalmente improcedente pelo Tribunal.

Improcede, pois, sem necessidade de mais considerandos, esta parte do recurso.

C- Finalmente, afirma a recorrente que não litigou de má-fé.

Temos de começar por dizer que há sempre algo de absurdo quando uma parte num processo vem afirmar que não litigou de má-fé. É que, por definição, um sujeito processual não admite nunca ter litigado de má-fé, e o simples facto de sequer se pronunciar sobre tal matéria está sempre fulminado pelo rótulo de “julgamento em causa própria”. Queremos com isto dizer que, por definição, esse é um julgamento que só pode ser feito por terceiros, concretamente pelo Tribunal.

Dito isto, consagra o Código de Processo Civil, no seu artigo 8º, que as partes devem agir de boa-fé (dever da boa fé).
Com efeito, não obstante a lei atribuir aos sujeitos processuais o direito de solicitar ao tribunal uma determinada pretensão, esta deve ser apoiada em factos e razões de direito de cuja razão esteja razoavelmente convencido, sob pena de haver lugar à responsabilização daqueles (princípio da auto-responsabilidade das partes).

É assim em ambos estes princípios que assenta o instituto da litigância de má-fé, consagrado nos artigos 542º e seguintes do C.P.C., o qual visa sancionar uma conduta processual das partes censurável, por desconforme ao princípio da boa-fé pelo qual as mesmas devem reger a sua conduta.

Corresponde o instituto da litigância de má-fé a uma responsabilidade agravada, que assenta na culpa ou dolo do litigante. Se a parte actuou de boa-fé, sinceramente convencida de que tinha razão, a sua conduta é lícita e é condenada apenas no pagamento das custas do processo, como risco inerente à sua actuação. "Se procedeu de má-fé ou com culpa, pois sabia que não tinha razão, ou não ponderou com prudência as suas pretensas razões, a sua conduta assume-se como ilícita, configurando um ilícito processual a que corresponde uma sanção, que pode ser penal e/ou civil (multa e indemnização à parte contrária), e cujo pagamento acresce ao pagamento das custas processuais (1)."
Nos termos do disposto no nº 1 do art. 542º do CPC tendo uma ou ambas as partes litigado de má-fé, será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária.

E nos termos do nº 2 desta disposição legal, “diz-se litigante de má-fé quem com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

Resulta da actual redacção desta disposição legal que não só as condutas dolosas, como também as gravemente negligentes, são sancionáveis.

Podemos entender que a parte actuou com negligência grave quando vai para juízo sem tomar em consideração as razões ponderosas que comprometiam a sua pretensão, e age dolosamente quando sabia que não tinha razão e mesmo assim litigou (neste sentido, ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª Edição – Reimpressão, Coimbra Editora, 1981, pág. 262).

Sendo este o enquadramento da figura da litigância de má-fé, sabemos que o Tribunal recorrido considerou provado que quando, em 24 de Novembro de 2017, a requerente/recorrente instaurou este procedimento cautelar, já conhecia o conteúdo da decisão judicial proferida no processo n.º 357/08.5TBPRG, a qual já há muito se tornara definitiva. Também ficou demonstrado que, no requerimento apresentado para instaurar o presente procedimento cautelar, a requerente não fez qualquer referência à existência da decisão judicial, anterior ao próprio contrato com o requerido, que declarou resolvido o contrato em que a requerente fundou o seu direito de crédito sobre o requerido, com o propósito de induzir o Tribunal em erro.

Como já se disse, a requerente bem sabia que a revelação da existência da referida decisão tornaria altamente inviável o arresto. Assim, a fim de conseguir a todo o custo uma decisão judicial favorável aos seus intentos, resolveu enganar o Tribunal, induzindo-o em erro quanto aos pressupostos fácticos do arresto, conduzindo-o a uma decisão que apenas agora se corrige, mas à custa de importantes prejuízos para o requerido.
Assim, com dolo, a requerente omitiu factos relevantes para a decisão da causa, ou seja, litigou com má-fé.

Isto foi o que a primeira instância decidiu, e que esta Relação confirma nos seus exactos termos, pois é raro encontrar um caso mais flagrante de litigância de má-fé.

Mas não podemos ficar só por aqui.

Vejamos qual a argumentação avançada pela recorrente para se opor a esta sanção processual. À matéria dedica a recorrente as 4 últimas conclusões das suas alegações de recurso. Na conclusão 69 reitera que não litigou nem agiu com litigância de má-fé, nos termos do art. 542º - 1 als. a) a d) do CPC. Na conclusão 70, afirma que por mera economia processual remete para a alegação anterior, relativamente ao direito de retenção e declarações de parte da recorrente mulher. Daí conclui que terá de ser absolvida da multa no valor de três unidades de conta bem como no reembolso de despesas relativas aos honorários dos mandatários e prejuízos sofridos pela parte contraria como consequência directa ou indirecta da má-fé. E não termina sem “desabafar”, afirmando na conclusão 72 que não se compreende a razão de ser desta tão “dolorosa” condenação pois quem deve e não quer pagar é recompensado e quem fica com o prejuízo é condenado “sem dó nem piedade”.

O que dizer de alguém, a cessionária, que é demandada em acção assente na celebração de um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, pela cedente dessa exploração, na qual se pede o despejo da cessionária por falta de pagamento das rendas e por cedência não autorizada do estabelecimento a terceiros sem conhecimento e autorização da cedente, acção essa que vem a ser julgada totalmente procedente, com a consequente declaração de resolução do contrato celebrado entre as partes, condenação da ré a pagar as quantias em dívida, e indemnização, e ainda condenação a entregar o locado livre e devoluto de pessoas e bens, decisão essa que transita em julgado a 27/10/2016, e que:

1. Em 1/6/2017 celebra outro contrato de sub-cessão de exploração com outro terceiro, apesar de saber que não tem título para o efeito e de ter sido condenada a entregar o locado ?
2. E que em 24/11/2017 intenta procedimento cautelar de arresto contra esse terceiro, com fundamento no não pagamento das rendas, jactando-se de “legítima detentora da cessão de exploração do estabelecimento comercial em causa”, ocultando e omitindo por completo a sentença transitada em julgado que tinha declarado resolvido o referido contrato que lhe tinha atribuído temporariamente essa exploração e que a tinha condenado a entregar de imediato o estabelecimento ?

Responde o legislador, no art. 542º,1 CPC: esta pessoa: a) deduziu pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava; b) omitiu factos relevantes para a decisão da causa; c) praticou omissão grave do dever de cooperação; e d) fez do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal.
Estamos perante litigância de má-fé dolosa.

Assim, a sentença recorrida é inteiramente correcta e justa, devendo ser confirmada.

Mas também não podemos ficar só por aqui.

A litigância de má-fé não é exclusiva da primeira instância. Pode ocorrer nos Tribunais superiores, pois a lei não distingue.

E de tudo o que ficou escrito, emerge mais uma vez nítida quanto a nós uma atitude dolosa da recorrente, que, depois de ter perdido a causa em primeira instância, veio litigar para este Tribunal da Relação, tentando alterar a fonte da sua legitimidade para outorgar no contrato de sub-cessão de exploração, de cessionária para titular de direito de retenção, quando sabia, porque não podia deixar de o saber, que a decisão proferida no citado processo 357/08.5TBPRG, e transitada em julgado, lhe tinha negado o direito a benfeitorias, e logo, por maioria de razão, o direito de retenção para garantia das mesmas, e a tinha condenado a entregar o estabelecimento livre e devoluto.

Ao vir perante esta Relação invocar, como parte do fundamento para pedir a presente providência cautelar, um direito de retenção que um Tribunal já lhe tinha negado, com trânsito em julgado, a recorrente deduziu pretensão cuja falta de fundamento não ignorava, e fez do recurso um uso manifestamente reprovável, com o fim de protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (art. 542º,2,a,d CPC).

Tem assim de ser condenada em multa (art. 542º,1 CPC), multa essa que oscila entre um mínimo de 2 UC e um máximo de 100 UC (art. 27º,3 RCP).
Considerando as circunstâncias que ficaram expostas, e o tipo de litigância sancionada, entendemos fixar a multa em 3 UC.
Uma última nota, para dizer que não desconhecemos jurisprudência segundo a qual a parte não pode ser condenada como litigante de má-fé sem primeiro lhe ser dada oportunidade para se pronunciar, presumivelmente com o fundamento de evitar decisões-surpresa, mas não podemos deixar de dela divergir.

Como já dissemos, por definição não faz qualquer sentido perguntar a uma parte processual se ela admite ter litigado de má-fé:

a) primeiro, não pode ser ela a julgar, nem sequer a opinar, em causa própria, sob pena de estarmos a caucionar um absurdo;
b) segundo, a conduta processual da parte está exposta nos autos, de forma definitiva e imutável. Nada há a acrescentar, a alterar, ou a tentar omitir; nada mais há a dizer, não há prova a produzir. Apenas resta analisar e aplicar a lei.
c) o direito a recorrer da decisão que condena em litigância de má-fé está, independentemente do valor da causa e da sucumbência, expressamente consagrado na lei (art. 542º,3 CPC). Ou seja, a parte vai sempre poder recorrer desta decisão.
d) estar a abrir nesta fase um incidente processual para dar à recorrente prazo para se vir pronunciar sobre a convicção do Julgador de que ela litigou de má-fé, quando ela vai poder impugnar essa decisão perante o Supremo Tribunal de Justiça, seria a prática de um acto absolutamente inútil. Que é proibido pelo art. 130º CPC.
Pelo que não o faremos.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando na íntegra a sentença recorrida.
Mais decide condenar a recorrente, como litigante de má-fé, por força do disposto no art. 542º,1,2,a,d CPC, na multa de 3 UC.

Custas pela recorrente (art. 527º,1,2 CPC).

Data:10/7/2018

Relator

(Afonso Cabral de Andrade)

1º Adjunto
(Alcides Rodrigues)

2º Adjunto
(Joaquim Luís Espinheira Baltar)

1 - Neste sentido, v.g. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, pág. 260.