Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2590/19.5T8VCT.G1
Relator: TERESA COIMBRA
Descritores: CÚMULO JURÍDICO DE PENAS
DESCONTO PENA
MOMENTO PROCESSUAL CONCRETIZAÇÃO
ERRO NOTÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1. O momento processual adequado para concretizar o desconto de pena já cumprida por um condenado, não é o da elaboração do acórdão de cúmulo jurídico, mas o da liquidação da pena única, que se lhe seguirá.

2. Não obstante poder ser considerado conveniente que o acórdão que cumula juridicamente diversas penas, proferido na sequência do conhecimento superveniente do concurso a que alude o art. 78º do Código Penal, traduza a realidade processual conhecida e relevante também no que aos descontos concerne, se tal não acontecer, nem o acórdão fica ferido de um qualquer vício, nem ocorre prejuízo para a situação processual do condenado.
Decisão Texto Integral:
Juiz Desembargadora Relatora: Maria Teresa Coimbra.
Juiz Desembargadora Adjunta: Cândida Martinho.

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I.
No processo de cúmulo jurídico que, com o nº 2590/19.5T8VCT, corre termos pelo juízo central criminal de Viana do Castelo foi decidido (transcrição):
(...) condenar o arguido F. M.:

I – Pena única de 2 anos e 3 meses de prisão (154/16.4PBVCT, 3064/16.1T, 173/16.0JABRG, 3363/16.2T9VCT)
II – Pena única de 3 anos de prisão (- (157/17.1PFPRT e 297/17.7PBVCT)
As penas únicas agora aplicadas serão cumpridas sucessivamente.
Às referidas penas de prisão efectiva deduzir-se-á todo o tempo de prisão sofrido em cumprimento de pena ou em prisão preventiva à ordem de qualquer dos processos englobados na presente decisão, sendo que relativamente ao processo nº 173/16.0JABRG há que atender ao facto do arguido já ter cumprido 120 horas de trabalho a favor da comunidade, bem como o cumprimento dos 20 meses de prisão – processo nº 154/16.4PBVCT
Notifique.
(…)

Inconformado com a decisão, interpôs o arguido recurso, concluindo-o nos seguintes termos:

I. O Recorrente lança mão da interposição de recurso do Acórdão proferido pelo Tribunal a quo que, em sede de audiência de cúmulo jurídico condenou o Arguido ora Recorrente nas penas únicas de 2 anos e 3 meses de prisão e ainda na pena única de 3 anos de prisão, cumpridas sucessivamente.
II. Na verdade, o Recorrente não concorda com o alinhamento conferido aos pontos 95e96 damatériade facto dadacomo provada, porquanto, não relevou para efeito de contabilização nas penas únicas a aplicar o facto de o Recorrente já ter cumprido 6 (seis) meses de prisão efectiva no âmbito do processo n.º 3363/16.2T9VCT.
III. Ou seja, com isto pretende o Recorrente dizer, que na sua humilde opinião o Tribunal a quo deveria ter deduzido o cumprimento desta pena de 6 (seis) meses de prisão, o que não sucedeu.
IV. No mais, recorre ainda da matéria de direito no que concerne à formação e ao limite da moldura do concurso, outrossim, da omissão de pronúncia no que concerne precisamente ao facto da falta de pronúncia respeitante à pena de 6 (seis) meses de prisão já cumprida pelo Recorrente.
V. Deste modo, e no que concerne à impugnação da matéria de facto dos pontos 95 e 96, o Tribunal a quo olvidou-se de contabilizar no primeiro bloco a concurso a pena que foi aplicada no âmbito do processo n.º 3363/16.2T9VCT, já extinta pelo cumprimento.
VI. Entende-se que, tal decorre da prova documental carreada para os autos, do seu registo criminal e ainda de todo a prova que foi analisada em sede de audiência de julgamento no cúmulo jurídico realizado.
VII. Veja-se que, é referido no próprio Acórdão que o Arguido se encontrou recluído até ao dia 24.11.2018, momento em que foi ligado a outro processo, sendo que, menciona ainda no alinhado ponto 96 da matéria de facto provada que a 26.05.2019 foi ligado novamente a outro processo para cumprimento da pena de 7 meses de prisão pelo crime de ameaça.
VIII. Ora, daqui decorre que entre 25.11.2018 e 25.05.2019 o Tribunal a quo olvidou-se que o Recorrente cumpriu efectivamente 6 (seis) meses de prisão, ligado ao processo n.º 3363/16.2T9VCT.
IX. Nesta medida, o Recorrente considera que existe omissão de pronúncia o que per si, poderá ser relevante para efeito de desconto na pena única aplicada no respectivo bloco, requerendo-se assim, salvo melhor opinião, a introdução dessa factualidade na matéria de facto dada como provada, e assim, corrigida a final.
X.O que mui doutamente se requer.
XI. Entende, ainda, o Recorrente que o Tribunal a quo incorre também em erro notório na apreciação da prova e erro de julgamento no que concerne à matéria de facto, violando o art. 127.º do CPP.
XII. Salvo o devido respeito, o Recorrente entende igualmente que o Tribunal a quo incorreu em erro na determinação concreta da medida das penas, não ponderado como se lhe impunha, os elementos constantes do art. 77.º do Código Penal.
XIII. Na verdade, o Tribunal a quo não ponderou todo o circunstancialismo e dificuldades que o Arguido ora Recorrente passou ao longo da sua vida, sendo que, se comparada a conduta do Arguido e a antijuricidade do seu comportamento no momento anterior a ser condenado e se reanalisado agora o seu comportamento denotamos – na perspectiva da ressocialização – uma evolução positiva.
XIV. Se analisado o relatório social junto aos autos – que com a devida vénia transcrevemos – denotamos que: “(…) Durante o cumprimento da pena de prisão tem-se assistido a uma gradativa evolução ao nível pessoal, evidenciando maior equilíbrio, com projectos de vida formulados de enquadramento profissional, assim como uma crescente interiorização da gravidade da conduta criminal e dos danos provocados às vítimas, factores necessários à criação e concretização de um projecto de vida normativo”.
XV. Nesta medida, e de acordo com as finalidades do direito penal, nomeadamente de acordo com a prevenção geral positiva e especial, a medida da pena deverá prever não só o restabelecimento da confiança na comunidade na efectiva tutela penal, como também permitir ao agente a ressocialização.
XVI. Descendo ao caso dos autos, e de acordo com o relatório social invocado, a conduta do Arguido/Condenado tem melhorado substancialmente, tudo nos levando a crer que a sua conduta, no futuro, passará por uma atitude positiva, conducente com o direito e com o respeito pelas normas jurídicas e regras da sociedade.
XVII. Pelo que, e atendendo à moldura que caberia em cada um dos blocos, entende o Recorrente que a pena concreta a aplicar a cada bloco dever-se-ia situar no seu limite mínimo: isto é 20 (vinte) meses para o primeiro bloco e 1 (um) ano e 10 (dez) meses no segundo, o que não sucedendo, tudo nos leva a crer que as penas aplicadas nos dois blocos o foram de uma forma desproporcional e limitativa do projecto de ressocialização que se pretende.
XVIII. Em suma, entende o Recorrente que, o douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo deverá ser revogado e em consequência deverá ser deduzido o cumprimento da pena de 6 (seis) meses, inserindo tal factualidade nos pontos 95 e 96 da matéria de facto dada como provada, e bem assim, revogar as penas aplicadas em ambos os blocos, face à conduta apresentada pelo Arguido e à necessidade da sua ressocialização, colocando-as no seu limite mínimo.
XIX. O que mui doutamente se requer.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V.ªs Ex.ªs mui doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogar-se o ACÓRDÃO proferido no que concerne ao supra exposto nos seguintes termos:

a) Num primeiro plano, relativamente à matéria dada como provada nos pontos 95. e 96., deve passar a constar em tal elenco como facto provado a circunstância deentre 25.11.2018 a 25.05.2019, o Recorrente se encontrar preso à ordem do Processo n.º 3363/16.2T9VCT a cumprir 6 (seis) meses de prisão, cujo termo/extinção da pena ocorreu a 25.05.2019, e, como tal, em sede de Decisão constar que tal cumprimento terá de ser deduzido às penas únicas aplicadas no Acórdão;
b) Num segundo plano, e considerando que as penas únicas aplicadas ao Recorrente se encontram majoradas e desajustadas, sendo violadoras dos princípios da igualdade e proporcionalidade, deve tal decisão ser revogada e substituída por outra que condene o Recorrente nas penas únicas aplicadas no mínimo legal, isto é, relativamente ao primeiro bloco, nos 20 (vinte) meses e, relativamente ao segundo bloco, em 1 (um) ano e 10 (dez) meses.

FAZENDO-SE, ASSIM, A HABITUAL E SÃ JUSTIÇA!
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O recurso foi corretamente admitido.
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A ele respondeu o Ministério Público em primeira instância, pugnando pela sua improcedência.
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Idêntica posição veio a ser assumida nesta Relação pelo Ministério Público, deixando, contudo, expresso o entendimento de que “deveria constar da matéria de facto provada de forma individualizada relativamente ao processo 3363/16.2 T9VCT a pena de 6 meses de prisão aí cumprida”, mas sem que tal falta configure qualquer erro de julgamento ou de acórdão.
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Foi cumprido o artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal (CPP).
Após os vistos, foram os autos à conferência.
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II.
Cumpre decidir, tendo em conta que é pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – e que analisando a síntese conclusiva há que:

- aferir se ocorre omissão de pronúncia, erro notório na apreciação da prova e erro de julgamento no acórdão recorrido pelo facto de dele não constar que o recorrente cumpriu, ligado ao processo 3363/16.2T9VCT, entre 25/11/2018 e 25/05/2019, a pena de 6 meses de prisão aí imposta;
- ponderar se são excessivas, devendo ser reduzidas ao mínimo legal as penas únicas aplicadas ao recorrente.
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É a seguinte a matéria de facto provada:

Mostram-se provados os seguintes factos:

1. No processo 154/16.4PBVCT o arguido foi condenado pela prática em co-autoria material, de um crime de roubo, p. e p., pelo art. 210.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 20 meses de prisão efectiva;
2. Ali apurou-se que
3. Em 14 de Fevereiro de 2016, cerca das 5h30m, na Rua dos …, em Viana do Castelo, o arguido F. M. e outro, acompanhados de outro indivíduo do sexo masculino cuja identidade não foi possível apurar, abordaram C. M. pela retaguarda e um deles disse-lhe: “dá-me o telemóvel”.
4. Em seguida, surgiu um amigo de C. M. e os referidos 3 indivíduos puseram-se em fuga.
5. Mais tarde, na mesma madrugada, na Rua …, em Viana do Castelo, enquanto E. C. e H. S. aguardavam por outros amigos, surgiu o arguido F. M. e outro, acompanhados de outro indivíduo do sexo masculino cuja identidade não foi possível apurar.
6. De imediato e de forma brusca rodearam-nos, tendo o outro arguido amarrado E. C. pelo pescoço, por trás, fazendo-lhe um golpe conhecido por “nó de gravata” ou “mata leão”, apertando com tal intensidade que provocou neste sufoco e desmaio.
7. Enquanto o arguido F. M. e outro retiraram o telemóvel de E. C. e o revistaram, abrindo a carteira, que atiraram com as chaves de casa para o chão, o terceiro indivíduo dirigiu-se a H. S., desferiu-lhe um encontrão e puxou-lhe pela carteira que trazia a tiracolo, ficando com ela, momento em que começaram os 3 a correr pela rua abaixo.
8. O telemóvel de E. C. era um “PU Samsung Galaxy S4”, que custou € 549,90 em 10 de Janeiro de 2014.
9. No interior da bolsa, avaliada em € 20,00, de H. S., estavam um telemóvel “Smartphone”, no valor de € 49,90, € 10,00 em dinheiro, duas bombas para a bronquite asmática, no valor de € 60,00, e o porta-moedas avaliado em €10,00.
10. O arguido e os outros, quando abordaram C. M., agiram na prossecução de um plano entre todos gizado e a que todos aderiram, actuando de surpresa, por meio de abordagem com superioridade numérica, 3 indivíduos contra um, intimidando o ofendido, querendo subtrair-lhe dinheiro e os objectos de valor que encontrassem, fazendo-os seus, deles dispondo como se fossem seus donos, bem sabendo que não lhes pertenciam e que actuavam em prejuízo e contra a vontade do seu legítimo dono, só não o conseguindo por terem aparecido terceiros.
11. Os arguidos, quando abordaram E. C. e H. S., agiram na prossecução de um plano entre todos gizado e que a todos aderiram, dividindo tarefas, actuando de surpresa, por meio de violência e em superioridade numérica, 3 indivíduos do sexo masculino contra um do sexo masculino e outro do sexo feminino, intimidando os ofendidos, querendo subtrair-lhes dinheiro e os objectos de valor que encontrassem, fazendo-os seus, deles dispondo como se fossem seus donos, bem sabendo que não lhes pertenciam e que actuavam em prejuízo e contra a vontade do seu legítimo dono.
12. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas são proibidas e punidas por lei como crimes.
13. No processo nº 3064/16.1.T9VCT o arguido foi condenado pela prática em autoria material, e na forma tentada, de um crime de coacção, p. e p. pelos art. 22.º, 23.º, 73.º, 154.º, n.º 1 e 2, todos do Código Penal na pena de 6 (seis) meses de prisão.
14. Ali se apurou que:
15. No dia 19.11.2016, cerca das 01h40, os arguidos, munidos de um objecto perfurante, cujas características não foi possível apurar, encontraram-se com M. S., na Rua …, em Viana do Castelo, com o propósito de, agindo em conjugação de esforços e vontades, molestar o seu corpo.
16. Nessa circunstância, num contexto de discussão, enquanto um dos arguidos desferiu um soco na cara do denunciante, o outro, empunhando o tal objecto, atingiu-o na zona do tórax, perfurando-o.
17. Em consequência directa e necessária da actuação dos arguidos, M. S. sofreu dores, lesão perfurante da região torácica que causou um complexo cicatricial com 1cm e ferida sangrante na face que lhe causou uma cicatriz linear de 1cm na pálpebra inferior esquerda, lesões essas que lhe determinaram 45 dias de doença com afectação da capacidade de trabalho geral (12 dias) e com afectação da capacidade de trabalho profissional (18 dias).
18. Do evento resultaram ainda consequências permanentes que se traduzem em cicatrizes na face e região torácica que não desfiguram gravemente o denunciante.
19. Alguns dias depois, o arguido F. M. dirigiu-se ao denunciante, que se encontrava na Praça …, Viana do Castelo e, com o propósito de o compelir a desistir da queixa apresentada que deu origem aos presentes autos, disse- lhe: “Se não tiras a queixa, depois vais ver o que te faço. Agora não vai uma facada nem duas! Vou-te cortar o pescoço”
20. Pese embora a actuação do arguido, o denunciante, até à dedução da acusação, não desistiu da queixa apresentada.
21. Ao actuarem do modo supra descrito, tiveram os arguidos F. M. e R. G. o propósito concertado e concretizado de molestar o corpo de M. S., causando-lhe lesões da natureza das verificadas.
22. Ao agir do modo descrito teve o arguido F. M. o firme propósito de, através do anúncio de que iria cortar-lhe o pescoço, provocando-lhe medo e inquietação, constranger o denunciante a desistir da queixa apresentada no âmbito deste processo, o que apenas não ocorreu por factos alheios à sua vontade.
23. Os arguidos F. M. e R. G. agiram livre, concertada, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e penalmente punida.
24. O arguido F. M. agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e penalmente punida.
25. No processo nº 173/16.0JABRG o arguido foi condenado na pena de 4 meses de prisão substituída por trabalho.
26. Ali apurou-se que:
27. No dia 06.02.2016, pela 1h da manhã, R. S. telefonou ao ofendido P. M. pedindo-lhe que o fosse buscar à Meadela e lhe desse boleia.
28. Como era seu conhecido e amigo, o ofendido acedeu.
29. No local estava, além de outro, o arguido F. M. e deslocaram-se todos, no carro do ofendido, para lugar ermo.
30. Naquele local o arguido F. M. deu uma bofetada no ofendido, que sentiu dores.
31. O arguido agiu com o propósito de molestar o corpo do ofendido.
32. Agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era punida e proibida por lei.
33. No processo nº 157/17.1PFPRT o arguido foi condenado pela prática de pela prática de um crime de roubo, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, 73.º, 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão; dois crimes de roubo, p. e p. pelos arts. 210.º, n.º 1, do Código Penal, em duas penas de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;
34. Ali se apurou que:
35. No dia 25 de Março de 2017, a hora não concretamente apurada mas situada entre as 6.00 e as 6.40 horas, os arguidos acompanhados de dois indivíduos cuja identidade não foi possível apurar, um do sexo masculino e outro do sexo feminino, encontravam-se na Avenida …, nesta cidade do Porto, quando abordaram o ofendido P. P., estudante, natural do Brasil, com 23 anos de idade, que por ali se encontrava, sozinho e igualmente apeado.
36. Os arguidos e demais indivíduos de identidade não apurada que os acompanhavam, beneficiando da sua superioridade numérica, abeiraram-se do ofendido e, após lhe terem retirado o boné -de cor preta, com o símbolo a branco na frente e da marca "Nixon"-, que o mesmo trazia consigo e tentou em vão recuperar, rodearam-no, impedindo qualquer tentativa de fuga que este porventura esboçasse.
37. Neste contexto, proferiram expressões não apuradas, relacionadas com a origem brasileira do ofendido e empurraram-no, provocando a sua queda ao chão.
38. Encontrando-se o ofendido no chão e incapaz de se defender, um dos elementos do grupo, nos quais se incluíam os arguidos, revistou o ofendido, retirando-lhe: a carteira, que continha cerca de €30,00 em notas, do Banco Central Europeu; um cartão de débito com o n° …, emitido em nome do ofendido pelo "Bank …", um passaporte emitido em nome do ofendido e um telemóvel, marca "IPhone 6", cor cinzenta, com o IMEI …, de valor não concretamente apurado mas que se sabe ser pelo menos cerca de €800,00.
39. Os arguidos e demais indivíduos de identidade não apurada, levaram consigo, o boné referido e os bens supra referidos pertença do ofendido e que fizeram coisa sua.
40. De seguida, na posse dos pertences do ofendido, os arguidos e demais indivíduos de identidade não apurada abandonaram, em correria, o local, deslocando-se no sentido ascendente da Avenida …, em direcção à zona da ….
41. O ofendido em momento algum ofereceu resistência aos arguidos e os demais indivíduos de identidade não apurada acima referidos, sentindo-se amedrontado pela postura por aqueles assumida, ficando manietado pelo medo de poder ser mais gravemente atingido na sua integridade física caso adoptasse outro comportamento perante os mesmos.
42. Os arguidos e demais indivíduos de identidade não apurada acima referidos agiram sempre concertadamente e em conjugada comunhão de esforços, na execução de um plano previamente delineado e por todos aceite.
43. Cerca das 6.50 horas desse mesmo dia, foram os dois arguidos interceptados policialmente junto do estabelecimento comercial denominado "Café …", situado nas proximidades da Estação de metro da …, nesta cidade do Porto, tendo em sua posse parte dos pertences do ofendido, os quais foram apreendidos.
44. Assim, o arguido F. M., trazia posto na cabeça o boné, pertença do ofendido.
45. Além disso, o arguido F. M. escondia no vestuário que envergava, sete notas de 20,00 Euros e quatro de 10,00 Euros.
46. Por seu turno, o arguido J. P. escondia no vestuário que então envergava, o telemóvel e o cartão de débito do ofendido, tudo pertença do ofendido.
47. Além disso, o arguido J. P. escondia no vestuário que envergava, quatro notas de 50,00 Euros, quatro notas de 20,00 Euros e uma nota de 5,00 Euros.
48. Os arguidos e demais indivíduos de identidade não apurada, acima referidos, bem sabiam que os bens, dinheiro e documento de que se assenhorearam não lhes pertencia e que actuavam contra a vontade e sem o consentimento do respectivo dono e que só por terem recorrido à agressão física sobre ele, deixando-o magoado e temeroso de ser mais gravemente agredido, é que lograram levar a cabo os seus intentos.
49. Agiram de forma livre, deliberada e consciente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
50. Os bens referidos supra, apreendidos aos arguidos, foram entregues ao ofendido P. P., cerca das 08.04 horas;
51. O passaporte foi entregue ao ofendido uns dias depois após ter sido encontrado na via pública, por um terceiro;
52. Em virtude da queda supra referida o ofendido ficou com escoriações nas mãos (nós dos dedos), que não careceram de tratamento hospitalar;
53. No processo nº 3363/16.2T9vct o arguido foi condenado pela prática de dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelo art.153º e 155º, nº.1, al.a) do C.P., na pena de 4 (quatro) meses de prisão, por cada um deles; - em cúmulo jurídico das duas penas parcelares aplicadas, na pena única de 6 (seis) meses de prisão;
54. Ali se apurou que:
55. No dia 12 de Dezembro de 2016, cerca das 15.00h., após a leitura do acórdão proferido no âmbito do P.C.Col. nº.1082/15.6PBVCT, Instância Central, Secção Criminal – J1, na sala de audiências nº.1, deste Tribunal de Viana do Castelo, em que era ofendido e assistente o filho dos ofendidos L. M. e M. C. e arguido R. G. - que foi condenado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva -, o arguido F. M., que se encontrava dentro da sala de audiência a assistir à leitura, no lugar destinado ao público, virou-se para os denunciantes, que ali também se encontravam sentados nuns bancos mais atrás, aos gritos, com foros de seriedade, e dirigiu-lhes as seguintes expressões “vou-vos matar a todos. Filhos da puta, cabrões” por forma a intimidá-los e a criar naqueles desassossego e receio que atentasse, pelo menos, contra a sua integridade física;
56. Ao actuar da forma descrita o arguido F. M. agiu livre e conscientemente, com o propósito, concretizado, de provocar medo e inquietação aos ofendidos, fazendo-os recear pela sua integridade física e vida, bem sabendo que tal conduta era adequada e idónea a provocar nos ofendidos um estado de espírito redutor e constrangedor da sua liberdade de circulação e de autodeterminação, inerente a qualquer pessoa, o que, de facto, aconteceu;
57. O arguido F. M. bem sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
58. No processo nº 297/17.7PBVCT o arguido foi condenado pela prática de dois crimes de ameaça p. e p. pelos arts. 153º nº1 e 155º nº1, a) do C.P. nas penas parcelares de 5 (cinco) e de 5 (cinco) meses de prisão. Operando o cúmulo jurídico das penas aplicadas na pena única de 7 (sete) meses de prisão.
59. Ali se apurou que
60. Em 24/03/2017, cerca das 16h35m, o arguido abeirou-se do portão da Escola EB 2/3 …, em Viana do Castelo.
61. Dirigiu-se a T. C. e disse-lhe de forma brusca e em tom alto: «a ti vou-te matar, já sei onde paras».
62. De seguida, logrou entrar no recinto escolar, dirigiu-se a M. S., cuspiu-lhe na cara e disse-lhe, entre outras expressões, em tom alto e brusco: «hei-de matar-te».
63. Obrigado a abandonar o recinto por uma funcionária da Escola, virou-se para trás, novamente na direcção de M. S. e disse-lhe: «sei onde tu moras, se te voltar a apanhar não te vais esquecer de mim, lá fora veremos».
64. O arguido é o ex-namorado de M. S. e o ofendido T. C. é o actual namorado, sendo este o motivo do diferendo.
65. O arguido, ao proferir as palavras referidas, dirigidas àqueles, estava ciente que o fazia em circunstâncias adequadas a lhes provocar medo e inquietação e de modo a lesar a paz individual e liberdade de autodeterminação, com receio que atentasse no futuro contra a integridade física e a própria vida daqueles, tanto mais que é conhecido por ser agressivo e violento.
66. O arguido agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as palavras utilizadas eram susceptíveis de causar medo e inquietação, o que quis.
67. Mais sabia o arguido que as suas condutas são proibida e punidas por lei como crimes.
68. Mais se prova:
69. F. M. é o mais velho de uma fratria de quatro elementos, sendo os dois mais novos fruto da última relação marital da progenitora.
70. O condenado nasceu na Suíça, país onde a mãe esteve emigrada vários anos, tendo iniciado relacionamento com o pai dos dois filhos mais velhos, de origem italiana, trinta e dois anos mais velho, com quem viveu por cerca de oito anos.
71. A vivência do casal terá sido marcada por situações de violência doméstica, decorrente do estilo dominador e ciumento do progenitor do condenado.
72. O casal separou-se, tendo o progenitor mantido residência em Viana do Castelo, de forma a poder estar perto dos filhos.
73. Há cerca de cinco anos, o condenado foi viver com o pai, passando por um período conturbado no que concerne ao seu envolvimento em atividades delinquenciais.
74. Do ponto de vista das condições habitacionais e materiais o agregado usufruiu sempre de um padrão de vida confortável e estável.
75. O progenitor nunca se demitiu das suas responsabilidades parentais, designadamente ao nível económico. A progenitora, por sua vez, estabeleceu-se por conta própria, na área da restauração.
76. Ao nível da dinâmica intra-familiar, a progenitora estabeleceu uma nova relação marital, há alguns anos, da qual nasceram os dois irmãos mais novos do condenado.
77. Esta mudança colocou-o, bem como o irmão que o sucede em confronto com duas realidades vivenciais: por um lado a do pai, que passou a viver sozinho e por outro a da mãe e a do seu novo companheiro, revelando dificuldades em aceitar este último.
78. A inconsistência das práticas parentais começou a ter reflexos, contando o condenado com a permissividade do pai, sempre que a mãe tentava impor-lhe normas.
79. F. M. iniciou a escolaridade obrigatória em idade adequada.
80. Foi sobretudo a partir da frequência do 3º ciclo que passou a adoptar comportamentos disruptivos no contexto escolar, de desafio da autoridade dos docentes e demais agentes educativos.
81. O envolvimento precoce do condenado na prática delituosa deu origem a abertura de processos de inquérito tutelares educativos e posterior aplicação de medidas tutelares educativas, bem como o seu comportamento delituoso na idade adulta, conduziu-o a condenações em diversos processos cuja natureza dos factos estiveram quase sempre associadas ao roubo e ofensa à integridade física.
82. F. M. encontrava-se integrado no agregado da progenitora e irmãos.
83. O quadro económico e habitacional deste agregado é estável. Ocupam uma moradia, dotada de boas condições habitacionais e que é propriedade da progenitora, residindo alguns familiares maternos na vizinhança.
84. Não é considerada uma zona com problemáticas sociais ou delinquências significativas.
85. A subsistência do agregado é assegurada por esta, empresária do sector da restauração (café/confeitaria).
86. O condenado vive na dependência económica da progenitora, não dispondo de qualquer rendimento próprio.
87. Após ter abandonado a frequência do 9º ano de escolaridade, no ensino regular, ingressou num curso de formação de mecânica de automóveis, no Centro de Formação de ….
88. Ainda que esta vertente da formação profissional fosse de encontro às motivações que anteriormente manifestava, F. M. envolveu-se em situações de conflituosidade, com recurso à violência física e intimidação, tendo sido alvo de processo disciplinar e atendendo à gravidade da ocorrência foi suspenso e notificado da expulsão do curso.
89. No ano letivo 2014/2015 começou a frequentar um curso de educação e formação, em regime noturno, na Escola de …, que abandonou mais uma vez, desta feita devido à sua situação processual.
90. O condenado não tem interesses específicos que lhe permitam dedicar-se a uma actividade ocupacional estruturada. Revelou sempre tendência para se associar a jovens conotados com a prática delinquencial, estando os amigos em cumprimento de pena de prisão efetiva.
91. Na vertente da saúde, continua a admitir os consumos de substâncias aditivas, (haxixe), ao fim de semana. Foi acompanhado no Centro de Respostas Integradas de Viana do Castelo, movido pela sua situação processual e não por reconhecer/admitir a necessidade de tratamento médico terapêutico para efeitos de desabituação do consumo de estupefacientes.
92. F. M. foi sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica/OPHVE, à ordem do processo n.º: 173/16.0JABRG da Comarca de Viana do Castelo – Viana do Castelo – Inst. Local – Sec. Criminal J2, de 08 de Julho a 21 de Outubro de 2016.
93. Em audiência de julgamento, foi condenado numa medida de prestação de 120 horas de trabalho a favor da comunidade.
94. Tem outras condenações a cumprir pena de prisão, bem como outras suspensas na sua execução, pelos crimes de furto, de roubo, burla informática e contra o património.
95. F. M. encontra-se recluído no Estabelecimento Prisional do Porto desde o dia 25-03-2017, condenado na pena de 20 meses de prisão pelo crime de roubo.
96. Ligado a 26/05/2019 a outro processo, para cumprimento da pena de 7 meses de prisão pelo crime de ameaça.
97. A situação processual do condenado tem tido um forte impacto junto da família, sendo evidente o desgaste da progenitora.
98. Não obstante, continua a prestar-lhes todo o apoio económico necessário à resolução da situação processual, tendo presente a necessidade do filho se afastar da interacção com o grupo de pares.
99. Ao nível laboral e face ao avolumar do número de horas que terá de cumprir no âmbito da execução das medidas de prestação de trabalho a favor da comunidade em que foi condenado, reconhece estar limitado para se dedicar ao exercício regular de uma atividade profissional.
100. A persistência, a intensidade e a gravidade da atividade delituosa com que o condenado está conotado, gera inevitavelmente alarme social e ele próprio tem evitado movimentar-se sozinho em alguns contextos, receando eventuais confrontos.
101. F. M. procura adaptar o seu discurso ao que sabe ser socialmente expectável ainda que não adopte uma postura de responsabilização pelos seus comportamentos, mesmo quando é confrontado com a aplicação das medidas resultantes da sua condenação.
102. No EP Porto regista quatro sanções disciplinares, por posse de telemóvel e cartão de activação.

1. Durante o cumprimento da pena de prisão tem-se assistido a uma gradativa evolução ao nível pessoal, evidenciando maior equilíbrio, com projectos de vida formulados de enquadramento profissional, assim como a uma crescente interiorização da gravidade da conduta criminal e dos danos provocados às vítimas, factores necessários à criação e concretização de um projecto de vida normativo.

Factos não provados

Não existem factos não provados com relevo para a decisão da causa

Motivação

O tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos provados no relatório social junto aos autos, nas decisões proferidas nos processos onde foram aplicadas penas em concurso com a destes autos e ainda no certificado de registo criminal.
*
Apreciação do recurso

A primeira questão trazida, pelo recorrente, a este tribunal para apreciação respeita à circunstância de não constar do acórdão proferido em primeira instância o facto de a pena, oportunamente, imposta no processo nº 3363/16.2T9VCT (6 meses de prisão) já se encontrar extinta pelo cumprimento, cumprimento que diz ter ocorrido entre 25/11/2018 e 25/05/2019.

Entende o recorrente que tal omissão determina que o acórdão esteja ferido de erro notório na apreciação da prova e erro de julgamento no que concerne à matéria de facto, requerendo, em consequência, que dos pontos 95 e 96 da factualidade provada passe a constar que o recorrente esteve preso, entre 25/11/2018 e 25/05/2019, à ordem do processo nº 3363/16.2T9VCT a cumprir seis meses de prisão e que tal cumprimento seja deduzido às penas únicas aplicadas no acórdão.

Dispõe o artigo 77º do Código Penal ( CP) com a epígrafe Regras da punição do concurso que:

1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer um deles é condenado numa única pena. Na medida da pena serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.
4 - As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.

Ocorrendo o conhecimento superveniente do concurso, como é o caso, é ao artigo 78º que deverá ir buscar-se a orientação para proceder à aplicação da pena única, sendo que também aqui se aplicam, por força o encaminhamento feito neste artigo para as regras do artigo anterior, as orientações matriciais constantes do artigo 77º.

Dispõe o artigo 78º, nº 1 do CP, com a epígrafe Conhecimento superveniente do concurso que:

1. Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente aquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes (sublinhado nosso).
2. O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.
3. (…)

Efetivamente, na parte final do nº 1 deste preceito, a partir da redação introduzida pela Lei 59/2007 de 4.9, passou a constar que a pena que já tiver sido cumprida deverá ser descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

A anterior redação resultante do DL 48/95 de 15.03 não continha esse segmento final ao estatuir que:

1. Se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes da respetiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar que o agente praticou anteriormente aquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior”.
2. (…)

Como se percebe da evolução da disposição legal, com as alterações introduzidas pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro, foi eliminado o pressuposto de não estar cumprida, prescrita ou extinta a pena a integrar no cúmulo. Isto mesmo teve em conta o tribunal de primeira instância ao introduzir na elaboração do cúmulo jurídico as penas que foram impostas no processo 3363/16.2T9VCT (duas penas de 4 meses de prisão, cada uma). Contudo, não referiu a circunstância de já estar cumprida a pena única (6 meses de prisão), então sentenciada. É esta omissão que o recorrente entende que faz inquinar o acórdão dos invocados vícios.

À primeira vista poderia parecer que a alteração legal ao passar a consagrar, expressamente, no final do nº 1 do artigo 78º que a pena que já tiver sido cumprida é descontada no cumprimento da pena única agora aplicada trazia, efetivamente, algo de novo no tratamento da questão da imposição e cumprimento da pena única resultante do julgamento do cúmulo jurídico, - julgamento este, agora, sempre obrigatório, para apurar a pena única resultante do conhecimento superveniente do concurso (artigo 472º do CPP) -.

Mas de facto assim não é. É que já antes constava do artigo 81º, nº 1 do CP, norma que se manteve inalterada, que se a pena imposta por decisão transitada em julgado for posteriormente substituída por outra, é descontada nesta a pena anterior, na medida em que já estiver cumprida.

Esta regra vale para diversas situações como sejam a reabertura de audiência para aplicação retroativa de lei mais favorável, ou a revisão de sentença, por exemplo, mas vale igualmente, obviamente, para o caso do conhecimento superveniente do concurso.

E, neste caso, sendo penas da mesma natureza e tendo o recorrente cumprido já uma pena de 6 meses de prisão, o desconto sempre teria de ser por inteiro, mesmo que o tribunal não o dissesse, porque a lei o manda observar.

Ocorre, contudo, que o momento temporal a ter em conta para concretizar o desconto, não é o de elaboração do acórdão de cúmulo jurídico, mas o da liquidação da pena que se lhe seguirá e que respeita já à execução da pena.

De facto é já na fase de execução da pena – no caso, das duas penas únicas impostas ao arguido – que caberá ao Ministério Público proceder à contagem do tempo de prisão a sofrer pelo condenado, tendo, para tanto, que obter os elementos necessários à referida liquidação, designadamente as informações respeitantes aos descontos a efetuar (nos termos dos artigos 80º a 82º do Código Penal), porque só assim poderá calcular as datas para os efeitos previstos nos artigos 61º, 62º e nº 1 do 90º do Código Penal. Posteriormente, tal contagem irá ser sujeita à homologação do juiz do processo e comunicada ao condenado e ao seu advogado (artigo 477º, nº 4 do Código Processo Penal), sendo, então, este o momento próprio para pôr em causa qualquer omissão que ocorra, na indicação dos descontos a ter em conta.

Portanto, aqui chegados, como só após o trânsito em julgado do acórdão que procede ao cúmulo jurídico das diversas penas, haverá lugar ao cumprimento do artigo 477º do CPP, é já possível concluir que a omissão, no acórdão recorrido, à referência ao cumprimento de uma das penas englobadas no cúmulo, não se traduz numa omissão geradora de erro notório ou de erro de julgamento, os quais poderiam ser equacionados se a(s) pena(s) do referido processo não tivesse(m) sido considerada(s), o que não foi o caso.

É certo que, uma vez que a lei passou a fazer constar da parte final do nº 1 do artigo 78º do CP, expressamente, a referência ao facto de a pena já cumprida dever ser descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes e que o acórdão para aplicação da pena única, no caso de conhecimento superveniente do concurso, se configura como o resumo da situação processual penal do condenado, é conveniente que o mesmo acórdão traduza, tão completamente quanto possível, a realidade processual já conhecida e relevante também no que aos descontos concerne. Mas o facto de ser conveniente não basta para inquinar o acórdão de uma qualquer nulidade.

Há até quem entenda que pelo facto de o desconto ser obrigatório, ele não constitui um caso especial de determinação da pena, mas tão só uma regra legal da execução, não necessitando, por isso, de ser mencionado na sentença (Yescheck§84, III, I citado in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime de J. Figueiredo Dias§ 436, 298, posição que merece a crítica do referido Professor, quando afirma que não se afigura ser essa a melhor opção na medida em que mesmo quando pré-determinado legalmente, o desconto transforma o “quantum” da pena a cumprir pelo agente, o que basta para justificar o tratamento sistemático do instituto de desconto entre os casos especiais de determinação da pena. Tudo, convida, assim, a que o desconto seja sempre – mesmo quando legalmente pré determinado – mencionado na sentença condenatória. (cfr. F. Dias ob cit § 436, 299).

Ocorre, contudo que, dos autos, não constava, no momento de prolação do acórdão, a informação do cumprimento integral por parte do recorrente da pena de 6 meses de prisão – (pena única resultante das duas parcelares de 4 meses impostas), já que a fls 118v (menção a paginação que não deverá manter-se após a correção da organização dos autos determinada no despacho que precedeu este acórdão), constava, tão só, que se encontrava a cumprir tal pena. Acresce que, dos autos, também não constava, nem consta, o CRC atualizado do recorrente (não obstante se configurar sempre conveniente para a elaboração de uma decisão de cúmulo jurídico a junção de certificado de registo criminal atualizado), razão pela qual, aquando da prolação da decisão o Tribunal a quo não dispunha – embora pudesse ter ordenado a sua junção aos autos – da informação que o recorrente diz já existir no processo 3363/16.2T9VCT e cuja junção aos autos requereu tardiamente (porque apenas no momento em que apresentou as novas conclusões corrigidas).

Certamente que, se o Tribunal a quo tivesse tal informação teria feito constar - como aconteceu com a pena de um outro processo cumulado (154/16.4PBVCT) - a menção de que tal pena já se encontrava cumprida e extinta. Aliás, o tribunal a quo fez constar do acórdão, de forma genérica, a indicação de que às referidas penas de prisão efetiva deduzir-se-à todo o tempo de prisão sofrido em cumprimento da pena ou em prisão preventiva à ordem de qualquer dos processos englobados na presente decisão (...).

Assim sendo, forçoso é concluir que, em face dos elementos existentes nos autos, aquando da prolação da decisão, a omissão relativa ao cumprimento da pena de 6 meses de prisão à ordem do processo 3363/16.2T9VCT, não constitui erro notório (aquele que se “vê logo” a partir do texto da decisão) nem erro de julgamento (o que decorre da errada apreciação das provas), nem se traduz em prejuízo para a situação processual do recorrente, uma vez que, oportunamente, verá deduzido no tempo de reclusão a cumprir, aquele período de 6 meses já cumprido.

Improcede assim o recurso nesta vertente.

Pretende ainda o recorrente a redução das penas únicas, impostas em cada um dos dois cúmulos, ao seu mínimo legal.

Baseia tal pretensão no facto de no relatório social - transposto parcialmente no ponto 102, parte final, da factualidade assente - constar que “Durante o cumprimento da pena de prisão tem-se assistido a uma gradativa evolução ao nível pessoal, evidenciando maior equilíbrio, com projetos de vida formulados de enquadramento profissional, assim como a uma crescente interiorização da gravidade da conduta criminal e dos danos provocados às vítimas, fatores necessários à criação e concretização de um projeto de vida normativo”.

Nos termos do artigo 77º, nº 1 do Código Penal, aplicável aos autos ex vi, artigo 78º, nº 1 do mesmo código, na medida da pena (única) são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

No que respeita aos factos e à sua articulação com a personalidade, os seis processos em causa nestes autos dizem - todos - respeito, além do mais, a crimes contra as pessoas: dois crimes de roubo, um crime de coação na forma tentada, um crime de ofensa à integridade física simples e quatro crimes de ameaça agravada. São crimes, principalmente os de roubo, que projetam uma personalidade a carecer de clara correção, o que é evidente em diversos pontos da matéria de facto (ponto 88: “ainda que esta vertente de formação profissional fosse de encontro às motivações que anteriormente manifestava, F. M. envolveu-se em situações de conflituosidade (…) e atendendo à gravidade da ocorrência foi (…) expulso; ponto 90 - “o condenado não tem interesses específicos que lhe permitam dedicar-se a uma atividade ocupacional estruturada”; ponto 91: “na vertente de saúde continua a admitir o consumo de substâncias aditivas (haxixe)”, não reconhecendo/admitindo “a necessidade de tratamento médico terapêutico para efeitos de desabituação de consumo de estupefacientes…”; ponto 100: “a persistência, a intensidade e a gravidade de atividade delituosa com que o condenado está conotado, gera inevitavelmente alarme social e ele próprio tem evitado movimentar-se sozinho em alguns contextos, receando eventuais confrontos”; ponto 101: “procura adaptar o seu discurso ao que sabe ser socialmente expectável, ainda que não adote uma postura de responsabilização pelos seus comportamentos (…)”.

Isto é, não só a gravidade dos factos é significativa como a personalidade evidenciada pelo recorrente é reveladora de incorreta formação pessoal e de insensibilidade, que não aconselham a que lhe sejam impostas penas de tal forma insignificantes que desvirtuem o efeito dissuasor que a punição não pode deixar de ter para cada condenado, tanto mais quanto é dito, na decisão recorrida, que o arguido tem uma personalidade conflituosa e incapaz de acatar regras.

Ora, ambas as penas únicas foram fixadas aquém do meio das molduras penais. As penas parcelares, por sua vez, quando inicialmente aplicadas, principalmente as do primeiro bloco, foram já reveladoras de uma brandura inusual.

Assim, quer pelas razões de prevenção especial que ainda se fazem sentir, quer pelas razões de prevenção geral, não se afigura conveniente fixar as penas únicas no limite mínimo de cada uma delas, caso que poderia ser equacionado se o arguido demonstrasse já uma atitude de clara rejeição face aos comportamentos da sua vida passada e de empenhamento sério na mudança para o futuro, o que ainda não se mostra evidente de forma sedimentada.

Tanto basta para que, também neste segmento o recurso não possa proceder.
*
III.
DECISÃO.

Em face do exposto, decidem os juízes da secção penal do Tribunal Relação Guimarães julgar improcedente o recurso, mantendo o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC's.
Notifique.
Guimarães, 09 de Março de 2020

Maria Teresa Coimbra
Cândida Martinho