Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6689/18.7T8GMR.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: ALIMENTOS A FILHOS MAIORES
PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

I. A obrigação de prover ao sustento dos filhos e de assegurar as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação, mantem-se para além do momento em que os mesmos atinjam a maioridade ou forem emancipados e até aos 25 anos, desde que aqueles não tenham ainda completado a respectiva formação profissional, e na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento, se bem que apenas pelo tempo normalmente requerido para que aquela se complete (arts. 1879º e 1880º do CC).

II. O princípio da razoabilidade (arts. 1880º e 1905º, n.º 2, do C. Civil) deverá ser aferido em cada caso, nomeadamente pela ponderação de condições subjectivas pertinentes ao filho maior (como a capacidade intelectual actual, o rendimento escolar passado, e capacidade de trabalhar durante a frequência escolar/académica), e de condições objectivas pertinentes ao mesmo e pertinentes aos seus progenitores (como património próprio, rendimentos do mesmo e/ou de trabalho remunerado, ou outros).

III. A natureza da obrigação de alimentos, enquanto responsabilidade parental, impõe que se considere que as necessidades dos filhos sobrelevam as dificuldades económicas dos pais, cabendo a estes assegurar as necessidades daqueles de forma prioritária relativamente às suas (art. 36º, nº 5 da CRP, e arts. 1874.º, 1878.º, n.º 1, 1879.º e 1880.º, todos do CC).

IV. A real possibilidade de trabalhar do filho maior não deve ser tomada em conta enquanto pressuposto e medida dos alimentos a favor dele, se e quando possa comprometer o sucesso dos estudos (art. 2004.º, n.º 2 do CC).

V. No liminar mínimo dos alimentos de que progenitor e o filho carecem, e na impossibilidade de simultaneamente os assegurar (já contando para o efeito com o desproporcional - e continuado - sacrifício imposto ao outro progenitor), a especial natureza das responsabilidades parentais justificam que se imponha àquele primeiro um maior esforço para obter os ditos alimentos, e um maior sacrifício para suportar a sua carência.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de ...,
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I – RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada

1.1.1. (…) (aqui Recorrente), residente na Rua D.(…), em ..., propôs a presente acção especial de alimentos a filhos maiores, contra (…) (aqui Recorrido), residente na Rua (…) pedindo que:

· o Requerido fosse condenado a pagar-lhe uma prestação de alimentos, em valor mensal nunca inferior a € 100,00, e a actualizar anualmente de acordo com o IAS.

Alegou para o efeito, em síntese, ter nascido a (..) ser filha do Requerido (…), encontrarem-se os respectivos progenitores divorciados desde Setembro de 2017, e ser exclusivamente a sua progenitora quem, desde então, tem suportado todos os encargos devidos pela sua sobrevivência.

Mais alegou encontrar-se a frequentar o 2.º ano do Mestrado integrado em (…), pagar uma propina mensal de € 127,00, despender cerca de € 150,00 por mês com a sua alimentação, e não possuir quaisquer bens ou rendimentos que lhe permitam fazer face a tais despesas, e às demais exigidas pelo seu sustento e pela conclusão dos seus estudos.

Por fim, alegou que o Requerido (…) trabalha, e teria possibilidade de lhe prestar alimentos, em valor mensal não inferior a € 100,00.

1.1.2. Realizada uma conferência, nos termos do art. 46.º do RJPTC, não foi possível obter a conciliação entre Requerente (…) e Requerido (…).

1.1.3. Regularmente notificado para o efeito, o Requerido (…) contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente.

Alegou para o efeito, em síntese, não ter condições para pagar a prestação de alimentos impetrada, uma vez que estaria desempregado, auferiria mensalmente a esse título € 429,00, suportaria a amortização mensal do empréstimo contraído para aquisição da que foi casa de morada de família (onde ainda viveria), no valor de € 225,00, teria gastos mensais com condomínio, água, luz e gás de € 60,00, e disporia apena de € 145,00 por mês para assegurar o seu sustento, o que só era possível mercê de irregulares biscates e do apoio de outros dois filhos seus e de uma irmã.
Mais alegou trabalhar a Requerente (…) ao fim-de-semana, num bar em ....

1.1.4. Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente, lendo-se nomeadamente na mesma:

«(…)
IV. Nestes termos, decide-se julgar a presente acção improcedente e, em consequência, absolver o requerido … do pedido formulado pela requerente ….
Custas pela requerente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que
beneficia.
Registe e notifique.
(…)»
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1.2. Recurso

1.2.1. Fundamentos

Inconformada com esta decisão, a Requerente (…) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse a decisão recorrida, e se determinasse o montante da prestação de alimentos que se mostrasse mais adequado e proporcional às suas necessidades.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo ipsis verbis as respectivas conclusões):

I. A fundamentação da sentença considera-se insuficiente e errónea.

II. In casu, o Mmo. Juiz a quo limitou-se a julgar improcedente o pedido de alimentos a maiores formulado pela Recorrente, sem que, para tanto, face à matéria de facto que considerou relevante, tenha efectuado a apreciação crítica da prova produzida que alicerçou a sua convicção.

III. Atento o disposto nos artigos 1880º e 1905º nº 2 do C.C., a argumentação que sustenta a decisão é insuficiente para determinar a improcedência do pedido.

IV. De facto, ao contrário do concluído pelo Mmo. Juiz a quo, face ao quadro jurídico vigente e à prova produzida nos autos, deveria o Recorrido ter sido condenado a prestar alimentos à sua filha maior, ora Recorrente.

V. A circunstância de o Tribunal a quo ter concluído que a Recorrente tem capacidade para prosseguir com estudos a nível superior, destinados a completar a sua formação, e que assim o vem fazendo com aproveitamento, pois tendo-se provado que a Recorrente não tem qualquer fonte de rendimento relevante, dependendo da progenitora, que aufere um vencimento mensal exiguo para fazer face a todas as despesas (ponto 2.2), é de concluir que a mesmo não possui possibilidades de prover ao seu próprio sustento.

VI. Por outro lado, errou o Tribunal a quo ao avaliar as condições económicas do Recorrido, na medida em que os factos considerados relevantes para alicerçar a sentença recorrida impunham decisão diversa.

VII. Desde logo, os trabalhos agrícolas ocasionais realizados pelo Recorrido.

VIII. O Recorrido vive sozinho e além de receber € 429 de subsídio de desemprego, ainda realiza trabalhos agrícolas, donde aufere rendimento não apurado (facto ponto 19).

IX. O Tribunal a quo errou ao não ter apresentado qualquer consideração relativamente ao montante auferido pelos trabalhos agrícolas e daí não ter avaliado as verdadeiras condições económicas do recorrido.

X. Para se avaliar as possibilidades económicas do obrigado a alimentos, este tem de abranger o acervo de todos os rendimentos, não abrangendo apenas o rendimento do subsídio de desemprego do recorrido mas também todos os rendimentos, fixos ou variáveis e até os de caracter eventual, como os trabalhos agrícolas que o recorrido faz.

XI. O recorrido, relativamente a estes trabalhos, ocultou ao tribunal a quo, o montante que aufere mas, entende a recorrente, que deveria também entrar no cálculo da obrigação de alimentos.

XII. Como impõe a lei, no que se refere aos elementos objectivos, no disposto no artigo 2003.º e seguintes do Código Civil.

XIII. O Tribunal a quo, deveria ter apurado qual o valor que o recorrido aufere com os trabalhos agrícolas que faz ocasionalmente, bem como averiguar qual o património do recorrido, nomeadamente bens imóveis, contas bancárias e bens móveis.

XIV. Ou, de acordo com as regras da experiência, apontar para um valor dos rendimentos obtidos pelos trabalhos agrícolas e adicioná-lo ao rendimento do recorrido.

XV. De forma, a apurar a verdadeira condição económica e a situação patrimonial do recorrido.

XVI. O tribunal a quo ao ter concluído no ponto 2.4. que «Não está demonstrada factualidade que permita a imputação culposa de tal situação ao progenitor, aqui requerido.
Neste contexto – e enquanto ele se mantiver –, por muito que custe aceitar (por se reconhecer um pendor pessoal, corresponsabilizador e comprometedor da pessoa que presta alimentos para com quem os recebe) entende-se que não é razoável exigir que o requerido contribua para a educação e instrução da requerente, o que vale por dizer que a questão enunciada deve ter uma resposta negativa».

XVII. Olvidou o Mmo. Juiz a quo que o recorrido deve cooperar no sustento da filha.

XVIII. E entendeu que é razoável continuar a exigir apenas à progenitora, que contribua sem ajudo do recorrido, para o sustento, educação e instrução da recorrente, quando a filha e a progenitora vivem numa situação patrimonial inferior à do recorrido: «É, também, manifesto que a requerente não tem qualquer fonte de rendimento relevante, dependendo da progenitor, que aufere um vencimento mensal exíguo para fazer face a toas as despesas», conforme parágrafo 2.2 da sentença recorrida.

XIX. Na perspectiva constitucional, a educação e a manutenção dos filhos constitui, não apenas um dever, mas também um direito dos pais, em igualdade de circunstâncias, conforme artigo 36.º n.º 3 e 5 da CRP.

XX. Pelo que, deveria o Mmo Juiz a quo ter fixado uma prestação de alimentos, nem que fosse inferior ao peticionado, de modo a conseguir que o recorrido se sinta “implicado” e “responsável” pela educação e sustento da recorrente.

XXI. O tribunal a quo não ponderou que as necessidades dos filhos sobrelevam a disponibilidade económica do progenitor devedor de alimentos, devendo estes em momentos menos propícios adequar as suas despesas aos seus rendimentos e impondo que as necessidades dos filhos tenham uma importância prioritária.

XXII. Tendo concluído pela irrazoabilidade de exigir que o recorrido contribua para a educação e instrução da recorrente, sem ter ponderado os critérios subjectivos e objectivos legalmente exigidos.

XXIII. Pelo que, ao decidir como decidiu, o Mmo. Juiz a quo violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 36.º, n.º 3 e 5 da Constituição da República Portuguesa e 1880º e 1905º n.º2 do Código Civil.
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1.2.2. Contra-alegações

O Requerido (…) contra-alegou, pedindo que se negasse provimento ao recurso.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo ipsis verbis as respectivas conclusões):

1.ª - Quando um sujeito processual se refere a um determinado facto, como o de fazer alguns “biscates”, não pode considerar-se que o próprio o ocultou ou ocultou o rendimento desses “biscates”, pois que isso pode significar, entre o mais, que o rendimento desses trabalhos agrícolas não tem relevo;

2.ª - Apesar do princípio da investigação, constando dos autos que um sujeito processual faz trabalhos agrícolas ocasionais, deve a parte interessada na prova dos rendimentos daí obtidos fazer algum esforço para os demonstrar, não sendo admissível que, sem ter feito esforço nenhum na primeira instância, venha, em recurso, sustentar que o tribunal não investigou, sugerindo, só agora, que o tribunal devia ter consultado o património e contas bancárias do visado;

3.ª - Estando no âmbito de um processo de alimentos a filho maior, e, por isso, dentro das relações familiares, em que os filhos bem conhecem o património e trabalho dos pais, não indicando o requerente filho, perante a primeira instância, qualquer suspeita de património ou rendimento, nada requerendo a respeito disso, não pode exigir-se que o faça o tribunal, pois que, nesse caso, o que é evidente é que nada existe de relevante;

4.ª - Tendo o progenitor da filha maior um custo com habitação inferior ao custo com habitação da requerente e progenitora com quem esta vive, tendo o progenitor uma despesa em alimentação, vestuário e calçado, semelhante à despesa da requerente em alimentação; é de concluir que nenhuma adaptação as despesas pode o progenitor fazer, por forma a poder pagar uma prestação de alimentos a uma filha maior, com quase vinte e dois anos de idade, a frequentar o ensino superior.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, 01 única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal:

· Questão Única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, já que se mostram reunidos os fundamentos (de facto e de direito) que permitiriam condenar o Requerido (…) no pagamento, à Requerente (…), de uma pensão de alimentos mensal ?
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Precisa-se, a propósito, que não obstante das alegações de recurso da Requerente (…) se pudesse, pontualmente, ficar com dúvidas sobre se a mesma não teria pretendido impugnar a matéria de facto assente pelo Tribunal a quo, certo é que não o chegou a fazer, nomeadamente pelo necessário cumprimento do ónus de impugnação enunciado no art. 640.º, n.º 1 e n.º 2, al. a), do CPC.
Com efeito, lê-se no art. 640.º, n.º 1 do CPC que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».

Precisa-se ainda, no seu n.º 2, al. a), que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».

Ora, nada disto foi feito pela Requerente (…), nem no corpo das suas alegações de recurso, nem nas respectivas conclusões. Logo, ficou este Tribunal ad quem impedido de sindicar a matéria de facto fixada com base na livre apreciação do Tribunal a quo (art. 607.º, n.º 5, I parte, do CPC).

Acresce que, não tendo ainda sido denunciada qualquer violação das regras de direito probatório material, nem a descortinando este Tribunal ad quem, não tem o mesmo fundamento para proceder a qualquer alteração oficiosa da dita matéria de facto (II parte, do n.º 5, do art. 607.º, n.º 5, II parte, e art. 662.º, n.º 1, ambos do CPC).

Justifica-se, assim, a restrição do objecto do recurso de apelação que se aprecia à sindicância da matéria de direito nele apreciada (face à incontroversa e inalterada matéria de facto por ele considerada para aquele efeito, isto é, para subsunção da mesma ao direito tido como aplicável, e na interpretação que dele fez).
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1. Factos provados

Com interesse para a apreciação da questão única enunciada, o Tribunal a quo julgou como provados os seguintes factos:

1 – (…) (aqui Requerente) nasceu no dia (…) (conforme certidão do assento de nascimento que é fls. 7 e 8 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida).

2 - A Requerente (…) é filha de (…) (aqui Requerido) e de (…) (conforme certidão do assento de nascimento que é fls. 7 e 8 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida).

3 - A Requerente (…) reside com a mãe, em casa desta, situada em ....

4 - A Requerente (…) frequenta o 2º ano do Mestrado Integrado em …, na Universidade do ..., sendo as aulas ministradas no Polo de ....

5 - A Requerente (…) desloca-se a pé para as instalações referidas no ponto anterior.

6 - No ano lectivo anterior, a Requerente (…) esteve matriculada no 1º ano do mestrado referido no ponto anterior e obteve aproveitamento.

7 - A Requerente (…) paga propina pela frequência do mestrado acima mencionado, no valor mensal de € 127,00 (cento e vinte e sete euros, e zero cêntimos).

8 - A Requerente (…) despende, por mês, € 150,00 (cento e cinquenta euros, e zero cêntimos) em alimentação para si.

9 - A Requerente (…) trabalha ocasionalmente aos sábados num estabelecimento de diversão, donde obtém rendimento não apurado para fazer face às suas despesas.

10 - A Progenitora (…) da Requerente suporta o pagamento de todas despesas desta, designadamente, as acima referidas, com excepção das que são pagas pela filha com o rendimento mencionado no ponto anterior.

11 - O Requerido (…) encontra-se desempregado desde 01 de Junho de 2017.

12 - O Requerido (…) aufere subsídio de desemprego desde 01 de Julho de 2017, com o valor diário de € 14,04 (catorze euros, e quatro cêntimos) até 31 de Dezembro de 2017; e, a partir de 01 de Janeiro de 2018, com o valor diário de € 14,30 (catorze euros, e trinta cêntimos) e mensal de € 429,00 (quatrocentos e vinte e nove euros, e zero cêntimos).

13 - O Requerido (…) reside em habitação própria.

14 - O Requerido (…) paga, por mês, para amortização de empréstimo contraído para aquisição da aludida habitação (no período em que residia com a Requerente e mãe desta) a quantia de € 225,00 (duzentos e vinte e cinco euros, e zero cêntimos).

15 - O Requerido (…) paga, por mês, € 15,00 (quinze euros, e zero cêntimos) a título de mensalidade a favor do condomínio onde a habitação acima referida se insere.

16 - O Requerido (…) paga, por mês, em média, € 13,00 (treze euros, e zero cêntimos) pelo abastecimento de água na habitação acima referida.

17 - O Requerido (…) paga, por mês, em média, € 23,00 (vinte e três euros, e zero cêntimos) pelo abastecimento de electricidade na habitação acima referida.

18 - O Requerido (…) despende, por mês, € 153,00 (cento e cinquenta e três euros, e zero cêntimos) com a sua alimentação e o seu vestuário e calçado.

19 - O Requerido (…) realiza trabalhos agrícolas ocasionais, donde aufere rendimento não apurado.

20 - A Progenitora (…) da Requerente trabalha como doméstica, e aufere o salário líquido mensal de € 534,00 (quinhentos e trinta e quatro euros, e zero cêntimos).

21 - A Progenitora (…) da Requerente, além das despesas (próprias e da Requerente) de alimentação, vestuário e saúde, e de educação da Requerente, e dos gastos com a manutenção da habitação, paga de renda mensal a quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros, e zero cêntimos).

22 - Para suportar as despesas com a Requerente, a Progenitora (…) realiza trabalhos suplementares de limpeza, donde aufere, por mês, € 200,00 (duzentos euros, e zero cêntimos).
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3.2. Factos não provados

Com interesse para a apreciação da questão única enunciada, o Tribunal a quo considerou ainda que não se provou:

a) O Requerido (…) é auxiliado na sua alimentação por dois filhos e uma irmã, em cuja residência toma algumas refeições.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Obrigação parental de alimentos

4.1.1.1. Em geral

Sendo a família «um elemento fundamental da sociedade», espaço privilegiado de «realização pessoal dos seus membros» (art. 67.º da CRP), e reconhecendo-se aos pais uma «insubstituível ação em relação aos filhos» (art. 68.º, n.º 1, da CRP), compreende-se que se leia no art. 36º, n.º 5 da CRP, que «os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos».

Precisa-se, no art. 1877.º do CC, que os «filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação»; e esclarece-se, no art. 1878.º do CC, o que sejam estas «responsabilidades parentais», lendo-se no mesmo que «compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens».

Particularizando agora esta obrigação parental de «prover ao seu sustento», lê-se no art. 1874.º do CC que pais «e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência» (n.º 1), sendo que o «dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar» (n.º 2).

«Isto significa, em primeiro lugar, que a obrigação de alimentos a favor dos filhos deriva diretamente da relação de filiação (de tal forma que continua a ser exigível ainda que os pais estejam inibidos do exercício das responsabilidades parentais – cf. art. 1917º, C. Civil).

Em segundo lugar, que a prestação alimentícia a favor dos filhos menores se insere num conjunto mais amplo de poderes-deveres (irrenunciáveis) (7), que os progenitores exercem no interesse dos filhos, designadamente um dever geral de assistência e sustento. (8)
Em terceiro lugar, que a obrigação de alimentos – quando se trata de filhos menores – não se configura como uma obrigação de alimentos stricto sensu nem como um dever autónomo e independente das outras prestações a que os progenitores se encontram vinculados. (9)» (Ac. da RG, de 02.11.2017, António Barroca Penha - aqui 2ª Adjunto - , Processo n.º 1676/16.2T8VCT.G1, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados em indicação de origem).

Ora, e de acordo com o art. 2003.º, n.º 1, do CC, entende-se por «alimentos» «tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário». Logo, em tal conceito contem-se «tudo o que é indispensável à satisfação das necessidades da vida segundo a situação social do alimentado» (Vaz Serra, RLJ, Ano 102, p. 262. No mesmo sentido, Ac. da RL, de 18.06.1669, J.R., 15º, p. 583, que reporta a palavra sustento «não apenas à alimentação, mas também a tudo o que é preciso para viver, sem excluir as despesas inerentes a tratamentos clínicos e medicamentos»).

O conceito de sustento ultrapassa, assim, a simples necessidade de alimentação, abrangendo a satisfação de todas as necessidades vitais de quem carece de alimentos, nomeadamente as relacionadas com a saúde, os transportes, a segurança, a educação e a instrução.
Atenta a sua particular natureza e finalidade, compreende-se que o direito a alimentos goze de uma fortíssima protecção legal, sendo nomeadamente: irrenunciável (art. 2008.º, n.º 1 do CC); indisponível, isto é, insusceptível de cedência (art. 2008.º, n.º 1 do CC); imprescritível (art. 298.º, n.º 1 do CC); não compensável com eventual crédito de devedor (art. 2008.º, n.º 2 do CC); impenhorável (art. 2008.º, n.º 2 do C.C.); e intuito personae, isto é, insusceptível de transmissão (art. 2013.º, n.º 1, al. a) do CC). Beneficia ainda de tutela civil (v.g. arts. 41.º e 48.º do RGPTC) e penal (art. 250.º do CP).

Contudo, a obrigação de prover ao sustento dos filhos e de assegurar as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação cessa logo que aqueles estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos (art. 1879.º do CC); ou mantêm-se para além do momento em que os mesmos atinjam a maioridade ou forem emancipados, desde que não tenham ainda completado a respectiva formação profissional, e na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento, se bem que apenas pelo tempo normalmente requerido para que aquela se complete (art. 1880º do CC, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro).

Por outras palavras, em vez de o direito a alimentos (advindo da condição familiar de menor) se extinguir com o advento da maioridade, prolonga-se para além desta, muito embora se exija para o efeito a verificação do condicionalismo previsto no art. 1880.º do CC.
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4.1.1.2. Em especial - Obrigação de alimentos a filho maior

Com efeito, reconheceu-se no art. 1880.º do CC que, mercê da evolução social, é cada vez mais frequente que, ao atingir a maioridade, o filho não esteja em condições de garantir a sua independência financeira, permanecendo a cargo dos progenitores. Logo, a extensão da obrigação dos pais para além da maioridade dos filhos é o que mais se coaduna com a sociedade portuguesa, em que os filhos maiores vivem com os pais e geralmente não trabalham enquanto prosseguem estudos (Rita Lobo Xavier, «Falta de autonomia de vida e dependência económica dos jovens: uma carga para as mães separadas ou divorciadas ?», Lex Familiae, Ano 6.º, n.º 1 - 2, Julho/Dezembro 2009, p. 19).

Fala-se, então, de uma «segunda adolescência»: ao «completarem 18 anos, os filhos adquirem plena capacidade de exercício, mas normalmente não têm recursos económicos para ter uma vida autónoma nem a formação necessária para os angariar. Por isso, continuam a viver com os pais e a ser sustentados por estes, iniciando» o dito período da «segunda adolescência» (Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, Almedina, 2016, p. 299, nota 496).

Contudo, exige-se, para a manutenção da obrigação de alimentos dos progenitores a filho maior, que o mesmo não haja completado a sua formação profissional; e que a sua não profissionalização não resulte de culpa grave sua (Maria de Nazareth Lobato ..., citada por Abílio Neto e Herlander Martins, Código Civil Anotado, 7ª ed., Livraria Petrony, Lisboa, 1990, p. 1372).

Precisa-se, porém, que o art. 1880º do CC deverá ser lido no sentido de que a formação profissional que ainda não se encontre completada é, tanto a que se encontra em curso, como aquela que se deveria encontrar, não fora precisamente a incapacidade económica do filho maior para a assegurar por si próprio. De outro modo, em todas as situações em que um filho maior se visse confrontado com o incumprimento das obrigações parentais dos seus progenitores, ver-se-ia duplamente penalizado pela respectiva incapacidade económica: primeiro, porque esta o impedia de continuar a estudar; e depois, por essa paragem forçada - ainda que imputada ao incumprimento dos obrigados a alimentos - acabaria por os beneficiar, tornando definitivamente impossível de obter deles a prestação em falta.

Será ainda necessário que seja razoável exigir aos pais o cumprimento da mesma obrigação, nomeadamente porque ainda não se mostra excedido o tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.

Veio mais recentemente o legislador, pela Lei nº 122/2015, de 1 de Setembro, alterar a redacção do art. 1905.º do CC, acrescentando-lhe um novo n.º 2, onde se lê: «Para efeitos do art. 1880º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda, se em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência».

Pretendeu-se deste modo, e primordialmente (face à anterior divisão da jurisprudência, conforme detalhado no Ac. da RG, de 02.11.2017, António Barroca Penha - aqui 2ª Adjunto -, Processo n.º 1676/16.2T8VCT.G1), esclarecer que a prestação de alimentos fixada durante a menoridade, no âmbito de um processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, se manterá automaticamente a favor de quem tiver menos de 25 anos de idade; e que passará a caber ao progenitor vinculado à mesma requerer a sua cessação, com o ónus de alegar e provar que o processo de educação ou formação profissional do filho foi concluído antes de este perfazer os 25 anos, ou foi voluntariamente interrompido por ele, ou - ainda - a irrazoabilidade da exigência da prestação alimentícia.

Contudo, tornou-se do mesmo passo mais claro o já antes exigível critério da razoabilidade (da exigência aos pais o cumprimento desta obrigação), a apreciar no caso concreto, por forma a determinar se é justo e sensato continuar a exigir ao progenitor o pagamento da referida pensão alimentar.

Como elementos necessariamente a ponderar para este efeito estará o comportamento do filho perante o progenitor (contra quem dirige a sua pretensão): perante a violação reiterada e/ou grave dos deveres paterno-filiais (mútuo respeito, auxílio e assistência, conforme art. 1874.º, n.º 1 do CC), poderá tornar-se irrazoável obrigar o progenitor a continuar a prestar alimentos ao filho que assim se comporta.

(Com utilidade para a densificação da referida cláusula de (ir)razoabilidade, veja-se: Diana Gomes Rodrigues Mano, A Obrigação de Alimentos a Filhos Maiores e o Princípio da Razoabilidade, Dissertação de mestrado em Direito das Crianças, da Família e das Sucessões, apresentada na Universidade do ... - Escola de Direito, para obtenção do grau de Mestre, sob orientação da Professora Anabela Susana Sousa Gonçalves, disponível na internet, em https://repositorium.sdum.u....pt/bitstream/1822/52022/1/Diana%20Gomes%20Rodrigues%20Mano.pdf; ou Maria Inês Pereira da Costa, Obrigação de Alimentos Devida a Filhos/as Maiores que Ainda Não Completaram a Sua Formação - Uma Visão Comparada de Crítica ao Critério da Razoabilidade, Dissertação de Mestrado em Direito com especialização em Direito Privado, apresentada na Universidade Católica Portuguesa - Centro Regional do Porto, para obtenção do grau de Mestre, sob orientação da Professora Doutora Rita Lobo Xavier, disponível em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/13754/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Final%20-%20In%C3%AAs%20Costa%20Junho.pdf.)

Fala-se, então, de alimentos educacionais (na feliz expressão de J.P. Remédio Marques, nomeadamente in Notas sobre Alimentos (Devidos a menores), 2ª edição, Coimbra Editora, pp.135 a 137), de natureza excepcional e carácter temporário (até que a formação se complete); e cujos «critérios de atribuição assentam na normalidade e razoabilidade, aferidas nomeadamente em função de condições subjectivas do filho maior, e objectivas deste e dos seus pais.

Com efeito, as condições subjectivas respeitam às circunstâncias relacionadas com o beneficiário em termos pessoais (como a capacidade intelectual actual, o rendimento escolar passado, e a capacidade de trabalhar durante a frequência escolar/académica), enquanto as condições objectivas referem-se aos possíveis recursos económicos do filho (como património próprio, rendimentos de bens próprios ou do trabalho remunerado, ou outros) e aos recursos por parte dos progenitores (J.P. Remédio Marques, obra citada, pp. 291 e seguintes).

Precisa-se, porém, que a possibilidade do filho trabalhar, enquanto prossegue os seus estudos, não deve constituir um facto impeditivo da manutenção (rectius, da renovação) da obrigação de alimentos, pois de outro modo, e em muitos casos, essa ponderação comprometeria o sucesso dos estudos superiores.

(Neste sentido, J.P. Remédio Marques, obra citada, p. 306, onde se lê que a «real possibilidade de trabalhar do filho maior não deve ser tomada em conta enquanto pressuposto e medida destes alimentos, se e quando possa comprometer o sucesso dos estudos, para mais na medida em que os progenitores disponham, em concreto, de recursos económicos bastantes». Na jurisprudência, Ac. da RL, 27.04.1995, CJ, Ano XX, Tomo 3, pp. 125 e ss., ou Ac. da RE, de 18.10.2007, Mário Serrano, Processo n.º 2022/07-3.)
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4.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que a Requerente (…), sendo filha do Requerido (…), tem hoje 21 anos de idade, e ainda não completou a sua formação escolar e profissional: frequenta o 2.º ano do mestrado integrado em …, na Universidade do ..., polo de ....
Verifica-se ainda que, pressupondo actualmente qualquer prévia licenciatura um período mínimo de três anos, e só após a mesma se iniciando o mestrado integrado, a Requerente (…) tem obtido indesmentível aproveitamento escolar/académico.
Considera-se, por isso, que se mantém a obrigação de alimentos do Requerido (…) face à mesma.

Ao exposto, e naturalmente não obsta o facto da Requerente (…) trabalhar ocasionalmente, aos sábados, num estabelecimento de diversão, de onde obtém um rendimento não apurado para fazer face às suas despesas.
É que resulta das regras da experiência (face à expectável natureza indiferenciada do trabalho desempenhado, ao seu carácter ocasional, e ao período limitado em que é exercido) que o rendimento assim obtido não seja de tal monta que, segundo o critério de razoabilidade e o princípio da proporcionalidade, afaste a obrigação, ou o sacrifício a impor, ao devedor dos alimentos.

Reitera-se, assim, o juízo de que é razoável exigir ao Requerido (…) o cumprimento da obrigação de alimentos educacionais reclamados pela Requerente (…).
Importa, então, apurar a efectiva possibilidade do Requerido (…) de os prestar; e, na afirmativa, em que medida.
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4.2. Determinação do seu montante

4.2.1.1. Em geral

«O instituto jurídico dos Alimentos radica num princípio de solidariedade familiar, de exigência de ajuda, socorro e conforto que recai sobre todos os membros da família e destina-se a titular o direito à dignidade humana, constitucionalmente protegido (cfr. art. 1.º da Constituição da República Portuguesa» (Daniela Pinheiro da Silva, Alimentos a Filho Maior. Natureza, Âmbito e Extensão das Normas Previstas no Art. 989.º, N.º 3 e 4 do Código de Processo Civil, Almedina, Junho de 2019, p. 17).

Compreende-se assim, e no que concerne à determinação do montante de alimentos, que se leia no art. 2004.º do CC que «serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los» (n.º 1), uns e outras actuais, ou seja, existentes no momento da prestação de alimentos; e «atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência» (n.º 2).

Importa, pois, ter em conta todas as possibilidades e disponibilidades de quem presta e de quem recebe, atendendo o juiz, nomeadamente, «à sua idade, ao seu sexo, ao seu estado de saúde, à sua situação social, ao ter ou não filhos a sustentar, ao poder ou não trabalhar, ao ter ou não um lucro que lhe permita ganhar a vida, aos rendimentos dos seus bens e a quaisquer outros proventos» (Abel Pereira Delgado, Do Divórcio, 1971, p. 200 a 202. Defendendo a mesma natureza eclética de factores, Pereira Coelho, Curso de Direito da Família, 1969, p. 300, e Vaz Serra, RLJ, Ano 96, p. 538).

Por outras palavras, e tentando concretizar os indeterminados critérios legais referidos (conforme Clara Sottomayor, Regulação do exercício das responsabilidades parentais nos casos de divórcio, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 334 e ss.), haverá que atender:

. às possibilidades do alimentante - os rendimentos de trabalho, isto é, salários (a parte disponível do seu rendimento normal, certo, regular e actual); os rendimentos de carácter eventual, como gratificações, emolumentos e os subsídios de Natal e de férias; os rendimentos de capital; as poupanças; as rendas provenientes de imóveis arrendados; os valores dos seus bens. Em qualquer caso, o Tribunal deverá recorrer a critérios resultantes da experiência comum, nomeadamente quando, pese embora os valores apurados de rendimentos sejam de valor fixo ou certo, o alimentante apresenta um nível de vida superior. Assim, a capacidade económica dos pais, para efeitos do cumprimento da obrigação de alimentos a prestar aos filhos menores, não se avaliará apenas pelos rendimentos que declarem ao Fisco ou à Segurança Social, avaliando-se também pela sua idade, pela actividade profissional que em concreto desenvolvem e pela capacidade de gerar proventos que essa actividade permite;

. as necessidades do alimentando - o custo de vida em geral; a idade do(a)(s) filho(a)(s) (quanto mais velha é a criança mais avultados são os encargos com a sua educação, vestuário, alimentação, vida social, actividades extracurriculares); a sua saúde; a sua situação social; o nível de vida anterior à ruptura de convivência entre os pais.

. a possibilidade de o alimentando proceder à sua subsistência.
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4.2.1.2. Em particular - Alimentos devidos a filhos

4.2.1.2.1. Alimentos mais amplos

Precisa-se, porém, que no âmbito da natureza especialíssima do vínculo parental, a prestação de alimentos devida pelos pais aos filhos menores ou emancipados não tem o mesmo objecto que a obrigação alimentar comum, já que se trata de um «regime especial (...) que afasta as regras gerais dos arts. 2003º e segs» (Heinrich E. Horster, citado por Abílio Neto e Herlander Martins, Código Civil Anotado, 7ª ed., Livraria Petrony, Lisboa, 1990, p. 1372).

Com efeito, trata-se aqui de uma obrigação de sustento mais vasta do que a existente nos restantes casos (cfr. art. 2009.º do CC), já que «a medida dos alimentos não se afere estritamente aqui por aquilo que é "indispensável" à satisfação das necessidades básicas e educativas» dos filhos, «mas pelo que é necessário à promoção adequada do desenvolvimento físico, intelectual e moral» destes, «de acordo, porém, com as possibilidades dos pais», conforme aliás resulta do art. 1885.º do CC (Rui M. L. Epifânio e António H. L. Farinha, Organização Tutelar de Menores. Contributo para uma visão interdisciplinar do Direito de Menores e Família, 2ª edição actualizada, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, p. 407.

No mesmo sentido, Rute Teixeira Pedro, Código Civil Anotado, Coordenação de Ana Prata, Vol. II, p. 903, onde se lê que, neste caso, «o objecto da prestação debitória é mais amplo do que o que resulta do nº 1, em geral, para as prestações de alimentos, devendo contabilizar-se, para além das despesas abrangidas pelo nº 1, aquelas que respeitem à instrução e educação da criança ou do jovem alimentando (art. 1885º do CC) e todas as que concernem ao que é devido à luz do cumprimento dos deveres integrados nas responsabilidades parentais (art. 1878º do CC)»).

O art. 2003.º do CC (que resulta da transposição do art. 171.º do Código de Seabra, adaptado ao século XIX, onde não era frequente os filhos prosseguirem estudos) está assim - e no que ora nos ocupa - desactualizado, atendendo à massificação da educação na nossa época. A manutenção do carácter limitativo do seu nº 2 («Os alimentos compreendem também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor»), na Reforma de 1977, só se poderá ter ficado a dever a um lapso do legislador, que se terá esquecido de adequar esta norma ao disposto no art. 1880.º do CC (que define a noção de alimentos devidos a maiores por remissão para o art. 1879.º, o qual se refere às despesas relativas à sua segurança, saúde e educação).
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4.2.1.2.2. Obrigação mais intensa

Por outro lado, e atento novamente o especialíssimo vínculo aqui em causa, dir-se-á ainda que «o conteúdo da obrigação de alimentos a prestar pelos pais não se restringe à prestação mínima e residual de dar aos filhos um pouco do que lhes sobra» (Ac. da RP, de 14.06.2010, Guerra Banha, Processo n.º 148/09.6TBPFR.P1, com bold apócrifo). Afirma-se aqui inequivocamente que «a natureza da obrigação, enquanto responsabilidade parental, impõe que se considere que as necessidades dos filhos sobrelevam as dificuldades económicas dos pais. Trata-se de uma responsabilidade que impõe ao progenitor assegurar as necessidades do filho de forma prioritária relativamente às suas, designadamente relativamente àquelas que não sejam inerentes ao estritamente necessário para uma digna existência humana» (Ac. da RP, de 28.09.2010, Ramos Lopes, Processo n.º 3234/08.6TBVCD.P1, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Rute Teixeira Pedro, Código Civil Anotado, Coordenação de Ana Prata, Vol. II, p. 905, sindicando a relevância das despesas dos progenitores relacionadas com actos de consumo, uma vez que obrigação de alimentos em relação a filhos menores, «reveste prioridade (também em consonância com o disposto no nº 2 do art. 2016-A do CC)»).

Compreende-se, por isso, que se afirme que «o dever de proteção do filho (…) é de tal intensidade que nem os escassos recursos dos progenitores podem desonerá-los do seu cumprimento», pelo que «o dever de assistência e sustento obrigue os pais a compartilhar com o filho os seus rendimentos até ao limite da sua própria subsistência» (Ac. da RG, de 02.11.2017, António Barroca Penha - aqui 2ª Adjunto -, Processo n.º 1676/16.2T8VCT.G1).
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4.2.1.2.3. Outro progenitor (princípio da igualdade)

Precisa-se ainda que importa atender igualmente, nesta matéria dos alimentos (e como em todas as demais pertinentes às outras responsabilidades parentais), ao princípio constitucional da igualdade de direito e deveres de ambos os progenitores, quanto à manutenção e educação dos filhos (conforme art. 36.º n.º 3 da CRP).

Este princípio (da titularidade das responsabilidades parentais, como o respectivo exercício, caber, em princípio, a ambos os progenitores, em condições de plena igualdade) é reafirmado no CC, no art. 1901.º (para a constância do matrimónio), no art. 1911.º (para a constância de relação análoga à dos cônjuges), e no art. 1912.º (para as demais situações, isto é, quando os progenitores não vivem naqueles termos).

Contudo, não se pode proceder aqui a uma partilha de responsabilidades puramente matemática, isto é, de modo a que cada um dos progenitores assegure necessariamente metade das despesas dos filhos.

Com efeito, sempre se terá que ter em consideração os respectivos recursos, por forma a alcançar-se uma justa composição de quotas-partes contributivas.

(Neste sentido, Moitinho de Almeida, citado por Rui M. L. Epifânio e António H. L. Farinha, op. cit., p. 387, onde se lê que «a obrigação de prestar alimentos que a lei impõe aos parentes, é uma obrigação conjunta e não uma obrigação indivisível e solidária, porque o devedor só responde na medida das suas possibilidades». No mesmo sentido - de aplicação de um critério de proporcionalidade -, Daniela Pinheiro da Silva, Alimentos a Filho Maior. Natureza, Âmbito e Extensão das Normas Previstas no Art. 989.º, N.º 3 e 4 do Código de Processo Civil, Almedina, Junho de 2019, p. 94).

Por outras palavras, vigorando no que concerne à obrigação de alimentos o princípio de igualdade de deveres de ambos os progenitores na manutenção do(a)(s) filho(a)(s), o mesmo não significa que a lei pretenda que cada um deles contribua com metade do necessário à dita manutenção. Visa-se, sim, que sobre cada um deles impenda a responsabilidade de assegurar, na medida das suas possibilidades, o que for necessário ao sustento, habitação e vestuário (alimentos naturais), bem como à instrução e educação do menor (alimentos civis).
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4.2.1.2.4. Menor relevância da possibilidade de prover à subsistência própria

Por fim, dir-se-á que o n.º 2 do art. 2004.º do CC (na «fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência») terá «pouca relevância prática actualmente», uma vez que representa «um resquício do carácter institucional da família típico das sociedades agrárias anteriores à revolução industrial».

Com efeito, a «maior parte das crianças não tem bens próprios nem trabalha, devido aos requisitos legais do contrato de trabalho, à escolaridade obrigatória e ao melhor nível de vida das famílias. Mesmo nos casos em que efectivamente trabalhem ou tenham bens, essas nomas não podem ser interpretadas à letra, o que levaria a pensar que, independentemente das condições económicas dos pais, estes ficaram desobrigados totalmente de prestar alimentos ao/às/filhos/as, que pelos seu rendimento de capital ou de trabalho pudessem satisfazer as suas necessidades», com evidente postergação daquelas que são as suas constitucionalmente reconhecidas responsabilidades (Clara Sottomayor, Regulação do exercício das responsabilidades parentais nos casos de divórcio, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 340-341).

Assim, o património dos pais e dos filhos não estará em pé de plena igualdade na afectação às necessidades destes últimos, impondo-se uma maior exigência na interpretação e aplicação da lei.

Acresce que, na «atual conjuntura do mercado de trabalho, a competitividade reclama normalmente um esforço e empenho por parte dos jovens que dificilmente se compagina com a manutenção de um emprego destinado a sustentar os estudos académicos. Os pais devem, pois, dentro dos limites das suas possibilidades económicas, proporcionar aos filhos uma formação profissional que lhes permita responder às exigências acrescidas do mercado de trabalho e à oferta limitada de emprego» (Daniela Pinheiro da Silva, Alimentos a Filho Maior. Natureza, Âmbito e Extensão das Normas Previstas no Art. 989.º, N.º 3 e 4 do Código de Processo Civil, Almedina, Junho de 2019, p. 20).
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4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, e relativamente às necessidades de alimentos da Requerente (…), verifica-se que, mensalmente, a mesma despende € 127,00 com a propina do curso superior que frequente, e € 150,00 com a respectiva alimentação (num valor global de € 277,00, que, porém, deixa de fora todas as suas outras necessidades).

Mais se verifica que reside com a mãe, que é quem suporta todas as suas demais despesas, à excepção daquelas que ela própria consegue assegurar, com o trabalho ocasional que presta aos sábados, num estabelecimento de diversão.

Já relativamente às possibilidades do Requerido (…), verifica-se que o mesmo se encontra desempregado desde 1 de Junho de 2017, e aufere mensalmente um subsídio a esse título de € 429,00, a que soma rendimento não apurado de trabalhos agrícolas ocasionais.

Mais se verifica que vive em casa própria, pagando mensalmente € 225,00 para amortização do empréstimo contraído para a sua aquisição; e, no mesmo período de tempo, paga, € 15,00 a título de contribuição de condomínio, € 13,00 pelo abastecimento de água, € 23,00 pelo abastecimento de electricidade, e € 153,00 pelos seus alimentação, vestuário e calçado.

Logo, o montante dos gastos apurados com o seu sustento perfaz o exacto montante do subsídio de desemprego que aufere, isto é, € 429,00.

Quanto às possibilidades da Progenitora (…) da Requerente, verifica-se que trabalha como empregada doméstica, auferindo um salário mensal de € 534,00, a que soma um outro rendimento laboral de € 200,00, por trabalhos suplementares de limpezas, que precisamente realiza para suportar as despesas com a filha (tendo, por isso, um rendimento global de € 734,00).

Verifica-se ainda que paga de renda de casa € 350,00; e que, presumivelmente, não gastará menos com a sua alimentação do que a Requerente e o Requerido (isto é, € 150,00); e nem terá despesas inferiores a este último com consumos de água e de electricidade (isto é, € 36,00), ainda que considerados em singelo (isto é, sem o acréscimo justificado pela vivência em comum com a filha).

Logo, e seguindo o mesmo raciocínio do Requerido (…) nos autos, a Progenitora (…) da Requerente, uma vez satisfeitas, prévia e prioritariamente as suas próprias necessidades, ficará com um remanescente líquido para assegurar o sustento da filha de € 198,00; e o mesmo é insuficiente para o efeito (face aos € 277,00 de que a mesma necessita), ficando em falta € 79,00.

Ora, e relativamente a parte significativa deste montante, que se fixa em € 70,00, considera-se que o mesmo deverá ser imposto, como prestação de alimentos a favor da sua filha, ao Requerido (…), uma vez que, tendo o mesmo assegurado - com o subsídio de desemprego que aufere - o seu próprio sustento, o mesmo não sucede com aquela.

Pondera-se, ainda, que a quantia de € 70,00 se afigura perfeitamente subsumível àquela outra, não concretamente apurada, resultante dos ocasionais trabalhos agrícolas que realiza, e que poderá incrementar em frequência, ou substituir por outros, melhor remunerados. Fazendo-o, agirá tão só e apenas à semelhança do que vem fazendo a Progenitora (…) da Requerente, onerada com regulares trabalhos suplementares de limpezas, correspondentes sensivelmente a metade daqueles outros que já realiza em horário laboral completo (por só este justificar o salário liquido mensal de € 534,00 que aufere).

Acresce que, como proprietário da casa que habita, poderá ainda o Requerido (…) rentabilizá-la, por meio da cedência, parcial e onerosa, do seu gozo a terceiro (v.g. arrendando um quarto a quem dele necessite), ao contrário do que sucede com a Progenitora (…) da Requerente, que habita casa arrendada.

Reiteram-se, aqui, as considerações tecidas supra: a especial obrigação alimentar que impende sobre o Requerido (…), e o encontrar-se em risco a satisfação das necessidades da sua filha (ao contrário do que sucede com as dele próprio), obriga este Tribunal ad quem a uma maior exigência na aferição dos esforços e sacrifício que lhe sejam impostos para assegurar a dita comprometida satisfação (à semelhança do que, isolada e continuamente, a Progenitora da Requerente vem fazendo, muito para além do que seria a proporcional e aritmética divisão dos encargos entre ambos com a filha).

A ponderação que aqui se faz é, então, entre o liminar mínimo dos alimentos de que o Requerido (…) e a Requerente (…), sua filha, carecem; e, na impossibilidade de simultaneamente os assegurar (já contando para o efeito com o desproporcional - e continuado - sacrifício imposto à Progenitora da Requerente), no maior esforço para os obter, e no maior sacrifício para suportar a sua carência, que deverá (pela primeira vez, desde a maioridade da filha) ser imposto ao Requerido (…).

Por fim, dir-se-á que, ainda que o Requerido (…) venha a incumprir a prestação de alimentos agora determinada, só a sua prévia fixação judicial poderá permitir a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (em sua substituição, nos termos previstos na Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e no Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio), face ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 12/2009, Uniformizador de Jurisprudência, de 07 de Julho de 2009 (D.R., nº 150/2009, Série I, de 05 de Agosto de 2009).

Com efeito, nele se decidiu que a «obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor, nos termos previstos nos artigos 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e 2.º e 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores» (com bold apócrifo).

Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total procedência do recurso de apelação interposto pela Requerente (…), revogando-se a sentença recorrida, e condenando o Requerido (…) no pagamento de uma pensão de alimentos, a favor dela, de € 70,00 mensais.
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto pela Requerente (…) e, em consequência, em

· revogar a sentença recorrida, substituindo-a por decisão a condenar o Requerido (…) numa pensão de alimentos mensal, a favor da filha (aqui Requerente) de € 70,00 (setenta euros, e zero cêntimos), actualizável de acordo com o índice de inflação publicado pelo INE para o ano civil anterior.
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Custas da acção e da apelação pelo Requerido (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 19 de Junho de 2019.

O presente acórdão é assinado eletronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.