Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
88/17.5T8ALJ.G1
Relator: FERNANDA PROENÇA FERNANDES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
ILICITUDE
QUEIXA CRIMINAL E LABORAL
EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

I. A violação do direito de outrem só é ilícita quando reprovada pela ordem jurídica, encontrando-se afastadas, de um modo geral, todas as actuações no exercício regular de um direito ou de cumprimento de uma obrigação legal.

II. O exercício regular de um direito constitui, por isso, causa justificativa do facto praticado pelo agente, deixando, assim, de se verificar o pressuposto ilicitude da sua actuação, o que implica o afastamento da responsabilidade civil por falta de preenchimento dos seus requisitos legais.

III. Não se pode confundir litigância de má-fé com lide meramente temerária ou ousada, com pretensão de dedução na defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório.

João, instaurou a presente acção declarativa, no Juízo de Competência Genérica de Alijó, da Comarca de Vila Real, contra M. R., alegando, em suma, que ambos são assistentes técnicos no Agrupamento de Escolas (...), em Alijó, tendo-se tornado gestor do processo individual da ré a partir do mês de Março de 2015, altura em que esta apresentou queixa de natureza laboral contra si, que deu origem a procedimento disciplinar que culminou na aplicação de multa no valor de € 136,52 (correspondente à remuneração base de seis dias de trabalho), e queixa-crime, que terminou em arquivamento do inquérito respectivo.

Tais circunstâncias importaram para si enxovalho, humilhação, vergonha, ofensa ao bom nome e honra, bem como abalo psicológico que o obrigou a recorrer a acompanhamento psicológico e baixa médica, que constituem danos não patrimoniais por si sofridos, tendo ainda recorrido, juntamente com a sua mulher, a especialistas, medicação e terapia, no valor de € 2.100,00.

Termina peticionando (implicitamente) a condenação da ré a pagar-lhe indemnização no valor de € 5.100,00, sendo € 3.000,00 pelos danos não patrimoniais e € 2.100,00 pelos danos patrimoniais.
A ré, devidamente citada, apresentou contestação, defendendo-se por excepção e por impugnação, e deduziu pedido reconvencional.

Por excepção, invocou a ilegitimidade activa, em razão da dedução pelo autor de pedidos de danos sofridos por terceiro (Maria).

Também por excepção, clamou pela ineptidão da petição inicial, alegando existir contradição entre o pedido (de € 3.000,00) e a causa de pedir (danos no valor de € 5.100,00).

Ainda por excepção, alegou a falta de interesse em agir, sustentando, em suma, que o direito invocado pelo autor carece de tutela judicial.

Por impugnação, aceitou alguns factos vertidos na petição inicial, impugnando genérica e especificadamente os demais.

Deduziu ainda pedido reconvencional, alegando, em suma, que o autor/reconvindo moveu uma perseguição pessoal contra si desde que se tornou gestor do seu processo individual, dirigindo-se-lhe em tom elevado, altercado e ameaçador, com tom provocatório, verbalizando e mimicando impropérios, o que a levou a participar disciplinarmente daquele, originando processo disciplinar que culminou na aplicação da sanção disciplinar supra referida, bem como a apresentar queixa-crime, tendo pretendido o autor/reconvindo, e conseguido, ofender a sua honra, bom-nome reputação, consideração, prestígio e dignidade, tendo passado a sentir medo, inquietude, que afectaram as suas relações familiares e profissionais, constituindo todo este circunstancialismo danos não patrimoniais por si sofridos.

Termina peticionando a procedência das excepções por si invocadas e a sua absolvição da instância, ou, no caso de aquelas improcederem, ser a acção julgada improcedente, por não provada, com a consequente absolvição do pedido contra si formulado, a procedência do pedido reconvencional e a condenação do autor/reconvindo a pagar-lhe a quantia de € 2.900,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal supletiva de juros civis, contados desde a prática dos factos até integral e efectivo pagamento e ainda a condenação do autor/reconvindo como litigante de má-fé, e no pagamento de multa em quantitativo deixado ao prudente arbítrio do Tribunal e indemnização a si, consistente no reembolso das despesas (mormente dos honorários pagos ao mandatário) e dos prejuízos por si sofridos.

O autor/reconvindo apresentou réplica, tendo, em suma, pugnado pela improcedência da excepção de ilegitimidade activa e de falta de interesse em agir, esclarecendo que a contradição existente entre a causa de pedir e o pedido expostos na petição inicial não constitui ineptidão desta mas, tão-só, lapso de escrita, uma vez que pretendeu incluir no pedido o valor de € 2.100,00 que ali omitiu, e cuja correcção peticiona.

No que concerne ao pedido reconvencional, defende-se por impugnação genérica, negando os factos ali expostos.

Termina peticionando a improcedência das excepções (e, implicitamente, do pedido reconvencional e do pedido de condenação como litigante de má-fé formulado pela ré/reconvinte).

Realizou-se a audiência prévia, no âmbito da qual não foi possível obter a conciliação das partes, tendo sido proferido despacho saneador no âmbito do qual se admitiram o pedido reconvencional e a réplica, se apreciaram as excepções invocadas pela ré, se fixou o valor da acção, se identificou o objecto do litígio e enunciaram os temas da prova.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

“ IV. Decisão.
Pelo exposto acima, decido:

I – Julgar totalmente improcedente a acção e absolver a ré M. R. de todos os pedidos formulados pelo autor João.
II – Julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional e, consequentemente:
a) Condenar o autor/reconvindo João a pagar à ré/reconvinte M. R. a quantia de € 1.250,00 a título de ressarcimento de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora civis à taxa legal em vigor, contabilizados desde a data de trânsito em julgado da presente sentença;
b) Condenar o autor/reconvindo João como litigante de má-fé e no pagamento:
i. de multa processual no valor de € 4 UC (€408,00), a reverter para os Cofres dos Tribunais;
j. de indemnização à ré/reconvinte que cubra os honorários do seu Il. Mandatário e as despesas com as custas processuais por si suportadas no âmbito da presente acção, a determinar oportunamente e após trânsito em julgado da sentença.
Custas pelas partes na proporção de ¾ para autor/reconvindo e ¼ para a ré/reconvinte (art. 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil).
…”
*
Inconformado com esta decisão, o autor dela interpôs recurso e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):
“Conclusões:

1 - O inconformismo do Recorrente determinante do presente recurso tem incidência ao nível da matéria de facto dada como provada e não provada, na contradição entre a matéria de facto provada e a decisão da Douta Sentença posta em crise, e ainda, salvo melhor entendimento, quanto à matéria de Direito, na errónea subsunção legal operada nos presentes autos.
2 - Tendo sido documentada a prova produzida através de gravação áudio das declarações oralmente prestadas em audiência de discussão e julgamento vem o Apelante na sua veste de Recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto e aplicação da respectiva matéria de direito, tendo como perspectiva essencial demonstrar que a prova produzida não foi de molde a suportar alguns dos factos que foram dados como provados na sentença recorrida, devendo pois a prova gravada ser reapreciada.
3 - Com o devido respeito, não podemos concordar com a matéria de facto que o Meritíssimo Juiz a quo deu como provada nos pontos 3, 7, 8, 11, 12 e 14 da Douta Sentença recorrida, bem como não podemos concordar com a matéria de facto que o Meritíssimo Juiz a quo deu como não provada nas alíneas b), c), d), f), j), k), l), m), n) e o).
4 - As alíneas j) a o) contêm matéria de facto dada como não provada, ora a ser assim, não há matéria de facto para a condenação do Autor uma vez que não existem danos para a Ré. Além disso, assiste-se novamente a uma contradição relativamente à matéria de facto dada como provada e não provada, senão veja-se a alínea n).
5- Mais, se se entender que os factos vertidos nas alíneas j) a o) são matéria de facto dada como não provada não há motivos justificativos para a condenação do Autor, uma vez que a defesa da Ré assenta nos danos que foram provocados pelo Autor; danos esses que foram dados como não provados, uma vez que na alínea j) se pode ler: "A Ré/Reconvinda tenha visto o seu prestígio afectado na sequência dos factos ínsitos aos pontos 9 a 13 da matéria de facto provada."
6 - Os danos foram antes causados ao Autor e à sua família, senão veja-se os artigos 7 e 8 da matéria de facto dada como provada: "Aquando da instauração dos processos disciplinar e criminal referidos nos pontos 5 e 6 supra, no âmbito do qual foi constituído como arguido, o Autor sentiu-se envergonhado." "Começou a ser posto de parte por alguns colegas, sentiu-se discriminado e injustiçado e em consequência de todo o exposto, sofreu um forte abalo psicológico que o obrigou a recorrer a acompanhamento psicológico e a uma baixa médica."
7 - E aqui reside o vexatio quaestion que justifica a propositura desta acção. É uma questão de honra, de defesa do bom nome e de realização de justiça, uma vez que o Autor e a sua família se sentem lesados e tal situação gerou danos de difícil reparação para toda a família.
8 - O Autor sentiu-se humilhado, vexado, envergonhado e ofendido na sua honra e bom nome e tal provocou-lhe um forte abalo psicológico que o obrigou a recorrer a apoio psicológico e baixa médica, sendo tais factos corroborados pelos depoimentos das Testemunhas P. P..
9 - Relativamente ao depoimento da Testemunha Joaquim, que aqui também se dá por integralmente reproduzido, conclui-se tratar de um puro meio de prova indirecto, os chamados depoimentos "de ouvir dizer", uma vez que teve única e exclusivamente conhecimento dos factos através do que lhe era transmitido pela Ré, sua esposa, nunca tendo assistido a nenhum dos acontecimentos que vem narrado na matéria de facto.
10 - Relativamente ao depoimento da testemunha Rui, tal como acontece com o depoimento anterior, nada vem acrescentar ao que foi narrado, uma vez que é colega de profissão do marido da Ré (militar da GNR), o que faz do seu depoimento pouco imparcial e através da audição e leitura das transcrições do depoimento é visível que a testemunha é constantemente relembrada e conduzida para narrar os factos.
11 - O depoimento da testemunha C. M. também veio confirmar que efectivamente esta quezília se gerou a partir do momento que o Autor pediu a justificação das faltas à Ré e esta não terá gostado, e como as restantes testemunhas também nunca presenciou ou ouviu nada, e tudo o que teve conhecimento foi através da Ré.
12 - Nos termos do nº 1 do art.º 483º do CC "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação."
Este artigo preceitua a questão da responsabilidade civil, estando a mesma figura jurídica dependente da verificação de cinco pressupostos.
13 - Estando preenchidos os cinco requisitos há lugar à obrigação de indemnizar, sendo ressarcíveis os danos patrimoniais e não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, nos termos do nº 1 e 4 do art.º 496º do CC.
14 - Ora, o Autor peticiona a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização no valor de €5.100,00 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes dos processos disciplinar e criminal interpostos pela Ré.
15 - Olhando à matéria de facto, bem como aos depoimentos de parte do Autor e das testemunhas não restam quaisquer dúvidas de que este processo surgiu em virtude de uma quezília gerada entre Autor e Ré, pelo facto do primeiro no legítimo exercício das funções lhe ter solicitado a entrega da justificação das faltas, ao que esta entendeu como perseguição, o que gerou um clima de desconforto entre as partes, atingindo proporções extremas e que poderiam ter sido evitadas.
16 - Provou-se que aquando da instauração dos dois processos, e pelo facto de ser constituído arguido o Autor sentiu-se profundamente enxovalhado e envergonhado, tendo mesmo passado a ser posto de parte por alguns colegas, sentindo-se assim injustiçado e discriminado, tendo consequentemente sofrido um forte abalo psicológico que o obrigou a recorrer a ajuda psicológica, bem como baixa médica, já para não falar nos distúrbios que tal situação gerou a nível familiar.
17 - Ora não restam dúvidas e estão mais que provadas, que a conduta praticada pela Ré gerou danos de ordem patrimonial e não patrimonial ao Autor, razão pela qual o mesmo peticiona uma indemnização no valor já supra referido.
18 - E por fim, verifica-se a existência do nexo de causalidade entre a prática do facto e o dano gerado, não restando por isso dúvidas que existe aqui uma responsabilidade por parte da Ré em indemnizar o Autor por todos os danos que lhe causou.
19 - Da Litigância de má-fé do Autor

Perfilhamos o entendimento que não existiu aqui qualquer má-fé, contrariamente ao que é asseverado na Douta Sentença. Como já supra referido a vexatio quaestion que está no cerne desta acção prende-se com uma questão de justiça; nunca foi o propósito do Autor dar entrada com esta acção no sentido de conseguir uma sentença injusta ou realizar um objectivo que se afasta da função processual. O Autor acredita na sua causa, sabe que foi injustiçado e deduz a sua pretensão com base nesse fundamento.

Normas Violadas:

- 483º do CC
- 496º, nº 1 e 4 do CC

Nestes termos e nos melhores de Direito deve proferir-se Acórdão que revogue a Douta Sentença recorrida, condenando a Ré/Reconvinte e absolvendo o Autor/Apelante para que assim se faça Justiça”.
*
A ré apresentou contra-alegações, que foram rejeitadas, por extemporâneas (cfr. despacho de fls. 162).
*
O recurso foi admitido, por despacho de 22/03/2018, como de apelação, a subir nos próprios autos, e com efeito devolutivo.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:

1 – Da impugnação da matéria de facto;
2 – Da verificação dos pressupostos de responsabilidade civil, tendentes à condenação da ré ou do autor;
3 – Da litigância de má-fé do autor.
*
III. Fundamentação de facto.

Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes:

“Da petição inicial
1. Autor e Ré são assistentes técnicos do quadro e ao serviço do Agrupamento de Escolas (...), em Alijó.
2. A partir do mês de março de 2015 o Autor tornou-se gestor do processo individual da Ré na instituição onde ambos laboram, solicitando à mesma justificações das faltas.
3. A partir desse momento a Ré sentiu-se perseguida pelo Autor.
4. A Ré decidiu participar às entidades legalmente competentes para o efeito o episódio ocorrido em dezembro de 2015, e descrito infra sob os pontos 9 a 12 da matéria de facto provada, no qual o Autor se dirigiu à Ré a fim de tratar de assuntos relativos ao sindicato.
5. (…) tendo sido instaurado um procedimento disciplinar contra o Autor, por despacho da Subdiretora-Geral dos Estabelecimentos Escolares, datado de 2016/01/26, o qual culminou com a aplicação àquele de uma sanção disciplinar de multa, fixada em € 136,52, correspondente a seis remunerações base diárias, e no qual consta, no que ao caso releva, o seguinte: “(…) 4. Efetuadas as diligências probatórias (fls. 25 a 69v.º] que entendeu necessárias ao esclarecimento dos factos que motivaram a instauração do processo disciplinar, e que se consubstanciaram na recolha de prova testemunhal e documental, a Senhora Instrutora, finda a fase de instrução, com base na prova recolhida, elaborou o despacho de acusação, constituído por um artigo único que, no essencial se transcreve [fls 70 a 72]: O trabalhador visado “(…) exerce as suas funções no Agrupamento de Escolas (...) (AEA), em Alijó, fls. 64, em cujo contexto e no âmbito do relacionamento profissional com os colegas do serviço, tem revelado, em dias não possíveis de determinar, «várias incorreções, roçando a má educação, desde alterar a voz, não dar a informação solicitada e responder torto a quem recorre aos Serviços», fls. 48, «sempre numa atitude de prepotência e falta de correção, quando interage com qualquer colega», fls. 39, «responde com tom de voz alterado e arrogante», fls. 41, «fala num tom de voz tão alterado que intimida e mete medo, tal é a sua agressividade», fls. 45, «é mesmo bronco, não tem maneiras, utiliza um tom de voz excessivo e cortante», fls. 46, «com uma arrogância crescente», fls. 49, «exalta-se facilmente e responde com grosseria», fls. 69, verificando-se, ainda, que o trabalhador ora acusado «fomenta um mau ambiente nos serviços», fls. 41, «todos o tentam evitar», fls. 49 e, assiste-se, inclusivamente, «à saída de vários funcionários, com prejuízo acentuado para a escola», fls. 49”; O trabalhador visado, “no dia 17 de dezembro de 2015, dirigiu-se ao Serviço de Ação Social Escolar (SASE) para prestar uma informação sindical à sua colega, também AT do mesmo Agrupamento, M. R., após o que, e por iniciativa desta, ambos se deslocaram para a sala de convívio do pessoal técnico do AEA, onde encetaram uma discussão, fls. 26 e 53”, “Durante a discussão disse que lhe «esticava o dedo do meio e tossia, em tom de gozo e provocatório (…) e que a mandava foder e que ainda a ia foder mais», fls. 26”, “Já no corredor de regresso aos Serviços de Administração Escolar (SAE) do AEA, a discussão entre ambos prolongou-se com um «tom ameaçador» utilizado pelo ora acusado, chegando mesmo a ser ouvido pela AT Fátima, que ouviu a discussão a partir do corredor de acesso à sala onde se encontravam, e aí o trabalhador «mandou foder» a AT M. R., confirmando que lhe esticava o dedo do meio e sando desta discussão numa atitude corporal de ameaça, fls. 28, 29 e 37”; Pelo que o trabalhador “atuou com grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais (…), [comportamento que atentou] gravemente contra a dignidade e o prestígio da função que exerce (..), [violando] o dever de correção previsto na al. H) do n.º 2 e definido no n.º 10 do art.º 73.º da LTFP (…) comportamento esse punível nos termos do corpo do art.º 186.º da LTFP, com a sanção disciplinar de Suspensão, sanção prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 180.º da (…) LTFP”. (…). ”
6. (…) bem como um processo-crime que correu termos no Ministério Público da Comarca de Vila Real – Procuradoria do Juízo Local de Alijó, sob o n.º 107/16.2T9ALJ, que culminou em arquivamento, através de dois despachos, datados, respetivamente, de 2016/12/19 e de 2017/05/04, resultando do teor do primeiro, no que ao caso releva, o seguinte: “(…) no presente caso, tal atitude do arguido apenas revela um projectado crime de ofensa à integridade física mas que o arguido, por vontade própria, decidiu não praticar, razão pela qual o mesmo não é punível. Assim, em face do exposto, consideramos que os comportamentos praticados pelo arguido apenas são susceptíveis, como foram, de consubstanciar a prática de infracção disciplinar e, eventualmente, de o fazer incorrer em responsabilidade civil por violação de direitos de personalidade (…) tal como acima se referiu a propósito de algumas das expressões que o arguido dirigiu à Assistente, também aqui consideramos que tal conduta não tem relevo penal, não passando de uma expressão de falta de civismo, grosseria e mesmo falta de educação, não tendo aptidão para ofender a honra da assistente (…)”.
7. Aquando da instauração dos processos disciplinar e criminal referidos nos pontos 5 e 6 supra, no âmbito do qual foi constituído como arguido, o Autor sentiu-se envergonhado.
8. Começou a ser posto de parte por alguns colegas, sentiu-se discriminado e injustiçado e em consequência de todo o exposto, sofreu um forte abalo psicológico que o obrigou a recorrer a acompanhamento psicológico e a uma baixa médica.

Da contestação/reconvenção

9. No dia 2015/12/17, no período da tarde, nas instalações do edifício da sede do Agrupamento de Escolas (...), em Alijó, a Ré/Reconvinte indagou o Autor/Reconvindo sobre as razões de lhe exigir justificações de faltas para acompanhamento da filha menor desta, que sofre de doença do espetro do autismo.
10. Em resposta, o Autor/Reconvindo, em tom de voz elevado e altercado disse à Ré/Reconvinte que se fosse foder.
11. Depois de a Ré/Reconvinte lhe ter referido as atitudes que o Autor/Reconvindo tinha para com ela, visando a obtenção de esclarecimentos, este voltou-se e disse-lhe que não gostou que ela tivesse feito um requerimento dirigido ao Diretor do Agrupamento a pedir a mudança de gestor do processo, disse-lhe também que ela havia feito queixa por escrito à direção com esse requerimento, que as coisas não iam ficar assim, e que a iria continuar a provocar.
12. A Ré/Reconvinte indagou o Autor/Reconvindo sobre o facto de recentemente este lhe ter levantado e mostrado o dedo médio da mão, o que o mesmo confirmou, dizendo que o iria continuar a fazer e que iria continuar a tossir quando passasse por ela e a provocá-la.
13. O Autor/Reconvindo agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito de causar medo e inquietação à Ré/Reconvinte, e de a coartar na sua liberdade pessoal e de autodeterminação, o que conseguiu, bem sabendo que as expressões por si usadas e a esta dirigidas era aptas a tal fim.
14. A Ré/Reconvinte ficou extremamente abalada, temendo que o Autor/Reconvindo a agredisse fisicamente.
15. Com os impropérios a si dirigidos pelo Autor/Reconvindo a Ré/Reconvinte sentiu-se ainda ofendida na sua dignidade, desgostosa, deprimida, abalada e envergonhada.”
*
Foram dados como não provados os seguintes factos:

“Da petição inicial

a) Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas nos pontos 9 a 13 da matéria de facto provada a conversa entre o Autor e a Ré decorreu inicialmente em tom normal, passando para um tom mais alterado por parte desta, obrigando assim aquele a abandonar o local.
b) O Autor nunca ofendeu a Ré, nunca lhe dirigiu impropérios, nem a ameaçou ou intimidou.
c) O Autor nunca teve a intenção de prejudicar a Ré, de lhe causar quaisquer tipos de transtorno ou diminui-la.
d) O Autor agiu em conformidade com o cargo que desempenhava, sendo certo que agiria da mesma forma perante qualquer outro colega.
e) Em consequência dos factos constantes dos pontos 7 e 8 da matéria de facto provada o Autor despendeu o valor de € 2.100,00 em médicos especialistas, bem como medicação e terapia.
f) Na sequência da instauração dos processos disciplinar e criminal referidos nos pontos 5 e 6 da matéria de facto provada o Autor sentiu-se enxovalhado, humilhado, e atentado no seu bom nome e honra.

Da contestação/reconvenção

g) Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas nos pontos 9 a 13 da matéria de facto provada o Autor/Reconvindo disse ainda à Ré/Reconvinte que esta iria pagar por ter solicitado ao Diretor do Agrupamento a mudança de gestor do processo e que por isso a iria prejudicar.
h) (…) tendo o Autor/Reconvindo se aproximado da cara da Ré/Reconvinte por várias vezes, em postura intimidatória.
i) (…) após abandonarem a sala, e já no corredor de acesso ao SASE, o Autor/Reconvindo encostou o seu corpo ao da Reconvinte e, em tom ameaçador, disse-lhe: “vá falar com o Diretor, não tem testemunhas”.
j) A Ré/Reconvinda tenha visto o seu prestígio afetado na sequência dos factos ínsitos aos pontos 9 a 13 da matéria de facto provada.
k) A Ré/Reconvinte é uma pessoa séria, educada e honrada.
l) (…) é uma funcionária cumpridora do seu múnus, o que faz com desvelo, profissionalismo e dedicação.
m) (…) é uma pessoa respeitada e respeitadora, tanto no contexto profissional como na sua vida pessoal.
n) Na sequência dos factos ínsitos aos pontos 9 a 13 da matéria de facto provada, e por causa deles, evita percorrer sozinha o corredor do SASE e ficar sozinha na escola ou em espaços públicos, com receio de que o Autor/Reconvindo apareça e a agrida.
o) (…) tendo sido afetado o acompanhamento da sua filha Matilde, o que lhe causou um profundíssimo desgosto, tristeza, inquietação e agastamento.”
*
IV. Do objecto do recurso.

1. Da impugnação da matéria de facto.

1.1. Em sede de recurso, o apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

Dispõe o artigo 640º do CPC, que:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) (…);
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».

No caso dos autos, verifica-se que o recorrente indica quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso, bem como os meios probatórios que na sua ótica o impõe(m), pelo que podemos concluir que cumpriu suficientemente o ónus estabelecido no citado artigo 640.º.

Assim, este presente Tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada, uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa.
*
1.2. Preceitua o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que tem por epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

Os recursos da matéria de facto podem envolver objetivos diversificados:

- Alteração da decisão da matéria de facto, considerando provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, e vice-versa, a partir da reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa (no caso de ter sido apresentado documento autêntico, com força probatória plena, para prova de determinado facto ou confissão relevante) ou em resultado da apreciação de documento novo superveniente (art. 662º, n.º 1 do CPC);
- Ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio (art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC);
- Apreciação de patologias que a decisão da matéria de facto enferma, que, não correspondendo verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, se traduzam em segmentos total ou parcialmente deficientes, obscuros ou contraditórios (art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC).

Quanto a este último objectivo dos recursos da matéria de facto, diz-nos Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed., pp. 291/29 que a decisão da matéria de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, podendo – e devendo – algumas delas ser solucionadas de imediato pela Relação, ao passo que outras poderão determinar a anulação total ou parcial do julgamento.

Como concretização de tais patologias enuncia o citado autor que as decisões sob recurso “podem revelar-se total ou parcialmente deficientes”, “resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares”, “de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso”.

Verificado esse vício, para além de o mesmo ser sujeito a apreciação oficiosa da Relação, poderá esta supri-lo a partir dos elementos que constam do processo ou da gravação.

Pode, assim, “revelar-se uma situação que exija a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo”, faculdade esta que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a Relação se confronte com uma omissão objetiva de factos relevantes”; nesse caso, ao invés de anular a decisão da 1ª instância, se estiverem acessíveis todos os elementos probatórios relevantes, “a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas”.
*
1.3. Resulta das conclusões do recorrente que este não concorda com as respostas aos pontos 3, 7, 8, 11, 12 e 14 da matéria de facto provada, e as resposta às alíneas b), c), d), f), j) k), l), m), n) e o) da matéria de facto não provada.

Contudo, apenas relativamente aos pontos 3, 11, 12 e 14 dos factos dados como provados, pede a alteração dos mesmos para não provados, e apenas relativamente às als. b), c), d) e f) dos factos dados como não provados, pede a alteração dos mesmos para os factos provados.

Com efeito, não resulta das suas alegações e conclusões que pretenda de facto ver alterada a resposta aos pontos 7 e 8 dos factos provados (que, aliás, lhe são favoráveis), nem indica o autor prova que levasse a resposta diferente. Nessa medida, não se conhecerá da impugnação desta matéria de facto (pontos 7 e 8 dos factos provados).
E quanto às als. j) a o) dos factos não provados (que igualmente lhe são favoráveis), também não pretende a sua alteração, mas antes invocar uma contradição entre a al. n) dos factos não provados e o nº 14 dos factos provados, bem como defender que, estando esses factos dados como não provados, não há matéria de facto suficiente para a condenação do autor, uma vez que não existem danos para a ré.

Assim, nesta parte, apenas se conhecerá da invocada contradição, sendo posteriormente em sede de direito, apreciada a (in)suficiência da matéria de facto para a condenação do autor.

Finalmente, quanto à al.f) dos factos não provados, pretende invocar uma contradição entre este, e os factos provados sob os nºs 7 e 8, bem como pretende que este facto passe a constar como provado.

Vejamos então, cada uma das situações a conhecer agora, começando pelos pontos 3, 11, 12 e 14 dos factos dados como provados, que o autor pretende se dêem como não provados.
Comecemos pelo ponto 3 dos factos provados.

Nesse ponto 3, foi dado como provado o seguinte:

“3. A partir desse momento a ré sentiu-se perseguida pelo autor”.
Pretende o autor que se dê tal facto como não provado, pois que o mesmo não resulta, em seu entender, de qualquer prova produzida em julgamento.
Ora, bastaria ao autor ler a sua própria petição inicial, bem como a fundamentação da matéria de facto constante da sentença sob recurso, para perceber que esse facto foi por si mesmo alegado (cfr. art. 3º da p.i.), e uma vez aceite pela ré, assim foi dado como assente e provado.
Face a tal, a argumentação adiantada pelo autor para a alteração da matéria de facto nesta parte, não faz qualquer sentido.
Nesta conformidade, indefere-se a impugnação do referido ponto fáctico.
*
Passemos ao ponto 11 dos factos provados.

Foi aí dado como provado, o seguinte:

11. Depois de a ré/reconvinte lhe ter referido as atitudes que o autor/reconvindo tinha para com ela, visando a obtenção de esclarecimentos, este voltou-se e disse-lhe que não gostou que ela tivesse feito um requerimento dirigido ao Director do Agrupamento a pedir a mudança de gestor do processo, disse-lhe também que ela havia feito queixa por escrito à direcção com esse requerimento, que as coisas não iam ficar assim, e que a iria continuar a provocar”.

Entende o autor que tal matéria deveria ter sido dada como não provada, por, no seu entender, não merecer credibilidade o depoimento da testemunha Fátima, uma vez que, no âmbito do processo crime afirmou ter presenciado os factos e nestes autos diz que apenas os ouviu.

Ora, não resulta da prova documental dos autos, nomeadamente da junta pelo autor, que a referida testemunha tenha dito no âmbito do processo crime que presenciou (tendo visto e não ouvido apenas) os factos em causa. Com efeito, apenas foi junto ao processo o despacho de arquivamento, onde é referido pelo Sr. Procurador Adjunto que o proferiu, que a testemunha em causa terá presenciado os factos. Não resulta de tal documento, quais foram em concreto as declarações prestadas pela testemunha, ou seja, se esta afirmou ter visto os factos, ou apenas ouvido os mesmos.

Assim, não se verificando a contradição apontada pelo autor, e, considerando, como na decisão recorrida, que o depoimento em causa se mostrou credível, pois que, circunstanciando os factos a nível de tempo, modo e lugar, relatou de modo espontâneo e discursivamente coerente o episódio ocorrido entre autor e ré, em relato quase integralmente correspondente ao por si prestado no âmbito do procedimento disciplinar instaurado ao autor, explicando que apenas ouviu o sucedido por se encontrar inadvertidamente atrás da porta da sala onde aqueles se encontravam, versão dos factos que foi corroborada pelas declarações de parte da ré, as quais evidenciaram verosimilhança e coerência com aquele depoimento, não há fundamento para a alteração pretendida pelo autor.
Nesta conformidade, indefere-se também a impugnação do referido ponto fáctico.
*
Passemos ao ponto 12 dos factos provados.

Foi aí dado como provado, o seguinte:

12. A ré/reconvinte indagou o autor/reconvindo sobre o facto de recentemente este lhe ter levantado e mostrado o dedo médio da mão, o que o mesmo confirmou, dizendo que o iria continuar a fazer e que iria continuar a tossir quando passasse por ela e a provocá-la.”

Entende o autor que tal matéria deveria ter sido dada como não provada, uma vez que apenas a ré afirma que lhe deu a sensação de o autor lhe ter levantado o dedo médio, tendo posteriormente confirmado que o fez, mas aqui a questão que impera é como lhe exibiu o autor o dedo, isto porque exibir o dedo médio não é sinónimo de obscenidade ou de injúria. O que ficou provado pelo depoimento da testemunha Fátima, ao minuto 1:45 a 6:09, foi que o autor exibiu o dedo médio à ré, nunca ficou provado que tal acto foi insultuoso ou injurioso ou tampouco obsceno, ou que esta o tenha presenciado.

Salvo o devido respeito, não cabe qualquer razão ao autor.

Com efeito, resulta da própria transcrição que este faz do depoimento da testemunha Fátima, a prova do facto nº 12.

E se o autor ler cuidadosamente tal facto, verifica que no mesmo não se diz que o gesto efectuado foi insultuoso, injurioso ou obsceno. Tal classificação do gesto em causa, é uma conclusão a que se chega na fundamentação de direito da sentença, e que resulta das regras de experiência comum.

Por outro lado, o depoimento da testemunha Rosário, transcrito pelo autor, em nada infirma tal factualidade (facto provado nº 12), que resulta do depoimento da testemunha Fátima, e das declarações de parte da ré.
Assim, indefere-se também a impugnação do referido ponto fáctico.
*
Passemos ao ponto 14 dos factos provados.

Foi aí dado como provado, o seguinte:

14. A Ré/Reconvinte ficou extremamente abalada, temendo que o Autor/Reconvindo a agredisse fisicamente”.

Entende o autor que nunca poderia ter sido dado como provado, uma vez que se assiste a uma contradição na própria Sentença proferida, isto porque o Exmo. Sr. Dr. Juiz a quo deu como provado o facto supra referido, mas depois dá como não provado o facto constante da alínea n): "Na sequência dos factos ínsitos aos pontos 9 a 13 da matéria de facto provada, e por causa deles, evita percorrer sozinha o corredor do SASE e ficar sozinha na escola ou em espaços públicos, com receio de que o Autor/Reconvindo apareça e a agrida.
Ora, mais uma vez não assiste razão ao autor.

Com efeito, os factos em causa não são contraditórios, pois que uma coisa é a ré ter ficado abalada (no momento da altercação havida), temendo que o autor a agredisse fisicamente, e outra, completamente diferente, é que na sequência dos factos ínsitos aos pontos 9 a 13 da matéria de facto provada, e por causa deles, a ré evita percorrer sozinha o corredor do SASE e ficar sozinha na escola ou em espaços públicos, com receio de que o autor apareça e a agrida (ou seja, posteriormente a esses factos).

Nestes termos, indefere-se também a impugnação do referido ponto fáctico.
*
Vejamos agora a al. b) dos factos não provados.

Foi aí dado como não provado o seguinte:

“b) O autor nunca ofendeu a ré, nunca lhe dirigiu impropérios, nem a ameaçou ou intimidou.”
Entende o autor que tal facto, deveria ter sido dado como provado, uma vez que em sede de audiência e julgamento nenhuma testemunha afirma ter ouvido o autor ameaçar, perseguir ou sequer injuriar a ré. É somente a própria ré que afirma tais factos, contudo não os consegue provar. Há apenas uma testemunha, que é amiga da ré que afirma ter ouvido uma expressão injuriosa "Vai-te foder." da parte do autor dirigida à ré.

Contudo, e como já supra referido, em sede de audiência e julgamento verificou-se que a testemunha apresentava no seu depoimento algumas contradições relativamente a pormenores relevantes, pelo que entende o autor não merecer credibilidade tal depoimento.
Por outro lado, entende que resulta do depoimento da testemunha Rosário, que transcreve, a prova de tal facto.

Vejamos.

Mais uma vez não tem qualquer razão o autor.
Basta atentar no facto dado como provado sob o ponto 10 (Em resposta, o autor/reconvindo, em tom de voz elevado e alterado disse à ré/reconvinte que se fosse foder), facto que o autor não impugnou, para se concluir não se poder dar como provado o facto não provado sob a al.b).
Assim, indefere-se também a impugnação do referido ponto fáctico.
*
Vejamos agora as als. c) e d) dos factos não provados.

Foi aí dado como não provado o seguinte:

“c) O Autor nunca teve a intenção de prejudicar a Ré, de lhe causar quaisquer tipos de transtorno ou diminui-la”.
“d) O Autor agiu em conformidade com o cargo que desempenhava, sendo certo que agiria da mesma forma perante qualquer outro colega."

Entende o autor que tais factos deveriam ter sido dado como provados, uma vez que perante a prova produzida em sede de audiência e julgamento todas as testemunhas, quando confrontadas com tal facto, responderam unanimemente que o autor era uma pessoa extraordinária, responsável e zelosa.

Ora, vistos os depoimentos transcritos pelo autor, com vista a uma resposta positiva a tais factos, verificamos, mais uma vez, que não cabe qualquer razão ao autor na impugnação que faz.

Com efeito, desses depoimentos não resulta de forma alguma o que consta das als. c) e d) dos factos não provados.
E não resultando de tais depoimentos, nem de qualquer outra prova, razão nenhuma existe para alterar a decisão nessa parte.
Nessa conformidade, indefere-se também a impugnação dos referidos pontos fácticos.
*
Vejamos agora a al. f) dos factos não provados.

Foi aí dado como não provado o seguinte:

“f) Na sequência da instauração dos processos disciplinar e criminal referidos nos pontos 5 e 6 da matéria de facto provada o Autor sentiu-se enxovalhado, humilhado, e atentado no seu bom nome e honra.”.

Entende o autor que tal facto não provado entra em plena contradição com os factos dados como provados nos pontos 7 e 8 da sentença, que têm o seguinte teor:

"Aquando da instauração dos processos disciplinar e criminal referidos nos pontos 5 e 6 supra, no âmbito do qual foi constituído como arguido, o Autor sentiu-se envergonhado."
"Começou a ser posto de parte por alguns colegas, sentiu-se discriminado e injustiçado e em consequência de todo o exposto, sofreu um forte abalo psicológico que o obrigou a recorrer a acompanhamento psicológico e a uma baixa médica."
Ora, mais uma vez não assiste razão ao autor.

Com efeito, os factos em causa não são contraditórios.

Primeiro, porque no facto provado sob o nº 7 se refere “aquando”, ou seja, no momento, e no facto não provado da al. f) refere-se “Na sequência”, ou seja, após.
Depois, porque o facto de o autor se sentir envergonhado e discriminado, não significa que o mesmo se sentiu enxovalhado, humilhado, e atentado no seu bom nome e honra.

Por outro lado, entende autor, que da prova testemunhal que transcreveu, nomeadamente dos depoimentos das testemunhas P. P., Rosário, Ana, M. L., e Carlos, bem como do depoimento de parte do autor, resulta a prova do facto não provado sob a al. f), sendo que as testemunhas Joaquim, por ser marido da ré, e Rui, por ser militar da GNR, como o marido da ré, não merecem credibilidade e as testemunhas C. M. e M. M., nada presenciaram.

Ora, os depoimentos das testemunhas Joaquim, Rui, C. M. e M. M., não recaíram sobre tal matéria (da al. f) dos factos não provados), e lidas todas as transcrições dos depoimentos das testemunhas P. P., Rosário, Ana, e Carlos, também não resulta dos mesmos a prova de tal facto, resultando apenas o que, e bem, se deu como provado em 7 e 8 dos factos provados.

Acresce que, como se diz na sentença sob recurso, as declarações de parte do autor, quanto ao facto em causa, não têm qualquer respaldo na demais prova produzida, sendo até contrários aos pontos 5, 9 a 12 da matéria de facto provada, não se entendendo como pode o autor revelar enxovalho ou humilhação por factos que redundaram no seu sancionamento.

Por outro lado, se as declarações de parte do autor quanto a essa matéria já eram por si só exageradas, como se diz na sentença, foram acompanhadas do depoimento testemunhal da sua mulher, M. L., que se mostrou evidentemente parcial e apaixonado, como resulta da mera leitura das transcrições do mesmo.

Face a tal, considerando a globalidade da prova indicada pelo autor, temos que, apenas se poderia dar como provado o que ficou a constar dos factos provados nºs 7 e 8, e já não o que ficou a constar dos factos não provados sob a al. f).

O que significa, pois, que também neste outro segmento da matéria de facto não se vislumbra qualquer razão para divergir da convicção evidenciada pelo tribunal recorrido.

Pelo contrário, como resulta do exposto, da reapreciação de toda a prova produzida no seu conjunto efectuada por este Tribunal, não se mostram evidenciadas quaisquer razões para nos afastarmos da convicção evidenciada em 1.ª instância, sendo que se não vislumbra qualquer desconformidade entre a dita prova e a respectiva decisão, em violação dos princípios que devem presidir à apreciação da prova, isto é, critérios de valoração lógica, objectiva e racional dos meios de prova por parte do julgador.

Da análise crítica da prova indicada como fundamento da impugnação, conjugada esta com toda a demais prova produzida, não resulta, a nosso ver, a convicção indicada pelo recorrente.
Diga-se, aliás, que a motivação da decisão de facto efectuada pelo tribunal de 1ª instância se mostra criteriosa, objectiva e fundamentada e tem pleno suporte nos meios probatórios constantes dos autos, a cuja reapreciação se procedeu nesta instância, tendo sido feita pelo tribunal recorrido uma correcta análise do seu valor probatório.

O que, em conclusão, significa que é de manter na íntegra a decisão de facto quanto aos pontos impugnados.
*
1.4. Considerando que não houve qualquer alteração introduzida na decisão relativa à matéria de facto, é a seguinte a factualidade (provada) a atender para efeito da decisão a proferir:

1. Autor e ré são assistentes técnicos do quadro e ao serviço do Agrupamento de Escolas (...), em Alijó.
2. A partir do mês de Março de 2015 o autor tornou-se gestor do processo individual da ré na instituição onde ambos laboram, solicitando à mesma justificações das faltas.
3. A partir desse momento a ré sentiu-se perseguida pelo autor.
4. A ré decidiu participar às entidades legalmente competentes para o efeito o episódio ocorrido em dezembro de 2015, e descrito infra sob os pontos 9 a 12 da matéria de facto provada, no qual o autor se dirigiu à ré a fim de tratar de assuntos relativos ao sindicato.
5. (…) tendo sido instaurado um procedimento disciplinar contra o autor, por despacho da Subdiretora-Geral dos Estabelecimentos Escolares, datado de 2016/01/26, o qual culminou com a aplicação àquele de uma sanção disciplinar de multa, fixada em € 136,52, correspondente a seis remunerações base diárias, e no qual consta, no que ao caso releva, o seguinte: “(…) 4. Efetuadas as diligências probatórias (fls. 25 a 69v.º] que entendeu necessárias ao esclarecimento dos factos que motivaram a instauração do processo disciplinar, e que se consubstanciaram na recolha de prova testemunhal e documental, a Senhora Instrutora, finda a fase de instrução, com base na prova recolhida, elaborou o despacho de acusação, constituído por um artigo único que, no essencial se transcreve [fls 70 a 72]: O trabalhador visado “(…) exerce as suas funções no Agrupamento de Escolas (...) (AEA), em Alijó, fls. 64, em cujo contexto e no âmbito do relacionamento profissional com os colegas do serviço, tem revelado, em dias não possíveis de determinar, «várias incorreções, roçando a má educação, desde alterar a voz, não dar a informação solicitada e responder torto a quem recorre aos Serviços», fls. 48, «sempre numa atitude de prepotência e falta de correção, quando interage com qualquer colega», fls. 39, «responde com tom de voz alterado e arrogante», fls. 41, «fala num tom de voz tão alterado que intimida e mete medo, tal é a sua agressividade», fls. 45, «é mesmo bronco, não tem maneiras, utiliza um tom de voz excessivo e cortante», fls. 46, «com uma arrogância crescente», fls. 49, «exalta-se facilmente e responde com grosseria», fls. 69, verificando-se, ainda, que o trabalhador ora acusado «fomenta um mau ambiente nos serviços», fls. 41, «todos o tentam evitar», fls. 49 e, assiste-se, inclusivamente, «à saída de vários funcionários, com prejuízo acentuado para a escola», fls. 49”; O trabalhador visado, “no dia 17 de dezembro de 2015, dirigiu-se ao Serviço de Ação Social Escolar (SASE) para prestar uma informação sindical à sua colega, também AT do mesmo Agrupamento, M. R., após o que, e por iniciativa desta, ambos se deslocaram para a sala de convívio do pessoal técnico do AEA, onde encetaram uma discussão, fls. 26 e 53”, “Durante a discussão disse que lhe «esticava o dedo do meio e tossia, em tom de gozo e provocatório (…) e que a mandava foder e que ainda a ia foder mais», fls. 26”, “Já no corredor de regresso aos Serviços de Administração Escolar (SAE) do AEA, a discussão entre ambos prolongou-se com um «tom ameaçador» utilizado pelo ora acusado, chegando mesmo a ser ouvido pela AT Fátima, que ouviu a discussão a partir do corredor de acesso à sala onde se encontravam, e aí o trabalhador «mandou foder» a AT M. R., confirmando que lhe esticava o dedo do meio e sando desta discussão numa atitude corporal de ameaça, fls. 28, 29 e 37”; Pelo que o trabalhador “atuou com grave negligência ou com grave desinteresse pelo cumprimento dos deveres funcionais (…), [comportamento que atentou] gravemente contra a dignidade e o prestígio da função que exerce (..), [violando] o dever de correção previsto na al. H) do n.º 2 e definido no n.º 10 do art.º 73.º da LTFP (…) comportamento esse punível nos termos do corpo do art.º 186.º da LTFP, com a sanção disciplinar de Suspensão, sanção prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 180.º da (…) LTFP”. (…). ”
6. (…) bem como um processo-crime que correu termos no Ministério Público da Comarca de Vila Real – Procuradoria do Juízo Local de Alijó, sob o n.º 107/16.2T9ALJ, que culminou em arquivamento, através de dois despachos, datados, respectivamente, de 2016/12/19 e de 2017/05/04, resultando do teor do primeiro, no que ao caso releva, o seguinte: “(…) no presente caso, tal atitude do arguido apenas revela um projectado crime de ofensa à integridade física mas que o arguido, por vontade própria, decidiu não praticar, razão pela qual o mesmo não é punível. Assim, em face do exposto, consideramos que os comportamentos praticados pelo arguido apenas são susceptíveis, como foram, de consubstanciar a prática de infracção disciplinar e, eventualmente, de o fazer incorrer em responsabilidade civil por violação de direitos de personalidade (…) tal como acima se referiu a propósito de algumas das expressões que o arguido dirigiu à Assistente, também aqui consideramos que tal conduta não tem relevo penal, não passando de uma expressão de falta de civismo, grosseria e mesmo falta de educação, não tendo aptidão para ofender a honra da assistente (…)”.
7. Aquando da instauração dos processos disciplinar e criminal referidos nos pontos 5 e 6 supra, no âmbito do qual foi constituído como arguido, o autor sentiu-se envergonhado.
8. Começou a ser posto de parte por alguns colegas, sentiu-se discriminado e injustiçado e em consequência de todo o exposto, sofreu um forte abalo psicológico que o obrigou a recorrer a acompanhamento psicológico e a uma baixa médica.
9. No dia 2015/12/17, no período da tarde, nas instalações do edifício da sede do Agrupamento de Escolas (...), em Alijó, a ré/reconvinte indagou o autor/reconvindo sobre as razões de lhe exigir justificações de faltas para acompanhamento da filha menor desta, que sofre de doença do espectro do autismo.
10. Em resposta, o autor/reconvindo, em tom de voz elevado e altercado disse à ré/reconvinte que se fosse foder.
11. Depois de a ré/reconvinte lhe ter referido as atitudes que o autor/reconvindo tinha para com ela, visando a obtenção de esclarecimentos, este voltou-se e disse-lhe que não gostou que ela tivesse feito um requerimento dirigido ao Director do Agrupamento a pedir a mudança de gestor do processo, disse-lhe também que ela havia feito queixa por escrito à direcção com esse requerimento, que as coisas não iam ficar assim, e que a iria continuar a provocar.
12. A ré/reconvinte indagou o autor/reconvindo sobre o facto de recentemente este lhe ter levantado e mostrado o dedo médio da mão, o que o mesmo confirmou, dizendo que o iria continuar a fazer e que iria continuar a tossir quando passasse por ela e a provocá-la.
13. O autor/reconvindo agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito de causar medo e inquietação à ré/reconvinte, e de a coartar na sua liberdade pessoal e de autodeterminação, o que conseguiu, bem sabendo que as expressões por si usadas e a esta dirigidas era aptas a tal fim.
14. A ré/reconvinte ficou extremamente abalada, temendo que o autor/reconvindo a agredisse fisicamente.
15. Com os impropérios a si dirigidos pelo autor/reconvindo a ré/reconvinte sentiu-se ainda ofendida na sua dignidade, desgostosa, deprimida, abalada e envergonhada.
*
V. Reapreciação de direito.

A primeira questão a resolver aqui, refere-se à verificação dos pressupostos de responsabilidade civil, tendentes à condenação da ré ou do autor.
Mantendo-se a decisão da matéria de facto, diremos desde já que inexiste fundamento para alterar o sentido da sentença proferida.
Com efeito, o autor/recorrente, veio demandar a ré, pedindo a condenação desta no pagamento de determinada quantia a título de indemnização por responsabilidade civil por facto ilícito.

Existe responsabilidade civil quando uma pessoa deve reparar um dano sofrido por outra.

A lei faz surgir uma obrigação em que o responsável é o devedor e a vítima o credor.

O preceito base nesta matéria é o art.483º do Cod. Civ. que no seu nº1 dispõe o seguinte: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrém ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Acrescenta-se no nº2 desse art. que “só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.

Por força deste artigo, entende-se que o dever de reparação resultante de responsabilidade civil por factos ilícitos depende da verificação em concreto das seguintes condições: prática de um facto ou acto humano qualificado como ilícito, imputável à conduta censurável do agente (culpa), o qual deu origem a um prejuízo ou dano, havendo entre aquele facto e este dano o correspondente nexo de causalidade.

A actuação considera-se ilícita, quer porque consubstancie uma ofensa aos direitos de outrém quer porque constitua a violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
Será culposa, se digna de censura segundo a consciência ético-jurídica da comunidade, que impunha à parte que actuasse por forma diferente daquela que adoptou.

Finalmente, tal conduta ilícita e culposa terá de ser a causa adequada dos danos sofridos.

No presente caso e perante a matéria de facto provada, fácil é de concluir pelo não preenchimento desses pressupostos no que respeita à actuação da ré.

Com efeito, como se concluiu na sentença recorrida, desde logo não se mostra preenchido o pressuposto da ilicitude da conduta da ré.

Como aí bem se refere: “A violação do direito de outrem só é ilícita, porém, quando reprovada pela ordem jurídica, encontrando-se afastados …..de um modo geral, todas as actuações no exercício regular de um direito ou de cumprimento de uma obrigação legal.

O exercício regular de um direito constitui, por isso, causa justificativa do facto praticado pelo agente, deixando, assim, de se verificar o pressuposto ilicitude da sua actuação, o que implica o afastamento da responsabilidade civil por falta de preenchimento dos seus requisitos legais (art.º 483.º, n.º 1, do Código Civil).

Ora, no caso dos autos deu-se como provado que a ré se limitou a denunciar a actuação do autor no âmbito da sua relação laboral que, note-se, deu origem a dois processos: um de natureza disciplinar, no âmbito do qual o autor foi efectivamente sancionado com multa, e um de natureza criminal, que terminou em arquivamento. Em ambos os casos, é inequívoco que a ré actuou no exercício legítimo do direito de denúncia/queixa relativamente a um alegado comportamento desadequado do autor no exercício das suas funções. Dúvidas apenas poderiam subsistir no que concerne ao carácter abusivo do exercício do direito de queixa no âmbito do procedimento criminal, uma vez que este findou por arquivamento. Mas nem aqui assiste razão ao autor, uma vez que este não logrou demonstrar que a ré foi sancionada no âmbito do procedimento criminal por abuso do direito de queixa (cfr. art.º 277.º, n.º 5, do Código de Processo Penal) ou que haja sido instaurado, tão-pouco, procedimento criminal contra esta por denúncia caluniosa (cfr. art.º 365.º, n.º 1, do Código Penal). De resto, o Digníssimo Procurador-Adjunto do Ministério Público que subscreveu o despacho de arquivamento datado de 2016/12/19, proferido no âmbito do procedimento criminal que correu termos nos serviços do Ministério Público da Comarca de Vila Real – Procuradoria do Juízo Local de Alijó, sob o n.º 107/16.2T9ALJ, deixou claro o entendimento [que, sublinha-se, não vincula de modo algum este Tribunal] de que os factos subjacentes ao comportamento do aqui autor, ali arguido, não constituindo crime, seriam “susceptíveis, como foram, de consubstanciar a prática de infracção disciplinar” e “eventualmente o fazer incorrer em responsabilidade civil por violação de direitos de personalidade”. Assim, e ainda que se haja demonstrado que o autor se sentiu envergonhado, discriminado por colegas e até injustiçado em consequência dos procedimentos disciplinar e criminal contra si instaurados, e que na sequência dos mesmos haja tido necessidade de recorrer a acompanhamento psicológico e a baixa médica, certo é que tal não se pode imputar a qualquer acção ilícita da ré, que se limitou ao exercício um direito que lhe assiste.”

Face a tal fundamentação, com a qual se concorda na íntegra, temos que não se mostra desde logo preenchido este requisito legal da responsabilidade civil extracontratual (ilicitude), razão pela qual, e bem, a ré foi absolvida.

Por outro lado, e quanto ao pedido reconvencional, também nenhum fundamento existe para alterar a decisão proferida em 1ª instância.
Com efeito, vistos os factos dados como provados, e que aqui nos escusamos de repetir, dúvidas não existem do preenchimento de todos os requisitos legais da responsabilidade civil extracontratual por banda do autor.

Como se diz na decisão recorrida “… deve entender-se que a actuação do autor/reconvindo, é atentatória da integridade moral da ré/reconvinte, mormente por, num ambiente de particular exigência a nível de trato pessoal, como é o laboral, onde ambos se inseriam à data dos factos, se lhe ter dirigido em tom de voz elevado e altercado, verbalizando a expressão “vai-te foder”, asseverando à ré/reconvinte que a continuaria a provocar, como o havia feito anteriormente ao erigir na sua direcção o dedo médio da mão, gesto cimentadamente considerado como obsceno e insultuoso na sociedade hodierna, em razão do pedido por esta efectuado junto do Director do Agrupamento de mudança do gestor do processo e de denúncia do comportamento adoptado pelo autor/reconvindo”… “… É inequívoco, por isso, que a actuação do autor/reconvindo, teve em vista a retaliação pela denúncia por esta efectuada, tentando assim condicioná-la na sua liberdade junto da entidade patronal, provocar-lhe medo e intimidação, o que efectivamente logrou, tendo ainda, com o seu comportamento, afectado a sua dignidade, fazendo-a sentir-se desgostosa, abalada, deprimida e envergonhada com o sucedido.

Tais prejuízos constituem inegavelmente danos de cariz não patrimonial, por atentarem contra a liberdade e a integridade moral da ré/reconvinte, sendo ainda suficientemente gravosos para, à luz do direito, merecerem a sua tutela, uma vez que ultrapassam largamente na sua ofensividade meros incómodos ou arrelias sem relevância legal”.

Daqui resulta, como resulta cristalino dos factos dados como provados, contrariamente ao defendido pelo autor/recorrente, que da sua actuação resultaram para a ré danos de natureza não patrimonial, que merecem a tutela do direito.

Assim sendo, e encontrando-se verificados os requisitos previstos pelo art.º 483.º, n.º 1, e 496.º, n.º 1, do Código Civil, outra decisão não podia ser tomada, que não fosse a condenação do autor no pagamento de uma indemnização à ré.

Face a tal, improcede nesta parte, a apelação.
*
Finalmente cabe sindicar a condenação do autor como litigante de má-fé.

Na decisão sob recurso, foi o autor/reconvindo condenado como litigante de má-fé no pagamento de multa processual no valor de € 4 UC (€408,00), a reverter para os Cofres dos Tribunais; e de indemnização à ré/reconvinte que cubra os honorários do seu Il. Mandatário e as despesas com as custas processuais por si suportadas no âmbito da presente acção, a determinar oportunamente e após trânsito em julgado da sentença.

Insurge-se o autor contra tal condenação, por entender que não existiu qualquer má-fé, pois que a vexatio quaestion que está no cerne desta acção prende-se com uma questão de justiça; nunca foi o propósito do autor dar entrada com esta acção no sentido de conseguir uma sentença injusta ou realizar um objectivo que se afasta da função processual. O autor acredita na sua causa, sabe que foi injustiçado e deduz a sua pretensão com base nesse fundamento.

Na decisão recorrida, e quanto a tal questão, diz-se que é notório que o autor accionou judicialmente a ré com negligência grave, dando origem a um procedimento judicial que sabia ser vazio de fundamento para ver procedente a sua pretensão, pois que os procedimentos disciplinar e criminal dos quais alega terem para si resultado danos, tiveram origem apenas e só, na sua própria conduta em meio laboral.

Vejamos.

Nos termos do disposto pelo artº 542º nº 1 do CPC, deve ser condenado como litigante de má-fé, quem, nomeadamente, deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar (artº 542º nº2 al. a) do CPC); quem tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal (artº 542 nº 2 al. d) do CPC).

Deste preceito infere-se que é sancionável a título de má-fé, não só a lide dolosa, mas também a lide temerária, quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro.

Há que averiguar, então, se no caso dos autos, o autor ultrapassou os limites toleráveis de exercitação dos meios legais de reacção ao seu alcance, em termos de podermos considerar a sua litigância como uma afronta dos princípios da boa-fé e da lisura processuais.

Na verdade, a litigância de má-fé só é censurável se na dedução da sua pretensão, as partes não ignoravam a falta de fundamento dos factos alegados.

No caso dos autos, o que se verifica é que o autor veio, na sequência de um processo disciplinar em que foi condenado, e de um processo crime, que acabou com despacho de arquivamento, tentar fazer valer um direito que entende ter (indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência de tais procedimentos), por considerar que quem deu azo aos mesmos foi a aqui ré.

Mas, será tal actuação processual do autor de tal modo relevante que seja censurável a ponto de ser condenado como litigante de má-fé?

Pensamos que não.

De facto, exige-se que as partes ajam com probidade processual nas acções por si propostas ou contestadas, ou seja, não devem fazer “um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão” – cfr. artº 542º nº2 al. d) do CPC.

Para se imputar a uma pessoa a qualidade de litigante de má-fé, imperioso se torna que se evidencie, com suficiente nitidez, que a mesma tem um comportamento processualmente reprovável, isto é, que com dolo ou negligência grave, deduza pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devesse ignorar ou que altere a verdade dos factos ou omita factos relevantes ou, ainda, que tenha praticado omissão grave do dever de cooperação, de acordo com o artº 542º nº2 do CPC.

Com efeito, o dever de litigar de boa-fé, isto é, com respeito pela verdade, mostra-se como um corolário do princípio do dever de probidade e de cooperação, fixados nos artºs 7º e 8º do CPC para além dos deveres que lhe são inerentes, imposto sempre às respectivas partes.

Se a parte, com propósito malicioso, ou seja, com má-fé material, pretender convencer o tribunal de um facto ou de uma pretensão que sabe ser ilegítima, distorcendo a realidade por si conhecida, ou se, voluntariamente, fizer do processo um uso reprovável ou deduzir oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar - má-fé instrumental -, deve ser condenada como litigante de má-fé.

Mas tem-se entendido que tal sanção apenas pode e deve ser aplicada aos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, cujo fim último é a busca em descobrir a verdade e cumprir a justiça, como também ao seu antagonista no processo.

E esta actuação da parte, conforme se vinha entendendo na doutrina e Jurisprudência, exige que haja dolo ou negligência grave do actuante (Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 343 e Alberto dos Reis, Código Proc. Civil Anotado, II, pág. 259 e Ac. TRL de 09.01.97, Col. Jur., Ano XXII, Tomo I, pág. 88).

Contudo, o que não podemos confundir é litigância de má-fé com lide meramente temerária ou ousada, com pretensão de dedução ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova e de não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento, na eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, ou com discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos ou até na defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer (Vide Ac. TRP de 09/03/2006 disponível em www.dgsi.pt).

No caso dos autos cremos seguramente que o autor apenas actuou na defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo lograr convencer.

Assim, entendemos que o autor não litigou com má-fé, razão pela qual não deveria ter sido condenado, nessa parte.

Nesta conformidade, procede o recurso, neste segmento, devendo ser revogada a decisão da 1ª instância, nesta parte, com a consequente absolvição do autor do pedido de condenação como litigante de má-fé.
*
VI. Decisão.

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, e consequentemente revogar a decisão recorrida no segmento em que condenou o autor como litigante de má-fé, absolvendo-o de tal pedido, e confirmando em tudo o restante a decisão recorrida.
Custas do recurso pelo autor/recorrente, na proporção de ¾ e pela ré/recorrida, na proporção de ¼ .
*
Guimarães, 18 de Outubro de 2018

Fernanda Proença Fernandes
Heitor Gonçalves
Maria Conceição Bucho

(O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das “citações” efectuadas que o sigam)