Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2036/21.9T8VNF.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTOS EXTEMPORÂNEA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA
REQUISITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I- É de considerar extemporânea apresentação de documentos que ocorra entre o encerramento da audiência final e a prolação da decisão em 1ª instância, uma vez que viola o prescrito nos arts.º 423.º n.º 3 e 425.º do CPC.
II- É de rejeitar a impugnação da matéria de facto, ainda que de forma parcial, quando o recorrente sobre determinada questão impugnada não especifica, nem na alegação, nem nas conclusões do recurso a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essa questão de facto.
III- O motivo que permite o acesso às medidas cautelares não especificadas, como sucede no caso em apreço é precisamente o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável, bastando para tanto que o periculum in mora o exija, ou seja justifica-se a tomada de medidas tendentes a resolver a situação e a evitar a consumação do risco.
IV- Basta a verificação da aparência ou da probabilidade, da existência do direito invocado pelo requerente (juízo de mera probabilidade ou verosimilhança quanto à existência desse direito e não de certeza), bem como a verificação de um fundado e objectivo receio de ameaça de lesão do mesmo (continuação ou repetição iminente), para que se justifique a adopção de medidas adequadas a salvaguardar esse direito até que se resolva a acção principal onde tal direito necessariamente se terá de discutir em toda a sua plenitude.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: X – COMPONENTES AUTOMÓVEIS, LDA.
APELADA: S. R.
Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de V.N.Famalicão

I – RELATÓRIO

S. R. veio instaurar providência cautelar não especificada contra X – COMPONENTES AUTOMÓVEIS, LDA. peticionando o seguinte:

- que seja declarada a ilegalidade e ilicitude da atuação da Requerida ao obrigar a Requerente a executar tarefas não compatíveis com a sua Incapacidade para o Trabalho, como são as de estar 8 horas por dia de pé, a pegar em peças de um contentor, com peso entre 1kg e 2kg, inspecioná-las e colocá-las noutro contentor; Inspecionar cerca de 1000 peças por dia; Desempenhar as suas tarefas com postura em pé, com a cabeça virada para baixo, e braços levantados, sem apoio, sempre no mesmo sítio; Reparar peças segurando com o braço esquerdo e limando com o braço direito, e ao arrepio das fichas de aptidão elaboradas pelos serviços clínicos da Requerida; e
- que seja condenada a Requerida a reorganizar o trabalho da Requerente por forma a que esta possa alternar o posto de trabalho, uma semana na medição e outra na inspeção de linha, conforme consta das fichas de aptidão elaboradas pelos serviços de saúde da Requerida.
Tal como se alega em síntese na decisão recorrida, a requerente é trabalhadora da requerida desde 2001, desempenhando funções, na inspecção, que lhe vêm causando lesões físicas que a impedem de desempenhar aquelas tarefas. Tendo recorrido aos serviços de saúde da empresa foi indicado que deveria alternar o local de trabalho entre a inspeção de linha e a medição, recomendação que a empresa não respeitou.
A continuação da execução das tarefas determinadas pela requerida agravarão as lesões já verificadas.
A requerida deduziu oposição, alegando que para além de não se verificar o requisito da provisoriedade, nega a existência do periculum in mora.
Invoca, ainda, que a alternância de tarefas já acontece, mas não semanalmente, já que a requerida não tem condições logísticas para o efeito e que as tarefas numa e noutra função são sensivelmente as mesmas.
A requerente requereu a inversão do contencioso, ao que a requerida se opôs.
No dia 12-03-2021 teve lugar a audiência final e após o seu encerramento, veio no dia seguinte a requerida por requerimento requerer a junção de documentos quer para prova do artigo 30.º da sua oposição, quer para por em causa a credibilidade das declarações de parte prestadas pela requerente, designadamente no que respeita ao trabalho por aquela prestado nos dias 7, 8 e 9 de Abril de 2021

Por fim foi proferida decisão a qual não admitiu os documentos e que terminou com o seguinte dispositivo:
“Em face de todo o exposto, julgo procedente a requerida providência cautelar e, em consequência:
a) declaro a ilegalidade e ilicitude da atuação da requerida ao obrigar a requerente a executar tarefas não compatíveis com a sua incapacidade para o trabalho; e
- condeno a requerida a reorganizar o trabalho da requerente por forma a que esta possa alternar o posto de trabalho, uma semana na medição e outra na inspeção de linha, conforme consta das fichas de aptidão elaboradas pelos serviços de saúde da requerida.
*
Custas pela requerida – artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Notifique.”
*
Inconformado com esta decisão, bem como com a decisão que não admitiu a junção de documentos requerida em 13/05/2021, veio a Requerida interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões:

a) Em caso de não admissão da caução, e consequente deferimento do pretendido efeito suspensivo da Sentença deve a referida decisão, com os fundamentos que sejam designados, ser por este meio impugnada uma vez que o incidente suscitado permite à Requerente, aqui Recorrida, manter a sua retribuição e demais direitos que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho assim como à Requerida aqui Recorrente o tempo necessário para adaptar a sua estrutura à decisão que vier a ser superiormente definida.
b) O Requerimento e documentos apresentados pela Recorrente a 13/05 não são anómalos à tramitação deste procedimento uma que os mesmos são imprescindíveis para a descoberta da verdade material e justa composição do litígio sendo a sua apresentação àquela data obtida pois só durante a inquirição à parte (Recorrida) foi possível aquilatar da sua importância.
c) A relevância do pretendido demonstrar com a junção de tal documentação advém da causa de pedir, in casu, artigos 14 e 15 “Apesar disso a Autora foi obrigada a manter a execução das mesmas tarefas. O que manteve e agravou as lesões e limitações físicas da Autora” o que acabou por ser corroborado pelas declarações de parte da Requerente – CD ROM - a 09:22 a 09:53 “(…) no mapa estava o meu nome em como eu ia estar na medição mas não me deixaram estar na primeira semana de Abril (…)”
d) Daí a necessidade de apresentação do requerimento referência eletrónica n.º 38861223 de 13.05 permitindo a Recorrente, de forma cabal, demonstrar que a Recorrida no que concerne ao trabalho realizado nos dias 06, 07, 08 e 09 de Abril de 2021 esteve a realizar as suas tarefas no setor da medição.
e) Na opinião da Recorrente o ponto E), M) e S) foram incorretamente julgados ainda que de forma indiciária a testemunha R. G. referiu a minutos 07:50 a 08:15 o esforço e tarefas de sobrecarga acontece também na medição pois o medidor tem de alimentar as linhas: “(…) Antes da maquinação têm de ser alimentadas nos carregadores automáticos (…)” mais referindo a forma como são alimentadas tais máquinas a minutos 08:17 a 08:40 do CD ROM: “Pegar a peça do contentor e colocar nos medidores” …“No início da linha o medidor carrega e no final da linha o inspetor tira do tapete”
f) Foi incorretamente julgado, na ótica da Recorrente, o ponto B) alínea a) se se conjugar os documentos n.º 3 a 11 com o documento n.º 12 da Oposição e sua confrontação nos depoimentos das Testemunhas F. S., S. S. e R. G. e daí fazer o raciocínio entre, apenas, as peças que foram laboradas em 2021 e o respetivo peso em caso algum poderia ter sido julgado como provado ainda que indiciariamente o ponto B) alínea a) na vertente “(…) com peso entre 150 gramas e 877 gramas (…) antes sim “ (…) A Requerente labora com peças que pesam 253 a 642 gramas, sendo na sua maioria entre 279 e 378 gramas. (…)”.
g) Ainda quanto a este ponto de facto incorretamente julgado chama a Recorrente à colação o depoimento da testemunha, R. G., onde refere a minutos 05:15 a 05:40 que a empresa na área da inspeção comprou bancos ergonómicos de apoio à tarefa. Razão pela qual o ponto B indiciariamente dado como provado deveria ser alterado para:
“(…) Desde …. A) Estar 8 horas por dia de pé, ou requerendo ao superior hierárquico banco ergonómico compatível com a sua atividade, (…)”.
h) Certo é que podemos concluir que se Recorrida está incapaz para trabalhar no setor da inspeção também estará incapaz de trabalhar no setor da medição pois conforme o documento n.º 15 da contestação ajuda a relatar – facto provado em D):
i) “(…) Tarefas dos operadores de medição de linha:
j) Medição de linha modelos FH, …carregar máquinas, …cortar peças (negrito nosso) da FH PXE (2x Turno) para medir a rugosidade da base… Calibração dos micrómetros de Ar… (…)”
k) O ponto B alínea d) não deveria ter sido dado como indiciariamente provado atenta as declarações da testemunha R. G. a minutos 12.03 a 12:20 do CD-Rom deverá ser alterada para “(…) as seguintes tarefas concretas na inspeção: Reparar a peça segurando ou pousando a peça na mesa e segurando com o braço esquerdo e limando, só a título excecional, com o braço direito (…)”.
l) O nexo causal entre a alegada lesão da Recorrida e a atividade profissional que exerce na Recorrente não se encontrar indiciariamente demonstrado (pois aqui o indício deveria merecer maior ponderação) não se podendo bastar duas fichas de aptidão que apenas são recomendações do médico tendo em conta parâmetros obtidos da entrevista à paciente, lavrados sem ter em conta a organização interna da empresa.
m) Se se verificar o documento n.º 3 junto com a PI – Ecografia ao ombro esquerdo, o documento n.º 4 junto com a PI – Relatório Médico da médica de família e o documento n.º 5 – relatório clínico fisiatria - todos eles apontam para uma tendinite no último trimestre do ano de 2020 mas sem ligação á atividade laboral.
n) A testemunha /médico Dr. A. C. – Médico a minutos 05:35 a 05:50. Refere que a “(…) A atividade laboral assim como a atividade diária pode gerar uma inflamação que se traduz numa tendinite….
Mas daí não resulta uma incapacidade temporária para o trabalho até porque a médica de família da Recorrida deu-lhe alta (…)”.
o) Não deveria assim o Tribunal dar como provado que “(…) ao tribunal não restou qualquer dúvida no que respeita à dificuldade de cada uma das funções que a requerente exerce, nem no que em concreto se reporta à autora à acrescida dificuldade na execução das tarefas inerentes à função de inspetora. (…)” em sua vez deveria dar como provado que “(…) a dificuldade que cada uma das funções que a requerente exerce, a traduzir-se no alegado quadro doloroso que a Requerente invoca, não é compatível com o exercício de tarefas quer no setor da inspeção quer no setor da medição pelo menos até à sua recuperação total (…)”.
p) Conforme referido pela testemunha R. G. a minutos 31:45 a 32:40: “(…) O mesmo número de peças que é introduzido na linha é o mesmo número de peças que sai da linha … se o inspetor introduz o medidor tira por isso o número de peças é igual (…)” negrito nosso.
q) A própria testemunha relata a experiência de quem já foi operador de CNC e exerceu as demais funções aqui discutidas conforme se alcança de minutos 50:20 a 51:03 e sabe qual a tarefa mais dura de todas aquelas que se encontram em discussão.
r) As fichas de aptidão para o trabalho documentos n.ºs 6 e 7 não têm o sentido que o Tribunal ad quo lhes pretende dar pois não se trata de laudo pericial ou equivalente, antes sim, documento administrativo que tenta conciliar os critérios de saúde e segurança no trabalho com a performance temporária do colaborador.
s) Inquirido sobre o porquê da especificação de tal alternância “ser uma semana no setor da medição e outra no setor da inspeção” retorquiu, A. P., que foi a pedido da doente conforme se alcança a minutos 10:20 a 11:20.
t) Foi o clínico da Recorrente que sugeriu à Recorrida que fosse ela a indicar o que pretendia fazer. E é claro quando refere a minutos 11:50 a 12:00 “podia ter posto 15 em 15 dias ou diário” e mais claro a minutos 22:30 a 22:40 que se a ficha de aptidão condicionada tiver em conta a vontade do trabalhador “(…) vamos ter o trabalhador mais satisfeito (…)”
u) A recomendação do médico e o critério clinico é APENAS o que se alcança a minutos 24:20 a 24:40 é “(…) alternar o posto de trabalho (…)”.”(…) eu recomendei a alternância por sugestão da trabalhadora neste caso especifico (…)”
v) A minutos 41:50 a 42:10 o médico é perentório a responder que na própria inspeção é possível criar uma mesa de apoio que mitigue a pressão da tarefa.
w) A explicação médica existiu para a alternância do posto de trabalho mas é contundente a referir que o pedido / especificidade de alternar não de seis em seis semanas mas de semana a semana foi motivada pelo pedido da trabalhadora/aqui Recorrida conforme se alcança de minutos 44:40 a 45:15 daí o incorreto julgamento dos indícios previstos nos pontos E), M) e S).
x) Continuará a Recorrida a praticar as mesmas tarefas e funções apenas e só com um espaçamento alternada de semana sim semana não o que determinará contradição com o conteúdo decisório da Sentença.
y) Em termos de organização empresarial a Sentença sub judice não conforta o referido direito à organização empresarial existente e à impossibilidade da alternância rígida de semana em semana em prol de seis e seis semanas (medição / inspeção) e detalhadamente explicada e fundamentada pela testemunha Eng. R. G. a minutos 57:45 a 01H para além do grupo profissional onde a Recorrida se insere ser muito diminuto o que determina a sua gestão com o máximo cuidado atenta a assiduidade e período normal de trabalho de cada um dos operadores.
z) A formação de uma profissional para os setores da inspeção e medição é demorada e a falta/má organização destes profissionais na cadeia de produção pode originar interrupção do fornecimento, circunstância que não foi tida em conta na Sentença sub Júdice.
aa) Quanto ao alegado pela Recorrida e pelo Tribunal ad quo “(…) Por outro lado, a respeito do nível de produção dos trabalhadores esta testemunha apresentou um quadro perfeitamente irreal no setor empresarial, segundo o qual o facto de os trabalhadores produzirem pouco não gera qualquer reação por parte da empresa (…)” não foi aqui valorado o referido pela a testemunha R. G. quando inquirido ao facto de a Recorrida estando a trabalhar com alegada dor produzir mesmo, foi perentória:
“(…) É o normal. Atinge a produção normal. (…)”.
bb) Quanto a este facto a testemunha reitera ainda a minutos 20:50 a 21:09 reiterando que a política de rotação é uma política da empresa quer nos inspetores quer nos operadores de CNC.
cc) Até porque pelo próprio Diretor Fabril, Eng. R. G., foi proposta a minutos 18:30 a 19:30 a possibilidade da Recorrida “(…) o que eu propus ao encarregado foi a S. R. poder escolher qualquer posto da medição e fazer a rotatividade entre esses postos (…)”.
dd) Não se encontram verificados os elementos materiais que, uma vez produzidos, permitissem a declaração de ilegalidade de atuação da Recorrida e de seguida condená-la na mesma atuação com a exceção da alternância (em vez de ser seis em seis semanas, passaria a semanalmente) sem critério clinico definido e só com base na vontade da Recorrida,
ee) A manter-se o decidido, a Recorrida, continuaria com as mesmas tarefas e funções e com o mesmo e alegado problema de saúde apenas alternando mais mas sem que isso fosse clinicamente demonstrado que não tivesse aptidão para agravar ou manter a patologia que alega sofrer o que determina o incorreto julgamento de facto dos pontos E), M) e S) e cujos pontos L), Q), R) e S) estão por um lado omissos em fundamentação e, por outro, em contradição com o alcance prática do pretendido decidir;
ff) A Sentença do Tribunal ad quo não estriba os factos de onde emerge o direito da Recorrida, o periculum in mora tentado demonstrar peca por ausência de nexo de causalidade e a adequação da providência para evitar a lesão não elimina o risco atenta a intensidade de ambos os setores.
gg) Daí entender a Recorrente desde logo tendo em conta os princípios da certeza e segurança jurídica que a Sentença sub júdice não deve consolidar-se na ordem jurídica por ter aptidão para violar o princípio fundamental da liberdade de iniciativa e de organização empresarial e o dever da intervenção mínima estatal previstos nos artigos 80 alínea c) e 86 n.º 1 da C.R.P.

Nestes termos e nos demais de direito e, sempre com o vosso douto suprimento, sendo a Sentença do Tribunal de Trabalho de Vila Nova de Famalicão revogada, no sentido constante das presentes alegações/conclusões, produzindo-se um Acórdão que determine a absolvição da Recorrente das condenações contra si proferidas ou reabertura de sede julgamentar para melhor prova do direto invocado pela Recorrida e respetivo nexo causal farão Vs. Exas., numa perspetiva ou em outra, inteira e acostumada Justiça!”
A requerente não apresentou contra alegação.
*
Foi admitido o recurso na espécie própria, com o adequado efeito e regime de subida.
Os autos foram remetidos a esta 2ª instância e foi cumprido o n.º 3 do art.º 87.º do CPT.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
A Recorrente respondeu ao parecer, manifestando a sua discordância com o mesmo e pugnando pela procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), as questões que se colocam a apreciação deste Tribunal são as seguintes:

- Devem ou não ser admitidos os documentos que a apelante apresentou em 13-05-2021;
- Da impugnação da decisão da matéria de facto
- Da impugnação da decisão de direito

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos provados são os seguintes:
A) A requerente foi admitida em 08/02/2001 pela requerida para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer as funções de Operadora de máquina, mediante a remuneração base de 707,23€, a que acrescem outros prémios e prestações, bem como o subsídio de alimentação.
B) Desde 2008 que a autora vem desempenhando as seguintes tarefas concretas, na inspeção:
a) Estar 8 horas por dia de pé, a pegar em peças de um contentor, com peso entre 150 gramas a 877 gramas, inspecioná-las e colocá-las noutro contentor;
b) Inspecionar uma média de 300 a 1000 peças por dia;
c) Desempenhar a sua tarefa com postura em pé, com a cabeça virada para baixo, e braços levantados, sem apoio, sempre no mesmo sítio;
d) Reparar peças segurando com o braço esquerdo e limando com o braço direito.
C) A requerente alterna entre a função de inspectora e a de medidora, o que depende das encomendas dos clientes, modelos a produzir e presença ao trabalho/assiduidade dos trabalhadores, exercendo as funções de medidora durante uma semana, de seis em seis semanas.
D) As tarefas da função de medição são as que vêm descritas no documento junto a fls. 35 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
E) No final do ano de 2020, e início de 2021, a trabalhadora, devido ao acumular de esforço e tarefas de sobrecarga ao longo dos anos por causa das tarefas referidas em B), teve lesões físicas que a impediam de continuar as tarefas que vinha desempenhando.
F) De tal forma que se viu forçada a recorrer aos serviços clínicos, tanto do serviço nacional de saúde, como dos serviços médicos de saúde no trabalho da própria empresa requerida.
G) Em 27/10/2020, efetuou uma ecografia ao ombro esquerdo, exame de onde se relata a existência de “…tendinite com pequeno derrame…”.
H) Esta lesão, resultou numa incapacidade para o trabalho, que consta também de relatório médico da Dr.ª A. G., datado de 25/11/2020, onde vem referido que a requerente “se encontra incapacitada para as atividades profissionais por omalgia esquerda com 3 meses de evolução”.
I) A requerente efetuou vários tratamentos de fisioterapia, devido à sua lesão limitativa.
J) Em exame de saúde e resultado de aptidão efetuado pelos serviços de saúde no trabalho da própria empresa requerida, em 06/01/2021, vem referida a sua aptidão condicional, tendo sido indicado pelo médico da empresa requerida que a requerente deve “alternar o local de trabalho entre a inspeção e a medição”.
K) O responsável de serviço e o responsável de recursos humanos da empresa requerida, tomaram conhecimento daquela ficha de aptidão.
L) Apesar disso, a requerente foi obrigada a manter a execução das tarefas referidas em B) e C).
M) O que manteve e agravou as lesões e limitações físicas da requerente.
N) A requerente solicitou nova consulta nos serviços de saúde no trabalho da própria empresa requerida.
O) Em 30/03/2021, foi novamente examinada por tais serviços de saúde, e pelo médico da empresa requerida foi elaborada nova ficha de aptidão onde consta que a requerente está condicionada na sua aptidão para o trabalho, e onde se faz a seguinte proposta de organização do trabalho: “alternar posto de trabalho, uma semana na medição e outra na inspecção de linha”.
P) O responsável de serviço e o responsável de recursos humanos da empresa requerida, tomaram conhecimento daquela ficha de aptidão.
Q) Apesar dos dois relatórios clínicos emitidos pelos serviços de saúde da própria requerida, e das queixas e frequentes e limitações da requerente no exercício das suas tarefas, os superiores hierárquicos da requerente não respeitaram aquelas indicações.
R) A requerida continua a dar ordens para que a requerente continue a executar as mesmas tarefas.
S) Se a requerente continuar a fazê-lo, até ao decretamento de uma decisão definitiva em processo comum, a tendinite, a omalgia, e a contratura do trapézio existentes agravar-se-ão.
T) A formação das áreas da inspeção e da medição e aquisição da respetiva experiência obedece uma tramitação própria diferente das demais funções.
U) Os confinamentos geraram ajustes na alternância entre as tarefas de inspecção e medição.

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Devem ou não ser admitidos os documentos que a apelante apresentou em 13-05-2021
Defende a apelante que os documentos cuja junção requereu em 13/05/2021 deviam ter sido admitidos, já que com os mesmos pretendia por em causa a versão da requerente de que foi obrigada a manter a execução das mesmas tarefas, o que manteve e agravou as lesões e limitações físicas de que é portadora e provar a factualidade que consta do art.º 30.º da sua oposição.
Cumpre dizer que com a presente providência cautelar pretende a requerente que lhe seja reconhecido que é portadora de lesão que lhe condiciona a capacidade para o trabalho com a consequente obrigação do seu empregador/requerida lhe proporcionar o exercício de funções compatíveis, de acordo com as fichas de aptidão elaboradas pelos serviços de saúde da requerida.

Depois de terminada a produção de produção de prova e finda a audiência final veio a Recorrente requerer a junção dos mencionados documentos, tendo o Tribunal recorrido proferido o seguinte despacho a este propósito, despacho este que precede a prolação da decisão final e é alvo de recurso:

“O requerimento apresentado pela requerida em 13/05, bem como os documentos a ele anexos, são anómalos à tramitação deste procedimento, pelo que não os admito.”
Antes de mais importa ter presente que estamos perante um procedimento cautelar laboral ao qual se aplica o regime estabelecido no Código do Processo Civil para o procedimento cautelar comum -arts. 362.º a 376.º e 293 do CPC. – salvo nos casos em que haja regulamentação específica – art.º 32.º n.º 1 do CPT.
Estabelece o artigo 365.º do CPC. que “1. Com a petição, o requerente oferece prova sumária do direito ameaçado e justifica o receio da lesão”. E prescreve o seu número”3- É subsidiariamente aplicável aos procedimentos cautelares o disposto nos artigos 293º a 295º.
Por seu turno, o artigo 293.º do CPC, com a epígrafe “Indicação das provas e oposição prescreve o seguinte: “1 - No requerimento em que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida, devem as partes oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova.”
Por fim e uma vez que o regime dos procedimentos cautelares não impede a aplicação do regime que rege a prova por documento, importa atentar no que prescreve o n.º 3 do art.º 423.º do CPC. “Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de decorrência posterior.” E no prescreve o art.º 425.º do CPC. “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”
A apelante no seu requerimento de recurso nem sequer fundamenta das razões pelas quais depois de encerrada a audiência final, ou seja depois de decorrido o prazo para apresentar a prova, pretende juntar dois documentos, limitando-se a dizer que com tais documentos pretende por em causa a credibilidade das declarações de parte prestadas pela requerente e a provar os factos que fez constar do art.º 30.º da oposição, concluindo pela admissibilidade de tal junção por ser relevante à justa composição do litígio.
Tal alegação não justifica de forma alguma a extemporaneidade da requerida junção de documentos, pois nem sequer alega que não foi possível apresentá-los anteriormente ou que se tenha tornado necessários por ocorrência posterior, tudo isto em conformidade com o previsto no regime específico da prova por documentos, designadamente no previsto no citado n.º 3 do art.º 423.º do CPC.
Contudo, esta alegação também não seria merecedora de acolhimento, pois depois de finda a audiência final, em conformidade com o previsto no art.º 425.º do CPC, só são admitidos documentos, no caso de recurso, apenas nas situações em que a sua apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da audiência.
Em nenhuma destas situações se integra o caso em apreço, já que foi depois do encerramento da audiência final, mas em momento anterior à prolação da decisão, que a Recorrente veio juntar documentos, pelo que bem andou o Tribunal a quo em considerar tal requerimento anómalo, não tendo admitido a junção dos documentos.
É assim de considerar extemporânea apresentação de documentos que ocorra entre o encerramento da audiência final e a prolação da decisão em 1ª instância, uma vez que viola o prescrito nos arts.º 423.º n.º 3 e 425.º do CPC.
Por outro lado, ainda que assim não entendêssemos, acresce ainda dizer que ao contrário do defendido pela recorrente os documentos que pretendia juntar aos autos não se revelam nem de relevantes, nem de imprescindíveis para a descoberta da verdade material, já que os mesmos ainda que conjugados com os depoimentos prestados pelas testemunhas e com as declarações de parte prestadas pela autora não demonstram, nem sequer de forma indiciária a alternância com que a requerente exerce funções na mediação e na inspecção, o que se nos afigura fulcral para se poder concluir ou não que a requerida reorganizou o trabalho da requerente, de modo a que esta possa alternar o posto de trabalho, passando a estar afecta uma semana na mediação e outra na inspecção de linha.
Em suma, quer em face da extemporaneidade da apresentação dos documentos, quer porque os mesmos não seriam de considerar nem de relevantes, nem de imprescindíveis para a descoberta da verdade material é de manter o despacho recorrido, improcedendo assim as conclusões b), c) e d) do recurso de apelação

2. Da impugnação da matéria de facto.
(…)

3. Da impugnação da decisão de direito.
Com base na factualidade apurada pelo tribunal a quo, a qual se mantêm inalterada, cabe agora averiguar se a factualidade apurada é suficiente para decretar a providência requerida uma vez que a Recorrente não se conforma com tal decisão.
Contudo podemos desde já afirmar que mantendo-se inalterada a factualidade apurada, mais não resta do que confirmar a decisão recorrida, na qual se fez a correta aplicação do direito aos factos provados como melhor explicitaremos.
Como é consabido os procedimentos cautelares são um instrumento processual destinado a proteger de forma eficaz os direito subjectivos ou outros interesses juridicamente relevantes. Representam assim uma antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao desfecho do processo principal e assentam numa análise sumária da situação de facto que permita afirmar a provável existência do direito, bem como o receio justificado de que o mesmo seja seriamente afectado ou inutilizado se não for decretada a medida cautelar.
Ora, o motivo que permite o acesso às medidas cautelares não especificadas, como sucede no caso em apreço é precisamente o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável, bastando para tanto que o periculum in mora o exija, ou seja justifica-se a tomada de medidas tendentes a resolver a situação e a evitar a consumação do risco. Sem esquecer que o procedimento cautelar visa apenas alcançar uma solução provisória tendente a evitar o prejuízo que a demora da resolução do litígio possa dar lugar.

Decorre do disposto no art.º 362.º do CPC que são os seguintes os requisitos da providência cautelar não especificada:

1- Não estar a providência a obter abrangida por qualquer dos outros processos cautelares previstos na Lei;
2- A existência de um direito;
3- O fundado receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação;
4- A adequação da providência solicitada para evitar a lesão.

Acresce ainda dizer que que tendo presente o princípio da proporcionalidade consagrado no n.º 2 do art.º 268.º do CPC. do deferimento do procedimento não pode resultar um prejuízo superior ao dano que se visa acautelar.
Em suma, basta a verificação da aparência ou da probabilidade, da existência do direito invocado pelo requerente (juízo de mera probabilidade ou verosimilhança quanto à existência desse direito e não de certeza), bem como a verificação de um fundado e objectivo receio de ameaça de lesão do mesmo (continuação ou repetição iminente), para que se justifique a adopção de medidas adequadas a salvaguardar esse direito até que se resolva a acção principal onde tal direito necessariamente se terá de discutir em toda a sua plenitude.
Passando ao caso dos autos, temos por certo que está em causa a capacidade de trabalho da autora, que se mostra condicionada em face de lesão/doença que ao que tudo indica terá contraído no exercício das suas funções, o que atualmente impõe que se proceda a alguma rotatividade nas funções que concretamente desempenha no dia-a-dia de forma a poder satisfazer a prestação a que se obrigou perante o empregador e a evitar que a sua situação clínica sofra agravamento.
É dever do empregador assegurar ao trabalhador afectado de lesão provocada por acidente de trabalho ou doença profissional que reduza a sua capacidade de trabalho ou de ganho a ocupação de funções compatíveis, tal resultando quer do artigo 283.º n.º 10 do CT, quer dos artigos 154.º e seguintes da lei que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais.
Por outro lado, resulta da factualidade provada, a verificação da aparência ou da probabilidade, da existência do direito invocado pelo requerente, bem como a verificação de um fundado e objectivo receio de ameaça de lesão do mesmo, designadamente das suas alíneas E), F), G) H) e J) das quais resulta que a requerente no final de 2020 e início de 2021, devido ao acumular de esforço e tarefas de sobrecarga ao longo dos anos por causa das tarefas que desempenha na inspecção teve lesões físicas que a impediam de continuar as tarefas que vinha desempenhando, teve de recorrer aos serviços de saúde, tendo-lhe sido diagnosticada uma tendinite com pequeno derrame. Esteve incapacitada para o trabalho durante algum tempo e após a alta foi considerada com aptidão condicional para o trabalho, tendo sido indicado pelo médico da empresa requerida que a requerente deve “alternar o local de trabalho entre a inspeção e a medição”. Das alíneas L), M), R) e S) dos pontos de facto provados resulta que a requerida não deu cumprimento à sugestão do médico da empresa, mantendo a requerente a executar as tarefas na inspecção e na medição, sem a alternância sugerida, o que agravou as limitações físicas da requerente e com a continuação a tendinite, a omalgia e a contractura do trapézio agravar-se-ão.
Daqui resulta inequívoco que o facto de não se proceder à alteração de funções que a requerente vem desempenhando ultimamente levará ao agravamento da lesão na saúde da requerente, o que sem margem para qualquer dúvida se traduz numa lesão grave e difícil reparação, pois a saúde é um bem fundamental, que quando se perde, dificilmente é reparável, pelo que urge tomar medidas para evitar o agravamento da lesão.
Ora, a alteração de funções semanalmente traduzir-se na prestação de um trabalho repetitivo, mas mais leve e com um nível de exigência diferente, o que evitará que a requerente de forma repetitiva tenha de executar os mesmos movimentos durante seis semanas seguidas, sendo certo que a alternância semanal lhe trará alguma vantagem, permitindo controlar o processo inflamatória de que é portadora, uma vez que o trabalho na medição é menos exigente do ponto de vista físico, designadamente na vertente não estática, do que o trabalho levado a cabo na inspecção.
Por último, ao contrário do defendido pela recorrente a providência requerida é adequada a evitar a lesão, não resultando da mesma prejuízo superior ao dano que ela visa evitar, uma vez que a recorrente não logrou provar qualquer prejuízo que pudesse resultar da alteração de funções que aliás já por si era levado a cabo, apenas com uma periodicidade diversa da agora sugerida pelos médicos do trabalho, que prestam serviços ao empregador.
Não se vislumbra assim que a periodicidade de alteração de funções, relativamente a uma única funcionária, em vez de ser de seis em seis semanas passe a ser semanalmente viole quer o princípio de iniciativa e de organização empresarial, quer o dever de intervenção mínima do estado previstos nos artigos 80.º al. c) e 86.º n.º 1 da CRP.
Em suma, encontram-se verificados de forma indiciária todos os requisitos que conduzem ao deferimento da pretensão.
Improcede o recurso é de confirmar a decisão recorrida.

V – DECISÃO

Acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.
23 de Setembro de 2021

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga