Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3892/20.3T8VNF-A.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA
EMBARGOS DE EXECUTADO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/02/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Cabe à lei adjectiva assegurar o exercício efectivo dos direitos conferidos pela lei substantiva, mas, por outro lado, obstar ao abuso dos meios processuais para a prossecução de tal finalidade, sendo certo que, nesta perspectiva, a invocação da compensação de créditos na oposição à execução fundada em sentença carece de justificação se podia ter sido realizada na precedente acção declarativa.
A aplicabilidade do art. 266.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Civil está circunscrita às situações em que a acção declarativa comporta reconvenção, pelo que, considerando que a invocação da compensação de créditos é por natureza uma excepção de direito material tendente à extinção ou redução do contracrédito, a mesma pode ser oposta à parte contrária pela via da defesa por excepção nas acções declarativas que não admitam a dedução de reconvenção.
Na acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, a que corresponde processo especial que não comporta a reconvenção por parte do empregador, este pode efectivar o direito a extinguir ou reduzir os créditos do trabalhador, por compensação com créditos que tenha sobre o mesmo, através de defesa por excepção deduzida nos respectivos articulados.
A invocação da compensação de créditos na oposição à execução de sentença, quando admissível, não admite qualquer meio de prova, mas somente prova documental, embora não necessariamente com força executiva.
Se o crédito do autor da compensação for ilíquido, deve ser liquidado no requerimento de oposição à execução, a fim de, na sentença a proferir na oposição, se determinar a extinção da execução ou o prosseguimento da mesma, conforme o crédito do executado venha a ser liquidado em montante igual ou superior ao crédito exequendo, ou em montante inferior.

Alda Martins
Decisão Texto Integral:
1. Relatório

Nos presentes autos de embargos de executado que CENTRO JUVENIL ... - SEMINÁRIO DOS MENINOS DESAMPARADOS veio apresentar por apenso à execução de sentença que M. J. lhe move, aquele alega, em síntese:
- a embargante verificou que a embargada se tinha locupletado com diversas verbas da instituição, no exercício das funções de Directora Administrativa e de mesária, pelo que lhe moveu processo disciplinar, no termo do qual a despediu com justa causa;
- a embargada impugnou judicialmente o despedimento, no processo principal, tendo as partes posto termo à acção mediante transacção homologada por sentença;
- acresce que a embargada demitiu-se das funções de membro da mesa administrativa e foi excluída como sócia, no termo de processo disciplinar movido em conformidade com os Estatutos da embargante;
- após a sua exclusão, a mesa administrativa da embargante deliberou denunciar criminalmente os factos, dando origem ao processo pendente na 2.ª Secção do DIAP – Porto sob o n.º 3542/21.0T9PRT;
- através da factualidade vertida na queixa crime, a embargada locupletou-se de quantias pertencentes à embargante muito superiores ao valor que ainda se encontra em dívida com base na transacção celebrada, pretendendo a embargante proceder à compensação à medida que tais quantias vão sendo determinadas, conforme comunicação que fez à embargada.
Tendo os embargos sido recebidos e a embargada notificada nos termos do art. 732.º do Código de Processo Civil, veio a segunda contestar, alegando desconhecer o processo crime e se algum pedido de indemnização foi formulado, pugnando pela improcedência dos embargos e condenação da executada como litigante de má-fé.

Seguidamente, foi proferido despacho saneador-sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, julga-se a oposição à execução mediante embargos deduzida por “CENTRO JUVENIL ... - SEMINÁRIO DOS MENINOS DESEMPARADOS” totalmente improcedente e determina-se, em consequência, o prosseguimento da execução.
Absolve-se a executada/embargante do pedido de litigância de má fé.
Custas pela executada/embargante (Cfr. Artigo 527.º do Código de Processo Civil).»

A embargante veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1 – Deve ser aditada à matéria dada como provada os seguintes factos:
- A exequente detém sobre a executada um crédito na quantia de 6.596,23 (seis mil quinhentos e noventa e seis mil e vinte e três cêntimos).
- Por comunicação datada de 2 de agosto de 2021, a executada transmite à exequente que iria suspender o pagamento das prestações ainda em falta, por entender assistir-lhe o direito de compensar o crédito exequendo com o crédito indemnizatório a reclamar no processo criminal.
2 – Na execução movida contra si, a ora recorrente deduziu oposição mediante embargos com fundamento no seu contracrédito sobre a exequente, o qual é superior ao montante da quantia exequenda;
3 – O Tribunal a quo, mediante saneador/sentença, julgou a oposição à execução improcedente, pois não aplicou corretamente a alínea h) do artigo 729º do C. P. Civil, nem atentou na jurisprudência que se tem vindo a firmar na vigência desta norma;
4 – A decisão recorrida ao fundar-se no facto de o contracrédito invocado pela Recorrente não ser superveniente à transação homologada nos autos principais, não considerou que o contracrédito judicialmente exigível é aquele que está vencido e não pago;
5 – O contracrédito da Recorrente, cuja compensação se pretende, é exigível para efeitos do artigo 817º, n.º 1 do C. Civil, servindo, assim, de fundamento legitimo à oposição à execução mediante embargos de executado, nos termos da alínea h), do artigo 729º do C. P. Civil;
6 – A douta decisão ora sindicada violou, além do mais, o correto entendimento do estatuído da alínea h), do artigo 729º do C. P. Civil.»
A embargada apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, para subir imediatamente, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da improcedência da apelação.
Vistos os autos, cumpre decidir em conferência.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões que se colocam a este tribunal, por ordem de precedência lógica, são as seguintes:
- aditamento de matéria de facto;
- se é atendível o fundamento invocado para a dedução de embargos de executado.

3. Fundamentação de facto

Os factos relevantes para a decisão são os seguintes:
1. A exequente M. J. apresentou, em 23.07.2020, formulário de oposição ao despedimento que lhe havia sido comunicado pela executada em 16.06.2020.
2. Em 04.11.2020, no decurso do prazo para apresentação do articulado de motivação do despedimento pela executada, esta e a exequente apresentaram documento de transacção, através do qual as partes acordaram o pagamento pela executada à exequente da quantia de 20.000,00 €, a título de compensação pecuniária global pela cessação do contrato de trabalho, a ser paga em prestações, mais declarando nada ter a reclamar uma da outra em virtude da relação laboral dos autos. (alterado)
3. A transacção referida em 2. foi homologada por sentença datada de 06.11.2020.
4. Em 15.03.2021, a executada apresentou queixa-crime contra a exequente pelos factos que fundamentaram o despedimento da mesma, junto do DIAP – Porto. (aditado)
5. Por comunicação datada de 2.08.2021, a executada transmitiu à exequente que iria suspender o pagamento das prestações ainda em falta, por entender assistir-lhe o direito de compensar o correspondente crédito com o seu crédito indemnizatório a reclamar no processo criminal. (aditado)
6. Em 9.09.2021, a exequente requereu execução para pagamento pela executada da quantia de 6.596,23 € ainda em dívida, acrescida da quantia de 23,04 € a título de juros de mora. (aditado)
7. Após penhora, a executada foi citada em 8/10/2021 para, em 20 dias, pagar ou deduzir embargos de executado e/ou oposição à penhora, tendo os presentes embargos sido apresentados em 20.10.2021. (aditado)

4. Apreciação do recurso

Ao abrigo do disposto conjugadamente nos arts. 607.º, n.º 4, 662.º, n.º 1 e 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (diploma a que se reportam todas as disposições doravante citadas sem outra indicação), por se afigurar relevante para uma mais fácil apreciação do recurso, altera-se e aditam-se os factos enumerados como provados, respectivamente, sob o n.º 2. e sob os n.ºs 4., 5., 6. e 7., com base na documentação dos autos ou na mútua aceitação das partes, nessa medida se atendendo o que a Apelante requer no ponto 1 das conclusões do recurso.
No mais, a Recorrente sustenta que a sua pretensão de compensação de créditos deve ser admitida como fundamento dos presentes embargos de executado e que na decisão recorrida se interpretou erradamente o disposto no art. 729.º, al. h).

Vejamos.

Estando em causa uma execução baseada em sentença, há que atender a que, nos termos do citado art. 729.º, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:

a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transacção, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses actos.

No que respeita à compensação de créditos a que alude a alínea h), trata-se de um modo de extinção da obrigação, em substituição do seu cumprimento, a par de outros, também admitidos como fundamento de embargos de executado nos termos da alínea g). O que a justifica é a existência de duas dívidas diferentes, cujos sujeitos são simultaneamente credor e devedor um do outro, sendo, por isso, irrazoável que tenham ambos de cumprir a obrigação, em vez de fazerem encontro de contas.
No entanto, a admissão ilimitada da compensação de créditos poderia acarretar dificuldades e demoras na satisfação de uma ou ambas as obrigações, além de precludir outros interesses atendíveis, pelo que, quer a lei substantiva, quer a lei adjectiva, estabelecem requisitos e limitações.

Assim, no que respeita à lei substantiva, e parafraseando a sentença recorrida, resulta dos arts. 847.º a 856.º do Código Civil que a compensação de créditos está sujeita aos seguintes requisitos:

a) a existência de dois créditos recíprocos;
b) a exigibilidade em juízo do crédito do autor da compensação;
c) a fungibilidade e homogeneidade das prestações;
d) a não exclusão da compensação por lei;
e) a declaração da vontade de compensar, de carácter receptício, quer por via judicial, quer por via extrajudicial, sendo, porém, ineficaz se for feita sob condição ou a termo.
Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.
Por outro lado, a iliquidez da dívida não impede a compensação, nem existe norma que faça depender a compensação do facto de o crédito estar já judicialmente reconhecido.
No que respeita à lei adjectiva, cabe-lhe assegurar o exercício efectivo dos direitos conferidos pela lei substantiva, mas, por outro lado, obstar ao abuso dos meios processuais para a prossecução de tal finalidade, eventualmente em prejuízo da parte contrária, sendo certo que, nesta perspectiva, a invocação da compensação de créditos na oposição à execução fundada em sentença carece de justificação se podia ter sido realizada na precedente acção declarativa, à semelhança do previsto na al. g) do art. 729.º, tanto mais que também está em causa um facto extintivo (total ou parcial) da obrigação.
Na verdade, a alínea h) foi aditada pela reforma do processo civil de 2013, com o fim de esclarecer que a compensação de créditos se mantém como fundamento de oposição à execução de sentença, não obstante a nova redacção da norma agora ínsita no art. 266.º, n.º 2, alínea c), nos termos da qual a reconvenção é admissível quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.
Antes destas alterações, era na alínea g) que se considerava incluída a compensação de créditos como fundamento de oposição à execução de sentença, sujeita, por conseguinte, aos requisitos de ser posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e estar provada por documento, como sucede com qualquer outro facto extintivo ou modificativo da obrigação, sendo certo que inexiste qualquer indício de que o legislador tenha pretendido inovar nessa matéria.
Ademais, a letra da alínea h) parece nem comportar a hipótese de compensação de créditos declarada extrajudicialmente, como sucede no caso dos presentes autos, mas apenas a de compensação de créditos que se pretende declarar e fazer operar com a própria petição de embargos, pelo que se afigura que a primeira hipótese necessita de continuar a subsumir-se na previsão da alínea g).
A temática atinente à compensação de créditos como fundamento de oposição à execução baseada em sentença foi objecto de esclarecimento no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Outubro de 2021, proferido no processo n.º 472/20.7T8VNF-A.G1.S1 (1), em recurso de revista excepcional nos termos do art. 672.º, n.º 1, al. c), ou seja, por oposição de acórdãos.

Aí se refere, quanto ao que acabámos de afirmar:
“Deve começar por saber-se que a al. h) é nova, não constando da norma homóloga antecessora do artigo 729.º do CPC – o artigo 814.º do CPC revogado – e vindo regular uma hipótese distinta e que não deve ser confundida com a regulada na al. g).
Rui Pinto explica, de forma sumária, a diferença de alcance entre as normas:
“[a] compensação que o executado já realizou antes da oposição à execução deve ser incluída na al. g) do artigo 729.º, seja na execução da sentença, seja na execução de título diverso de sentença.
Efetivamente, se o devedor executado já emitira a declaração de compensação, não se vê como compensará um contra crédito que já foi cobrado por meio da compensação ou que possa ter ainda em “vista […] obter a compensação de créditos” (…).
A contrario, a al. h) vale apenas para a emissão de uma declaração de compensação por meio da própria petição de oposição à execução (compensação judicial), tanto de sentença como de título diverso de sentença”.
Por outras palavras: uma coisa é a compensação abrangida pela al. g) (compensação dita “extrajudicial” por estar já consumada e constituir um facto extintivo da obrigação exequenda), outra coisa é a compensação a que se refere a al. h) (compensação dita “judicial” por ser a que é visada com a oposição à execução).”
O aresto em apreço também sublinha a inexigibilidade de que o crédito do autor da compensação esteja já judicialmente reconhecido, como acima afirmámos, nos seguintes termos (2):
“Como se viu, há quem sustente que a norma exige o reconhecimento judicial prévio do contracrédito, ou seja, que o executado disponha (também) de um título executivo, naquela que é a tese seguida no Acórdão recorrido.
Esta tese tem sido, sobretudo mais recentemente, objecto de intensa crítica.

Observa, por exemplo, José Lebre de Freitas:
“nada autoriza a restrição [só se a existência do contracrédito se provar por documento com força executiva]: ao alegar a compensação, o executado pretende apenas fazer valer um facto extintivo do direito exequendo (na ação declarativa de embargos de executado), nada mais lhe sendo consentido em processo executivo; não está em causa executar aí o contracrédito e não se vê, por isso, que este tenha de constar de título executivo”.

Refuta a tese também Miguel Teixeira de Sousa:
“não pode deixar de causar alguma estranheza a exigência de que o contracrédito conste de um título executivo, atendendo a que a finalidade da invocação do contracrédito é a oposição à execução, e não a execução do contracrédito. O título executivo atribui a exequibilidade extrínseca a uma pretensão e constitui uma condição da acção executiva. O título executivo só se compreende em função da possibilidade da satisfação coactiva de uma pretensão e para permitir esta satisfação. Sendo assim, não estando em causa a satisfação coactiva do contracrédito, não é justificada a exigência de que o mesmo conste de um título executivo”.
E – continua o autor – “a exigência de que o contracrédito conste de um título executivo não é harmónica no contexto do art 729.º, dado que exige para uma das formas de extinção da obrigação um requisito que não é exigido para nenhuma outra forma de extinção do crédito exequendo. Acresce que, se assim se entendesse, ter-se-ia que concluir que o legislador do nCPC teria restringido a possibilidade da invocação da compensação na oposição à execução, dado que […] essa possibilidade já existia em função do disposto no art. 814.º, al. g), aCPC e este preceito só exigia que o contracrédito constasse de documento (e não de documento com valor de título executivo)”.
Sintetizando (e simplificando) os argumentos: não é possível dizer que a exigência de reconhecimento judicial do contracrédito, ademais de omitida no texto da norma (elemento literal), seja justificada nem à luz dos fins da norma (elemento teleológico) nem à luz do sistema jurídico (elemento sistemático).”
Finalmente, quanto à questão que primordialmente nos ocupa, e para a qual defendemos a solução da impossibilidade de invocação em sede de oposição à execução da compensação de créditos que já era invocável na precedente acção declarativa, nos sobreditos termos, o Acórdão discorre nos seguintes termos (3):
“Deve advertir-se, porém, que a tese da inexigibilidade da condição de reconhecimento judicial do contracrédito não significa que a invocação da excepção de compensação no âmbito da oposição à execução seja incondicionalmente admissível, isto é, que a possibilidade de invocação de fundamentos de defesa na oposição à execução seja ilimitada. Não devem tolerar-se, em sede de oposição à execução, perturbações, morosidades ou inseguranças que não tenham por base razões atendíveis, relacionadas, designadamente, com necessidades de tutela jurisdicional efectiva.
Por esse motivo, a esmagadora maioria dos autores (José Lebre de Freitas, Rui Pinto, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Gonçalves Sampaio) converge no entendimento de que é exigível que o contracrédito invocado seja posterior ao oferecimento da contestação no âmbito da acção declarativa precedente.
Quer dizer: o devedor tem o ónus de alegação do contracrédito na acção declarativa (um ónus de reconvir); apenas quando tenha sido impossível ao devedor exercer este ónus (por superveniência do contracrédito) se admite que o devedor se oponha à execução ao abrigo do disposto / com o fundamento previsto no artigo 729.º, al. h), do CPC.
Esta é, visivelmente, a interpretação que melhor se harmoniza com a disciplina imposta no âmbito do processo declarativo comum, mais precisamente com o artigo 266.º, n.º 2, al. c), do CPC, “incutindo” a regra de que toda a compensação deve ser deduzida em reconvenção.”
Acresce que a aplicabilidade do citado art. 266.º, n.º 2, al. c) está, evidentemente, circunscrita às situações em que a acção declarativa comporta reconvenção, pelo que – e considerando que a invocação da compensação de créditos é por natureza uma excepção de direito material tendente à extinção ou redução do contracrédito, e, por outro lado, que a instrumentalidade do processo civil perante o direito material impõe que o mesmo assegure ao devedor a possibilidade de a efectivar –, a compensação de créditos poderá ser oposta à parte contrária pela via da defesa por excepção nas acções declarativas que não admitam a dedução de reconvenção (4).
Assim, na situação dos autos, em que a sentença exequenda foi proferida no termo de acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, a que corresponde processo especial que não comporta a reconvenção por parte do empregador (arts. 98.º-B a 98.º-P do Código de Processo do Trabalho), a ora embargante e ali ré podia ter efectivado o direito a extinguir ou reduzir os créditos da embargada e ali autora por compensação com o alegado crédito que tinha sobre a mesma, através de defesa por excepção deduzida nos respectivos articulados.
Concretamente, tendo a trabalhadora apresentado o formulário a que aludem os arts. 98.º-C e 98.º-D do Código de Processo do Trabalho, em que requereu a declaração da ilicitude ou irregularidade do despedimento, «com as legais consequências», que incluem créditos em dinheiro, podia a ora embargante e ali ré excepcionar a compensação com o seu alegado crédito logo no articulado de motivação do despedimento, tanto mais que o mesmo se baseia precisamente nos factos que aí tinha de invocar para motivar o despedimento da autora, nos termos do art. 98.º-J, n.º 1 do mesmo diploma e 387.º, n.º 3 do Código do Trabalho.
Se, no decurso do respectivo prazo, a ré não exerceu tal direito e, em vez disso, celebrou transacção com a autora, na qual, aliás, se desconhece se foi tido em conta e compensado o alegado crédito da empregadora sobre a trabalhadora, sendo certo que tal era possível (art. 1248.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil), não pode agora vir exercê-lo em sede de oposição à execução baseada precisamente na sentença homologatória de tal transacção.
Como ensina Rui Pinto (5), “(…) o réu que, já podendo, não extingue por compensação a dívida pela qual está a ser pedida a sua condenação, não o pode fazer na oposição à execução.
Portanto, o que releva é a data da situação de compensação. i.e., a data em que o contra crédito do devedor se tornou exigível — ergo a data em que já era possível ao devedor livrar-se da dívida por declaração de compensação — e não a data da declaração de compensação. Por ex.: não é superveniente a compensação que foi declarada depois da ação declarativa, estando o devedor já em condições de realizar anteriormente, maxime na reconvenção.
(…)
4. Em conclusão: tal como a al. g) apenas admite factos extintivos ou modificativos que sejam posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração, o mesmo é dizer, que sejam posteriores ao último momento em que podiam ter sido alegados em articulado superveniente em audiência final (cf. o artigo 588º nº 3 al. c)), também a al. h) apenas admite situações de compensação que sejam posteriores ao último momento em que podiam ter sido alegados em reconvenção superveniente em audiência final (cf., novamente, o artigo 588º nº 3 al. c)).”
Acresce que, como já referido, a compensação de créditos a que se reportam os presentes autos reconduz-se directamente à alínea g) e não à alínea h) do art. 729.º, quer por ter sido declarada extrajudicialmente, quer porque, na precedente acção declarativa, só podia ter sido invocada por via de excepção, uma vez que não era admissível reconvenção.
Por tal razão, para além de superveniente, nos sobreditos termos, a compensação de créditos invocada pela embargante tinha ainda de estar provada por documento, conforme exige a alínea g), sendo certo que, se porventura a situação fosse reconduzível à alínea h), apenas por estar em causa uma compensação de créditos ainda não declarada, ou por a precedente acção declarativa admitir a reconvenção, seria manifestamente desproporcionado que se concedesse diferente tratamento.
Como explica o citado autor a propósito desta questão (6), “(…) a al. h) deve ser interpretada à luz da al. g): não admite qualquer meio de prova, mas somente prova documental — embora não com força executiva, como já se disse. Essa é a interpretação que é coerente com o sistema processual no seu todo.
Efetivamente, a exigência de prova documental que é feita na al. g) não é um mero capricho arbitrário do legislador, não constituindo uma violação do direito à prova. Ela tem a seguinte razão: a oposição à execução de sentença não é uma “pura” ação de simples apreciação negativa do crédito exequendo, mas uma ação constitutiva extintiva da execução por afastamento do efeito de um ato processual decisório, já transitado em julgado. Como tal, os “embargos” do executado apenas podem admitir os mesmos meios de prova que se admitem no recurso de revisão de sentença: este não admite quaisquer provas novas, em geral, mas documento superveniente na al. c) do artigo 696º.
A oposição à execução, do artigo 729º, e o recurso de revisão são ambos, na realidade, meios de revogação do caso julgado, mas com uma diferença: a oposição à execução tem um valor incidental, não revogando o título judicial “sentença”, mas afastando a sua força executiva; a revisão tem um valor autónomo, revogando a sentença. Por isso, ambos exigem especial forma probatória.”
Em face do exposto, conclui-se que a compensação de créditos alegada pela embargante não constitui fundamento admissível de oposição à execução de sentença a que se reportam os presentes autos, quer por não ser superveniente relativamente à acção declarativa em que aquela foi proferida, quer por não estar provada por documento.
Acresce ainda que, estando em causa um alegado crédito certo e exigível, mas ilíquido, o mesmo devia ainda ter sido liquidado na petição de embargos, de modo a que se pudesse determinar a amplitude do efeito extintivo da compensação, o que a embargante também não observou.
Neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 25 de Junho de 2013, proferido no processo n.º 151/12.9T2OVR-A.P1 (7), em cujo sumário se diz: “Encontrando-se o contra crédito a compensar, por liquidar, torna-se necessário proceder à respetiva liquidação no requerimento de oposição à execução, a fim de, na sentença a proferir na oposição, se determinar a extinção da execução ou o prosseguimento da mesma, conforme o crédito do executado venha a ser liquidado em montante igual ou superior ao crédito exequendo, ou em montante inferior.”
Assim, também por esta razão sempre seria de julgar improcedente o recurso.

4. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar o despacho saneador-sentença.
Custas pela Apelante.
2 de Junho de 2022

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso



1. Disponível em www.dgsi.pt
2. No mesmo sentido, v. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 2019, proferido no processo n.º 1664/16.9T8OER-A.L1.S1, em cujo sumário se sintetiza que “[é] judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento ou à execução do património do devedor.”
3. No mesmo sentido, v. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Janeiro de 2022, proferido no processo n.º 604/18.5T8LSB-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
4. Neste sentido, cfr. Rui Pinto, A problemática da dedução da compensação no código de processo civil de 2013, acessível em https://www.academia.edu/35539814/A_problematica_da_compensacao, pp. 16-25.
5. Op. Cit., pp. 27-29.
6. Op. Cit., p. 31.
7. Disponível em www.dgsi.pt.