Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1578/17.5T8GMR-A.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
LIVRANÇA EM BRANCO
AVALISTA
PACTO DE PREENCHIMENTO
PREENCHIMENTO ABUSIVO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/04/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A letra ou livrança em branco destina-se, normalmente, a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior e tal entrega é acompanhada de atribuição de poderes para o seu preenchimento, o denominado «acordo ou pacto de preenchimento».

II - O preenchimento abusivo da letra em branco na qual se funda a acção executiva constitui facto impeditivo do direito do portador exequente, cuja prova, nos termos do artigo 342º, nº 2, do Código Civil, compete ao executado opoente.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – A Embargante/executada:- Natália, viúva, residente na Rua … Guimarães, executada nos autos à margem identificados, interpôs contra o Exequente: X – Instituição Financeira de Crédito SA, os presentes embargos, alegando em síntese, que no contrato celebrado entre a exequente e a sociedade N. N. Têxtil, Unipessoal Ldª, a mesma foi avalista, tendo para o efeito dado o seu aval numa livrança.

Apesar do contrato ser intitulado como sendo de locação financeira tratou-se de um contrato de aquisição do veículo pela N. N..
As duas livranças assinadas pela embargante enquanto avalista foram assinadas em branco.
À data em que foram preenchidas as livranças a dívida da N. N. não era a que está referida, em cada uma delas.
A exequente abusiva e ilegitimamente , na data de 16/01/17 preencheu as livranças e inscreveu nelas montantes de dívida que não existiam nem eram devidas pela N. N..
A embargante não autorizou o preenchimento das livranças, agindo a embargada com manifesto abuso de direito.
Também não comunicou à embargante que ia preencher as livranças, não existindo qualquer acordo de preenchimento.
Por outro lado, a exequente recebeu os dois veículos, que reintegro no seu património com o valor de € 23.000,00 e € 25.000,00, respectivamente.
Conclui pela procedência dos embargos, com a consequente extinção da execução.

A embargada contestou e impugnou a versão da embargante.

Os autos prosseguiram e efectuado o julgamento foi proferida sentença na qual se decidiu:

Pelo exposto, decido:

5.1.- julgar improcedentes os presentes embargos de executado e, em consequência, determino o prosseguimento da execução apensa contra o embargante/executado.
5.2.- julgar improcedente o pedido de condenação da contraparte como litigante de má-fé.

Inconformada a embargante interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:

1. Devem ser adicionados aos factos provados os fatos identificados e descriminados nas alegações, bem como devem ser retificados e acrescentados os factos descritos, e ser suprimido na matéria de facto provado, os factos atrás elencados;
2. As duas livranças assinadas pela Recorrente, como avalista, foram assinadas em branco, e entregues sem data de vencimento, nem montante nem local de pagamento;
3. Em Junho de 2015, a sociedade N. N. foi objeto de uma providência cautelar de arresto instaurada pela sociedade Y – Acabamentos Têxteis, Ldª que apreendeu e removeu da empresa, a totalidade das existências, bens, equipamentos e estes veículos, tendo a Exequente-Recorrida requerido na providência cautelar a sua restituição, retirando-os do arresto;
4. Com o decretar do arresto, causa judicial à qual a Recorrente é alheia, nunca a Recorrente nem a N. N. tinha qualquer possibilidade jurídica ou de facto de entregar os veículos à Exequente-Recorrida que só os podia obter através do processo que instaurou apenso à providência cautelar;
5. Imputar à Recorrente o dever desta indemnizar valores que ultrapassam e ultrapassaram a vontade e o poder jurídico da N. N., é uma violência jurídica que integra o abuso de direito previsto no artigo 334º do Código Civil;
6. Mesmo que fosse admitido o direito da Exequente-Recorrida ao recebimento das quantias com que ela preencheu as livranças (o que não se aceita) sempre existirá abuso de direito, pois este exercício do eventual direito da Exequente- Recorrida é exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito, tanto mais que, até, à data do arresto que a impossibilitou de continuar a exercer a sua atividade, sempre pagou as prestações mensais relativas à compra destes dois veículos;
7. A Recorrida não estava autorizada pela Recorrente a preencher livremente as livranças nos montantes que entendesse e muito menos estava autorizada a preencher cada uma das livranças com valores ou quantias que muito ultrapassavam os montantes em dívida aquando da resolução em 28-09-2015 dos contratos que foi feita pela Recorrida;
8. A Recorrente nunca teve conhecimento nem consciência que, aquando da assinatura dos contratos e das livranças, que os contratos continham dentro das cláusulas contratuais gerais insertas nas condições gerais dos contratos estava incluída, a autorização de preenchimento das livranças, a aplicação de sanções abusivas e a obrigação de pagamento de variadas indemnizações que ultrapassam, em muito, o princípio de boa fé contratual que deve presidir na formação dos contratos;
9. Aquando da celebração destes contratos entre a Recorrida e a N. N., a livrança em branco entregue pela Recorrente e que se destinaria a ser uma livrança, porque era uma livrança em branco, esta ainda não valia nem nunca valeu como livrança, atento o seu preenchimento abusivo (não produzirá efeito como livrança, como diz o artigo 76º da Lei Uniforme das Letras e Livranças - LULL);
10. A subscrição-emissão pela sociedade de uma livrança em branco – isto é, sem algum dos requisitos essenciais indicados no artigo 75 da LULL, designadamente o montante da promessa de pagamento – a favor de um seu financiador não cria imediatamente um título cambiário, sujeito ao regime geral desta Lei (art. 76º) e, em especial, independente, desprendido quer da relação subjacente quer do pacto de preenchimento a que alude o artigo 10 da LULL;
11. O título – enquanto título de crédito, com as características que a Lei lhe confere – apenas existirá se e quando apresentar os requisitos essenciais do artigo 75º: designadamente, quando dele constar uma promessa de pagar perfeitamente identificada, com a indicação do valor devido, o tempo e o lugar do pagamento, etc.;
12. A Recorrente, como avalista, nunca foi colocada pela Recorrida em condições de poder cumprir nos mesmos termos em que o podia fazer a subscritora da livrança – a sociedade N. N., pelo que, ao não lhe ter sido possibilitada essa possibilidade, nunca a Recorrente pode ser obrigada a pagar mais do que aquilo que estaria obrigada a pagar se fosse esse o momento do vencimento da obrigação;
13. As garantias vertidas nas livranças em branco são nulas nos termos gerais (art. 280/1 do CC), por inexistência do direito invocado pela Recorrida através do preenchimento das livranças, por ser contrário à lei e ser ofensivo dos bons costumes;
14. A Recorrida recebeu e fez dela os dois veículos que haviam sido objeto destes dois contratos e que, à data da sua devolução, valor económico de mercado, embora não tenha, no processo, sido determinado o respetivo valor comercial de mercado;
15. A Recorrida, ao serem-lhe devolvidos os dois veículos do contrato, recebeu com essa devolução, valores económicos não determinados;
16. A Recorrida com a resolução fez acrescer o seu património no valor dos dois veículos, pelo que a não consideração deste valor, no que respeita à obrigação da avalista Recorrente, representa e constitui uma situação de enriquecimento sem justa causa por parte da Recorrida em relação à ora Recorrente;
17. O artigo 12º do DL 446/85 estabelece que «as cláusulas contratuais gerais proibidas por disposição deste diploma são nulas nos termos nele previstos», acrescentando a alínea c) do seu artigo 19º que «são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: (…) c) consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir»;
18. O DL nº. 446/85 diz que são “objecto da proibição relativa da alínea c) do artigo 19º as cláusulas que visam a prévia fixação do montante da indemnização são absolutamente proibidas pela previsão da alínea d) do artigo 21º e as cláusulas penais em sentido estrito” - "Cláusulas Contratuais Gerais" (DL n.º 446/85 Anotado - Recolha Jurisprudencial), Wolters Kluwer - Coimbra Editora, 2010, pág. 235;
19. A lei proíbe a desproporcionalidade entre a pena (ou a indemnização convencionada) e os danos previsíveis, sendo este juízo de valor sobre a desproporção reportado ao momento em que a cláusula é concebida (aos danos típica e previsivelmente a ressarcir, dentro do quadro negocial padronizado), sendo incorreto relacioná-lo com as vicissitudes que o contrato em que se integra sofreu, nomeadamente com os termos em que foi resolvido” - ob. citada, pág. 237 e no mesmo sentido, Sousa Ribeiro, "Responsabilidade e Garantia em Cláusulas Contratuais Gerais", Coimbra Editora, 2007, pág. 139 e sgs..
20. A jurisprudência vem predominantemente julgando nulas as cláusulas que estipulem uma penalização que se situe para lá de 20% do valor dos bens e serviços que ficaram por entregar e prestar - Na ob. citada, págs. 248 a 252, faz- se uma breve resenha de orientação jurisprudencial que versa tais casos”.
21. Relativamente às nulidades suscitadas, de acordo com o teor do artigo 286º do Código Civil - «a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal»;
22. No caso concreto dos preenchimentos das livranças, a Exequente-Recorrida acumulou ilegalmente montantes provenientes de causas de indemnização que se excluem e não são cumulativas;
23. Na sentença que proferiu, o senhor juíz a quo omitiu a obrigação de se pronunciar sobre a existência do contrato de adesão com a inclusão, validade ou nulidade das cláusulas contratuais gerais, questão que havia sido levantada pela Recorrente antes da audiência de julgamento e atempadamente quando tivera conhecimento dessas cláusulas;
24. Tal conhecimento era oficioso e o senhor juiz a quo, devia ter-se pronunciado sobre ele, e, ao não se pronunciar sobre esta questão, a sentença padece da nulidade estatuída na alínea d) do nº. 1 do artigo 615 do CPC.
25. Deve ser adicionado como ponto de facto provado que:
• os dois contratos de locação financeira incluem cláusulas contratuais gerais.
26. Deve ficar igualmente provado nos autos, atenta a inversão do ónus de prova que incidia sobre a Exequente-Recorrida, os seguintes factos:
• a Exequente-Recorrida não informou a Recorrente do teor das cláusulas contratuais gerais contidas nas condições gerais insertas nos 2 contratos de locação financeira celebrados com a sociedade N. N., Unipessoal, SA;
• a Recorrente não tomou conhecimento, aquando da assinatura da existência e do teor das cláusulas contratuais gerais inseridas nas condições gerais dos 2 contratos de locação financeira;
27. Devem ser alteradas e retificadas as respostas dadas pelo Tribunal aos seguintes pontos da fundamentação de facto:
• No facto 12.- deve ser acrescentado, no final a expressão”… que não se provou serem do conhecimento da Recorrente”.
• No facto contido no ponto 15 da fundamentação de facto, deve ser alterada a resposta dada no número 15. com substituição do texto constante deste número na sentença, passando este ponto a ter a seguinte redação:
15.- A embargante tinha conhecimento que a Sociedade locatária incumpriu com o pagamento das prestações vencidas nos dois contratos de locação financeira nas datas 05/07/2015 e 05/10/2015.
28. Quanto ao facto contido no ponto 20 da fundamentação de facto, deve acrescentar-se a expressão “ a embargante procedeu ao preenchimento das livranças, não se tendo provado que a Recorrente tivesse conhecimento do teor das cláusulas 15º do contrato identificado em 1. E da cláusula 17º do contrato identificado em 4.”
29. Quanto ao facto contido no ponto 21 da fundamentação de facto, deve acrescentar-se a expresão: “… não tendo sido provado que a Recorrente tivesse sido informada do teor desta cláusula contratual”.
30. Deve o facto indicado no nº. 23 ser considerado como não provado pois, os factos e montantes incluídos neste número, pois,
• para além do teor das cláusulas das condições gerais dos contratos serem desconhecidos da Recorrente,
• não ter sido feita prova pela Exequente-recorrida que tenha sido dado conhecimento dessas cláusulas à Recorrente,
• pelo teor do depoimento da única testemunha da Exequente-Recorrida resulta que a indemnização máxima que a Exequente-Recorrida tem direito a receber, a título de cláusula penal, é a aplicação de uma taxa de 20% sobre as prestações vincendas + valor residual, o que dá uma soma significativamente inferior àquela que se encontra preenchida nas livranças.
31. Devem ser adicionados, também, como fatos provados com relevância para a decisão da causa porque a Recorrente não teve conhecimento do teor das cláusulas contratuais gerais insertas nas condições gerais dos contratos por a Exequente-Recorrida não a ter informado do conteúdo, teor e interpretação dessas cláusulas nas condições gerais dos contratos, os seguintes factos:
a. “ a exequente não estava autorizada pela opoente a preencher livremente as livranças nos montantes que entendesse e não estava autorizada a preencher cada uma das livranças com valores ou quantias que ultrapassavam os montantes em dívida aquando da resolução feita pela exequente dos contratos na data de 28-09-2015;”
b. “A exequente não comunicou à opoente-Recorrente que ia completar ou preencher as livranças em branco com os valores peticionados nesta execução”;
c. “À data da resolução dos contratos pela exequente, os veículos MT do ano de 2012-03-30 e NZ do ano de 2013-08-26 devolvidos à exequente tinham valor económico de mercado de montante que não ficou determinado”.
32. O Senhor Doutor Juiz a quo, na sentença que proferiu, violou o disposto nos artigos 5º, 6º, 12º, 19º e 21º do DL nº. 446/85, artigos 280º, 286º, 334º, 810º e 812º do Código Civil, artigos 10º, 75º e 76º do Lei Uniforme das Letras e Livranças e artigo 615º-1-d) do Código do Processo Civil.

A recorrida apresentou contra-alegações nas quais pugna pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.

Nulidade da sentença

Alega a recorrente a nulidade da sentença, nos termos do disposto na alínea d) do artigo 615º do Código de Processo Civil, em virtude de a sentença recorrida não se ter pronunciado quanto à existência do contrato de adesão e respectivas cláusulas.
As nulidades da decisão previstas no artigo 615º do CPC são deficiências da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento, o qual se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito (cfr. Ac. RC de 15.4.08, in www.dgsi.pt).

Como se resumiu no Ac. RL de 10.5.95 (in CJ, 1995, t. 3, pág. 179), “As nulidades da sentença estão limitadas aos casos previstos nas diversas alíneas do nº 1 do art. 668º do C.P.C.. Não se verificando nenhuma das causas previstas naquele número pode haver uma sentença com um ou vários erros de julgamento, mas o que não haverá é nulidade da decisão.

Como repetidamente se vem escrevendo, estamos perante casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia)… São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.

Diga-se desde já que a jurisprudência é uniforme ao entender que só é causa da nulidade prevista no artigo 615 n.º 1 d) – Lei n.º 41/2013 do Código de Processo Civil, a omissão pelo tribunal do conhecimento das questões que deviam ser decididas e não, também, quando apenas deixa de se pronunciar acerca de razões ou argumentos produzidos na defesa das teses em presença – cfr., por todos, Acórdão do STJ de 05/05/2005, in www.dgsi.pt.

Tal preceito tem de ser lido em conjugação com o estipulado no nº 1, do artigo 609 do CPC, segundo o qual a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.

No caso dos autos e conforme resulta da sentença recorrida foram apreciadas as questões suscitadas pela embargante não só nos articulados como foi tomada posição sobre a questão suscitada no decorrer da audiência, pelo que não se verifica a alegada nulidade.

Pretende ainda a recorrente a alteração da matéria de facto com o seguinte teor:

Os dois contratos de locação financeira incluem cláusulas contratuais gerais.
E a Exequente-Recorrida não informou a Recorrente do teor das cláusulas contratuais gerais contidas nas condições gerais insertas nos 2 contratos de locação financeira celebrados com a sociedade N. N., Unipessoal, SA;
• a Recorrente não tomou conhecimento, aquando da assinatura da existência e do teor das cláusulas contratuais gerais inseridas nas condições gerais dos 2 contratos de locação financeira;

No que respeita aos factos que pretende ver acrescentados não indica com referência à petição inicial em que artigos da mesma invocou tais factos, para além de que foi dado como provado o contrato, nos pontos n.ºs 1 e 4 da sentença e cujo teor se encontra a fls. 33 e 35 dos autos, pelo que será uma redundância referir que os mesmos incluem cláusulas contratuais gerais.
Quanto aos pontos supra referidos em nenhum dos artigos da petição tal matéria foi alegada.
Acresce que a embargante não alegou na petição de embargos qualquer desconhecimento das cláusulas.
Conforme resulta da mesma uma vez que a executada subscreveu as livranças na qualidade de avalista a mesma alegou o preenchimento abusivo da mesma, em virtude de as ter assinado em branco.

Requer ainda a recorrente que se acrescente à matéria de facto dada como provada o seguinte:

No facto 12.- deve ser acrescentado, no final a expressão”… que não se provou serem do conhecimento da Recorrente”.
• No facto contido no ponto 15 da fundamentação de facto, deve ser alterada a resposta dada no número 15. com substituição do texto constante deste número na sentença, passando este ponto a ter a seguinte redacção:

15.- A embargante tinha conhecimento que a Sociedade locatária incumpriu com o pagamento das prestações vencidas nos dois contratos de locação financeira nas datas 05/07/2015 e 05/10/2015.
Quanto ao facto contido no ponto 20 da fundamentação de facto, deve acrescentar-se a expressão “ a embargante procedeu ao preenchimento das livranças, não se tendo provado que a Recorrente tivesse conhecimento do teor das cláusulas 15º do contrato identificado em 1. E da cláusula 17º do contrato identificado em 4.”

Quanto ao facto contido no ponto 21 da fundamentação de facto, deve acrescentar-se a expresão: “… não tendo sido provado que a Recorrente tivesse sido informada do teor desta cláusula contratual”.

Deve o facto indicado no nº. 23 ser considerado como não provado pois, os factos e montantes incluídos neste número, pois, “para além do teor das cláusulas das condições gerais dos contratos serem desconhecidos da Recorrente, não ter sido feita prova pela Exequente-recorrida que tenha sido dado conhecimento dessas cláusulas à Recorrente, “ a exequente não estava autorizada pela opoente a preencher livremente as livranças nos montantes que entendesse e não estava autorizada a preencher cada uma das livranças com valores ou quantias que ultrapassavam os montantes em dívida aquando da resolução feita pela exequente dos contratos na data de 28-09-2015.

A exequente não comunicou à opoente-Recorrente que ia completar ou preencher as livranças em branco com os valores peticionados nesta execução”;

“À data da resolução dos contratos pela exequente, os veículos MT do ano de 2012-03-30 e NZ do ano de 2013-08-26 devolvidos à exequente tinham valor económico de mercado de montante que não ficou determinado”.
Pretende ainda que a matéria de facto considerada como não provada passe a constar como provada.

No que respeita a estes pontos o Tribunal fundamentou a sua convicção nos depoimentos das testemunhas V. F. e R. S., para além da prova documental junta aos autos.
Quanto a estes pontos em concreto nada resulta que infirme a matéria que foi dada como provada.

Com efeito, o que está em causa nos autos é o aval que a embargante subscreveu.
Toda a prova documental confirma a matéria que foi considerada provada na sentença recorrida, e o depoimento da testemunha R. S. vem de encontro ao que foi considerado como provado

Também quanto ao ponto n.º 21 da sentença o que aí consta é o teor do pacto de preenchimento, pelo que nada há a acrescentar a tal ponto.

No que respeita ao ponto 23, o que a recorrente pretende é que tal matéria seja considerada como não provada, mas a mesma não indica qual o meio de prova que devidamente apreciado imponha uma alteração.
Ora tal prova é essencialmente documental e não resulta de qualquer depoimento ou outro meio de prova o contrário do que foi considerado como provado.

No que respeita à matéria de facto não provada e que a recorrente pretenda que seja considerada como provada, não indica a recorrente qual o meio de prova que impunha decisão diversa.

Com efeito, ouvidos os depoimentos, o que se verifica é que a recorrente, no caso sub judice, impugna a decisão proferida pelo Tribunal “a quo“ pretendendo impor a sua interpretação das provas em contraponto com a interpretação efectuada pelo tribunal a quo.
Ora, e como vimos, nenhum dos concretos meios de prova aduzidos pela apelante demonstra que tal matéria foi mal julgada, limitando-se a aduzir argumentos em favor do convencimento dos apelantes da sua versão da prova produzida.
Efectivamente, a fundamentação apresentada pelo Mmº Juiz a quo ajusta-se adequadamente àquilo que decorre objectivamente dos depoimentos e das provas acima referidas.
Atento o que fica dito, verificando-se ter o julgamento da matéria de facto sido realizado no âmbito dos poderes de livre apreciação do Tribunal, nos termos do art.º 607 n.º 5 do Código de Processo Civil, não se mostrando ocorrer violação ou

Sendo assim, e não havendo razões, como acima exposto, para que este tribunal altere a matéria de facto, mantêm-se inalterados os factos dados como provados e não provados na sentença recorrida, que é a seguinte:

1.- Na data de 02-04-2012, a exequente celebrou com a sociedade N. N. Têxtil, Unipessoal, Ldª (adiante designada por N. N.) o contrato de locação financeira mobiliária nº. ..., que tinha como objeto o veículo Mercedes-Benz, modelo SPRINTER ..., matrícula MT, junto a fls. 33., cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
2.- A ora embargante subscreveu esse contrato e a livrança junta a fls. 13 dos autos de execução, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos, na qualidade de avalista.
3.- Nessa livrança constam os seguintes dizeres: emitente: Mercedes-Benz Financiamento – X – Instituição Financeira de Crédito, SA; local da emissão – …; nº da livrança – ...; local de pagamento – Mercedes Benz; Data de emissão – 2017-01-16; importância – 20.693,31; valor – contrato de locação financeira nº. ...; vencimento – 2017-01-26; No verso da livrança, está escrito - Bom por Aval ao subscritor – onde consta a assinatura subscrita pela embargante.
4.- Na data de 21-08-2013, a exequente celebrou com a sociedade N. N. Têxtil, Unipessoal, Ldª (adiante designada por N. N.) o contrato de locação financeira mobiliária nº. ..., que tinha como objeto o veículo Mercedes-Benz, modelo ATEGO 1222L/42, matrícula NZ, junto a fls. 34v e 35, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
5.- A ora embargante subscreveu esse contrato e a livrança junta a fls. 12 dos autos de execução, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos, na qualidade de avalista. 11
6.- Nessa livrança constam os seguintes dizeres: emitente: Mercedes-Benz Financiamento – X – Instituição Financeira de Crédito, SA; local da emissão – Abrunheira; nº da livrança – ...; local de pagamento – Mercedes Benz; data de emissão – 2017-01-16; importância – 55.060,78 ; valor – contrato de locação financeira nº. ..., • Vencimento – 2017-01-26; no verso da livrança, está escrito - Bom por Aval ao subscritor – onde consta a assinatura subscrita pela embargante.
7.- As duas livranças assinadas pela embargante, como avalista, foram por ela assinadas em branco, e entregues, nomeadamente, sem data de vencimento, nem montante nem local de pagamento.
8.- Acontece, porém, que celebrado o contrato n.º ... e entregue à Sociedade locatária o veículo matrícula MT, a mesma deixou de pagar as rendas vencidas em 05.07.15 no montante de € 750,40 em 05.08.15 no montante de € 750,31 em 05.08.15 no montante de € 750,26 e em 05.10.15 no montante de € 750,16.
9.- Em face do não pagamento das rendas vencidas, a Embargada resolveu o mencionado contrato através do envio à Sociedade locatária de carta registada com aviso de receção datada de 28 de Setembro de 2015, nos termos da Cláusula 14ª das Condições Gerais do Contrato, conforme documento junto a fls. 37, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
10.- Tal como previsto na Cláusula 14ª das Condições Gerais do Contrato n.º ..., conjugada com o n.º 2 da Cláusula 12ª das Condições Gerais do Contrato, com a resolução do contrato, ficou a Requerida obrigada perante a Requerente a restituir imediatamente o veículo locado e a liquidar os valores descritos na referida carta.
11.- Quanto ao contrato n.º ..., tendo sido entregue à Sociedade locatária o veículo matrícula NZ, a mesma deixou de pagar as rendas vencidas em 05.07.15 no montante de € 2.288,23 em 05.08.15 no montante de € 2.288,07 em 05.08.15 no montante de € 2.287,97 e em 05.10.15 no montante de € 2.287,79.
12.- Pelo que, em face do não pagamento das rendas vencidas, a Embargada resolveu o mencionado contrato através do envio à Sociedade locatária de carta registada com aviso de receção datada de 28 de Setembro de 2015, nos termos do n.º 1 da Cláusula 15ª das Condições Gerais do Contrato, conforme documento junto a fls. 37, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
13.- Tal como previsto na mesma cláusula contratual conjugada com o n.º 2 da Cláusula 12ª das Condições Gerais do Contrato n.º ..., com a resolução do contrato, ficou a Requerida obrigada perante a Requerente a restituir imediatamente o veículo locado e a liquidar os valores descritos na referida carta.
14.- Acontece porém que a sociedade locatária não deu cumprimento a nenhuma das obrigações a que estava adstrita decorrentes das resoluções operadas, tendo a Embargada, apenas a 4 de Janeiro de 2017, recuperado a posse das viaturas locadas, no âmbito do processo de insolvência da N. N. Têxtil.
15.- A embargante tinha conhecimento que a Sociedade locatária incumpriu com as obrigações a que estava adstrita no âmbito dos contratos em questão.
16.- O incumprimento de ambos os contratos foi comunicado à Embargante através do envio de duas cartas registadas com A/R, juntas a fls. 40v a 44, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
17.- Essas cartas foram enviadas para a morada da Embargante (morada que consta da procuração forense junta pela Embargante) e devidamente recebidas, conforme consta dos avisos de receção já juntos.
18.- Nas referidas cartas é dada à Embargante a possibilidade de regularizar as rendas em falta, com a ressalva de que caso se mantenha o incumprimento das mesmas “(…) a mora converter-se-á em incumprimento definitivo e o contrato em causa considerar-se-á automática e imediatamente rescindido (…)”.
19.- Mais, é dado a conhecer à Embargante que “ (…) caso a resolução se venha a operar, procederemos ao imediato preenchimento da livrança avalizada por V. Exa., nos termos do pacto de preenchimento estabelecido (…)”.
20.- Não tendo sido liquidados os montantes em dívida, a Embargada procedeu ao preenchimento das livranças em conformidade com o pacto de preenchimento expressamente aceite pela Embargante e que consta da cláusula 15.ª do contrato identificado em 1. e da cláusula 17.ª do contrato identificado em 4..
21.- Refere o pacto de preenchimento que “O locatário e os respetivos avalistas autorizam expressamente o locador, em caso de incumprimento do Contrato, a preencher as livranças em branco por aquele subscritas e por estes avalizadas nesta data, designadamente no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e ao seu montante, até ao limite das responsabilidades assumidas pelo locatário e não pagas.”.
22.- Do preenchimento das livranças foi dado conhecimento à Embargante através de cartas enviadas a 26 de Janeiro de 2017, juntas a fls. 43 v e 44, cujos dizeres se dão por integralmente reproduzidos.
23.- Foi devidamente comunicado à embargante o valor aposto nas livranças, que corresponde a: a) Relativamente à livrança n.º ... foi aposto o valor de € 55.060,78 (cinquenta e cinco mil e sessenta euros e setenta e oito cêntimos) que corresponde a: i. € 9.152,06 (nove mil cento e cinquenta e dois euros e seis cêntimos) relativo às rendas vencidas e não pagas compreendidas entre 05 de Julho de 2015 e 05 de Outubro de 2015; ii. € 365,74 (trezentos e sessenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos) relativos às despesas de devolução das prestações não pagas; iii. € 752,09 (setecentos e cinquenta e dois euros e nove cêntimos) relativos a juros de mora sobre as rendas vencidas e não pagas; iv. € 6.043,80 (seis mil e quarenta e três euros e oitenta cêntimos) relativos a despesas nos termos previstos na alínea j) da Cláusula 8.ª das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira n.º ...; v. € 4.874,29 (quatro mil oitocentos e setenta e quatro euros e vinte e nove cêntimos), correspondente à indemnização por perdas e danos prevista no n.º 5 da cláusula 15.ª; vi. € 33.598,17 (trinta e três mil quinhentos e noventa e oito euros e dezassete cêntimos), correspondente à indemnização pela não restituição atempada, prevista no n.º 3 da Cláusula 14.ª; vii. € 273,93 (duzentos e setenta e três euros e noventa e três cêntimos), devidos a título de imposto de selo. b) Relativamente à livrança n.º ... foi aposto o valor de € 20.693,31 (vinte mil seiscentos e noventa e três euros e trinta e um cêntimos) que corresponde a: i. € 3.001,13 (três mil e um euros e treze cêntimos) relativo às prestações vencidas e não pagas datadas de entre 05 de Julho de 2015 e 05 de Outubro de 2015; ii. € 119,70 (cento e dezanove euros e setenta cêntimos) relativos às despesas de devolução das prestações não pagas; iii. € 439,02 (quatrocentos e trinta e nove euros e dois cêntimos) relativos a juros de mora; iv. € 2.914,25 (dois mil novecentos e catorze euros e vinte e cinco cêntimos) relativos a despesas de contencioso, devidas nos termos da alínea h) da Cláusula 7.ª das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira n.º ...; v. € 2.718,68 (dois mil setecentos e dezoito euros e sessenta e oito cêntimos), correspondente à indemnização por perdas e danos prevista no n.º 4 da cláusula 14.ª; vi. € 11.397,58 (onze mil trezentos e noventa e sete euros e cinquenta e oito cêntimos), correspondente à indemnização pela não restituição atempada, prevista no n.º 2 da Cláusula 13.ª; vii. € 102,95 (cento e dois euros e noventa e cinco cêntimos), devidos a título de imposto de selo.
24.- Na sequência da providência cautelar n.º 4085/15.7T8GMR-A, do J4 da 2.ª secção central cível de Guimarães da Comarca de Braga, conforme documento junto a fls. 39, as viaturas foram apreendidas e entregues à exequente.
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3.2.- Factos não provados:

Não se provaram os demais fatos alegados pelas partes que não estejam mencionados nos fatos provados ou estejam em contradição com estes, nomeadamente, os seguintes:

- Apesar do contrato ser intitulado como sendo contrato de locação financeira, decorre objetivamente das condições particulares do contrato que se tratou de um contrato de aquisição do veículo pela N. N..
- Apesar do contrato ser intitulado como sendo contrato de locação financeira, decorre objetivamente das condições particulares do contrato que se tratou de um contrato de aquisição do veículo pela N. N..
- A exequente não estava autorizada pela opoente a preencher livremente as livranças nos montantes que entendesse e muito menos estava autorizada a preencher cada uma das livranças com valores ou quantias que muito ultrapassavam os montantes em dívida aquando da resolução em 28-09-2015 dos contratos que foi feita pela exequente.
- Nunca a exequente, como portadora das duas livranças em branco comunicou à ora opoente a ia completar ou preencher, ou que a completou com os valores agora peticionados e que a exequente sabe que não tem direito a recebê-los, porque não são devidos pela sociedade N. N..
- Não existiu qualquer acordo de preenchimento das duas livranças em branco, pelo que a exequente não estava autorizada nem tinha a faculdade ou o direito de preencher as livranças introduzindo nelas quantias que sabia que não eram dívida da N. N. aquando da resolução que a exequente fez dos dois contratos.
- À data em que estes veículos foram devolvidos à exequente, estes tinham os seguintes valores comerciais: - veículo MT do ano 2012-03-30, tem o valor de mercado atual de €23.000,00- veículo NZ do ano 2013-08-26 equipado com contentor com sistema de pendurados, tem o valor de mercado atual de €25.000,00.
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Mantendo-se a matéria de facto como consta da sentença mantém-se no mais a mesma uma vez que a sua alteração passava pela alteração da matéria de facto.

Com efeito, não se provaram quaisquer factos de onde se possa concluir pelo preenchimento abusivo da livrança.
É actualmente pacifico na jurisprudência que o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele “ afiançada”, nos termos do artigo 32º da LULL, e por isso, não é necessário protesto por falta de pagamento para responsabilizar o avalista do aceitante ou subscritor da livrança, dado que o mesmo protesto já é dispensável para responsabilizar o próprio aceitante ou subscritor.

No caso, estamos, perante a denominada “livrança em branco” que é aquela a que falta algum ou alguns dos requisitos essenciais e expressamente admitida pelo art.10º da LULL, aplicável às livranças por força do art. 77º da mesma lei.

Note-se que o avalista da livrança que tenha subscrito também o pacto de preenchimento está nas relações imediatas com o portador, desde que aquela não tenha sido transmitida a terceiro.

Por isso, desde que se esteja no domínio dessa relação imediata é consentido ao avalista discutir a validade do pacto de preenchimento e também se esse acordo foi violado ou se a outra parte, procedeu de má fé ou abusivamente.

A letra ou livrança em branco destina-se, normalmente, a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior e tal entrega é acompanhada de atribuição de poderes para o seu preenchimento, o denominado «acordo ou pacto de preenchimento».


Como se decidiu no Ac. do STJ de 13.04.2011, no processo n.º 2093/04.2TBSTB-A L1.S1: “O pacto de preenchimento é um contrato firmado entre os sujeitos da relação cambiária e extracartular que define em que termos deve ocorrer a completude do título cambiário, no que respeita aos elementos que habilitam a formar um título executivo, ou que estabelece em que termos se torna exigível a obrigação cambiária, daí que esse preenchimento tenha atinência não só com o acordo de preenchimento (no fundo o contrato que, como todos, deve ser pontualmente cumprido, art. 406º, nº1, do Código Civil); esse regular preenchimento em obediência ao pacto, é o quid que confere força executiva ao título (…)“

Esse acordo pode ser expresso - quando as partes estipularam certos termos concretos – ou tácito – por estar implícito nas cláusulas do negócio subjacente à emissão do título.

No caso existiu acordo expresso, uma vez que a apelante para além de ter subscrito as livranças, subscreveu o contrato onde estava referido o pacto de preenchimento.

E como resulta do disposto nos artigos 75º e 10º da Lei Uniforme das Letras e Livranças (LULL), a lei admite e reconhece a figura da livrança incompleta ou em branco, a qual pode ser validamente completada em conformidade com o que tiver sido ajustado no âmbito da sua emissão, mediante acordo expresso ou tácito, designado por pacto de preenchimento, mormente no quadro da relação fundamental que determinou tal criação.

Uma vez completado o preenchimento da livrança, antes do vencimento, e colocada esta em circulação, a mesma passa a produzir todos os efeitos próprios da livrança.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 10.02.2003, disponível em www.dgsi.pt “nenhum obstáculo existe à perfeição da obrigação cambiária quando a livrança, incompleta, contém uma ou mais assinaturas destinadas a fazer surgir tal obrigação, ou seja, quando as assinaturas nela apostas exprimam a intenção dos respectivos signatários de se obrigarem cambiariamente, quer se entenda que a obrigação surge apenas com o preenchimento, quer antes, no momento da emissão, a ele retroagindo a efectivação constante do título por ocasião do preenchimento”.

Estamos, assim, no âmbito de uma obrigação cambiária resultante do aval prestado pela executada e ora recorrente, na medida em que, como é consabido e resulta do art. 30º da LULL, o aval é uma garantia prestada à obrigação cartular do avalizado.

Trata-se de uma obrigação própria, que é materialmente autónoma e independente da obrigação do avalizado, mantendo-se mesmo que seja nula a obrigação garantida (salvo se a nulidade desta provier de um vício de forma), mas que, formalmente, é equiparada à obrigação do avalizado, na medida em que, segundo o estabelecido no art. 32º da LULL, o avalista é considerado responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada.

Significa tudo isto que o avalista não se obriga perante o avalizado, mas sim perante o titular da livrança (ou da letra), respondendo como obrigado directo, pelo pagamento da quantia titulada na letra ou livrança.

Na expressão de Paulo Sendim (Letra de Câmbio II, pág. 728 e segs), ao dar o aval ao subscritor em livrança em branco, fica o avalista sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento, assumindo mesmo o risco de esse contrato não ser respeitado e de ter de responder pela obrigação constante do título como ela «estiver efectivamente configurada».
Ficou provado que a exequente estava autorizada a preencher a livrança entregue em branco, tendo-lhe sido dado conhecimento.

E como se refere no Ac. STJ de 01.10.98, BMJ 480, 482, o preenchimento abusivo da letra em branco na qual se funda a acção executiva constitui facto impeditivo do direito do portador exequente, cuja prova, nos termos do artigo 342º, nº 2, do Código Civil, compete ao executado opoente.

No caso não se provou qualquer facto de onde se possa concluir pelo preenchimento abusivo por parte da embargada, e pela falta de comunicação da embargada quanto ao preenchimento das livranças.

Estando provado o pacto de preenchimento, tem de entender-se que o mesmo foi efectuado correctamente, tanto mais que se não provou que o valor aposto na livrança não fosse devido, ou que já tivesse sido pago, total ou parcialmente.

Também não se verifica no caso qualquer enriquecimento ilícito por parte da embargada pelo facto de ter recuperado os dois veículos.

Conforme se refere na sentença recorrida estamos perante um contrato de leasing financeiro, contrato esse que comporta direitos e deveres das partes contratantes.

De acordo com o disposto no artigo 473º do Código Civil,
“1. Aquele que sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.”

Sendo assim, pressupostos do enriquecimento sem causa:

a) a existência de um enriquecimento;
b) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem;
c) a ausência de causa justificativa para o enriquecimento.

Não bastando, pois, que uma pessoa tenha obtido vantagem económica à custa de outra, sendo ainda necessária a ausência de causa jurídica justificativa da deslocação patrimonial (sendo apenas esta e não qualquer outra situação de enriquecimento que aqui poderá estar em causa).

Sendo, pois, necessária, repete-se, a ausência de causa jurídica para a recepção da prestação que foi realizada.


Como se refere no Ac. do STJ de 2 de Julho de 2009, disponível em www.dgsi.pt “cabendo ao autor que pede a restituição com base no enriquecimento da ré à sua custa sem causa justificativa, por força do preceituado no art. 342º, nº 1 do CC, o ónus de alegação e prova dos referidos pressupostos, designadamente, o ónus da prova da ausência de causa da sua prestação pecuniária , sendo a carência de causa justificativa da deslocação patrimonial facto constitutivo de quem requer a restituição.
Onerando, assim, o autor, que invocou o direito em referência, com a sua prova (citado art. 342º, nº 1).
Tendo, pois, a falta de causa de ser não só alegada, como também provada, por quem pede a restituição.
Não bastando, segundo as regras do ónus da prova, que não se prove a existência de uma causa da atribuição, sendo preciso convencer o tribunal da falta de causa .

Devendo o enriquecimento ser reputado sem justa causa quando o direito o não consente ou aprova e quando no caso concreto se não configure uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial operada.

Traduzindo-se, em suma, a falta de causa justificativa na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento”.

No caso dos autos não se provou qualquer dos requisitos, assim como a recuperação dos veículos se insere dentro do contrato efectuado.

No que concerne a alegada nulidade das cláusulas gerais invocada no recurso e em requerimento posterior a petição de embargos, para além de nada se ter provado a tal respeito concordamos com a sentença recorrida quando refere que a embargante não pode invocar a nulidade das cláusulas, que nem sequer concretiza, e ao mesmo tempo alegar o preenchimento abusivo da livrança.

Improcede, deste modo, o recurso.

Em síntese, a letra ou livrança em branco destina-se, normalmente, a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior e tal entrega é acompanhada de atribuição de poderes para o seu preenchimento, o denominado «acordo ou pacto de preenchimento».

O preenchimento abusivo da letra em branco na qual se funda a acção executiva constitui facto impeditivo do direito do portador exequente, cuja prova, nos termos do artigo 342º, nº 2, do Código Civil, compete ao executado opoente.
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III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 4 de Outubro de 2018.

Conceição Bucho
Maria Luísa Ramos
Jorge Teixeira