Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4761/15.4T8GMR.G1
Relator: MARIA CRISTINA CERDEIRA
Descritores: HERANÇA
EMENDA DA PARTILHA
DIREITO À MEAÇÃO
COMUNHÃO HEREDITÁRIA
USO DA COISA COMUM
BENFEITORIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I) - A conversão supõe a invalidade integral do negócio e a sua substituição por outro do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, sendo ainda necessário, de acordo com a parte final do artº. 293º do Código Civil, que a conversão se harmonize com a vontade hipotética ou conjectural das partes.

II) - Sendo a herança uma universalidade jurídica de bens, cada interessado não tem uma quota-parte em cada um de todos esses bens mas uma quota referida àquela universalidade, ao conjunto de todos os bens, só pela partilha se determinando aqueles em que se concretiza a quota-parte ou quinhão de cada interessado.

III) - O que aos adquirentes do direito à meação e ao quinhão hereditário fica atribuída é a possibilidade de poder exercer naquela universalidade jurídica um seu direito próprio perante os restantes interessados no "direito à meação” e no “quinhão hereditário”, designadamente legitimando-os a, com vista a concretizar esta sua prerrogativa, se e quando assim o entenderem, darem os passos necessários tendentes a haver para si a quota-parte dos bens determinados que integram tal herança.

IV) - Os herdeiros são apenas titulares de um direito sobre o conjunto da herança e não sobre bens certos e determinados desta. A contitularidade do direito à herança implica um direito a uma parte ideal desta considerada em si mesma e não sobre cada um dos bens que a compõem, desconhecendo-se sobre qual ou quais deles o direito hereditário se concretizará.

V) - Por força do disposto no artº. 1404º do Código Civil, as regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão ou contitularidade de direitos dos consortes numa herança.

VI) - De acordo com o disposto nos artºs 1403º, nº. 2, 1405º, nº. 1 e 1406º “ex vi” do artº. 1404º todos do Código Civil, a Ré, ao adquirir o direito à meação e quota hereditária da inventariada na herança aberta por óbito de seu marido, assim como os demais herdeiros, têm direito a utilizar um bem dessa herança (neste caso, o prédio identificado nos autos) na proporção das respectivas quotas e com as restrições previstas naqueles preceitos legais, podendo, ainda, praticar actos de administração dessa coisa comum, nos quais se incluem a sua conservação ou beneficiação, com as limitações estabelecidas no artº. 1407º que remete, com as necessárias adaptações, para o disposto no artº. 985º ambos do Código Civil.

VII) - Tendo a Ré adquirente do direito à meação e quota hereditária da inventariada na herança aberta por óbito de seu marido, após a celebração da escritura de compra e venda de um imóvel (cujo objecto foi posteriormente, em sede de processo de inventário, rectificado para o aludido “direito à meação e quota hereditária”) e até à sua citação para a presente acção, realizado obras de recuperação no imóvel por estar convicta de que havia adquirido a totalidade do prédio, e caso venha a ser requerida a cumulação de inventários, tem aquela a possibilidade de reclamar como crédito da herança o montante por ela gasto na realização de tais obras; ou de, em acção autónoma, vir pedir a anulação da venda e uma indemnização pela realização de benfeitorias necessárias no referido imóvel, se se verificarem os necessários pressupostos, ou caso pretenda manter a validade da venda, a sua pretensão restringir-se-ia apenas ao reembolso do montante por ela despendido com a realização de tais benfeitorias, sob pena de enriquecimento sem causa.

VIII) - A administração da herança, até à liquidação e partilha, pertence ao cabeça-de-casal, nos termos do artº. 2079º do Código Civil, podendo incluir-se nos actos de administração a praticar pelo cabeça-de-casal aqueles que sejam necessários à conservação e reparação do património em partilha, por forma a que este não se deteriore ou fique destruído pelo decurso do tempo.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Maria intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra António e Sofia, pedindo a condenação destes a:

a) reconhecer a qualidade sucessória da Autora como herdeira legítima da herança de António;
b) restituir a parte da herança de António à Autora e demais herdeiros, que se concretizará condenando os Réus a:
b.1) parar as obras que estão a realizar no imóvel e abster-se de realização de outras obras;
b.2) permitir a entrada no imóvel da Autora e a usufruir do mesmo;
b.3) demolir as obras efectuadas, repondo o imóvel e muros no estado em que se encontravam antes da sua intervenção;
b.4) consultar a Autora, na qualidade de herdeira, sobre as alterações que pretende efectuar no imóvel, bem como sobre o destino a dar ao mesmo;
c) condenados em sanção pecuniária compulsória diária, nos termos do artº. 829º-A do Código Civil, nunca inferior a € 50 por cada dia de incumprimento do exposto em 15. e 19. da petição inicial.
Subsidiariamente, pede a condenação dos Réus a pagarem-lhe o valor de € 22,50/mês, em face da sua titularidade de 7,5% do imóvel, a título de indemnização pela ocupação do mesmo, desde Outubro de 2014 até desocupação ou partilha definitiva do mesmo, perfazendo, nesta data, o valor de € 225,00.
Para tanto, alega, em síntese, que a Autora e o 1º Réu são filhos e herdeiros de António e Manuela, sendo a 2ª Ré filha do 1º Réu.
No processo de inventário nº. 1978/10.1TBGMR, que correu termos na Comarca de Braga – Guimarães – Instância Local – J4, por óbito de Manuela, no estado de viúva, entre outros bens, foi relacionado sob a verba nº. 3, o prédio urbano identificado no artº. 4º da petição inicial.

Em audiência de tentativa de conciliação realizada em 24/10/2014, foi a referida verba rectificada para o direito à meação e à quota hereditária da inventariada Manuela na herança aberta por óbito de António, dado não ter ocorrido naqueles autos a cumulação de inventários dos dois falecidos e, consequentemente, a 2ª Ré, que tinha adquirido a propriedade do imóvel mediante escritura pública de compra e venda efectuada em 3/10/2013, com o despacho proferido no processo de inventário, viu tal aquisição reduzida ao referido direito, o mesmo se dizendo relativamente à inscrição de aquisição a favor da 2ª Ré no registo predial, o qual é inválido.
Refere, ainda, que apesar de ter sido notificada, em audiência de conferência de interessados, para o direito de anulação da aludida escritura, a 2ª Ré nada requereu.

Dado que o negócio mantém todos os requisitos substanciais e de forma, e as partes ainda mantém o interesse no mesmo (a inexistência de processo de anulação da escritura por parte da compradora e vendedores é sintomático desse sentimento), pode o mesmo ser convertido, nos termos do artº. 293º do Código Civil, em escritura de compra e venda do direito à meação e quota hereditária da inventariada na herança aberta por óbito de António.
Acontece que, desde finais de Outubro de 2014, na sequência da sentença proferida no processo de inventário e não obstante o despacho proferido, os 1º e 2º RR. ocuparam o imóvel da herança e aí realizaram obras, sem o conhecimento e autorização dos demais titulares do direito à herança, apesar de saberem que não eram titulares nem proprietários da totalidade do imóvel, e sem o devido licenciamento municipal (descriminando algumas dessas obras), não permitindo o acesso dos demais herdeiros ao mesmo.

A 2ª Ré apresentou contestação, alegando que o prédio em questão foi adquirido na sua plenitude pela Ré, mediante venda por negociação particular, não tendo a questão suscitada no inventário posto em causa a venda, que se manteve, cabendo o direito de anulação apenas à adquirente, ou seja, à aqui 2ª Ré, devendo apenas ser intentada uma acção de cumulação de inventários de António e Manuela, por forma a actualizar o estado do registo de aquisição do imóvel, que está provisório por dúvidas.

Refere, ainda, que pagou em termos totais o montante que apresentou na proposta de aquisição a que nenhum herdeiro se opôs, não tendo a 2ª Ré visto a sua posição de proprietária do imóvel ser reduzida a um mero direito de aquisição, o que significa que a A. não é titular de qualquer direito de propriedade ou outro sobre o imóvel em causa, nem qualquer outro herdeiro de António.
Acrescenta que se a A. não concordou com o despacho exarado pelo Tribunal (que manteve a venda, sem prejuízo do direito de anulação que poderá caber à adquirente), deveria aquela ter recorrido do mesmo e não se socorrer de uma nova acção.
Admite ter procedido à realização de obras no referido imóvel, mas sendo a 2ª Ré proprietária do mesmo, não tem que pedir autorização para a realização de quaisquer obras a pessoas que já tiveram a qualidade sucessória do imóvel, mas que presentemente não detêm.

Conclui, pugnando pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido, e pedindo a condenação da Autora como litigante de má-fé.

A A. apresentou resposta, mantendo a posição assumida na petição inicial e pugnando pela improcedência do pedido de condenação por litigância de má-fé.

Foi realizada a audiência prévia, com tentativa de conciliação.
A fim de se poder decidir sobre a validade do negócio, foi determinada a notificação da A. para apresentar petição inicial aperfeiçoada e chamar a juízo os restantes herdeiros interessados.

A Autora apresentou nova petição inicial contra:
1. António,
2. Sofia,
3. José,
4. Joaquim,
5. Francisco,
pedindo, a final, que:

a) se declare inválida e sem qualquer efeito, a escritura pública de compra e venda efectuada em 3/10/2013 e lavrada a fls. 135 a 136 do livro de escrituras diversas nº. 93-C, do Cartório Notarial de Carla, sito na … Caldas de Vizela;
b) ser o negócio convertido, nos termos do artº. 293º do Código Civil, em escritura de compra e venda do direito à meação e quota hereditária da inventariada na herança aberta por óbito de António;
c) se declare inválida e sem qualquer efeito, a inscrição de aquisição a favor da 2ª Ré efectuada na ficha do imóvel dos autos – ficha ... da freguesia de …, mormente a Ap. 2296 de 2013/11/05;
d) serem os Réus condenados a reconhecer a qualidade sucessória da Autora como herdeira legítima da herança de António, ou seja, do referido imóvel;
e) serem os 1º e 2º RR. condenados a restituir a parte da herança de António à Autora e demais herdeiros;
f) serem os 1º e 2º RR. condenados a parar as obras que estão a realizar no imóvel e abster-se de realização de outras obras;
g) serem os 1º e 2º RR. condenados a permitir a entrada no imóvel da herança da Autora e a usufruir do mesmo;
h) serem os 1º e 2º RR. condenados a demolir as obras efectuadas, repondo o imóvel e muros no estado em que se encontravam antes da sua intervenção;
i) serem os 1º e 2º RR. condenados a consultar a Autora, na qualidade de herdeira, sobre as alterações que pretendem efectuar no imóvel, bem como sobre o destino a dar ao mesmo;
j) sejam condenados os 1º e 2º RR. em sanção pecuniária compulsória diária, nos termos do artº. 829º-A do Código Civil, nunca inferior a € 50 por cada dia de incumprimento do exposto em 16. a 20. da petição inicial;
k) Subsidiariamente, sejam condenados os 1º e 2º RR. a pagar o valor de € 22,50/mês à Autora, em face da sua titularidade de 7,5% do imóvel, a título de indemnização pela ocupação do mesmo, desde Outubro de 2014 até desocupação ou partilha definitiva daquele, perfazendo, na data da apresentação da petição inicial, o valor de € 405,00.

A 2ª Ré reiterou a contestação apresentada, impugnando os factos alegados pela Autora.

Foi proferido despacho saneador no qual se procedeu ao saneamento da acção, verificando-se a validade e regularidade da instância.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.
Após, foi proferida sentença que julgou a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os Réus dos pedidos.

Inconformada com tal decisão, a Autora dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

1 – O que está em causa no presente recurso é saber se a douta sentença recorrida julgou corretamente a questão subjacente aos autos e se os pedidos efetuados pela Autora na sua petição inicial, foram bem decididos ao terem sido julgados totalmente improcedentes.
2 - Salvo o devido respeito, que é muito, não se poderá concordar totalmente com o entendimento perfilhado pela Meritíssima Juiz a quo.
3 – NULIDADE DA SENTENÇA: Apesar do dispositivo somente constar a improcedência da acção, na fundamentação da mesma constam referências e menções várias que implicam a nulidade da sentença.
4 - Nomeadamente e em termos genéricos a sentença a quo considera que a Ré Sofia, ora Recorrida, é proprietária da totalidade do imóvel que era pertença dos pais da Autora. Tal consideração vai totalmente em contrário quer contra o ponto 8. dos factos dados como provados, bem como contra uma sentença já transitada em julgado.
5 - Mais, a sentença a quo efetua considerações de questões de que não podia apreciar, pois a Ré na sua contestação não deduziu qualquer pedido reconvencional no sentido de lhe ser reconhecida a propriedade do imóvel.
6 - Aliás, desde que no processo 1978/10.1TBGMR, na audiência de tentativa de conciliação realizada em 24/10/2014, foi tal verba retificada para o direito à meação e à quota hereditária da inventariada Manuela na herança aberta por óbito de António, que a Ré não fez qualquer diligência judicial no sentido de anular a escritura ou alegar a sua propriedade plena.
7 - Assim, tendo a referida decisão de retificação da verba transitado em julgado, a sentença a quo nunca poderia considerar que a Ré detém a propriedade plena sobre o imóvel, ou seja, verifica-se uma violação de uma sentença judicial e do princípio do caso julgado.
8 - Por outro lado, apesar da sentença considerar 10 factos como provados, a sentença a quo somente refere a fundamentação para os pontos 1 a 7, não mencionando especificamente a motivação para os demais factos provados, pelo que, também é nula a sentença por tal facto.
9 - Na Douta Sentença, que aqui se recorre, foram dados como provados os seguintes factos:

1. A Autora e 1.º, 3.º, 4.º e 5.º Réus são filhos e únicos herdeiros de António e Manuela; a 2.ª Ré é filha do 1.º Réu.
2. Por óbito de Manuela, no estado de viúva, foi requerido inventário, que correu termos no, então, 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães, sob o n.º 1978/10.1TBGMR.
3. Entre outros bens, foi relacionado sob a verba n.º 3, o prédio urbano destinado a habitação composto de rés-do-chão e logradouro, sito no lugar dos …, da freguesia de …, da cidade de Vizela, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º … e inscrito na matriz urbana respetiva sob o artigo ....
4. Na falta de licitação, em sede de conferência de interessados de 28 de maio de 2012, foi acordada a venda do imóvel por negociação particular.
5. No dia 3 de outubro de 2013, D. F., na qualidade de agente de execução nomeado para a venda, outorgou escritura pública de venda do referido prédio a Sofia, aqui 2.ª Ré, pelo preço de dez mil euros.
6. Pela ap. 2296 de 2013/11/05, foi registada a aquisição a favor da 2ª Ré, a título provisório por dúvidas.
7. Em audiência de tentativa de conciliação realizada em 24/10/2014, foi alegado que o imóvel partilhado encontrava-se titulado a favor da inventariada e do seu falecido marido, pelo que a verba deveria ter contemplado apenas o direito à meação e à quota hereditária da inventariada na herança aberta por óbito de António; foi aí decidida a emenda à partilha nos seguintes termos: “deferindo-se parcialmente o requerido a fls. 437 (mas mantendo-se a venda, sem prejuízo do direito de anulação que poderá caber à adquirente), [...] determino a retificação da verba n.º 3, de fls. 180, no sentido de ali passar a constar o seguinte: «Direito à meação e quota hereditária da inventariada na herança aberta por óbito de António» e, em consequência do objeto da venda titulada pela escritura pública de fls. 309 a 311, no sentido de coincidir com aquela.”
8. O referido prédio confronta com um prédio urbano da Autora.
9. Depois da celebração da escritura e até à citação para a presente ação, a 2.ª Ré, na qualidade de proprietária do prédio, e com a ajuda, entre outros, do 1.º Réu, seu pai, procedeu a obras de recuperação da habitação, designadamente, nas placas de piso, nas placas de isolamento, telhado e caleiros, muros, saneamento e águas pluviais, pintura da casa, trabalho de eletricidade e pichelaria e colocação de portões.
10. A 2.ª Ré pagou o preço correspondente à totalidade do imóvel que à data adquiriu, não tendo havido oposição dos restantes Réus na manutenção da venda e na realização das obras.
10 – A - CONTRADIÇÃO ENTRE FACTOS DADOS COMO PROVADOS E FUNDAMENTAÇÃO - Consta como facto provado n.º 10, o seguinte: “A 2.ª Ré pagou o preço correspondente à totalidade do imóvel que à data adquiriu, não tendo havido oposição dos restantes Réus na manutenção da venda e na realização das obras.” Ora, consta na fundamentação da matéria de facto o seguinte: “(…) A Autora, em declarações de parte, admite que venderam a casa e só depois se terão apercebido do erro no inventário, tendo pedido a retificação. Além do mais, tentou ainda impedir a realização das obras, já iniciadas antes da retificação, não o tendo conseguido, até ser intentada a presente ação (…)” Ora, verifica-se claramente a oposição entre os mesmos. A Autora referiu tal factualidade no seu depoimento de parte, pelo que, o ponto 10. dos factos dados como provados, nunca o poderia ter sido dado como provado.
11 - Na verdade, entende a Recorrente, que o Tribunal a quo deveria ter proferido uma sentença diversa, tendo tal convicção decorre, quer dos próprios factos dados como provados, documentos dos autos, bem como dos depoimentos gravados em sede de audiência de julgamento e que, em seu entender, impunham uma decisão diferente quanto à matéria de facto dada como provada e não provada, bem como uma decisão diferente quanto à matéria de direito, como aliás se refere na motivação supra.
12 – Nunca o tribunal a quo poderia ter considerado o facto provado n.º 10 como tal, tal facilmente resulta pela analise da documentação dos autos e do depoimento das seguintes testemunhas:

- Hugo prestado em 07/07/2017, pelas 14:38:15 horas até às 14:55:20, excertos transcritos relativos aos períodos compreendidos entre os 4:35 aos 4:43 segundos, 6:50 aos 7:10 segundos, 7:40 aos 7:53 segundos, da gravação.
- J. J. prestado em 07/07/2017, pelas 14:53:23 horas até às 15:10:27, excertos transcritos relativos aos períodos compreendidos entre os 6:30 aos 6:59 segundos da gravação.
- J. M. prestado em 07/07/2017, pelas 15:10:30 horas até às 15:22:37, excertos transcritos relativos aos períodos compreendidos entre os 3:20 aos 3:33 segundos, 4:12 aos 4:20 segundos, 4:55 aos 5:05 segundos, da gravação.
- C. F. prestado em 07/07/2017, pelas 15:40:13 horas até às 15:52:37, excertos transcritos relativos aos períodos compreendidos entre os 1:15 aos 1:36 segundos, 2:25 aos 2:55 segundos, da gravação.
13 – Também deveria ter sido considerado de outra forma, as declarações de parte da Autora, mormente pela analise dos excertos transcritos relativos aos períodos compreendidos entre os 2:20 aos 2:45 segundos, 8:55 aos 9:25 segundos, 27:38 aos 28:40 segundos, 32:10 aos 32:55 segundos, 59:30 aos 51:02 segundos, da gravação.
14 – Face à prova documental e testemunhal supra referida, devem ainda serem dado como provados os seguintes factos:
1 - a oposição por parte da Autora à venda à Ré Sofia;
2 - Era do conhecimento geral de todos e aceite por todos os herdeiros e adquirente de que não podia ser vendido a totalidade do imóvel, tendo-se procedido à retificação da verba n.º 3 da partilha;
3 - à Autora não lhe era permitida a entrada no imóvel, bem como não é tida em conta na sua gestão e administração.
4 - Falta de segurança e desconformidade do muro realizado pela Ré Sofia.
15 – DO DIREITO - É notório o erro da sentença a quo na interpretação do despacho proferido no processo 1978/10.1TBGMR. Não existe dúvida de que o despacho do referido processo manteve a validade da escritura de compra e venda, mas alterou o seu objecto de venda no sentido de coincidir com o despacho de retificação da verba. Aliás foi no despacho determinada a comunicação ao Cartório onde foi elaborada a escritura.
16 - A Ré Sofia estando presente na referida audiência tomou conhecimento de tal decisão e consequências, sabendo nesse momento que o objecto da escritura realizada passou da totalidade do imóvel para o direito à meação e quota hereditária. Mais, tomou conhecimento que, caso assim o entendesse e não estivesse satisfeita com tal decisão requerer a anulação da venda, mas não o fez.
17 - Transitada em julgado a sentença homologatória da partilha, a sua alteração, por erro de facto na descrição ou qualificação de bens assim como por qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes, e/ou a anulação da mesma partilha, só pode ser obtida por uma das vias previstas nos artigos 1386.º do C.P.C. - se houver acordo de todos os interessados, processando-se o incidente nos próprios autos de Inventário; 1387.º do mesmo Cód. - (na falta de acordo) em acção comum, a intentar no prazo de um ano a contar do conhecimento do erro; e 1388.º - pela interposição de recurso de revisão (quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada), todos do C.P.C. No inventário dos presentes autos, procedeu-se à retificação por acordo de todos.
18 - Do exposto resulta que, com o despacho e a não oposição dos presentes, tudo ficou sanado no processo de inventário, não existindo qualquer protecção da adquirente em relação à aquisição da totalidade do imóvel.
19 - Pelo que, nunca estaríamos perante uma venda de um bem não pertença à herança, nem uma venda de bens alheios.
20 - Se fosse aplicável o instituto da venda de bens alheios, salvo melhor opinião, pela realização da audiência e retificação da verba e escritura, verificou-se a convalidação do contrato e transformação do mesmo em aquisição do direito, sem oposição da Ré Sofia, podendo, efetuar-se a conversão do negócio jurídico aplicada por analogia aos negócios ineficazes, o que fez o referido despacho.
21 - Relativamente ao instituto de venda de bens alheios invocado pela sentença a quo, e, sem prescindir do supra exposto, existe também jurisprudência que defende a sua não aplicação à partilha de bens, mormente: “I – a partilha de bens que não pertencem ao acervo hereditário ou sem que nela participem todos os herdeiros, não é nula, mas ineficaz em sentido estrito. II - tendo a partilha caracter declarativo, e não constitutivo ou translativo, não se lhe aplica o regime previsto para a venda de bens alheios, no artigo 892º, por força do artigo 939º, ambos do CC (…) STJ 20-6-2000; CJ/STJ, 2000, 2º-123).
23 - Também não é aplicar aos presentes autos o artigo 2076º do Código Civil, aliás, como supra referido, face à presença da Ré e adquirente Sofia na audiência e trânsito em julgado da sentença do despacho de retificação, a mesma não pode gozar de qualquer proteção legal.
24 - Por ultimo, e, salvo melhor opinião, dado que o negocio mantem todos os requisitos substanciais e de forma, e, bem ainda as partes mantem o interesse no mesmo – inexistência de nenhum processo de anulação da escritura por parte da compradora e vendedores é sintomático desse sentimento – pode o mesmo ser convertido, nos termos do artigo 293º do Código Civil, em escritura de compra e venda do direito à meação e quota hereditária da inventariada na herança aberta por óbito de António, o que se peticionou.
25 - Ora, não restando dúvida sobre o que adquiriu efetivamente a Ré Sofia, e, verificando-se a propriedade de parte do imóvel ainda é pertença em parte dos herdeiros de António, foi demonstrado que os 1º e 2º Réus impedem os demais herdeiros, entre os mesmos a Autora de usar e usufruir do mesmo.
26 - Subsidiariamente, e, caso o supra exposto não seja atendido o que não se aceita, nem se concede, e, somente se coloca a presente hipótese para mero efeito de raciocínio, não existem dúvidas sobre a contitularidade do imóvel. Ora, em face dessa contitularidade, um dos mesmos, não pode ocupar e usar tal bem, sem o consentimento e autorização dos demais, que nunca foi dado pela Autora, nem solicitados pelos Réus.
27 - Pertencendo o imóvel à herança indivisa, e, caso o mesmo fosse arrendado, permitiria um rendimento mensal para os herdeiros, pelo que, e, em face da ocupação que efetuaram, devem os Réus ser condenados a pagar à Autora em liquidação de sentença, um valor a titulo de indemnização, pela ocupação de um imóvel que não lhes pertence na totalidade, em face da quota-parte que lhe possui como herdeira.
28 - Assim, e, em face do supra exposto, entende a Recorrente, que o Tribunal a quo deveria ter proferido uma sentença nos seguintes termos, mormente:

a) Declarar inválida e sem qualquer efeito, a escritura pública de compra e venda efetuada em 03/10/2013, e, lavrada a fls. 135 a 136, do livro de escrituras diversas n.º …, do Cartório Notarial de Carla, sito na Praceta … Caldas de Vizela;
b) Ser o negócio convertido, nos termos do artigo 293º do Código Civil, em escritura de compra e venda do direito à meação e quota hereditária da inventariada na herança aberta por óbito de António;
c) Declarar inválida e sem qualquer efeito, a inscrição de aquisição a favor da 2ª Ré efetuada na ficha do imóvel dos autos – ficha ... da freguesia … Caldas de Vizela, mormente a Ap. 2296 de 2013/11/05;
d) Serem os Réus condenados a reconhecer a qualidade sucessória da Autora como herdeira legítima da herança de António, ou seja, do referido imóvel;
e) Serem os 1º e 2º Réus condenados a restituir a parte da herança de António à Autora e demais herdeiros;
f) Serem os 1º e 2º Réus condenados a parar as obras que estão a realizar no imóvel e abster-se de realização de outras obras;
g) Serem os 1º e 2º Réus condenados a permitir a entrada no imóvel da herança da Autora e a usufruir do mesmo;
h) Serem os 1º e 2º Réus condenados a demolir as obras efetuadas, repondo o imóvel e muros no estado em que se encontrava antes da sua intervenção;
i) Serem os 1º e 2º Réus condenados a consultar a Autora, na qualidade de herdeira, sobre as alterações que pretende efectuar no imóvel, bem como sobre o destino a dar ao mesmo;
j) Condenados os 1º e 2º Réus em sanção pecuniária compulsória diária, nos termos do 829º-A do Código Civil, nunca inferior a € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia, de incumprimento do exposto em 16. a 20. da PI.
k) Subsidiariamente, condenar os 1º e 2º Réus a pagar um valor a fixar em liquidação de sentença por mês à Autora, em face da sua titularidade de 7,5% do imovel, a título de indemnização pela ocupação deste, desde Outubro de 2014 até desocupação ou partilha definitiva do mesmo;
Termina entendendo que deve ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a decisão recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 322, no qual a Mª Juíza “a quo” se pronunciou sobre a questão da nulidade da sentença, indeferindo as nulidades suscitadas pela recorrente por violação do princípio do caso julgado e por apreciação de uma questão de que não podia tomar conhecimento, por não peticionada e ainda por falta de fundamentação da sentença, entendendo que:
«Por um lado, o primeiro dos pedidos em causa, e questão a decidir, era precisamente a validade da escritura e sua eficácia para a Ré, pelo que não se vislumbra como não poderia o Tribunal deixar de sobre ela se pronunciar.
Por outro lado, a referência expressa apenas aos factos 1 a 7 na fundamentação, são precisamente aos factos que não foram objeto de prova, por se encontrarem provados por acordo ou documento, tendo a motivação da sentença recaído precisamente sobre os restantes factos».
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante NCPC), aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.

Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pela Autora, delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:

I) – Nulidade da sentença recorrida;
II) – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
III) – Saber se deverá ser alterada a solução jurídica da causa.

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos [transcrição]:

1. A Autora e 1.º, 3.º, 4.º e 5.º Réus são filhos e únicos herdeiros de António e Manuela; a 2.ª Ré é filha do 1.º Réu.
2. Por óbito de Manuela, no estado de viúva, foi requerido inventário, que correu termos no, então, 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães, sob o n.º 1978/10.1TBGMR.
3. Entre outros bens, foi relacionado sob a verba n.º 3, o prédio urbano destinado a habitação composto de rés-do-chão e logradouro, sito no lugar dos ..., da freguesia ..., da cidade de Vizela, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º ... e inscrito na matriz urbana respetiva sob o artigo ....
4. Na falta de licitação, em sede de conferência de interessados de 28 de maio de 2012, foi acordada a venda do imóvel por negociação particular.
5. No dia 3 de outubro de 2013, D. F., na qualidade de agente de execução nomeado para a venda, outorgou escritura pública de venda do referido prédio a Sofia, aqui 2.ª Ré, pelo preço de dez mil euros.
6. Pela ap. 2296 de 2013/11/05, foi registada a aquisição a favor da 2ª Ré, a título provisório por dúvidas.
7. Em audiência de tentativa de conciliação realizada em 24/10/2014, foi alegado que o imóvel partilhado encontrava-se titulado a favor da inventariada e do seu falecido marido, pelo que a verba deveria ter contemplado apenas o direito à meação e à quota hereditária da inventariada na herança aberta por óbito de António; foi aí decidida a emenda à partilha nos seguintes termos: “deferindo-se parcialmente o requerido a fls. 437 (mas mantendo-se a venda, sem prejuízo do direito de anulação que poderá caber à adquirente), […] determino a retificação da verba n.º 3, de fls. 180, no sentido de ali passar a constar o seguinte: «Direito à meação e quota hereditária da inventariada na herança aberta por óbito de António» e, em consequência do objeto da venda titulada pela escritura pública de fls. 309 a 311, no sentido de coincidir com aquela.”
8. O referido prédio confronta com um prédio urbano da Autora.
9. Depois da celebração da escritura e até à citação para a presente ação, a 2.ª Ré, na qualidade de proprietária do prédio, e com a ajuda, entre outros, do 1.º Réu, seu pai, procedeu a obras de recuperação da habitação, designadamente, nas placas de piso, nas placas de isolamento, telhado e caleiros, muros, saneamento e águas pluviais, pintura da casa, trabalho de eletricidade e pichelaria e colocação de portões.
10. A 2.ª Ré pagou o preço correspondente à totalidade do imóvel que à data adquiriu, não tendo havido oposição dos restantes Réus na manutenção da venda e na realização das obras.

Por outro lado, relativamente a factos não provados, consta da sentença recorrida o seguinte [transcrição]:

«Com interesse para a boa decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos acima não descritos ou com estes em contradição, com exclusão sobre considerações jurídicas, conclusões ou juízos de valor e factos não essenciais à decisão da causa, nomeadamente, não resultou provado que as obras se iniciaram depois de outubro de 2014; que o imóvel foi ocupado sem o conhecimento e autorização dos demais titulares do direito à herança; que à data soubesse que não era proprietária; que foi construído um muro que necessitava de licenciamento e que não reúne condições de estabilidade e segurança necessária, colocando em risco a saúde e a vida da família da Autora e das pessoas que frequentam a sua habitação; que as condições permitissem o arrendamento por montante de 300,00 €/mês».
*
Apreciando e decidindo.

I)Nulidade da sentença recorrida:

Invoca a recorrente a nulidade da sentença por falta de fundamentação prevista no artº. 615º, nº. 1, al. b) do NCPC, alegando que, apesar da sentença considerar 10 factos como provados, na mesma apenas se refere a fundamentação para os pontos 1 a 7, não mencionando especificadamente a motivação para os demais factos provados.
Por outro lado, segundo a recorrente a sentença enferma da nulidade prevista no artº. 615º, nº. 1, al. d), 2ª parte do NCPC, porque a mesma efectua considerações sobre questões de que não podia apreciar (excesso de pronúncia), alegando, em síntese, que:

- em termos genéricos, a sentença recorrida considera que a Ré Sofia é proprietária da totalidade do imóvel que era pertença dos pais da Autora, o que vai contra o ponto 8 dos factos provados, bem como contra uma sentença já transitada em julgado;
- a sentença “a quo” efectua considerações de questões de que não podia apreciar, pois a Ré na sua contestação não deduziu qualquer pedido reconvencional no sentido de lhe ser reconhecida a propriedade do imóvel, sendo que desde que na audiência de tentativa de conciliação realizada em 24/10/2014, no processo nº. 1978/10.1TBGMR, foi tal verba rectificada para o direito à meação e à quota hereditária da inventariada Manuela na herança aberta por óbito de António, a Ré não fez qualquer diligência judicial no sentido de anular a escritura ou alegar a sua propriedade plena, apesar de ter estado presente naquela diligência;
- tendo a referida decisão de rectificação da verba transitado em julgado, a sentença nunca poderia considerar que a Ré Sofia detém a propriedade plena sobre o imóvel, verificando-se a violação de uma sentença judicial e do princípio do caso julgado.
Como decorre do disposto no artº. 615º, nº. 1 do NCPC, e no que para o caso releva, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão [alínea b)] ou quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento [alínea d)].
Vejamos se a decisão recorrida padece das nulidades invocadas.
Como é sabido, constitui entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que a nulidade prevista na mencionada al. b) do nº. 1 do artº. 615º do NCPC apenas se verifica quando haja falta absoluta, ausência total de fundamentação de facto e de direito que justificam a decisão, e não quando a fundamentação seja simplesmente deficiente, incompleta, medíocre ou mesmo errada, pois neste caso afecta apenas o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a tão só ao risco de ser revogada ou alterada em sede de recurso, mas não produz nulidade (cfr. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 140 e Prof. Lebre de Freiras, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, pág. 707; acórdãos do STJ de 21/12/2005, proc. nº. 05B2287 e de 19/09/2006, proc. nº. 06A2230; acórdãos da RE de 8/04/2014, proc. nº. 1166/13.5TBABT-C e de 19/06/2014, proc. nº. 70/09.6TBMMN, todos acessíveis em www.dgsi.pt).

Neste sentido, relativamente à fundamentação de facto, só a falta de concretização dos factos provados que servem de base à decisão, permite que seja arguida a nulidade da sentença.
Quanto à fundamentação de direito, o julgador não tem de analisar, um por um, todos os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões por elas suscitadas; não se lhe impõe, por outro lado, que indique cada uma das disposições legais em que se baseia a decisão – nesta parte, a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador (cfr. Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 11ª ed., Agosto de 2013, Almedina, pág. 399 e Juiz Conselheiro Francisco Manuel Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, Abril de 2015, Almedina, pág. 369 e 370).

Ora, na sentença recorrida o Tribunal “a quo” deu como provados 10 factos e na fundamentação de facto mencionou especificadamente a motivação quanto aos factos nºs 1 a 7, que são os que resultaram provados por acordo das partes ou por documentos juntos aos autos, fazendo referência expressa a esses documentos (certidão do processo de inventário de fls. 29 e 35, escritura de fls. 71 e registo provisório de fls. 74), que não foram impugnados.

Embora na fundamentação não se tenha feito menção expressa aos demais factos dados como provados (pontos 8 a 10), afigura-se-nos que o Tribunal “a quo” explana a sua convicção relativamente a estes factos provados, analisados no seu conjunto, quando refere, na “motivação de facto”, o seguinte:

«A confrontação dos prédios e obras realizadas não foi colocada em causa pela Ré, em sede de contestação.
Em audiência de discussão e julgamento, foram ouvidas testemunhas que estiveram a realizar obras no referido prédio – Hugo, J. J., A. B. e Joaquim –, e ainda outras, que as terão visto, vizinhas ou visitas de casa da Autora – J. M., A. N. e C. F. –, que depuseram sobre os factos por si presenciados e que se nos afiguraram como verdadeiros. Atendendo ao decurso do tempo, nenhuma soube concretizar com certeza o tempo em que as obras foram feitas, sendo certo que admitiram que as mesmas pararam sem estarem concluídas, por problemas surgidos, designadamente, de acordo com o testemunho de Hugo, por ter sido intentada a presente ação.
Ainda de acordo com esta testemunha, namorado da Ré há 12 anos, depois de comprada e restaurada, pretendiam lá morar, nunca tendo sido colocada em causa que a casa foi totalmente comprada e paga pela Ré, só surgindo o problema com esta ação, altura em que pararam.
A Autora, em declarações de parte, admite que venderam a casa e só depois se terão apercebido do erro no inventário, tendo pedido a retificação. Além do mais, tentou ainda impedir a realização das obras, já iniciadas antes da retificação, não o tendo conseguido, até ser intentada a presente ação.
Do seu depoimento percebe-se que, por outras razões, não concordou com o desfecho do inventário, esclareceu que o mesmo já não se passa com os outros herdeiros.

De resto, também o irmão Joaquim, aqui Réu, veio em depoimento de parte afirmar que, para ele, a casa foi vendida à sobrinha e não tem mais nada a ver com a situação, tendo recebido a sua parte respeitante à venda e tendo inclusivamente ajudado na realização das obras.»

Ora, se tal fundamentação é insuficiente ou errada na óptica da recorrente, trata-se de uma questão que não se prende com a nulidade da sentença, no caso por falta de fundamentação, mas com o mérito da causa ou erro de julgamento.
Não se vislumbra, pois, que tal decisão padeça do apontado vício de falta de fundamentação.

Por último, a nulidade prevista no 2º segmento da alínea d) do nº. 1 do artº. 615º do NCPC arguida pela recorrente – quando o juiz se pronuncia sobre questões que nenhuma das partes suscitou no processo e de que não podia tomar conhecimento - constitui a sanção para o desrespeito da norma do artº. 608º, n.º 2, 2ª parte do NCPC, que estabelece que o juiz só pode ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, salvo tratando-se de questões do conhecimento oficioso do Tribunal.

Invoca a recorrente que a sentença recorrida efectua considerações de questões de que não podia apreciar – ao considerar, em termos genéricos, que a Ré Sofia é proprietária da totalidade do imóvel que era pertença dos pais da Autora (o que, em seu entender, vai contra o ponto 8 dos factos provados, bem como contra uma sentença já transitada em julgado) - porquanto a Ré na sua contestação não deduziu qualquer pedido reconvencional no sentido de lhe ser reconhecida a propriedade do imóvel.

Refere, ainda, que tendo a decisão de rectificação da verba respeitante ao imóvel, proferida no mencionado processo de inventário, transitado em julgado, a sentença recorrida nunca poderia considerar que a Ré Sofia detém a propriedade plena sobre o imóvel, violando assim uma sentença judicial e o princípio do caso julgado.

Adiantamos, desde já, que não lhe assiste razão, pois o Tribunal “a quo”, na parte decisória da sentença, não refere nem determina que a Ré detém a propriedade plena sobre o imóvel, mas apenas se limita a fazer, na fundamentação de direito, algumas considerações em relação ao direito de propriedade da 2ª Ré sobre o imóvel, com base na conclusão que tirou partindo de um pressuposto errado, ou seja, que o negócio de compra e venda não foi reduzido por força da emenda à partilha e que, por isso, a 2ª Ré era a única proprietária do imóvel vendido, não se vislumbrando que tal consideração feita em termos genéricos colida com o ponto 8 dos factos provados e com uma sentença já transitada em julgado, como alega a recorrente.
Esta questão suscitada pela recorrente não integra a pretendida nulidade da sentença, mas antes tem a ver com um erro de julgamento que mais adiante se apreciará.
Em face do acima exposto, entendemos que a sentença recorrida não padece das nulidades que lhe são apontadas, improcedendo, nesta parte, o recurso interposto pela Autora.
*
II)Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Vem a Autora, ora recorrente, impugnar a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo que:

a) - o ponto 10 dos factos provados seja dado como não provado, alegando existir contradição entre este facto e as declarações de parte prestadas em audiência de julgamento e a que se faz menção na “motivação de facto”;
b) – face à prova documental e testemunhal referida pela recorrente, sejam dados como provados os seguintes factos:

1 - a oposição por parte da Autora à venda à Ré Sofia;
2 - era do conhecimento geral de todos e aceite por todos os herdeiros e adquirente de que não podia ser vendido a totalidade do imóvel, tendo-se procedido à rectificação da verba nº. 3 da partilha;
3 - à Autora não lhe era permitida a entrada no imóvel, bem como não é tida em conta na sua gestão e administração;
4 - falta de segurança e desconformidade do muro realizado pela Ré Sofia;
por entender que o Tribunal “a quo” fez uma incorrecta apreciação e valoração da prova produzida nos autos, designadamente das declarações de parte da A. Maria e dos depoimentos das testemunhas Hugo, J. J., J. M. e C. F., bem como dos documentos juntos aos autos.

Ora, no que diz respeito a esta matéria, na “motivação de facto” que integra a sentença recorrida, escreveu-se o seguinte [transcrição parcial]:

«(…)
Em audiência de discussão e julgamento, foram ouvidas testemunhas que estiveram a realizar obras no referido prédio – Hugo, J. J., A. B. e Joaquim –, e ainda outras, que as terão visto, vizinhas ou visitas de casa da Autora – J. M., A. N. e C. F. –, que depuseram sobre os factos por si presenciados e que se nos afiguraram como verdadeiros. Atendendo ao decurso do tempo, nenhuma soube concretizar com certeza o tempo em que as obras foram feitas, sendo certo que admitiram que as mesmas pararam sem estarem concluídas, por problemas surgidos, designadamente, de acordo com o testemunho de Hugo, por ter sido intentada a presente ação.

Ainda de acordo com esta testemunha, namorado da Ré há 12 anos, depois de comprada e restaurada, pretendiam lá morar, nunca tendo sido colocada em causa que a casa foi totalmente comprada e paga pela Ré, só surgindo o problema com esta ação, altura em que pararam.

A Autora, em declarações de parte, admite que venderam a casa e só depois se terão apercebido do erro no inventário, tendo pedido a retificação. Além do mais, tentou ainda impedir a realização das obras, já iniciadas antes da retificação, não o tendo conseguido, até ser intentada a presente ação.

Do seu depoimento percebe-se que, por outras razões, não concordou com o desfecho do inventário, esclareceu que o mesmo já não se passa com os outros herdeiros.
De resto, também o irmão Joaquim, aqui Réu, veio em depoimento de parte afirmar que, para ele, a casa foi vendida à sobrinha e não tem mais nada a ver com a situação, tendo recebido a sua parte respeitante à venda e tendo inclusivamente ajudado na realização das obras.

(…)».
O artº. 640º do NCPC estabelece os ónus que impendem sobre o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto, sendo a cominação para a inobservância do que aí se impõe a rejeição do recurso quanto à parte afectada.

Assim, de acordo com o supra citado dispositivo legal, deverá o recorrente enunciar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do nº. 1), requisito essencial já que delimita o poder de cognição do Tribunal “ad quem”, se a decisão incluir factos de que se não possa conhecer ex officio e se estiverem em causa direitos livremente disponíveis. Deve ainda o recorrente indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b) do nº. 1), assim como apresentar o seu projecto de decisão, ou seja, expor de forma clara a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do nº. 1).

Decorre do que atrás se deixou dito que, no caso em apreço, a recorrente cumpriu os ónus que aquele dispositivo legal impõe, quer os enunciados nas três alíneas do nº. 1, quer o da alínea a) do nº. 2, tendo inclusive procedido à transcrição de alguns excertos das declarações de parte da A. Maria e dos depoimentos das testemunhas Hugo, J. J., J. M. e C. F. por ela mencionadas e nos quais fundamenta a sua pretensão, e estando gravados, no caso concreto, os depoimentos prestados em audiência de julgamento, bem como constando do processo toda a prova documental tida em atenção pelo Tribunal “a quo” na formação da sua convicção, nada obsta à reapreciação da decisão da matéria de facto.

Com efeito, após ouvida a gravação de toda a prova produzida em audiência de julgamento – com destaque para as declarações de parte da A. Maria e os depoimentos das testemunhas Hugo (namorado da Ré Sofia há 12 anos), J. J. (amigo da Ré Sofia e ex-vizinho do imóvel em causa), J. M. (vizinho da A. e do imóvel em causa) e Carla A. N. (amiga e ex-vizinha da A., que visita regularmente a casa desta), todas elas mencionadas nas alegações de recurso, relativamente aos factos provados e não provados acima referidos e colocados em crise pela recorrente - e sopesando-a com a matéria alegada pela A. e pela 2ª Ré nos respectivos articulados e a restante prova existente no processo, designadamente com o depoimento de parte prestado pelo R. Joaquim (irmão da A. e dos 1º, 3º e 5º RR. e tio da Ré Sofia), a certidão extraída do processo de inventário nº. 1978/10.1TBGMR constante de fls. 16 a 38, a certidão da escritura pública de fls. 70 a 73 e a certidão do registo predial do imóvel em causa nestes autos com o registo provisório da aquisição feita pela Ré Sofia junta a fls. 74 e 75, não se vislumbra que exista motivo para alterar a matéria de facto provada e não provada nos termos pretendidos pela recorrente, relativamente à qual constatamos que o Tribunal “a quo” fez, no essencial, uma correcta (embora sintética) apreciação e análise crítica de todos os elementos de prova mencionados na fundamentação, tal como consta explanado na “motivação de facto” que acima transcrevemos (apenas a parte que releva para apreciação dos concretos pontos de facto impugnados) e que merece a nossa concordância, havendo, apenas, que introduzir uma alteração na redacção do ponto 10 dos factos provados, por forma a que a mesma seja rigorosamente mais consentânea com a matéria alegada nos articulados, designadamente nos artºs 4º e 9º da contestação da Ré Sofia, e com a prova produzida nos autos.

Vejamos então.
O ponto 10 dos factos provados que a recorrente pretende seja dado como não provado têm a seguinte redacção:

10. A 2.ª Ré pagou o preço correspondente à totalidade do imóvel que à data adquiriu, não tendo havido oposição dos restantes Réus na manutenção da venda e na realização das obras.
Nos artºs 4º e 9º da contestação da Ré Sofia é alegado que aquela comprou, mediante venda por negociação particular, o prédio urbano ali identificado e “pagou em termos totais o montante que apresentou na proposta de aquisição a que nenhum herdeiro se opôs, não tendo pago apenas uma percentagem do valor proposto”.
Escrutinados os depoimentos das testemunhas mencionadas pela A./recorrente e as declarações de parte por ela prestadas em audiência de julgamento, nos quais fundamenta a sua pretensão, não resulta dos mesmos que tivesse havido oposição dos restantes RR. na manutenção da venda do imóvel à Ré Sofia e na realização das obras.

Aliás, foi referido pela testemunha Hugo, namorado da Ré Sofia há 12 anos, que esta comprou a casa da sua falecida avó pelo valor de € 10 000 que ofereceu na altura, no pressuposto de que aquele preço era o correspondente à totalidade do prédio, pois a casa estava velha, desabitada e muito estragada, e que as obras de recuperação da habitação começaram após a Ré ter comprado a casa, com o objectivo dele e a Ré irem para lá morar, acrescentando que “nunca passou pela cabeça da Ré que ela não fosse dona daquela casa”, tendo as obras sido feitas ao fim de semana, ao longo de mais ou menos 2 anos até a Ré ser citada para a presente acção, altura em que as mesmas pararam.
Em momento algum do seu depoimento, esta testemunha referiu que os herdeiros de Manuela tivessem deduzido oposição à manutenção da venda da casa à Ré Sofia e à realização das ditas obras, tendo inclusive dito que nunca foram confrontados por ninguém com o facto da casa não pertencer à Ré Sofia, nem mesmo a A. lhes disse que não podiam fazer as obras porque a casa era dela, até ao momento em que tomaram conhecimento da presente acção, fazendo apenas menção ao facto de a A. insultar e tratar mal as pessoas quando andavam a trabalhar nas obras ao fim de semana e de andar a tirar fotografias.
Este depoimento foi corroborado pelo depoimento da testemunha J. J., amigo da Ré Sofia e ex-vizinho do imóvel em causa, que confirmou o facto de ter ajudado a fazer as obras (que eram realizadas ao Sábado) e de a casa não estar em condições de ser habitada, descrevendo o estado de abandono e degradação em que a mesma se encontrava, fazendo menção ao facto de ter visto a A. insultar as pessoas que andavam a trabalhar nas obras (explicando que esta insultava porque havia um mau ambiente entre ela e o pai da Sofia) e de nunca ter ouvido a A. dizer que não podiam andar lá a fazer as obras porque aquilo era dela ou da sua família; não tendo sido suficientemente contrariado pelo depoimento da testemunha C. F., que não demonstrou ter um conhecimento directo dos factos, porquanto apenas relatou aquilo que lhe foi transmitido pela Autora.

Ademais, embora a testemunha J. M., vizinho da A. e do imóvel em causa, tenha referido que, durante as obras, a A. tirava fotografias, provocava e tratava mal o irmão, pai da Sofia e aqui 1º R., e ouvia ela dizer que ele estava a fazer obras mas aquilo era dela (explicando que ela dizia isso porque vivia ao lado da casa, pois nunca viu lá os outros irmãos a dizerem que aquilo era deles), esta testemunha não enunciou quaisquer actos materiais concretos praticados pela A. que evidenciassem a sua oposição à manutenção da venda do imóvel à sobrinha e à realização das obras.

Por outro lado, não podemos deixar de valorar o depoimento de parte do R. Joaquim, irmão da A. e também interessado na herança de seus pais, que de forma espontânea e desinteressada afirmou que, para ele, o imóvel foi vendido à sobrinha Sofia e a partir daí, não tem mais nada ver com a situação, tendo recebido a sua parte do preço da venda e ficado convencido que os € 10 000 que a sobrinha pagou foi para comprar a totalidade do imóvel.
No seu depoimento confirmou, ainda, o estado de abandono e degradação em que se encontrava a casa, o facto de ter ajudado o irmão e a sobrinha na realização das obras ao Sábado (somente na parte da canalização) e de, na altura da venda, todos os irmãos estarem convencidos que a casa tinha sido vendida e que o assunto estava resolvido, acrescentando que quando andou lá a trabalhar e enquanto ninguém se apercebeu do erro nas partilhas, não viu ninguém reclamar das obras, nem mesmo a irmã aqui A., tendo as obras parado somente quando surgiu esta acção em tribunal.
A recorrente baseia também a sua pretensão quanto ao ponto 10 dos factos provados nas suas declarações de parte, argumentando que das mesmas resulta a sua oposição à venda do imóvel e às obras realizadas pela Ré Sofia.
Ora, as declarações de parte contêm sempre um risco de parcialidade decorrente da posição das mesmas na lide e do manifesto interesse que têm no desfecho da acção, pelo que a apreciação e valoração de tais depoimentos deve ter sempre em conta a fragilidade intrínseca deste meio probatório.
Fazer depender a avaliação de um facto, unicamente, das declarações de uma parte sem a necessária confirmação de outros meios de prova relevantes, dificilmente se justificará, uma vez que a parte, tendo um interesse directo na causa, normalmente confirma as posições por si assumidas nos articulados, que lhe são favoráveis.

Como resulta da motivação de facto, o Tribunal “a quo” analisou as declarações de parte da Autora de forma crítica e com o cuidado que lhe é exigido, dado o interesse que a mesma têm na decisão da causa, sendo de valorar as suas declarações apenas na parte em que admitiu o facto de terem vendido a casa através de um agente de execução, por negociação particular, conforme ficou decidido no processo de inventário e se encontra documentado nos autos, terem sabido da proposta feita pela Ré Sofia para a compra da mesma e só depois da venda se terão apercebido do erro no inventário, bem como o facto das obras terem começado logo após a realização da escritura de venda do imóvel e de só terem parado quando a Ré Sofia e o pai receberam a citação desta acção, o que, aliás, foi também confirmado pelas testemunhas acima referidas e pelo R. Joaquim.
Revisitadas as declarações de parte da A. constatamos que a mesma apenas fez referência à não aceitação da venda do imóvel por parte dela e de seu irmão Francisco e ao facto de ter tentado impedir a realização das obras antes da propositura desta acção, não tendo esta sua versão dos acontecimentos logrado convencer o Tribunal porquanto não foi corroborada de forma consistente pelos restantes depoimentos prestados em audiência de julgamento, nem por qualquer outro meio de prova produzida nos autos.

Aliás, resulta patente da audição da prova gravada, nomeadamente dos depoimentos da Autora e de algumas testemunhas, que as relações entre aquela e o 1º Réu não serão as melhores, evidenciando o depoimento da Autora, pela forma como foi prestado (um pouco exaltada), a existência de alguma animosidade entre ela e os RR. António e Sofia, o que de certa forma fragiliza o seu depoimento.

Como bem se refere na “motivação de facto”, do depoimento da A. percebe-se que existiram vários problemas na partilha da herança que envolveram a A. e seus irmãos e que esta, por outras razões, não concordou com o desfecho do inventário, o mesmo já não acontecendo com os outros herdeiros.

Por outro lado, analisando a prova documental constante dos autos, resulta da acta da conferência de interessados realizada em 28/05/2012 no processo de inventário nº. 1978/10.1TBGMR (fls. 29 a 31), na qual estiveram presentes a A. e os restantes herdeiros, acompanhados dos respectivos advogados, que todos acordaram em alterar a relação de bens, ficando a constar como verba nº. 3 o prédio urbano em causa nestes autos “avaliado em € 35 650,00”, bem como a venda deste imóvel por negociação particular, dado nenhum dos interessados pretender licitá-lo, constando da escritura pública junta a fls. 70 a 73 que o dito imóvel “registado, em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor de Manuela, António, Francisco, José, Joaquim e Maria” foi vendido em 3/10/2013, pelo agente de execução nomeado para a venda por negociação particular à Ré Sofia, pelo preço de € 10 000.

Resulta, ainda, da acta da audiência de tentativa de conciliação realizada no aludido inventário em 24/10/2014 (fls. 35 a 38), na qual estiveram presentes todos os herdeiros acima referidos, acompanhados dos respectivos advogados, e a adquirente Sofia, que foi invocado pelo interessado Francisco que a verba nº. 3, que integra o imóvel, foi erroneamente descrita como pertencendo, em exclusivo, à inventariada Manuela quando ela era apenas meeira, não se tendo cumulado naquele processo o inventário do falecido cônjuge António. E encontrando-se o imóvel titulado a favor da Manuela e do seu falecido marido, não tendo sido requerida a cumulação de inventários, foi determinado que aquela verba deveria ter contemplado, não o direito à propriedade plena do prédio identificado, mas antes o direito à meação e à quota hereditária da inventariada na herança aberta por óbito de seu marido António.
Daí ter sido proferido despacho que decidiu a emenda à partilha nos seguintes termos: “Assim, deferindo-se parcialmente o requerido a fls. 437 (mas mantendo-se a venda, sem prejuízo do direito de anulação que poderá caber à adquirente), […] determino a rectificação da verba n.º 3, de fls. 180, no sentido de ali passar a constar o seguinte: «Direito à meação e quota hereditária da inventariada na herança aberta por óbito de António» e, em consequência, do objecto da venda titulada pela escritura pública de fls. 309 a 311, no sentido de coincidir com aquela.” (sublinhado nosso).

Conforme consta da aludida acta, este despacho foi notificado a todos os presentes e, logo de seguida, foi proferida sentença homologatória da partilha, que também determinou que fosse lavrada na relação de bens a rectificação ordenada e que esta fosse comunicada ao Cartório Notarial, tendo logo no acto sido também notificada a todos os presentes.
Perante a inexistência de recurso destas decisões por parte de algum dos interessados, que com elas se conformaram, ambas transitaram em julgado.

Assim, da conjugação dos elementos de prova acima enunciados com a matéria alegada essencialmente nos artºs 4º e 9º da contestação da 2ª Ré, não podemos dar como não provado o ponto 10 dos factos provados como pretende a recorrente, entendendo, no entanto, que o mesmo deve ser alterado, passando a ter a seguinte redacção:

10. A 2ª Ré, à data da escritura de compra e venda, pagou o montante constante da proposta que apresentou para aquisição do imóvel, como sendo o preço correspondente à totalidade do mesmo, não tendo havido oposição dos restantes Réus na manutenção da venda e na realização das obras.
Relativamente à matéria de facto supra enunciada na alínea b) sob os nºs 1 e 2 que a ora recorrente pretende seja dada como provada:

1 - a oposição por parte da Autora à venda à Ré Sofia;
2 - era do conhecimento geral de todos e aceite por todos os herdeiros e adquirente de que não podia ser vendido a totalidade do imóvel, tendo-se procedido à rectificação da verba nº. 3 da partilha;
e analisada atentamente a petição inicial, constatamos que se tratam de factos novos, que não foram alegados pela A. no seu articulado inicial e, por isso, não foram apreciados pelo Tribunal “a quo”, nem sobre os mesmos se debruçou a decisão recorrida.

Nesta conformidade, não podemos deixar de afirmar que não assiste razão à A. ao pretender que tais factos sejam dados como provados, pela singela mas evidente asserção de que os recursos se destinam a reapreciar questões colocadas ao tribunal recorrido, e não questões novas, sobretudo factos novos, como acontece no caso dos autos, em que a A. vem agora, em sede de recurso, invocar factos que não alegou na petição inicial e que, por isso, não foram apreciados pelo Tribunal recorrido, como já referimos.
De acordo com o disposto no artº. 608º, nº. 2 do NCPC, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, com excepção daquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, a não ser que a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
Ora, tais questões - a que se reporta a al. d) do nº. 1 do artº. 615º do NCPC - são os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.

É certo que, em face do actual CPC, haverá que considerar, de uma forma inovadora, que “a abolição da base instrutória e a opção pela enunciação de temas de prova dá aos tribunais de instância maior liberdade na circunscrição da matéria de facto, já não valendo argumentos de pendor formalista”, sendo agora possível ao juiz “optar por uma formulação mais genérica, desde que não seja pura matéria de direito em face do caso concreto, tal como existe uma maior liberdade na consideração de factos que não foram alegados mas que resultaram da discussão da causa, nos termos do artº. 5º, nº. 2 do NCPC” (cfr. acórdão do STJ de 10/09/2015, relator Cons. João Trindade, proc. nº. 819/11.7TBPRD, acessível em www.dgsi.pt).
Porém, tal liberdade não é possível no que concerne aos factos essenciais, relativamente aos quais continua a funcionar o princípio da auto-responsabilização das partes.
De facto, nos termos do artº. 5º, nº. 1 do NCPC, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e, no caso, aqueles em que baseiam as excepções invocadas, porquanto nos termos do nº. 2 do mesmo preceito, para além destes, apenas podem ser considerados pelo juiz os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, e os factos que sejam complemento ou concretização daqueles que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a oportunidade de se pronunciar. Ou seja, da correlação entre estes dois números do preceito, extrai-se que as partes estão oneradas com a invocação dos factos essenciais à procedência da acção ou da excepção, incumbindo-lhes alegar os factos concretos em que assentam a sua pretensão ou a sua defesa, com a efectiva identificação e concretização da causa de pedir a qual é constituída pelo conjunto de factos em que se consubstancia a relação material controvertida, pois só estes podem ser conhecidos pelo tribunal e são subsumíveis às regras de direito (cfr. acórdão da RE de 30/06/2016, proc. nº. 2505/12.1TBFAR-A, acessível em www.dgsi.pt).
De facto, a indicação da causa de pedir, prevista no artº. 186º, nº. 2, al. a) do NCPC, “é feita através da alegação de factos da relação material que, integrando a fatispecie da norma pertinente, permitem a sua identificação”, sendo “fixada por referência ao instituto jurídico pertinente, sendo este individualizado através da conjugação dos dois elementos fundamentais do pedido formulado pelo autor (artº. 3º, nº. 1): o pedido propriamente dito e os fundamentos de facto invocados”. Deste modo, sendo a causa de pedir “o conjunto de factos ocorridos essenciais à procedência da acção” pode acontecer que não tenham “ocorrido (na relação material) todos os factos que a norma elege como requisitos do nascimento do direito invocado”. Neste caso, a acção improcede ainda que o autor alegue e prove exaustivamente todos os factos que invocou (cfr. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Os Artigos da Reforma, Vol. I, 2ª ed., 2014, Almedina, pág. 37 a 39).

E, continuam os citados autores, “Pode também suceder que todos os factos exigidos pela norma substantiva tenham ocorrido, mas que o autor não os tenha alegado (al. d) do n.º 1 do art. 552º): na narração que faz da relação material, por incompetência sua – ou do seu mandatário -, omite factos que, na economia da demanda por si desenhada, servem de fundamento ao pedido formulado”. Neste caso, pode haver lugar ao aperfeiçoamento da articulação. Mas, “se este não tiver lugar, a acção improcede, não porque ao autor não assista o direito, mas porque fracassou na alegação dos factos que o revelam e que integram essa causa de pedir”.

Porém, se é certo que a narração dos factos essenciais pode ser completada, não é menos certo que “embora a narração feita no articulado inicial não seja forçosamente definitiva, ela é determinante, pois, através da identificação da causa de pedir que oferece, ela ancora o objecto da instância, apenas permitindo a alegação de novos factos essenciais que respeitem à causa de pedir identificada, embora não exaustivamente descrita”.

Ora, no caso dos autos, a forma como a A./recorrente conformou a relação material controvertida, não permite que a mesma traga agora à discussão, em sede de recurso, factos novos que seriam essenciais para a procedência de parte da sua pretensão.

Como se refere no acórdão do STJ de 10/09/2015 atrás mencionado, com o novo Código de Processo Civil “atribui-se ao juiz um poder mais interventor, sem que tal signifique, porém, o fim do princípio dispositivo e a sua substituição pelo princípio inquisitório, uma vez que continua a caber às partes a definição do objecto do litígio, através da dedução das suas pretensões e da alegação dos factos que integram a causa de pedir ou suportam a defesa”.

E como vimos supra, não sendo tais factos, em momento algum da petição inicial, alegados pela A. e não tendo, portanto, sido equacionados na 1ª instância, está este tribunal de recurso impedido de os conhecer agora, pois como é sabido, os recursos não servem para discutir questões novas, mas para reapreciar questões já apreciadas (cfr. António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., 2016, Almedina, pág. 97 e 98 e acórdão da RL de 14/02/2013, proc. nº. 9778/11.5TBOER-A, acessível em www.dgsi.pt).

Quanto à matéria de facto supra enunciada na alínea b) sob os nºs 3 e 4 que a ora recorrente pretende seja dada como provada:

3 - à Autora não lhe era permitida a entrada no imóvel, bem como não é tida em conta na sua gestão e administração;
4 - falta de segurança e desconformidade do muro realizado pela Ré Sofia;
teremos de concluir que não foi produzida prova consistente destes factos, pois apenas temos as declarações de parte da Autora sobre esta matéria, que não foram corroboradas por qualquer outro meio de prova e não lograram convencer este tribunal de recurso da sua verosimilhança pelas razões atrás expostas.

Aliás, no que concerne à alegada “falta de segurança e desconformidade do muro realizado pela Ré Sofia”, como se refere na sentença recorrida, “a própria Autora admitiu que os serviços camarários foram fiscalizar e nada fizeram, não tendo sido produzida qualquer prova direta sobre a sua perigosidade, tendo mesmo sido negada qualquer falta de segurança pela testemunha que o fez”.
Em face do atrás exposto, entendemos que a matéria vertida nos pontos 1 a 4 da alínea b) supra referidos não deve ser dada como provada, como pretende a recorrente, e nos termos do disposto no artº. 662º, nº. 1 do NCPC, deve ser alterada a redacção do ponto 10 dos factos provados nos termos atrás mencionados, mantendo-se, no entanto, inalterada a restante matéria de facto provada e não provada supra descrita, improcedendo, nesta parte, o recurso interposto pela Autora.
*
III)Saber se deverá ser alterada a solução jurídica da causa:

Insurge-se a Autora, ora recorrente, contra a sentença que julgou a presente acção totalmente improcedente e absolveu os RR. dos pedidos por ela formulados, argumentando que houve erro do Tribunal “a quo” na interpretação do despacho proferido no processo de inventário nº. 1978/10.1TBGMR, não existindo dúvidas que o mesmo manteve a validade da escritura de compra e venda, mas alterou o objecto da venda no sentido de coincidir com o despacho de rectificação da verba nº. 3, objecto esse que passou da totalidade do imóvel para o direito à meação e quota hereditária.

Mais alega que a Ré Sofia não goza de qualquer protecção legal em relação à aquisição da totalidade do imóvel, uma vez que esteve presente na audiência em que foi proferido o aludido despacho de rectificação e, como tal, tomou conhecimento de tal decisão e suas consequências, da não oposição de todos os presentes, bem como da possibilidade de requerer a anulação da venda, caso assim o entendesse, tendo aquele despacho de rectificação e a sentença homologatória da partilha transitado em julgado sem que a Ré adquirente tivesse reagido, ficando desta forma tudo sanado no processo de inventário.

Entende, ainda, a recorrente que mantendo o negócio todos os requisitos substanciais e de forma, e mantendo as partes o interesse no mesmo, pode o negócio ser convertido, nos termos do artº. 293º do Código Civil, em escritura de compra e venda do direito à meação e quota hereditária da inventariada na herança aberta por óbito de António, pretendendo que sejam julgados procedentes os pedidos por ela formulados na petição inicial, mormente:

a) ser declarada inválida e sem qualquer efeito, a escritura pública de compra e venda efectuada em 3/10/2013 e lavrada a fls. 135 a 136 do livro de escrituras diversas nº. 93-C, do Cartório Notarial de Carla, sito na Praceta … Caldas de Vizela;
b) ser o negócio convertido, nos termos do artº. 293º do Código Civil, em escritura de compra e venda do direito à meação e quota hereditária da inventariada na herança aberta por óbito de António;
c) ser declarada inválida e sem qualquer efeito, a inscrição de aquisição a favor da 2ª Ré efectuada na ficha do imóvel dos autos – ficha ... da freguesia ... de Vizela, mormente a Ap. 2296 de 2013/11/05;
d) serem os Réus condenados a reconhecer a qualidade sucessória da Autora como herdeira legítima da herança de António, ou seja, do referido imóvel;
e) serem os 1º e 2º RR. condenados a restituir a parte da herança de António à Autora e demais herdeiros;
f) serem os 1º e 2º RR. condenados a parar as obras que estão a realizar no imóvel e abster-se de realização de outras obras;
g) serem os 1º e 2º RR. condenados a permitir a entrada no imóvel da herança da Autora e a usufruir do mesmo;
h) serem os 1º e 2º RR. condenados a demolir as obras efectuadas, repondo o imóvel e muros no estado em que se encontravam antes da sua intervenção;
i) serem os 1º e 2º RR. condenados a consultar a Autora, na qualidade de herdeira, sobre as alterações que pretendem efectuar no imóvel, bem como sobre o destino a dar ao mesmo;
j) serem condenados os 1º e 2º RR. em sanção pecuniária compulsória diária, nos termos do artº. 829º-A do Código Civil, nunca inferior a € 50 por cada dia de incumprimento do exposto em 16. a 20. da petição inicial;
k) Subsidiariamente, serem condenados os 1º e 2º RR. a pagar o valor de € 22,50/mês à Autora, em face da sua titularidade de 7,5% do imóvel, a título de indemnização pela ocupação do mesmo, desde Outubro de 2014 até desocupação ou partilha definitiva daquele, perfazendo, na data da apresentação da petição inicial, o valor de € 405,00.
Vejamos se lhe assiste razão.
Mostra-se assente nos autos que no processo de inventário nº. 1978/10.1TBGMR, que correu termos por óbito de Manuela, no estado de viúva de António, de quem a A. e os 1º, 3º, 4º e 5º RR. são filhos, entre outros bens (dois bens móveis em ouro), foi acordado entre todos os herdeiros presentes e/ou representados na conferência de interessados realizada em 28/05/2012, relacionar sob a verba nº. 3 o “prédio urbano destinado a habitação composto de rés-do-chão e logradouro, sito no lugar dos ... (actual Rua …), da freguesia …, da cidade de Vizela, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº. ... e inscrito na matriz urbana respectiva sob o artº. ..., avaliado em € 35 670,00”.
Na falta de licitação, naquela mesma conferência foi acordada a venda do imóvel por negociação particular, tendo no dia 3/10/2013 o referido prédio sido vendido a Sofia, aqui 2ª Ré, pelo preço de € 10 000, mediante escritura pública de compra e venda, em que intervieram a 2ª Ré, como compradora, e D. F., na qualidade de agente de execução nomeado pelo Tribunal para a venda por negociação particular.

Conforme se alcança dos elementos constantes dos autos, o aludido prédio foi relacionado como bem da herança de Manuela, apesar de se encontrar registada, na Conservatória do Registo Predial, a respectiva aquisição por compra de António, casado com Manuela no regime de comunhão geral, através da Ap. 1995/09/11. E aquando da realização da venda do imóvel à Ré Sofia, estava registado, em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor de Manuela, António, Francisco, José, Joaquim e Maria (cfr. certidão do registo predial de fls. 25 e 26, acta da conferência de interessados de 28/05/2012 de fls. 29 a 31 e certidão da escritura de compra e venda de fls. 70 a 73).

Posteriormente, já depois daquela venda, na audiência de tentativa de conciliação realizada em 24/10/2014, na qual estiveram presentes todos os herdeiros acompanhados dos respectivos advogados e ainda a Ré Sofia, foi suscitada por um dos herdeiros (o aqui R. Francisco) a questão do imóvel ter sido erroneamente descrito como pertencendo, em exclusivo, à inventariada Manuela, quando ela era apenas meeira, não se tendo cumulado naquele processo o inventário por óbito de seu marido António, tendo a Mª Juíza que presidiu àquela diligência proferido despacho no qual reconheceu que, encontrando-se o imóvel titulado a favor da inventariada Manuela e do seu falecido marido e não tendo sido requerida a cumulação de inventários, a verba deveria ter contemplado apenas o direito à meação e à quota hereditária da inventariada na herança aberta por óbito de António, e não o direito à propriedade plena do prédio identificado, e determinou a emenda da partilha nos seguintes termos:

“Assim, deferindo-se parcialmente o requerido a fls. 437 (mas mantendo-se a venda, sem prejuízo do direito de anulação que poderá caber à adquirente), […] determino a rectificação da verba n.º 3, de fls. 180, no sentido de ali passar a constar o seguinte: «Direito à meação e quota hereditária da inventariada na herança aberta por óbito de António» e, em consequência, do objecto da venda titulada pela escritura pública de fls. 309 a 311, no sentido de coincidir com aquela.
Após trânsito, lavre a rectificação ordenada na relação de bens e comunique a rectificação ordenada ao Cartório Notarial identificado a fls.. 309.” (cfr. acta de audiência de tentativa de conciliação de fls. 35 a 38).

Conforme resulta da acta que documentou aquela diligência, todos os interessados presentes e/ou representados foram notificados daquele despacho, tendo logo de seguida sido proferida sentença homologatória da partilha que também lhes foi ali notificada, resultando da certidão extraída do processo de inventário e junta a fls. 16 destes autos que tal decisão transitou em julgado.
Ora, analisando atentamente o aludido despacho de “emenda da partilha”, não subsistem dúvidas de que o mesmo não só procedeu à rectificação da verba nº. 3, no sentido de ali passar a constar não o prédio urbano, mas “o direito à meação e quota hereditária da inventariada na herança aberta por óbito de António”, mantendo a validade da venda “sem prejuízo do direito de anulação que poderá caber à adquirente”, mas também alterou o objecto da venda titulada pela escritura pública outorgada em 3/10/2013, no sentido de coincidir com a rectificação da verba.

Tendo tal despacho transitado em julgado, podemos, pois, concluir que, por força da alteração nele ordenada, houve uma convolação daquele contrato, sendo o mesmo transformado em aquisição do direito à meação e quota hereditária da inventariada Manuela na herança aberta por óbito de seu marido, sem oposição da adquirente, podendo efectuar-se a conversão do negócio jurídico nos termos do artº. 293º do Código Civil.

Como é sabido, a conversão supõe a invalidade integral do negócio e a sua substituição por outro do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, sendo ainda necessário, de acordo com a parte final do artº. 293º, que a conversão se harmonize com a vontade hipotética ou conjectural das partes (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 248 e acórdão do STJ de 26/11/2009, proc. nº. 368/2002, acessível em www.dgsi.pt).

Com efeito, aquilo que passou para a esfera jurídica da compradora foi o conteúdo de um direito - a meação e quota hereditária da Manuela na herança aberta por óbito de seu marido António – e sendo a herança uma universalidade jurídica de bens “cada interessado não tem uma quota-parte em cada um de todos esses bens mas uma quota referida àquela universalidade, ao conjunto de todos os bens, só pela partilha se determinando aqueles em que se concretiza a quota-parte ou quinhão de cada interessado” (Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. II, pág. 526).

Neste enquadramento doutrinal o que à Ré Sofia ficou atribuída foi a possibilidade de poder exercer naquela universalidade jurídica um seu direito próprio perante os restantes interessados no "direito à meação” da inventariada Manuela e no quinhão hereditário que possui na herança, ilíquida e indivisa, aberta por óbito do seu marido António, designadamente legitimou-a a, com vista a concretizar esta sua prerrogativa, se e quando assim o entender, dar os passos necessários tendentes a haver para si a quota-parte dos bens determinados que integram tal herança (cfr. acórdão do STJ de 9/02/2012, proc. nº. 2752/07.8TBTVD, acessível em www.dgsi.pt).
Ora, tendo a referida rectificação da verba nº. 3 e do objecto da escritura de compra e venda ocorrido com o acordo de todos os interessados na herança e tendo a Ré Sofia estado presente na audiência em que a mesma teve lugar, logo ali tomou conhecimento de tal decisão e das suas consequências, sabendo nesse momento que o Tribunal manteve a venda realizada mas o seu objecto passou da totalidade do prédio para o direito à meação e quota hereditária da Manuela na herança aberta por óbito do seu marido António. Mais, tomou conhecimento que, caso assim o entendesse e não estivesse satisfeita com tal decisão, podia requerer a anulação da venda.

Todavia, a Ré Sofia nada fez, pelo que, a partir daquela data, não poderia a mesma considerar-se proprietária da totalidade do imóvel, mas somente do mencionado direito à meação e quota hereditária.

Assim, em face de todo o circunstancialismo acima descrito e tendo ambas as decisões proferidas na audiência de tentativa de conciliação realizada em 24/10/2014 transitado em julgado, terão de improceder os pedidos formulados pela A. nas alíneas a) e b) do seu petitório, porquanto no aludido despacho proferido no processo de inventário, o Tribunal manteve a validade da escritura pública de compra e venda efectuada em 3/10/2013 (não podendo, pois, a mesma ser declarada inválida e sem qualquer efeito) e procedeu, desde logo, à alteração do objecto dessa venda para o direito à meação e quota hereditária da inventariada na herança aberta por óbito de António, não havendo, por isso, lugar à conversão de um negócio que já foi convolado para a aquisição daquele direito.
Para além disso, estando provado nos autos que a aquisição do imóvel a favor da Ré Sofia foi registada pela Ap. 2296 de 2013/11/05, a título provisório por dúvidas, e sendo de seis meses o prazo de vigência do registo provisório, ao fim do qual caduca (cfr. artº. 11º do Código de Registo Predial), é manifestamente inútil o pedido formulado no final da petição inicial sob a alínea c).

Deve, pois, a presente acção improceder quanto a estes três pedidos, improcedendo nesta parte o recurso interposto pela Autora.
Atenta a matéria vertida no ponto 1 dos factos provados, que se manteve inalterada, e considerando o pedido formulado pela A. na alínea d) do seu petitório, devem os RR. ser condenados a reconhecer a qualidade da Autora como herdeira legítima da herança de António, revogando-se, nesta parte, a sentença recorrida, sendo que, neste momento, se desconhece se os bens que integram aquela herança se resumem apenas ao referido imóvel ou se existem mais bens, o que terá de ser apurado em sede própria.

Pretende, ainda, a recorrente que os 1º e 2º RR. sejam condenados a restituir a parte da herança de António à Autora e demais herdeiros (alínea e) do petitório). No entanto, afigura-se-nos que a A. está a confundir a propriedade de um bem com a sua utilização, não estando aqui em causa a restituição do bem à herança. É que a Ré Sofia não adquiriu a propriedade sobre um determinado bem imóvel, mas apenas o direito à meação e quota hereditária da inventariada na herança aberta por óbito de António, por força da rectificação feita ao objecto da venda titulada pela escritura pública que celebrou, e esse direito já pertence à herança de António, já está naquela herança e, como tal, não tem que ser restituído.

Daí que este pedido tenha de ser julgado improcedente, não merecendo provimento, também nesta parte, o recurso interposto pela Autora.

No que concerne aos pedidos formulados pela A. nas alíneas f), g), h) e i) do seu petitório, há que considerar o seguinte:

Como vem sendo entendido na doutrina e na jurisprudência, até à realização da partilha, os herdeiros são apenas titulares de um direito sobre o conjunto da herança e não sobre bens certos e determinados desta. A contitularidade do direito à herança implica um direito a uma parte ideal desta considerada em si mesma e não sobre cada um dos bens que a compõem, desconhecendo-se sobre qual ou quais deles o direito hereditário se concretizará (cfr. Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. I, pág. 193 e 194; acórdão do STJ de 30/01/2013, proc. nº. 1100/11.7TBABT, acessível em www.dgsi.pt).

Assim, até à partilha da herança de António, a Ré Sofia é apenas contitular de um direito sobre o conjunto da herança e não sobre um determinado bem.

Ora, por força do disposto no artº. 1404º do Código Civil, as regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a esta comunhão ou contitularidade de direitos, “sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles”.

Neste caso, estipula o artº. 1403º, nº. 2 do mesmo Código, que os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais ainda que possam ser quantitativamente diferentes. Tal implica que o direito de cada comproprietário sobre a coisa não tenha faculdades inferiores ao dos outros comproprietários, ainda que possa haver uma diferente repartição do exercício dessas mesmas faculdades e dos encargos sobre a coisa, caso o montante das quotas de cada um seja distinto. Em conjunto, os comproprietários podem exercer todos os poderes que competem ao proprietário singular; no entanto, participam separadamente nas vantagens e encargos da coisa, na proporção das suas quotas (artº. 1405º, nº. 1 do C.Civil) – cfr. Luís Manuel Menezes Leitão, Direitos Reais, 5ª ed., 2015, Almedina, pág. 197 e 198 e Oliveira Ascensão, Direito Civil – Reais, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 259.
Entre os poderes atribuídos aos comproprietários ou consortes (ou contitulares) está o uso da coisa comum previsto no artº. 1406º do C.Civil, estabelecendo o nº. 1 deste dispositivo legal que na falta de acordo sobre a utilização da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, atribuindo assim isoladamente a cada um deles a faculdade de a utilizar. Essa faculdade de uso está, no entanto, sujeita a dois limites: o comproprietário não pode usar a coisa para fim diverso daquele a que se destina e não pode privar os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.

Existe assim uma restrição funcional ao poder de uso da coisa, que obriga a respeitar o fim a que a coisa se destina, bem como uma restrição quantitativa ao poder de uso da coisa, que obriga a respeitar o poder que os outros consortes igualmente têm de utilizar a coisa, o qual terá a dimensão correspondente à quota de cada um (cfr. artº. 1403º, nº. 2 do C.Civil). Cada comproprietário terá assim que limitar a sua utilização da coisa, por forma a que todos os outros contitulares a exerçam de acordo com a dimensão das suas quotas.
O uso da coisa comum envolve naturalmente a posse sobre essa coisa, nos termos gerais (artº. 1251º. do C.Civil). No entanto, o artº. 1406º, nº. 2 do mesmo Código vem estabelecer que o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva, nem posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título (cfr. Luís Manuel Menezes Leitão, ob. cit., pág. 199).

Reportando-nos ao caso “sub judice” e na sequência do que atrás se deixou dito sobre a situação jurídica da adquirente do direito à meação e quota hereditária da inventariada Manuela na herança aberta por óbito de seu marido António, podemos concluir que a Ré Sofia é, neste momento, titular de uma parte da herança de António e Manuela e, como tal, concorre com os restantes herdeiros à respectiva partilha, podendo até vir a ficar com a maior parte dos bens que integram o acervo hereditário, dado ser titular de uma quota superior à de qualquer um dos outros herdeiros, desconhecendo-se actualmente quais os bens que compõem a herança de António, sendo certo que qualquer interessado na herança (onde se inclui também a Ré Sofia) poderá alcançar a efectiva titularidade do direito de propriedade sobre um concreto e determinado bem dessa herança somente depois da realização da partilha, o que “in casu” poderá ser feito através da cumulação de inventários.

Assim, nos termos do disposto nos citados artºs 1403º, nº. 2, 1405º, nº. 1 e 1406º “ex vi” do artº. 1404º todos do C.Civil, podemos concluir que a Ré Sofia, ao adquirir o direito à meação e quota hereditária da inventariada Manuela na herança de António, assim como os demais herdeiros, têm direito a utilizar um bem dessa herança (neste caso, o dito prédio) na proporção das respectivas quotas e com as restrições acima referidas, podendo, ainda, praticar actos de administração dessa coisa comum, nos quais se incluem a sua conservação ou beneficiação, com as limitações estabelecidas no artº. 1407º que remete, com as necessárias adaptações, para o disposto no artº. 985º ambos do C.Civil.

Em face do acima exposto, deverá ser permitida à A. (assim como a qualquer outro herdeiro) a entrada no prédio em causa que integra o acervo hereditário de António e a sua utilização nos termos atrás referidos, devendo, ainda, a mesma ser consultada, na qualidade de herdeira, sobre as alterações a efectuar no prédio e o destino a dar ao mesmo, mas sempre na proporção da sua quota hereditária, e sem prejuízo de vir a ser requerida a cumulação de inventários e de a Ré Sofia, em acção autónoma, vir pedir a anulação da venda e uma indemnização pela realização de benfeitorias necessárias no referido imóvel, se se verificarem os necessários pressupostos, ou caso pretenda manter a validade da venda, a sua pretensão restringir-se-ia apenas ao reembolso do montante por ela despendido com a realização de tais benfeitorias, sob pena de enriquecimento sem causa (cfr. Luís Manuel Menezes Leitão, ob. cit., pág. 143).
Nesta conformidade, entendemos que devem ser julgados parcialmente procedentes os pedidos formulados pela A./recorrente nas mencionadas alíneas g) e i), revogando-se, nesta parte, a sentença recorrida e, em consequência, condenar os 1º e 2º RR.:

- a permitir a entrada da Autora no imóvel da herança identificado nos autos e a utilizar o mesmo, na proporção da sua quota hereditária;
- a consultar a Autora, na qualidade de herdeira e na proporção da sua quota hereditária, sobre as alterações a efectuar no dito imóvel, bem como sobre o destino a dar ao mesmo.

Isto, obviamente, sem prejuízo de vir a ser requerida a cumulação de inventários e de a Ré Sofia poder vir a intentar uma acção de anulação do negócio realizado e/ou indemnização nos termos e para os efeitos supra referidos.
Relativamente aos pedidos formulados pela A. atinentes às obras realizadas no imóvel, resulta dos autos que, entre a realização da escritura de compra e venda do prédio e a prolação do despacho que procedeu à rectificação da verba nº. 3 e do objecto dessa escritura, a Ré Sofia estava de boa-fé, pois estava convicta de que havia adquirido a totalidade do prédio, sendo que, após a celebração da escritura e até à citação para a presente acção, a mesma, com a ajuda de seu pai (o aqui 1º R.), entre outros, efectuou obras de recuperação no imóvel que julgava ser dela na totalidade.
Só com a citação para a presente acção é que a Ré Sofia tomou efectivo conhecimento da oposição da A. à realização dessas obras, resultando do ponto 9 dos factos provados que tais obras se encontram paradas desde a citação (podendo, pois, afirmar que a boa fé da possuidora, no que se refere às obras, só cessou verdadeiramente com a citação para esta acção).

Assim sendo, tendo a Ré e seu pai realizado as mencionadas obras até à citação para a presente acção, será inútil condenar aqueles RR. a parar umas obras que já se encontram paradas, pelo que devem os 1º e 2º RR. ser apenas condenados a abster-se de realização de outras obras, sendo julgado parcialmente procedente o pedido formulado pela A. na alínea f) do seu petitório, procedendo, assim, nesta parte, o recurso por ela interposto.

Por outro lado, importa referir que não tendo a A. logrado provar quais as obras que foram realizadas antes e depois do despacho de “emenda da partilha” e alteração do objecto da escritura de compra e venda, nem que a maioria dos consortes se opunham à realização dessas obras, entendemos que os 1º e 2º RR. não podem ser condenados a demolir as obras efectuadas e a repor o imóvel e muros no estado em que se encontravam antes da sua intervenção, não podendo, ainda, olvidar-se que a administração da herança, até à liquidação e partilha, pertence ao cabeça-de-casal, nos termos do artº. 2079º do C.Civil, podendo incluir-se nos actos de administração a praticar pelo cabeça-de-casal aqueles que sejam necessários à conservação e reparação do património em partilha, por forma a que este não se deteriore ou fique destruído pelo decurso do tempo (cfr. Lopes Cardoso, ob. cit., Vol. I, pág. 323).
Deve, pois, a presente acção improceder quanto ao pedido formulado pela A. na alínea h) do seu petitório, improcedendo também nesta parte o recurso por ela interposto.
Também, neste caso, importa ressalvar a possibilidade de vir a ser requerida a cumulação de inventários e de a Ré Sofia, naquela sede, poder eventualmente reclamar como crédito da herança o montante por ela gasto na realização das obras de reparação do imóvel pertencente à herança; ou de a mesma, em acção autónoma, vir pedir a anulação da venda e uma indemnização pela realização de benfeitorias necessárias no referido imóvel, se se verificarem os necessários pressupostos, ou caso pretenda manter a validade da venda, a sua pretensão restringir-se-ia apenas ao reembolso do montante por ela despendido com a realização de tais benfeitorias, sob pena de enriquecimento sem causa.

Por último, entendemos que terá de improceder o pedido formulado pela A. na alínea j) do seu petitório, não havendo que condenar os 1º e 2º RR. no pagamento à A. de qualquer sanção pecuniária compulsória, uma vez que aquela, na qualidade de herdeira de António e Manuela, tem direito a utilizar o imóvel, mas apenas na proporção da sua quota, para além de que não há nada a restituir à herança, nem há que proceder à demolição de quaisquer obras nos termos e pelas razões já anteriormente explanadas.

Em face do acima exposto, fica prejudicada a apreciação do pedido formulado pela A. na alínea k) do seu petitório, a título subsidiário; mas ainda que assim não se entendesse, teria o mesmo de improceder, uma vez que a A. não logrou fazer prova de que os 1º e 2º RR. tivessem ocupado o imóvel sem o conhecimento e o consentimento dos demais herdeiros e que as condições em que o mesmo se encontrava permitissem o seu arrendamento.
Nestes termos, terá de ser julgado parcialmente procedente o recurso interposto pela Autora.
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SUMÁRIO:

I) - A conversão supõe a invalidade integral do negócio e a sua substituição por outro do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, sendo ainda necessário, de acordo com a parte final do artº. 293º do Código Civil, que a conversão se harmonize com a vontade hipotética ou conjectural das partes.
II) - Sendo a herança uma universalidade jurídica de bens, cada interessado não tem uma quota-parte em cada um de todos esses bens mas uma quota referida àquela universalidade, ao conjunto de todos os bens, só pela partilha se determinando aqueles em que se concretiza a quota-parte ou quinhão de cada interessado.
III) - O que aos adquirentes do direito à meação e ao quinhão hereditário fica atribuída é a possibilidade de poder exercer naquela universalidade jurídica um seu direito próprio perante os restantes interessados no "direito à meação” e no “quinhão hereditário”, designadamente legitimando-os a, com vista a concretizar esta sua prerrogativa, se e quando assim o entenderem, darem os passos necessários tendentes a haver para si a quota-parte dos bens determinados que integram tal herança.
IV) - Os herdeiros são apenas titulares de um direito sobre o conjunto da herança e não sobre bens certos e determinados desta. A contitularidade do direito à herança implica um direito a uma parte ideal desta considerada em si mesma e não sobre cada um dos bens que a compõem, desconhecendo-se sobre qual ou quais deles o direito hereditário se concretizará.
V) - Por força do disposto no artº. 1404º do Código Civil, as regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão ou contitularidade de direitos dos consortes numa herança.
VI) - De acordo com o disposto nos artºs 1403º, nº. 2, 1405º, nº. 1 e 1406º “ex vi” do artº. 1404º todos do Código Civil, a Ré, ao adquirir o direito à meação e quota hereditária da inventariada na herança aberta por óbito de seu marido, assim como os demais herdeiros, têm direito a utilizar um bem dessa herança (neste caso, o prédio identificado nos autos) na proporção das respectivas quotas e com as restrições previstas naqueles preceitos legais, podendo, ainda, praticar actos de administração dessa coisa comum, nos quais se incluem a sua conservação ou beneficiação, com as limitações estabelecidas no artº. 1407º que remete, com as necessárias adaptações, para o disposto no artº. 985º ambos do Código Civil.
VII) - Tendo a Ré adquirente do direito à meação e quota hereditária da inventariada na herança aberta por óbito de seu marido, após a celebração da escritura de compra e venda de um imóvel (cujo objecto foi posteriormente, em sede de processo de inventário, rectificado para o aludido “direito à meação e quota hereditária”) e até à sua citação para a presente acção, realizado obras de recuperação no imóvel por estar convicta de que havia adquirido a totalidade do prédio, e caso venha a ser requerida a cumulação de inventários, tem aquela a possibilidade de reclamar como crédito da herança o montante por ela gasto na realização de tais obras; ou de, em acção autónoma, vir pedir a anulação da venda e uma indemnização pela realização de benfeitorias necessárias no referido imóvel, se se verificarem os necessários pressupostos, ou caso pretenda manter a validade da venda, a sua pretensão restringir-se-ia apenas ao reembolso do montante por ela despendido com a realização de tais benfeitorias, sob pena de enriquecimento sem causa.
VIII) - A administração da herança, até à liquidação e partilha, pertence ao cabeça-de-casal, nos termos do artº. 2079º do Código Civil, podendo incluir-se nos actos de administração a praticar pelo cabeça-de-casal aqueles que sejam necessários à conservação e reparação do património em partilha, por forma a que este não se deteriore ou fique destruído pelo decurso do tempo.

III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Autora Maria e, em consequência, revogar parcialmente a sentença recorrida, decidindo-se nos seguintes termos:

a) Condenar os Réus António, Sofia, José, Joaquim e Francisco a reconhecer a qualidade da Autora como herdeira legítima da herança de António;
b) Condenar os Réus António e Sofia a abster-se de realização de outras obras no imóvel identificado nos autos;
c) Condenar os Réus António e Sofia a permitir a entrada da Autora no imóvel da herança identificado nos autos e a utilizar o mesmo, na proporção da sua quota hereditária;
d) Condenar os Réus António e Sofia a consultar a Autora, na qualidade de herdeira e na proporção da sua quota hereditária, sobre as alterações a efectuar no dito imóvel, bem como sobre o destino a dar ao mesmo;
e) Absolver os Réus António e Sofia dos demais pedidos contra eles formulados.
No mais, decide-se manter a sentença recorrida.

Custas por ambas as partes, na proporção de 6/10 para a Autora/recorrente e 4/10 para os Réus/recorridos, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido à Autora e aos RR. Sofia e Francisco
Notifique.

Guimarães, 20 de Março de 2018
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)


(Maria Cristina Cerdeira)
(Raquel Baptista Tavares)
(Margarida Almeida Fernandes)