Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
504/16.3T8AVV.G1
Relator: MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
SERVIDÃO APARENTE
SINAL VISÍVEL E PERMANENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
▪. Quando se pretende a reapreciação da matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados.

▪. Essa especificação deve ser feita nas conclusões, pois são estas que definem o objeto do recurso.

▪. O não cumprimento do referido ónus implica a rejeição do recurso, na parte correspondente, sem possibilidade de introdução de despacho de aperfeiçoamento.

▪. Além dos requisitos comuns da constituição dos direitos reais por usucapião no caso das servidões prediais é ainda necessário demonstrar que a servidão em causa é uma servidão aparente, uma vez que o art.º 1548º do C. Civil não admite a constituição, por usucapião, de servidões não aparentes.

▪. Não se provando existir qualquer sinal visível e permanente (trilho em terra batida ou calcada), com a localização e configuração indicada pelos requerentes no requerimento inicial, a partir do prédio dos requeridos e até aos seus prédios não é possível constituir-se, por usucapião, a respetiva servidão de passagem.
Decisão Texto Integral:
- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –

I. RELATÓRIO

J. D. e mulher I. C., residentes no lugar de …, freguesia de ..., concelho de ..., intentaram a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra M. S. e mulher A. P., residentes no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., pedindo que os Réus sejam condenados a:

a. Reconhecer que os Autores são donos e legítimos possuidores do prédio identificado no n.º 1 da petição inicial;
b. Reconhecer que deste prédio dos Autores faz parte a parcela de terreno identificada nos números 12, 14 a 17 da petição inicial;
c. Reporem o terreno ocupado e terraplanado no estado anterior ao da destruição provocada, designadamente com reposição do rego, da poça no estado anterior ao da sua destruição;
d. Procederem à entrega dessa parcela, livre e desocupada, aos Autores;
e. Pagarem aos Autores, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos com a sua actuação a indemnização de €1.450,00;
f. Absterem-se de praticar futuros actos que ponham em causa, dificultem ou diminuam o direito de propriedade dos Autores.

Os Réus contestaram os fundamentos da acção e deduziram reconvenção, pedindo:

a. que se declarem os Réus donos e legítimos proprietários do prédio identificado no item 9 da contestação;
b. que se reconheça que a faixa de terreno identificada com as características aqui descritas nos pontos 12. e 14. configura uma servidão de passagem constituída por destinação de pai de família a favor do prédio dos Réus, descrito no artigo 9º a) da contestação e que onera o prédio dos Autores, descrito no artigo 1º da petição inicial;
c. que se reconheça que a faixa de terreno identificada com as características aqui descritas nos pontos 12. e 14. configura uma servidão de passagem constituída por usucapião;
d. que se condene os Autores a absterem-se de, no futuro, tapar ou por qualquer modo obstruir a referida servidão de passagem constituída com a configuração anteriormente descrita;
e. que se condene os Autores a absterem-se de praticar quaisquer actos que perturbem ou impeçam o livre acesso, por parte dos Réus ao seu prédio descrito no artigo 9º a) da contestação;
f. que se condene os Autores a pagar aos Réus a quantia de €800,00 a título de danos patrimoniais e de €1.000,00 a título danos não patrimoniais;
g. que se condene os Autores em multa a fixar pelo tribunal;
h. que se condene os Autores a indemnizarem os Réus por todos os prejuízos relevantes, já previsíveis, mas ainda não determináveis, nem passíveis de contabilização, que venham a resultar da dificuldade de acesso ao seu prédio, por via da conduta dos Autores, sendo esta a liquidar em execução de sentença.

Replicaram os Autores, impugnando os fundamentos da reconvenção. Mais pediram a condenação dos Réus/Reconvintes como litigantes de má fé.

Foi proferido despacho saneador, a fls. 73/74, que admitiu a reconvenção.

Realizou-se o julgamento conforme actas de fls. 88/91, 92/99 e 100.

Seguiu-se a sentença que terminou com o seguinte dispositivo legal:

Pelas considerações acima expostas, julga-se a presente acção parcialmente procedente e parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência:

a) Declara-se que os Autores são os proprietários do prédio rústico denominado “...”, sito em ..., freguesia de ..., com a área de 2800m2, a confrontar de norte e sul com caminho público, de nascente com Maria e de poente com José, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..., da freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 1439º rústico;
b) Condenam-se os Réus a abster-se de praticar qualquer acto que ponha em causa ou perturbe o referido direito de propriedade.
c) Declara-se que os Réus são os proprietários do prédio rústico denominado “...”, sito em ..., freguesia de ..., com a área de 1800m2, composto por terreno de mato, a confrontar de norte com ribeiro e Herdeiros de J. R., sul com Herdeiros de J. B., nascente com M. S. e poente com Herdeiros de J. R., descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº 599, da freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 5630º rústico.
d) Declara-se que os Réus são os proprietários do prédio rústico denominado “...”, sito em ..., freguesia de ..., com a área de 2500m2, composto por terreno de mato, a confrontar de norte, sul e nascente com caminho público e poente com J. C., descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº 517, da freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 1440º rústico.
e) Absolvem-se os Réus dos demais pedidos formulados pelos Autores, bem como do pedido de condenação como litigantes de má-fé.
f) Absolvem-se os Autores/Reconvindos dos demais pedidos reconvencionais formulados pelos Réus/Reconvintes, bem como do pedido de condenação como litigantes de má-fé.

As custas são fixadas a meio, por ambas as partes (artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.
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Descontentes com a sentença apresentam os réus recurso que terminam com as seguintes conclusões que se transcrevem:

1. Houve erro na apreciação da prova, existindo pontos de facto que foram incorretamente julgados e que poderiam impor decisão diversa;
2. Existia prova suficiente para justificar a existência da servidão de passagem por usucapião.
3. Houve contradição entre factos dados como provados e a improcedência do pedido de reconhecimento da servidão por usucapião.
4. De vários dos depoimentos referidos, resulta claramente que as testemunhas foram peremptórias em afirmar que por estas e por seus antecessores, usavam a referida servidão de passagem.
5. Apesar do relevo e da consideração que o Tribunal teve em consideração com as testemunhas dos Autores e dos Réus, não deu particular relevância às idades e aos depoimentos destas testemunhas para contagem de prazos para efeitos da aquisição da servidão de passagem por usucapião. Na verdade, não julgou corretamente os seus depoimentos.
6. Ao decidir como decidiu violou a douta sentença recorrida o dispostos nos artºs.1396º do Cód. Civil e artºs. 653º, nº 2, 607º nº 4, 615º, nº 1 al. c) do C. Proc.º Civil.

NESTE TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE VªS EXªS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO, ASSIM SE FAZENDO
justiça.

Os autores contra-alegam concluindo que deve ser mantida na íntegra a douta sentença, carecendo de fundamento de factos e de direito as alegações apresentadas pelos ora recorrentes, devendo, por isso, julgar-se improcedente o recurso apresentado e, assim, se fará a costumada Justiça.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e tem efeito meramente devolutivo (artigos 644º, n.º 1, 645º, n.º 1, al. a) e 647º, n.º 1 do Código de Processo Civil).

II. ÂMBITO DO RECURSO.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelos apelantes serem as seguintes as questões a apreciar:

- Nulidade da sentença;
- Erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto e como questão prévia: observância por parte dos recorrentes do ónus de alegação e especificação a que alude o artigo 640º do CPC e em caso negativo, consequente rejeição de tal reapreciação;
- Erro na aplicação do direito, como consequência da pugnada alteração da decisão da matéria de facto;
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III. FUNDAMENTAÇÃO

OS Factos:

Na decisão recorrida foram considerados provados e não provados os seguintes factos:

1. Por contrato de compra e venda, titulado por escritura pública celebrado no dia .. de .. de 2013, no cartório da Notária M. C., cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 8 e sgs e se dá por integralmente reproduzida, António, A. C., por si e em representação de J. M., e I. D., declararam vender a J. D., representado por A. F., o seguinte imóvel: “prédio rústico formado por um terreno de mato, denominado “...”, sito no lugar de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1439”. (artigo 1º da petição inicial)
2. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., da freguesia de ..., e aí inscrito a favor dos autores pela AP 3007 de 2013.10.18, o prédio rústico denominado “...”, situado em ..., inscrito na matriz predial sob o artigo 1439º, com a área de 2800m2, a confrontar de norte e sul com caminho público, de nascente com Maria e de poente com José, inscrito a favor de J. D., casado com I. C. (por compra a António, A. C., I. D. e J. M., herdeiros de M. A.). (artigo 5º da petição inicial)
3. Há mais de dezassete anos que os Autores, por si e seus antepossuidores, se encontram na posse do prédio vindo de identificar, cortando mato e lenhas e dele retirando outras utilidades em proveito próprio. (artigo 2º da petição inicial, restritivamente)
4. Tudo isto vem sucedendo à vista, com o conhecimento, reconhecimento e acatamento de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, ininterruptamente e na convicção de que vêm exercendo um direito próprio. (artigo 3º da petição inicial)
5. Mostra-se descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº 599, da freguesia de ..., concelho de ..., e aí inscrito a favor dos Réus pela Ap. 13 de 16/10/2008, por compra a C. C. e A. R., o prédio rústico, inscrito na matriz predial sob o artigo 5630, sito em ..., denominado “...”, com a área de 1800m2, composto por terreno de mato, a confrontar de norte com ribeiro e Herdeiros de J. R., sul com Herdeiros de J. B., nascente com M. S. e poente com Herdeiros de J. R.. (artigo 7º, a. da petição inicial e 9º, a. da contestação/reconvenção)
6. Mostra-se descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº 517, da freguesia de ..., concelho de ..., e aí inscrito a favor dos Réus pela Ap. 3 de 06/06/2008, por compra a M. G. e M. D., o prédio rústico, inscrito na matriz predial sob o artigo 1440, sito em ..., denominado “...”, com a área de 2500m2, composto por terreno de mato, a confrontar de norte, sul e nascente com caminho público e poente com J. C.. (artigo 7º, b. da petição inicial e 9º, b. da contestação/reconvenção)
7. O prédio referido em 2. confronta do seu lado nascente com os prédios referidos em 5. e 6. (artigo 7º da petição inicial)
8. Há mais de cinco anos os Réus construíram um muro de suporte de terras e vedação na estrema do seu prédio referido em 6. na sua parte poente, junto ao caminho municipal, seguindo depois esse muro para sul na estrema dos prédios de Autores e Réus. (artigos 8º da petição inicial e 11º da contestação/reconvenção, restritivamente)
9. O sobredito muro, construído em pedras de grande porte, tem, junto à estrema dos dois prédios aqui indicados, cerca de dois metros de altura. (artigo 9º da petição inicial, restritivamente)
10. A partir do caminho municipal que passa a poente dos prédios de Autores e Réus, o terreno que se localiza a poente do muro em pedra, na parte em que o mesmo segue o seu trajecto no sentido poente/sul, pertence ao prédio dos Autores. (artigo 10º da petição inicial)
11. Do lado poente do muro, existe um rego de condução de águas. (artigo 12º da petição inicial, restritivamente)
12. Esse rego é conhecido por “ribeiro”. (artigo 13º da petição inicial, restritivamente)
13. E junto ao caminho municipal existe uma poça. (artigo 14º da petição inicial, restritivamente)
14. À qual vem emborcar o rego vindo de cima, com seguimento para norte. (artigo 15º da petição inicial, restritivamente)
15. Os Autores têm casa de morada e bens na freguesia de ..., mas estão emigrados em França. (artigo 20º da petição inicial)
16. O prédio inscrito na matriz sob o artigo 1439º pertenceu a J. C. ou J. R.. (artigo 32º da contestação/reconvenção e 4º do aperfeiçoamento da contestação/reconvenção, restritivamente)
17. Desde data não concretamente apurada que se acede ao prédio referido em 5. pela faixa de terreno visível nos documentos 5 e 6 juntos com a contestação/reconvenção. (artigo 33º da contestação/reconvenção, restritivamente)
18. Tal faixa de terreno apresenta-se actualmente com cerca de 3 metros de largura e 40 metros de extensão. (artigo 34º da contestação/reconvenção, restritivamente)
19. Ali circulando os Réus com tractor e outras alfaias agrícolas. (artigo 35º da contestação/reconvenção, restritivamente)
20. Os antepossuidores dos Réus chegaram a aceder ao prédio referido em 5. pelo prédio referido em 1. com carro de vacas, para transportar o tojo. (artigo 36º da contestação/reconvenção, restritivamente)
21. Os Réus e antepossuidores passavam de modo a ser vistos por quem o quisesse, sem oposição de ninguém e na convicção de exercerem um direito que lhes assiste. (artigo 39º da contestação/reconvenção, restritivamente)
22. Em data não apurada de 2015, mas anterior a 26 de Julho, os Autores ou outrem a mando destes, amontoaram ramos e outra vegetação na faixa de terreno em causa nos presentes autos. (artigo 21º da contestação/reconvenção, restritivamente)
23. O que impedia o acesso por ali ao prédio dos Réus. (artigo 22º da contestação/reconvenção, restritivamente)
24. Os Réus retiraram o amontoado de vegetais e ramos. (artigo 23º da contestação/reconvenção, restritivamente)
25. Em data não apurada de 2016, mas anterior a 17 de Agosto, os Autores por si ou por interposta pessoa, procederam à abertura de uma vala, na extrema da propriedade destes. (artigo 24º da contestação/reconvenção, restritivamente)
26. Da vala foram retiradas pedras e terra que foram colocadas na faixa de terreno em causa nos presentes autos. (artigo 25º da contestação/reconvenção, restritivamente)
27. O que impedia a passagem por ali de tractores e alfaias agrícolas. (artigo 27º da contestação/reconvenção, restritivamente)
28. Os Réus removeram a terra e pedras da faixa de terreno em causa nos presentes autos. (artigo 28º da contestação/reconvenção, restritivamente)
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Factos não provados

Não se provaram os restantes factos alegados com interesse para a decisão da causa. Designadamente, não se provou que:

A. Há cerca de quinze dias a contar da data da entrada deste processo em Tribunal, sem que nada o fizesse prever, os réus irromperam com uma retroescavadora pelo prédio dos autores, terraplanaram o espaço da poça, do rego, da fonte e demais terreno, numa área de cerca de 40m2. (artigo 16º da petição inicial)
B. E destinaram esse espaço a local de entrada dos seus prédios alegando que esse terreno lhes pertence. (artigo 17º da petição inicial)
C. Logo que lhes foi comunicado o sucedido, tiveram que se deslocar a Portugal para tratar da presente situação. (artigo 21º da petição inicial)
D. Em viagens de avião gastaram não menos de €500. (artigo 22º da petição inicial)
E. A Autora mulher perdeu três dias de trabalho, de que resulta um prejuízo de €450. (artigo 23º da petição inicial)
F. Sentiram-se incomodados, vexados e desrespeitados nos seus direitos de propriedade, o que lhes motivou incómodos tristeza, mal-estar, irritação, desgosto e estados semelhantes, que os fez sofrer e se repercutiram na qualidade de vida que teriam que tais ocorrências não tivessem acontecido, fazendo baixar de forma significativa e durante pelo menos um mês, a qualidade de vida que vinham levando. (artigo 24º da petição inicial)
G. Que o prédio inscrito na matriz sob o artigo 1440º rústico tenha pertencido a J. C. ou J. R.. (artigo 32º da contestação/reconvenção e 4º do aperfeiçoamento da contestação/reconvenção, restritivamente)
H. Caminho bem visível e destacado pela delimitação levada a cabo pelos Autores, no prédio destes, no ano de 2014, com a colocação de diversas vigas em cimento, delimitando o terreno destes. (artigo 13º da contestação/reconvenção)
I. Actuaram com o intuito e objectivo de impedir o acesso ao prédio dos Réus. (artigos 22º e parte do 27º da contestação/reconvenção)
J. Os Réus despenderam a quantia de € 200,00 (duzentos euros) para remover o amontoado de vegetais e ramos. (parte do artigo 23º da contestação/reconvenção)
K. Os Réus despenderam a quantia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) para remover a terra e pedras. (parte do artigo 28º da contestação/reconvenção)
L. Que a faixa de terreno se apresentasse em terra batida e completamente distinta, pela sua configuração e delimitação, decalcada no próprio terreno da restante parte do prédio. (artigo 15º da contestação/reconvenção)
M. Ao longo de 20 a 40 anos aquela faixa de terreno se tem mantido inalterada e à vista de toda a gente. (artigo 37º da contestação/reconvenção)
N. Com a conduta dos Autores, os Réus ficaram decepcionados, tristes e desgostosos com aqueles. (artigo 44º da contestação/reconvenção)
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O Direito

Nulidade da sentença

Invocam os apelantes a nulidade da sentença dizendo existir contradição entre factos dados como provados e a improcedência do pedido de reconhecimento da servidão por usucapião.

No despacho que admitiu o recurso, a Sra. juiz do tribunal “a quo” não se pronunciou sobre a nulidade da sentença, nos termos do art. 617º/1 CPC.

Atenta a simplicidade da questão suscitada e face aos elementos que constam dos autos, não se mostra indispensável ordenar a baixa dos autos para a apreciação das nulidades, nos termos do art. 617º/5 CPC, passando-se a conhecer desde já das mesmas.

Cumpre decidir.

A nulidade prescrita pelo legislador na citada al. c) bem se compreende que exista pois impõe-se que os fundamentos (de facto e de direito) que justificam a decisão, funcionem, na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a mesma, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário. Tratar-se-á, portanto, dito de outra forma, de a conclusão (decisão) decorrer logicamente das premissas argumentativas expostas na decisão, sendo esta última consequência lógica daquelas.


Assim sendo, existirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença (ou do despacho) apenas quando os respectivos fundamentos conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada.

Quanto ao vício apontado, é manifesto que não existe qualquer nulidade da decisão.

Na verdade, o que os Recorrentes pretendem invocar – como iremos ver, sem cumprir o devido ónus de impugnação - é a existência de um erro de julgamento.

De facto, o que parece decorrer da alegação dos Recorrentes é que entendem que existe contradição entre os factos considerados como provados e a decisão jurídica da causa.

Mas obviamente essa alegada contradição não contende com qualquer vício de nulidade da decisão recorrida.

Neste sentido, o Prof. Antunes Varela In “Manual de Processo Civil”, pg. 686; salienta que “…não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário… “.

Pelo exposto, e sem necessidade de mais alongadas considerações, julga-se improcedente a arguida nulidade da sentença.
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Reponderação da prova.

Os Apelantes dissentem da decisão da matéria de facto dizendo:

1. Houve erro na apreciação da prova, existindo pontos de facto que foram incorretamente julgados e que poderiam impor decisão diversa;
2. Existia prova suficiente para justificar a existência da servidão de passagem por usucapião.
3. Houve contradição entre factos dados como provados e a improcedência do pedido de reconhecimento da servidão por usucapião.
4. De vários dos depoimentos referidos, resulta claramente que as testemunhas foram peremptórias em afirmar que por estas e por seus antecessores, usavam a referida servidão de passagem.
5. Apesar do relevo e da consideração que o Tribunal teve em consideração com as testemunhas dos Autores e dos Réus, não deu particular relevância às idades e aos depoimentos destas testemunhas para contagem de prazos para efeitos da aquisição da servidão de passagem por usucapião. Na verdade, não julgou corretamente os seus depoimentos.

Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):

“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b). Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Assim e sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso que impõem ao tribunal da Relação, perante a violação de normas imperativas, proceder a modificações na matéria de facto, estão estas dependentes da iniciativa da parte interessada tal como resulta deste citado artigo 640º do CPC.

Motivo por que e tal como refere António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2ª ed. de 2014 Almedina, em anotação ao artigo 662º do CPC, p. 238 “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para circunscrever o objeto do recuso. Assim o determina o princípio do dispositivo (…)”.

E no mesmo sentido, Ac. STJ de 01/10/2015, Relatora Maria dos Prazeres Beleza, in www.dgsi.pt/jstj de cujo sumário se extrai:

“ IV - A impugnação da matéria de facto não se destina a que a Relação reaprecie global e genericamente a prova apreciada em 1.ª Instância, não sendo admissível, como se extrai do preâmbulo do DL n.º 39/95, de 15-02, um ataque genérico à decisão da matéria de facto e impondo-se, ao invés, ao recorrente um especial ónus de alegação no que respeita à definição do objeto do recurso e à sua fundamentação, em decorrência dos princípios da cooperação, lealdade e boa-fé processuais, por forma a assegurar a seriedade do próprio recurso e a obviar a que este seja usado para fins dilatórios.
V - O ónus de alegação referido em IV contempla, desde a sua criação em 1995 e até à atualidade, a indicação precisa dos pontos da matéria de facto que se pretende questionar e a especificação dos meios de prova constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que imponham decisão diversa, tendo a al. c) do n.º 1 do art. 640.º do NCPC (2013) aditado a exigência de que o recorrente especificasse a decisão que deverá ser tomada sobre as questões factuais impugnadas, sob pena de rejeição do recurso de facto.”

Sobre a parte interessada na alteração da decisão de facto recai, portanto, o ónus de alegação e especificação dos concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados; dos concretos meios de prova que impõem tal alteração e da decisão que a seu ver sobre os mesmos deve recair, sob pena de rejeição do recurso.

Importa ainda ter presente que é ónus do recorrente apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.

Atendendo precisamente à finalidade das conclusões e em obediência ao disposto no artigo 639º nº 1 do CPC, é exigível no mínimo que destas conste de forma clara quais os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do mesmo. Embora na jurisprudência se encontrem posições mais ou menos exigentes quanto aos elementos que das conclusões devem constar, este é um denominador mínimo comum a todas elas [fazendo uma resenha alargada desta temática vide Ac. TRG de 07/04/2016, Relator José Amaral in www.dgsi.pt/jtrg; vide igualmente Abrantes Geraldes in ob. cit., em anotação ao artigo 640º, nota 5 – p. 135, bem como Acs. STJ de 01/10/2015, Relatora Ana Luísa Geraldes e ainda Ac. STJ de 22/09/2015, Relator Pinto de Almeida, ambos in www.dgsi.pt ].

Tendo presentes estes considerandos e revertendo ao caso concreto, constata-se que os recorrentes nas conclusões de recurso [acima transcritas] não incluíram qualquer menção expressa e clara quanto aos concretos pontos de facto que julgam incorretamente julgados, assim tão pouco estabelecendo relação directa entre este erro de julgamento e a prova produzida a que aludem na motivação.

Impõe-se assim concluir pela rejeição do recurso da matéria de facto, na medida em que os recorrentes não cumpriram o seu ónus de alegação e impugnação.

Matéria de facto que assim se mantém inalterada, já que tão pouco se verifica qualquer situação de conhecimento oficioso, para os fins do artigo 662º n.º 2 do CPC.

Não obstante, e acautelando entendimento mais abrangente do citado preceito sempre se dirá que revisitada a prova e vistos os documentos juntos aos autos não se vê, “in casu”, fundamento para alteração da decisão de facto tomada na 1ª instância quanto à matéria em apreço uma vez que o que se ouviu corresponde ao relato do que as testemunhas disseram efectuado pela Sra. Juiz na motivação da decisão de facto.

E nenhuma das testemunhas relatou de forma clara e convincente a factualidade alegada nos artºs 9º a 15º da peça processual intitulada reconvenção junta a fls. 59 a 61 que constituiu a causa de pedir do pedido formulado pelos recorrentes, factualidade que a verificar-se teria como consequência a procedência do pedido de reconhecimento do direito de uma servidão de passagem constituída por usucapião.
Temos, pois, como assente e imodificável a matéria de facto apurada na 1ª instância.
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●. Da nova fundamentação de direito (conhecimento prejudicado)

Dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, por parte dos recorrentes, no que à interpretação e aplicação do Direito respeita, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto ali consubstanciada, a qual, porém, se mantém inalterada, fica necessariamente prejudicado o seu conhecimento, o que aqui se declara, nos termos do art. 608º, n.º 2, aplicável ex. vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil.
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●. Solução Jurídica

Para além da impugnação da matéria de facto que improcedeu, os Réus defendem neste recurso que, mesmo assim, estão reunidos dos F.P nº 17 a 21 os pressupostos factuais que permitem concluir pela existência de uma servidão de passagem que onera o prédio dos Autores a favor do seu prédio, e, consequentemente deve ser reconhecido o seu pedido de aquisição de uma servidão de passagem por usucapião.

A decisão recorrida dando como provada tal factualidade concluiu que Já no que concerne à constituição da servidão por usucapião, igualmente não se provou o decurso do prazo necessário à usucapião (a posse não titulada, presumida de má fé, e não registada exige um prazo de 20 anos, conforme o disposto nos artigos 1260º, n.º 2 e 1296º do Código Civil), nem que a mesma se revelasse pelos necessários sinais visíveis e permanentes (note-se que face às alterações levadas a cabo pelas partes após as respectivas aquisições em 2008 e 2013, a configuração actual não pode ser considerada para o efeito).

Por essa razão, improcederá igualmente o pedido de declaração da constituição de uma servidão por usucapião.

Apreciando

O direito aqui em causa é um direito de servidão predial de passagem.
Os Réus alegaram a constituição desse direito por usucapião.

O conceito de usucapião mostra-se definido no artigo 1287º do Código Civil, donde decorre que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação.

Por outro lado, nos termos do artigo 1251º do Código Civil, posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.

O legislador optou por uma concepção subjectiva de posse (na esteira dos ensinamentos de Savigny), qualificando como mera detenção, todas as situações de exercício de poderes de facto, em que não se verifique uma específica intenção de domínio, um verdadeiro animus – elemento psicológico-juridico – tradutor de uma intenção de agir como titular de determinado direito real.

No entanto, a prova do animus, está amplamente facilitada, dado que o legislador, apercebendo-se da dificuldade da sua prova, consagrou no nº 2 do artigo 1252º do Código Civil, uma presunção de posse em nome próprio, naquele que exerce os poderes de facto sobre a coisa, cabendo, pois, ao que se arroga possuidor, provar que o detentor verdadeiramente não possui.

Para existir posse, é necessário assim que haja uma actuação de facto sobre determinada coisa, traduzida na prática de actos materiais que consubstanciem uma relação de domínio ou o exercício de um qualquer outro direito menor.

Por outro lado, é preciso ter presente que a posse adquire-se, entre outras formas, pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito, nos termos do artigo 1263º alínea a) do Código Civil.

Para o acto de investidura na posse não é suficiente a prática de um único acto, mas de vários, embora possam ter conteúdos distintos e, por outro lado, sem que esta reiteração implique a necessidade de uma actuação ininterrupta e/ou contínua.

O que é certo é que, para o apossamento, é já necessária uma actuação com uma intensidade superior, traduzida em actos materiais de uso, fruição ou transformação, reveladores, de forma indubitável, de que entre a coisa e o adquirente se estabeleceu, “ex. novo”, uma clara relação domínio.

Nas palavras de HENRIQUE MESQUITA, com o que se concorda, “o essencial, em suma, é que os actos aquisitivos, variáveis de caso para caso, se dirijam ao estabelecimento de uma relação duradoura com a coisa não bastando um contacto fugaz, passageiro.” (Direitos Reais”, Coimbra, 1967, pág. 97).

Por outro lado, para a aquisição da posse, nos termos da alínea a) do artigo 1263º do Código Civil, é ainda necessário que os actos materiais sejam realizados com publicidade, entendendo grande parte da doutrina que este requisito da publicidade é referido ao conceito de posse pública, consagrado no artigo 1262º do Código Civil, donde se infere a necessidade de os actos serem praticados de modo a puderem ser conhecidos pelos interessados (entre outros, Pires de Lima/Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. III, Coimbra, 1987, pág. 26; Henrique Mesquita, “Direitos Reais”, Coimbra, 1967, pág. 85; Manuel Rodrigues, “A Posse, Estudo de Direito Civil Português”, Coimbra, 1996, pág. 187. Contra, cf. Orlando de Carvalho, “Revista de Legislação e Jurisprudência”, Ano 124, Coimbra, pag. 260 e Durval Ferreira, “Posse e Usucapião”, Coimbra, 2002, pág. 159)

Quando os actos materiais não apresentem a exterioridade suficiente para serem conhecidos dos interessados, quer porque, de per si, não a possuam, quer porque, por acto voluntário do seu autor, sejam ocultados, então, serão meros actos clandestinos, insusceptíveis de conformar qualquer apossamento.

Aqui chegados, cumpre atender que tais preocupações, no caso das servidões constituídas por usucapião, foram levadas pelo legislador ao extremo de não permitir tal constituição nos casos de servidões não aparentes.

Com efeito, por força do disposto no artigo 1548º do Código Civil, as servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião, considerando-se não aparentes as servidões que não se revelam por sinais visíveis e permanentes.

Como se deixou expresso no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15/10/2013 (base de dados da DGSI, processo nº 78/11.1TBSCD.C1), “(…) a irrelevância do magno instituto da usucapião para a constituição de invocadas servidões que não se revelem materialmente em termos inequívocos, reside na preocupação legal de se evitar tal constituição em situações em que a atuação/posse é exercida por mera tolerância do dono do dito prédio serviente ou, até, sem que este dela tenha conhecimento”.

Tendo presente que – a não se exigir um rigor acrescido nos referidos termos – muitas servidões poderiam constituir-se assim de forma clandestina (por serem de todo desconhecidas) ou legitimar-se-iam até pela mera prática de actos compatíveis com a mera tolerância do proprietário onerado.

Daí que além dos requisitos comuns da constituição dos direitos reais por usucapião no caso das servidões prediais é ainda necessário demonstrar que a servidão em causa é uma servidão aparente, uma vez que o art.º 1548º do C. Civil não admite a constituição, por usucapião, de servidões não aparentes.

Há quem refira que este requisito resulta numa exigência de publicidade da posse qualificada. Não basta demonstrar que a passagem através do prédio serviente era feita de forma a poder ser presenciada por quem se encontrasse no local, mas também que existiam marcas permanentes que eram visíveis a quem por aí se encontrasse.

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, admitir a usucapião como título aquisitivo deste tipo de servidões, não obstante a equivocidade congénita dos actos reveladores do seu exercício, teria o grave inconveniente de dificultar em vez de estimular as boas relações de vizinhança, pelo fundado receio que assaltaria as pessoas de verem convertidas em situações jurídicas de carácter irremovível situações de facto assentes sobre actos de mera condescendência ou obsequidade” - Em Código Civil anotado, vol. III, pág. 629, 2.ª ed., Coimbra Editora.

Assim, para que uma servidão predial, designadamente de passagem, possa ser adquirida por usucapião, não basta a existência de uma situação possessória que reúna os requisitos necessários a essa forma de aquisição de direitos reais,( no caso em apreço a factualidade constante do F.P n 21) é também necessário que durante o tempo da posse existam no prédio em causa sinais exteriores que permitam aos interessados, designadamente aos titulares do prédio serviente, constatar que o seu prédio está realmente afectado por um encargo em proveito de outro prédio, não se registando uma situação de simples cortesia ou tolerância.

Como se disse no Acórdão da Relação do Porto de 10 de Julho de 2013 - Relatado por Alberto Ruço, acessível em www.dgsi.pt.: a visibilidade dos sinais respeita à sua materialidade, no sentido de serem percepcionáveis e interpretáveis como tais, pela generalidade das pessoas que se confrontem com eles e a permanência consiste na manutenção dos sinais, com a aludida visibilidade, ao longo do tempo, sem interrupções (pelo menos nos casos em que a ausência temporária dos sinais torne equívoco o seu significado), por forma a gerar e manter a ideia de que se trata de uma situação estável e duradoura e, ao mesmo tempo, afastar a hipótese de se tratar de uma situação precária, podendo tais sinais, no entanto, ser alterados ao longo do tempo ou substituídos por outros.

Na qualificação do que se deverá entender por sinais visíveis e permanentes, cumpre ainda aderir ao entendimento expresso no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16/10/2012 (base de dados da DGSI, processo nº 2763/08.6TBPBL.C1), na parte em que se referiu que:

(…). Por sinais entende-se tudo aquilo que possa conduzir à revelação de qualquer coisa ou facto, principalmente indícios que revelem a existência de obras destinadas a facilitar e a tornar possível a servidão.

Na servidão de passagem poderão ser, por exemplo, a existência de um trilho de terra batida ou empedrada, de sulcos de rodados de tracção animal deixados pelo decorrer dos tempos, em pedras existentes no caminho, tranqueiros, cancelas, pontes, etc... A servidão de passagem tornar-se-á aparente desde que se faça um caminho, uma ponte ou se abra uma porta.

Esses sinais hão-de ser visíveis, permanentes e inequívocos, pois só deste modo poderão indicar a existência de servidão aparente. (…)

Além de visíveis ou aparentes, os sinais devem ser permanentes, revelando uma situação estável, que foram postos com intenção de assegurar a serventia de um prédio para o outro, com carácter de permanência. …”.

Em igual sentido acórdão da Relação de Guimarães proferido no processo nº 161/16.7T8PTL-A. G1 com data de 14.06.2018 (relatora Dr.ª Maria João Matos) que refere “estando em causa a constituição de uma servidão de passagem por usucapião a mesma pressupõe que a respectiva existência seja revelada no local de implantação por meio de sinais visíveis e permanentes, perceptíveis a qualquer indiferenciada pessoa (…)”.

Subsumindo o exposto ao caso em apreço, no confronto com o que se provou, constata-se que os requerentes lograram demonstrar que a partir de determinada altura começaram a aceder ao seu prédio através de uma faixa de terreno existente no prédio dos requeridos, sem qualquer oposição.

Todavia não lograram demonstrar, como lhes incumbia (artigo 342º nº 1 do Código Civil), que o fizeram por mais de 20 anos e que existam ou tivessem existido sinais visíveis e permanentes, que fossem susceptíveis de revelar tal passagem para o seu prédio e com os efeitos pretendidos.

Isto porque não se provou existir ou ter existido qualquer trilho em terra batida ou calcada, com a localização e configuração indicada pelos requerentes, nos artºs 9º a 15 da reconvenção.

Como bem sabem os recorrentes as testemunhas referiram que a utilização da alegada passagem era só única e simplesmente quando se ia roçar o tojo; esse terreno não tinha caminho tinha apenas passagem quando se roçava a boça de cima é que se passava com o carro das vacas e ia-se buscar o tojo, disse a testemunha T. S. que não era usado muitas vezes, como referiu a testemunha AA.. A testemunha C. S. começou por referir que havia um carreio por onde passavam as vacas com o carro até ao meio da tojeira não iam até lá acima … a entrada que tem agora é uma entrada antigamente tinha um carreirinho onde passavam as vacas com o carro … isto aqui era aberto (referindo-se ao ribeiro) e tinha uma passagem não tinha um caminho feito.

O que a senhora diz que não havia caminho feito, era que o caminho não estava lá sempre, o tojo crescia, não estava pisado e calcado, os senhores passavam quando precisavam de ir buscar o tojo? Pergunta a Sra. Juiz tendo a testemunha confirmado essa factualidade.

Admitindo que há mais de 30 anos que trabalhou na tojeira da tia C. S. que hoje é dos réus para onde ia com os avós roçar o mato a testemunha Fernanda questionada acerca do local por onde passava o carro de gado respondeu que era sempre pelo mesmo local e sem saída. Local que não definiu nem delimitou.

Falha esta que aconteceu com outras testemunhas as quais afirmando a existência de um “caminhito”, “acesso” ou “passagem” com acessibilidades visíveis, não as definiram em concreto, não as “as colocaram no local “por forma a que o tribunal possa concluir pela existência de sinais visíveis, permanentes e inequívocos os quais permitiam o reconhecimento da existência de uma servidão de passagem constituída por usucapião.
E posto isto, afigura-se-nos que, não tendo os requerentes demonstrado a existência de sinais visíveis e permanentes que revelem a alegada passagem para o seu prédio, também não lograram demonstrar, ainda que de forma sumária, o direito de ver reconhecida a invocada servidão de passagem constituída por usucapião pelo prédio dos Autores, revelando-se correcta a decisão recorrida.
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●. Das custas

É critério para atribuição do encargo das custas o da sucumbência e na respectiva proporção (artigo 527º, nºs 1 e 2, do código de processo).

Na hipótese, o recurso de apelação é integralmente improcedente; o encargo das custas é, no total, vínculo dos apelantes que ficaram vencidos na sua pretensão de procedência do recurso.
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Síntese conclusiva

▪. Quando se pretende a reapreciação da matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.
▪. Essa especificação deve ser feita nas conclusões, pois são estas que definem o objecto do recurso.
▪. O não cumprimento do referido ónus implica a rejeição do recurso, na parte correspondente, sem possibilidade de introdução de despacho de aperfeiçoamento.
▪. Além dos requisitos comuns da constituição dos direitos reais por usucapião no caso das servidões prediais é ainda necessário demonstrar que a servidão em causa é uma servidão aparente, uma vez que o art.º 1548º do C. Civil não admite a constituição, por usucapião, de servidões não aparentes.
▪. Não se provando existir qualquer sinal visível e permanente (trilho em terra batida ou calcada), com a localização e configuração indicada pelos requerentes no requerimento inicial, a partir do prédio dos requeridos e até aos seus prédios não é possível constituir-se, por usucapião, a respectiva servidão de passagem.
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IV. DECISÃO

Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da 2ª secção, cível, do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar improcedente o recurso em apreço mantendo a decisão recorrida
Custas pelos recorrentes.
Notifique
Guimarães, 14 de Fevereiro de 2019
(processado em computador e revisto pela relatora antes de assinado)

O presente acórdão é assinado eletronicamente pelos respectivos
Maria Purificação Carvalho
Maria dos Anjos Melo Nogueira
José Cravo