Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1900/20.7T8BCL.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
APRESENTAÇÃO DE FOLHAS DE REGISTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - Os Tribunais do Trabalho funcionam, no âmbito da sua competência em matéria de contra-ordenações laborais e de segurança social, como instância de recurso, reapreciam a decisão da autoridade administrativa, quer de facto, quer de direito. Por seu turno, o Tribunal da Relação funciona neste âmbito essencialmente como instância de revista, e, consequentemente, em termos limitados, quer quanto às decisões judiciais que admitem recurso, quer quanto ao âmbito e efeitos do recurso, razão pela qual, em regra, apenas conhece da matéria de direito
II- A contra-ordenação muito grave prevista e punida nos termos do art.º 25° n.° 1, alínea b) da Lei n.° 27/2010, de 30/08, ou seja a não apresentação, pelo motorista, das folhas do registo tacógrafo relativas ao período dos 28 dias anteriores solicitadas pelo agente fiscalizador, verifica-se com a não apresentação de qualquer uma destas folhas, já que esta não apresentação no acto da fiscalização é o único facto constitutivo do tipo legal.
III - O motorista que não exerce condução todos os dias deve trazer consigo documento que contenha a causa objectiva que justifique a não apresentação das folhas de registo do tacógrafo, relativamente aos dias em que não conduz, para que possa apresentá-la ao agente fiscalizador, sempre que tal se revele necessário.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
RECORRENTE: X GÁS COMBUSTIVEIS, LDA.
RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO

Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Barcelos, Juiz 2

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório

No âmbito da decisão administrativa proferida pela Unidade Local de Braga da Autoridade para as Condições do Trabalho em 27/04/2020, foi aplicada à Recorrente X GÁS COMBUSTIVEIS, LDA., a coima de 27 (vinte e sete) unidades de conta pela prática da contra ordenação prevista no art.º 36.º do Regulamento (EU) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Fevereiro de 2014 e tipificada de muito grave no termos previstos no art.º 25.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto.
A arguida/recorrente não concordando com a decisão administrativa recorreu para o Juízo do Trabalho de Barcelos, pugnando pela procedência do recurso, com as demais consequências.

Recebido o recurso e realizado o julgamento foi proferida decisão que terminou com o seguinte dispositivo:

“Nestes termos e face ao exposto, julgo totalmente improcedente o presente recurso de impugnação judicial interposto pela arguida Xgás Combustíveis, Lda. e mantenho na íntegra a decisão proferida pela Unidade Local de Braga da Autoridade para as Condições do Trabalho em 27/04/2020.
*
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça no valor equivalente a 3 UC’s - art.º 59.º do Decreto-Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro e art.º 8.º, n.º 7 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique.
Comunique à Unidade Local de Braga da Autoridade para as Condições do Trabalho - art.º 70.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro.”

A arguida X GÁS COMBUSTIVEIS, LDA inconformada com esta decisão, que julgou improcedente a impugnação judicial e manteve a decisão proferida pela Unidade Local de Braga da Autoridade para as Condições do Trabalho, recorreu para este Tribunal da Relação de Guimarães pedindo a revogação da decisão com a sua substituição por outra que a absolva da infracção que lhe é imputada pela autoridade administrativa, motivando o seu recurso com as seguintes conclusões:

“I - O tribunal “a quo” não apreciou corretamente os factos dados como provados, e, por consequência, errou na subsunção e enquadramento jurídico dos mesmos, causando a prolação de decisão atentatória das elementares regras do direito e da justiça.
II - O trabalhador A. G., testemunha, declarou, que em 15 e 22 de maio, os dias em que não apresentou registo do tempo de condução, prestou serviço em outro veículo da recorrente, não tendo introduzido o seu cartão por lapso nesse mesmo veículo.
III - Tais declarações contradizem dos factos constantes da alínea D) dos factos dados como provados, distorcendo a verdade dos mesmos, imputando-lhe uma outra carga, bem diferente da intenção da prestação da testemunha.
IV - Sendo a actividade comercial da arguida a distribuição de combustíveis, vulgo garrafas de gás, é normal que, em alguns dias no período de um mês, que algum dos trabalhadores possa auxiliar outro, quer na condução quer na carga e descarga das mercadorias.
V - Pelo que, se tal facto aconteceu, então nos dias 15 e 22 de maio, o serviço de condução e distribuição foi prestado por duas pessoas habilitadas para o exercício da condução.
VI - Se daí resultou um lapso por parte de um dos condutores de não introdução do seu cartão no aparelho apropriado a registar os seus tempos de trabalho é uma outra situação que deve ser analisada sob outra vertente legislativa que não a dos presentes autos.
VII - É usual que a actividade de carga e descarga e condução, quando praticada em conjunto, tanto pode exigir a condução do veículo quer por um quer pelo outro condutor presente, sem distinção.
VIII - Ao considerar verosímeis as declarações prestadas por ambos os condutores, de que nos dias 15 e 22 de maio, ambos realizaram trabalho conjunto e tendo ambos a categoria de motorista deverá a factualidade assim determinada ser objecto de decisão diametralmente oposta à prolatada.
IX - O Decreto-Lei n.º 237/07 de 18 de Junho, que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, dispõe que trabalhador móvel, para efeitos do diploma, é o trabalhador, incluindo o formando e o aprendiz, que faz parte do pessoal viajante ao serviço de empregador que exerça a atividade de transportes rodoviários abrangida pelo regulamento ou pelo AETR.
X - Pelo que, com este entendimento, todos os trabalhadores que prestam o seu serviço, para tais entidades, afetos à atividade transportadora, são pessoal viajante.
XI - O direito contraordenacional apresenta autonomia em relação do direito penal. A contraordenação apresenta caraterísticas qualitativamente diferentes do crime, desde logo pelos valores que um regime e outro defendem, no caso do ilícito criminal valores, fundamentais da sociedade, diferença que tem tradução das respetivas reações. São diversas quer a censura ético-jurídica quer a natureza dos bens protegidos.
XII - Um dos princípios aplicáveis é o da presunção de inocência. Tal princípio, embora com contornos próprios, é aplicável em sede contraordenacional. Este princípio repercute-se em matéria de ónus de prova, competindo à acusação a demonstração os elementos do ilícito contraordenacional.
XIII - O princípio, com consagração constitucional, artº 3º, 2º da CRP, aplicável às pessoas coletivas, artigo 2º, 2 da CRP, é diretamente aplicável, conforme artigo 18º do diploma fundamental.
XIV - Não vêm demonstrados os elementos do ilícito imputado, sendo que, nos dias em que não foram apresentados os registos de actividade por parte do condutor este justificou tal falta com a prestação de auxílio na condução e carga e descarga a outro trabalhador e noutro veículo da empresa recorrente.
XV - O conceito de “condutor” constante do artigo 4º, do regulamento 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, “qualquer pessoa que conduza o veículo, mesmo durante um curto período, ou que, no contexto da atividade que exerce, esteja a bordo de um veículo para poder eventualmente conduzir.”
XVI - O raciocínio levado á fundamentação da decisão de facto, não tem correspondência com a realidade, não traduz o que efetivamente se passou e que foi mencionado cabalmente pelas testemunhas arroladas em sede administrativa.
Pelo que, revogando a douta sentença recorrida, julgando em conformidade com as supra referidas conclusões, e concedendo provimento ao presente recurso,
FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS JUSTIÇA!”
Por despacho de 15-12-2020, foi o recurso admitido na 1.ª instância.
O Ministério Público apresentou contra alegação, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Remetidos os autos para este Tribunal da Relação de Guimarães, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no sentido da improcedência do recurso, parecer esse que foi objecto de qualquer resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
*
Objecto do Recurso

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente na sua motivação – artigos 403.º n.º 1 e 412.º n.º 1, ambos do C.P.P. e aqui aplicáveis por força do artigo 50.º n.º 4 do regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14/09.
Atentas as conclusões de recurso importa apurar se ocorreu erro no julgamento da matéria de facto, que imponha a sua alteração e consequentemente erro na subsunção e enquadramento jurídico.

Fundamentação de facto

O Tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto.

a) Factos Provados
A) A arguida dedica-se à atividade de comércio por grosso de produtos petrolíferos;
B) Em 29/05/2019, pelas 16 horas e 15 minutos, a arguida fazia circular na Rua do Norte a viatura pesada trator de mercadorias de matrícula QU, de sua propriedade, conduzida pelo seu trabalhador A. G., que conduzia no interesse, sob as ordens e direção da arguida;
C) O motorista em causa, no momento da fiscalização ocorrida nessa data e hora, não se fazia acompanhar da totalidade dos discos de registo respeitantes aos 28 dias anteriores, não tendo exibido registos dos dias 15 e 22 de maio de 2019 nem tendo apresentado qualquer outro documento;
D) Nos dias 15 e 22 de maio, o condutor efetuou trabalhos diversos da condução (outros trabalhos) mas não efetuou qualquer registo manual numa folha de registo, através de impresso ou utilizando as possibilidades de introdução manual de dados no aparelho de controlo.

b) Factos Não Provados
Com relevância para a decisão da causa, resultaram não provados os seguintes factos:

1) que o motorista desempenhe essas funções na recorrente há mais de vinte anos, auxiliando em outros períodos de tempo outros motoristas nas cargas e descargas;
2) que nos dias 15 e 22 de maio o motorista tenha auxiliado outro trabalhador da arguida, auxílio esse prestado tanto ao nível da condução do veículo como na carga e descarga de mercadoria;
3) que por lapso do trabalhador, este não tenha introduzido o seu cartão no tacógrafo do veículo conduzido pelo outro trabalhador, o que originou o não registo da atividade, bem sabendo que teria de o fazer aquando do início da marcha do veículo;
4) que a arguida tenha colocado à disposição dos seus trabalhadores todos os meios e informações necessários ao cumprimento das obrigações a que estavam sujeitos para o exercício da sua profissão;
5) que a arguida tenha prestado formação em matéria de tacógrafos e controlo de tempos de condução aos seus trabalhadores.

Fundamentação de direito

1 - Do erro no julgamento da matéria de facto

A recorrente veio por em causa a valoração dos meios de prova pretendendo que se altere a factualidade provada sob a alínea D) dando-se como provada outra factualidade diametralmente oposta, defendendo que a factualidade provada não corresponde à realidade e não traduz o que efectivamente se passou e que foi mencionado pelas testemunhas que depuseram em sede administrativa.

Como é consabido os Tribunais do Trabalho funcionam, no âmbito da sua competência em matéria de contra-ordenações laborais e de segurança social, como instância de recurso, reapreciam a decisão da autoridade administrativa, quer de facto, quer de direito. Por seu turno, o Tribunal da Relação funciona neste âmbito essencialmente como instância de revista, e, consequentemente, em termos limitados, quer quanto às decisões judiciais que admitem recurso, quer quanto ao âmbito e efeitos do recurso, razão pela qual, em regra, apenas conhece da matéria de direito – cfr. art.º 434.º do CPP; art.º 75.º n.º 1 do RGCO e art.º 51.º n.º 1 da Lei 107/2009, de 14/09, estipulando este último o seguinte:

Se o contrário não resultar da presente lei, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.”.
Contudo realçamos que a única possibilidade de conhecer da matéria de facto respeita a qualquer um dos vícios previstos no art.º 410.º n.º 2 do CPP, aplicável por força do disposto no artigo 60.º da Lei n.º 107/2009 e artigo 41º do DL n.º 433/82, de 27/10, o que sucede para evitar que a decisão de direito seja sustentada por matéria de facto manifestamente insuficiente, ou fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias, ou seja o Tribunal da Relação se concluir pela existência de qualquer um daqueles vícios não consegue chegar a uma correta solução de direito, deles conhecerá, sendo assim esta função que, no processo contra-ordenacional, deve assumir o Tribunal da Relação no que respeita à apreciação da matéria de facto.
Neste sentido cfr. Acórdãos da RL de 8/02/2012, proc. n.º 272/11.5TBRR.L1 e de 06/12/2017, proc. n.º 746/17.4T8LSB.L1-4.

Com efeito, pode o recurso ter por fundamento qualquer um dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.º do CPP, entre os quais se inclui o erro notório na apreciação da prova – alínea c) do n.º 2 do art.º 410º do CPP, a qual dispõe o seguinte:
2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
(…)
c) Erro notório na apreciação da prova.”

Ora, o erro notório na apreciação da prova não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, nem com prova mal apreciada, nem com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção firmada pelo tribunal a quo sobre factos no âmbito do princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º do CPP.
O erro notório representa uma anomalia a nível da elaboração da sentença circunscrita à matéria de facto que deve ser apreensível pelo seu texto sem necessidade de recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, nomeadamente o recurso a depoimentos de testemunhas ou a documentos juntos, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito.
O erro notório verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, dando-se como provado o que não pode ter acontecido. É o erro que salta aos olhos e que, por isso, se vê logo da análise do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras de experiência.
O tribunal superior não pode, nem deve sindicar a boa ou má valoração da prova produzida, cumpre, assim, exclusivamente com base na sentença recorrida, conjugada com as regras de experiência comum, indagar se aquela decisão padece do apontado vício.
Tal não é a situação do caso em apreço, pois a recorrente consubstancia o erro de julgamento da matéria de facto na valoração da prova testemunhal, levada a cabo na fase administrativa dos autos.

No caso sub judice, a discordância da Recorrente resulta da forma como o tribunal apreciou a prova produzida, ou seja o facto de a versão da recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal. A Recorrente apenas põe em causa a valoração da prova, a sua boa/má apreciação, o que não constitui qualquer vício ou erro notório.
Em suma, não estando perante um qualquer erro notório na apreciação da prova, subsiste intocada a matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, improcedendo as conclusões I a VIII da sua alegação de recurso.

2 - Da prática da imputada infracção

Defende a recorrente que em função da factualidade provada deveria ter sido absolvida da imputada infracção, por não estarem demonstrados os elementos do ilícito imputado, já que o motorista/condutor ao seu serviço justificou a falta do registo em dois dos 28 dias que antecederam a fiscalização, com o facto de ter estado nesses dias a auxiliar na condução e carga um outro trabalhador e noutro veículo da empresa.

Vejamos:

A recorrente foi condenada por o seu motorista não ter apresentado todos os registos relativos aos 28 dias anteriores à fiscalização, já que em relação a esse período não exibiu os registos dos dias 15 e 22 de Maio, infringindo assim o p. e p. pelo artigo 25.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 27/2010, de 30/08 (regime sancionatório por violação das regras sobre tempos de condução, pausas e períodos de repouso de condutores rodoviários), o qual sob a epígrafe de “Apresentação de dados a agente encarregado da fiscalização” prescreve o seguinte:

“1 — Constitui contraordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização:
(…)
b) De cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efetuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar;”

Prescreve o art.º 13º da citada Lei 27/2010, que:
“1 - A empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional.
2- A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) nº 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo II do Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.
3- O condutor é responsável pela infracção na situação a que se refere o número anterior ou quando esteja em causa a violação do disposto no artigo 22º.
4 – (…)”

Por seu turno, importa ainda atentar no prescrito no artigo 36.º, n.º 1 do Regulamento (UE) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Fevereiro de 2014, respeitante à utilização de tacógrafos nos transportes rodoviários, no qual se estabelece o seguinte:

“1. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem:
i) As folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores;
ii) O cartão de condutor, se o possuir; e
iii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.º 561/2006.”

Por fim, ainda de acordo com a alínea a) do n.º 7 do artigo 15.º do Regulamento (CEE) n.º 3821/85, alterado pelo referido Regulamento (CE) n.º 561/2006:

“a) Sempre que o condutor conduza um veículo equipado com um aparelho de controlo em conformidade com o anexo I, deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo:
i) as folhas de registo da semana em curso e as utilizadas pelo condutor nos 15 dias anteriores; o
ii) cartão de condutor, se o possuir; e
iii) qualquer registo manual e impressão efectuados durante a semana em curso e nos 15 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento (CE) n.º 561/2006.

No entanto, após 1 de Janeiro de 2008, os períodos referidos nas subalíneas i) e iii) abrangerão o dia em curso e os 28 dias anteriores.”

Da alínea b) do citado preceito resulta o seguinte:

Sempre que o condutor conduza um veículo equipado com aparelho de controlo em conformidade com o anexo 1B, deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo:

i) Cartão de condutor de que for titular;
ii) Qualquer registo manual e impressão efectuados durante a semana em curso e nos 15 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.º 561/2006 e
iii) As folhas de registo correspondentes ao período referido na alínea anterior, no caso de ter conduzido um veículo equipado com um aparelho de controlo com anexo I.

No entanto, após 1 de Janeiro de 2008, os períodos referidos na subalínea ii) devem abranger o dia em curso e os 28 dias anteriores.”

E a alínea c) do citado n.º 7 do artigo 15.º do Regulamento (CEE) n.º 3821/85 do Conselho estabelece ainda o seguinte:
Os agentes autorizados para o efeito podem verificar o cumprimento do Regulamento (CE) 561/2006 através da análise das folhas de registo ou dos dados, visualizados ou impressos, registados pelo aparelho de controlo ou pelo cartão de condutor, ou na falta destes meios, através da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de qualquer disposição, como as previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 16”. (sublinhado nosso).
Os normativos acima transcritos impõe ao motorista/condutor a apresentação, no acto de fiscalização dos registos referentes aos 28 dias que antecedem o dia da fiscalização, sejam estes folhas ou dados visualizados ou impressos, registados pelo aparelho de controlo (tacógrafo), seja pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, através da análise se qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de qualquer disposição, designadamente através da declaração prevista na decisão da Comissão de 14 de Dezembro de 2009, que altera a Decisão 2007/230/CE respeitante a um formulário relativo às disposições em matéria social no domínio das atividades de transporte rodoviário (2009/959/UE).
O legislador não pretendeu, apenas, assegurar a existência dos registos em questão, mas sim e também a sua imediata apresentação ou justificação documentada da sua falta, às autoridades competentes quando tal lhes seja solicitado no controlo em estrada, a fim de permitir àquelas autoridades percepcionar os tempos de trabalho e não trabalho, pausas e períodos de repouso dos trabalhadores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias nos últimos 28 dias e isto, quer o motorista tenha, ou não, exercido a condução nesse período que antecedeu o dia da fiscalização.
É o que sem margem para dúvida decorre da letra da lei, ao referir-se no art. 15º, nº 7, do Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho, que o condutor “deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo” (sublinhado nosso), da obrigação de conservar a bordo as folhas de registo dos dias precedentes a que se reporta esse art. 15º, nº 7, do facto dos agentes poderem verificar o cumprimento do Regulamento, através da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de qualquer disposição (sublinhado nosso) e do facto de o controlo dever ser feito em estrada (por contraposição ao controlo nas instalações da empresa).
A lei prevê assim o momento da apresentação de tal documentação comprovativa quer da condução, quer da justificação do incumprimento de qualquer disposição (designadamente da impossibilidade de apresentação da totalidade dos 28 discos anteriores ao do dia da fiscalização) – no acto da fiscalização -, razão pela qual tais documentos tem de estar na posse do condutor por forma a poderem ser apresentados às autoridades que procedem à fiscalização na estrada.
Os registos efectuados no tacógrafo são a 1ª fonte de informação em caso de controlo de estrada e a ausência de tais registos apenas se pode justificar quando, por razões objectivas, não tenha sido possível realizar tais registos no tacógrafo, devendo ser emitida a declaração que confirme tais razões.
Em suma, para que o agente encarregado da fiscalização possa analisar e verificar do cumprimento do citado Regulamento tem o condutor necessariamente ter consigo ou os registos dos 28 dias anteriores ao da fiscalização ou documento comprovativo que permita justificar o facto de não possuir um ou mais destes registos.
Acresce dizer que tem sido entendimento dominante da jurisprudência, e uniformemente seguido por este Tribunal da Relação de Guimarães que a contra-ordenação muito grave prevista e punida nos termos do art.º 25° n.°1, alínea b) da Lei n.° 27/2010, de 30/08, ou seja a não apresentação, pelo motorista, das folhas do registo tacógrafo relativas ao período dos 28 dias anteriores solicitadas pelo agente fiscalizadora, verifica-se com a não apresentação de qualquer uma destas folhas, já que esta não apresentação é o único facto constitutivo do tipo legal, configurando causa de exclusão da ilicitude a apresentação das declarações ou de qualquer outro documento ou comprovativo justificativo do incumprimento.
Este entendimento de forma unânime tem sido sufragado pelo Tribunal da Relação de Guimarães, designadamente nos seguintes arestos: Proc. n.º 1550/14.7T8VCT, Ac. de 6/10/2016 (não publicado); Proc. n.º 1154/15.7T8BCL.G1, Ac. de 20/10/2016 (relatora Alda Martins), Procs. n.º 2169/17.6T8VNF, n.º 2401/17.6T8VNF e n.º 4016/17.0T8VNF, respectivamente, em 19/10/2017, em 16/11/2017 e em 05/04/2018 (relatora Vera Sottomayor); Proc.º n.º 2160/19.8T8VNF.G1 de 24/10/2019 (relatora Leonor Barroso), todos consultáveis em www.dgsi.pt, passando a transcrever o sumário do que se fez constar a este propósito, neste último acórdão.
“I. Mostra-se verificada a prática da contraordenação p. e p. no art. 15º, 7, b), do Regulamento (CEE) nº 3821/81 de 20/12, na redacção dada pelo Regulamento (CE) nº 561/2006 do PE e do Conselho, e 25º, 1, al. b) da Lei 27/2010, de 30/08, caso o condutor não apresente ao agente fiscalizador as folhas de registo (tacógrafo) do dia em curso e dos 28 dias anteriores ou, na sua falta, outros registos ou documentos que justifiquem tal omissão.
II.A contra-ordenação em causa mostra-se consumada no acto de fiscalização, ou seja, no momento da omissão de apresentação dos registos, sendo indiferente ao preenchimento do tipo contra-ordenacional a prova tardia de que o condutor estaria a fazer outros trabalhos que não de condução, sob pena de esvaziamento da acção inspectiva.”
Assim, para que o tipo de ilícito contra-ordenacional se mostre preenchido basta a mera falta de apresentação, no momento da fiscalização, das folhas de registo de tacógrafo do dia e dos 28 dias anteriores, ou de outros registos que justifiquem a omissão e isto foi constado pelo agente autuante no acto de fiscalização e notificado ao infractor.

Mas vejamos:

Da factualidade provada resulta o seguinte:

- O motorista que prestava serviço por conta da arguida no dia 29/05/2019, no momento da fiscalização ocorrida nesse dia, não se fazia acompanhar da totalidade dos discos de registo respeitantes aos 28 dias anteriores, não tendo exibido registos dos dias 15 e 22 de maio de 2019 nem tendo apresentado qualquer outro documento;
- Nos dias 15 e 22 de maio, o condutor efetuou trabalhos diversos da condução (outros trabalhos) mas não efetuou qualquer registo manual numa folha de registo, através de impresso ou utilizando as possibilidades de introdução manual de dados no aparelho de controlo.

Daqui resulta inequívoco que o motorista nos dias em que não exibiu registos, nem apresentou qualquer documento justificativo da sua falta, foram precisamente os dias em que efectuou outros trabalhos por conta da arguida/recorrente, mas não procedeu ao seu registo em folha de registo, nem introduziu manualmente tais dados no aparelho de controlo, não permitindo assim que o agente fiscalizador se inteirasse de tais factos.
Em face do acima exposto apenas podemos concluir que o motorista aquando da fiscalização não apresentou todos os registos que estava obrigado a exibir ao agente fiscalizador e tal revela-se de suficiente para que se mostre consumada a prática da infracção, impedindo assim que o agente fiscalizador verificasse o cumprimento dos tempos de trabalho e de repouso deste trabalhador.
Por outro lado, a arguida não logrou provar qualquer facto que afastasse a ilicitude da sua conduta, designadamente facultando ao condutor para que ele pudesse exibir um documento comprovativo que permitisse justificar o incumprimento, como seja a declaração de actividade ou de outro documento que o substitua.
Assim, não tendo o motorista consigo a totalidade dos registos correspondentes ao trabalho realizado nos últimos 28 dias, designadamente por o ter efectuado outros trabalhos diversos da condução, que não registou mostra-se verificada a imputada infracção.
Como refere o Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão proferido em 1/10/2015, Proc. n.º 77/15.4T8STC.E1, que pode ser consultado em www.dgsi.pt,
“Da interpretação conjugada dos referidos normativos legais, resulta, pois, em síntese, que quando solicitado por agente encarregado de fiscalização, o condutor de veículo de transporte rodoviário pesado de mercadorias deve apresentar o cartão de condutor de que for titular, as folhas de registo do dia em curso e dos 28 dias anteriores, sendo que a não apresentação de tais elementos constitui contra-ordenação muito grave.
Naturalmente que a fiscalização poderá ser efectuada através da análise das folhas ou dos dados, visualizados ou impressos, registados pelo aparelho de controlo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, através da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de qualquer disposição.
Note-se que, tratando-se, por exemplo, de um condutor inserido em escalas de serviço, deve ser portador de um extracto da escala de serviço e de uma cópia do horário de serviço, devendo incluir o período mínimo que abranja os 28 dias anteriores (cfr. artigo 16.º do Regulamento 561/2006).”
Resumindo, o motorista que não exerce condução todos os dias deve trazer consigo documento que contenha a causa objectiva que justifique a ausência das folhas de registo do tacógrafo, relativamente aos dias em que não conduz, para que possa apresentá-la ao agente fiscalizador, sempre que tal se revele necessário, pois só por esta via, se pode concluir que foram apresentadas ou não, ao agente fiscalizador todas as folhas referentes a período temporal em questão.
Neste sentido ver entre outros, Acórdão da Relação do Porto de 05/12/2011, Proc. 68/11.4TTVCT.P1, relatora Paula Leal de Carvalho; Acórdão da Relação Évora de 20/04/2017, Proc.º n.º 957/16.0T8STR.E1 relator Moisés Silva e de 8/11/2017, Proc.1523/15.2T8BJA.E1, relatora Paula Paço; Acórdão da Relação de Lisboa, de 16/03/2016, Proc. 196/15.7T8BRR.L1.4, relator José Eduardo Sapateiro, de 19/04/2017, Proc. 14013/16.7T8LSB.L1, relatora Maria José Costa Pinto, de 11/09/2019, Proc. n.º 337/19.5T8LSB.L1-4 relatora Francisca Mendes.
Por fim, acresce dizer que arguida só não seria responsável pela prática da infracção se tivesse provado que organizou o trabalho de modo a que o condutor pudesse ter exibido os discos do tacógrafo utilizados nos 28 dias anteriores ou a declaração com a causa justificativa objetiva da falta dos referidos registos.
A arguida não provou que cumpriu este seu dever, pelo que é responsável pela prática da contra ordenação e pelo pagamento da coima em que foi condenada.
Improcede o recurso sendo de confirmar a decisão recorrida.

Decisão

Por todo o exposto e nos termos dos artigos 50.º e 51.º do Regime Processual das Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social (Lei n.º 107/2009, de 14/09), acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo da arguida/recorrente, fixando a taxa de justiça em 2 UC.
Após trânsito em julgado comunique à ACT com cópia certificada do acórdão.

8 de Abril de 2021

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso