Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
82/14.8GTVCT.G1
Relator: TERESA COIMBRA
Descritores: CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
CONFISSÃO FEITA ANTES DO JULGAMENTO
VALORAÇÃO
PENA
ARTº 344º DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/25/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1. A confissão dos factos imputados na acusação, constante de requerimento que foi junto aos autos antes do julgamento que veio a ser realizado na ausência do arguido, não tem o valor da confissão prevista no art. 344º do Código de Processo Penal.

2. Não é excessiva a pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, imposta a um arguido pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, que continua inabilitado para conduzir e que, anteriormente a essa condenação, já fora condenado por quatro vezes por idêntico crime e sofrera ainda outras condenações, por crimes de maior gravidade.
Decisão Texto Integral:
Juiz Desembargadora Relatora: Maria Teresa Coimbra.
Juiz Desembargadora Adjunta: Cândida Martinho.

Acordam, em conferência, os Juízes de Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I.
No processo comum que, com o nº 82/14.8GTVCT e com intervenção de Tribunal Singular, corre termos no juízo de competência genérica de Ponte de Lima foi decidido:

- Condenar o arguido A. R. pela prática, em autoria material e sob a forma consumada de um crime de condução sem habilitação legal, p.p. artigo 3º, 1 e 2 do DL 2/98 de 03.01 na pena de dezoito meses de prisão;
- Suspender a execução da pena de prisão pelo período de 18 meses, nos termos do disposto no artigo 50º, nºs 1 e 5 do Código Penal (…)

Inconformado com a condenação, recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, apresentando no final da motivação de recurso as seguintes conclusões ( transcrição):

1. Afigura-se ao aqui Recorrente A. R. que a douta sentença que o condenou, pela prática em 27/07/2014, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 1°, 1 e 2 do Decreto-Lei n.° 2/98, de 3 de Janeiro, na pena dezoito meses de prisão, suspensa pelo mesmo período, nos termos do disposto no artigo 50.°, 1 e 5 do Código Penal, carece, no que a pena concreta diz respeito, de fundamento de facto e de direito, pelo que se lhe afigura passível de reparo;
2. A escolha da pena reconduz-se, numa perspectiva politico-criminal a um movimento de luta contra a pena de prisão. A este propósito dispõe o artigo 70° do Código Penal que "se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição ". Assim exprime, o legislador, a preferência pelas penas não privativas da liberdade;
3. Por conseguinte, a opção pela pena de prisão só se justificará quando tal for imposto pelos fins das penas - previstos no art.' 40°, n.° 1 do Código Penal: "A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade" (sublinhado nosso);
4. Estes fins - comummente designados pela doutrina como prevenção geral positiva ou de integração e prevenção especial positiva ou de socialização - traduzem respectivamente o reforço da consciência comunitária e do seu sentimento de segurança face ao atentado contra a vigência da norma penal e a necessidade de efectuar um raciocínio de prognose em relação aos efeitos da pena na futura conduta do Arguido em vista da sua ressocialização - cfr. Figueiredo Dias, "Direito Penal II, Parte Geral, As Consequências Jurídicas do Crime", Secção de Textos da Universidade de Coimbra, 1988, pág. 229 e ss. e "Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, Ano 1993, pág. 198 e ss. e por todos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.03.97 no processo n° 1057/96);
5. O disposto no artigo 40º do Código Penal fornece os critérios que hão-de presidir à aplicação das penas: a protecção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente, sendo certo que "em caso algum a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa". Compaginando o teor do artigo 40.° n° 2 e os elementos contidos no artigo 71º, ambos do Código Penal, temos que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente (limite inultrapassável), das exigências de prevenção e tendo-se ainda em linha de conta todas as demais circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime (dos elementos essenciais da infracção), deponham a favor do arguido ou contra ele;
6. Dispõe o artigo 3º n° 1 e 2 do Decreto-Lei 2/98 de 3 de Janeiro, com as correspondentes alterações, o seguinte: "1 - Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias. ";
7. O mencionado preceito prevê a aplicação duma pena de prisão ou de uma pena de multa para a prática do crime de condução sem habilitação legal;
8. Ora, é nosso entendimento que a decisão concretamente proferida contraria o objetivo da política criminal que a lei perspetiva e que a justiça não pode subtrair-se, que é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e da primazia e preferência da lei pelas penas não privativas da liberdade, uma vez que condenou o arguido na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, ou seja muito próximo do limite máximo da concreta moldura penal da pena, apesar de ter suspendido a sua execução por igual período;
9. Acresce que, sem prescindir, esta escolha da pena e dosimetria, cujo critério para a fixação e determinação se desconhece porque o Tribunal a quo não fundamentou suficientemente de facto e de direito, é nosso entendimento que aquela é excessiva e contrária aos fins das penas e às concretas necessidades de prevenção geral e especial;
10. O Tribunal a quo ignorou, neste particular, a confissão do arguido, o qual por não poder estar presente, daí ter requerido que o julgamento tivesse lugar na ausência, apresentou um requerimento ao abrigo do disposto no artigo 98° do C.P.P., onde confessou integralmente os factos. Não se olvida a discussão jurisprudencial sobre a validade da confissão não presencial, realizada fora do circunstancialismo formal consagrado no artigo 344º do C.P.P.. Contudo, é nosso entendimento que esta, quando realizada por escrita e subscrita pelo proprio punho do arguido - como é o caso da confissão constante do requerimento enviado aos autos em 14.06.2018, junto a fls. ... dos autos - , e quando o julgamento é realizado na ausência do arguido, com consentimento daquele e porque o mesmo não pode comparecer, tem de necessariamente produzir efeitos jurídicos, sob pena de violação das garantias de defesa e do principio da igualdade, consagrados respetivamente nos artigos 32º e 13º da Constituição da República Portuguesa, e sob pena de esvaziamento do do direito do arguido fazer exposições ao processo que tenha por função salvaguardar os seus direitos fundamentais, nos termos consagrados no n.° 1 do artigo 98° do C.P.P.;
11. A não se entender assim e a entender-se, como o Tribunal a quo entendeu (a não ser que tenha ignorado por omissão essa confissão), que o arguido não pode por si e através de exposição ou requerimento apresentado ao abrigo do artigo 98º, n.° 1 do C.P..P., salvaguardar um seu direito fundamental, que é confessar, o qual não pode fazer por não poder estar presente na audiência de discussão e julgamento, estar-se- à, com o devido respeito a fazer uma interpretação inconstitucional daquela disposição - artigo 98 n.° 1 do C.P.P. - em manifesta violação das garantias de defesa consagradas no artigo 32º da C.R.P.. Essa interpretação nesse sentido é inconstitucional, inconstitucional idade essa que se invoca para os devidos e legais efeitos;
12. Se o Tribunal a quo ignorou por omissão essa confissão, então a sentença é nula - o que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos -, nos termos do disposto no artigo 379°, n.° 1, alínea c) do C.P.P., porque aquele não poderia deixar de se pronunciar sobre a confissão que o arguido fez dos factos, devendo inclusivamente carrear essa factualidade para a factualidade dada como provada, e considerar a mesma para a escolha e determinação da medida da pena, uma vez que naturalmente esse facto depunha a favor do arguido, podendo e devendo considerar-se como uma atenuante, ao abrigo do disposto no artigo 72° do C.P.P.;
13. Assim, o Tribunal a quo, deveria ter em conta as concretas necessidades de prevenção geral e especial, e todas as circunstâncias que depunham a favor (o que não fez) e contra o arguido A. R., pelo que, tendo em conta a evolução da sua personalidade e a ausência de praticas deste crime nos últimos anos, deveria ter condenado o mesmo numa pena de multa, ou, quanto muito, e se assim não se entendesse, deveria ter condenado o recorrente numa pena até 1 (um) ano de prisão, substituída por dias de multa ou por trabalho a favor da comunidade, dando para tal o seu consentimento expresso, ou se assim não entendesse, sempre, como o fez, deveria suspender essa pena de prisão por igual período, uma vez que por essa via, e ameaça de prisão, eram alcançadas as finalidades da punição;
14. Disposições violadas: Foram violados os artigos 3° n° 1 e 2 do Decreto-Lei 2/98 de 3 de Janeiro, 40°, 50° 70°, e 71°, 72° do Código Penal, artigo 98°, 127°, 374°, 379° do Código Processo Penal e artigo 13° e 32° da Constituição da República Portuguesa. e as demais disposições que V. Exas. suprirão;

Termos em que, se deverá revogar a douta sentença nos termos, com os efeitos e pelas razões supra expendidas, condenando-se o mesmo nos termos propugnados, assim se fazendo, uma vez mais,

JUSTIÇA!

Respondeu ao recurso o Ministério Público em primeira instância, defendendo a manutenção do decidido.
*
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, de novo, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o recurso não deve obter provimento.
*
Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do CPP.
*
Após os vistos, prosseguiram os autos para conferência.

II.
Cumpre agora apreciar e decidir tendo em conta que o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (artigo 412º do CPP), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados nas alíneas do nº 2 do artigo 410º do CPP e, bem assim, das nulidades que não devam considerar-se sanadas.
*
As questões que o recorrente traz à apreciação deste Tribunal podem resumir-se assim:

- Saber se a sentença é nula nos termos do artigo 379, nº 1, alínea c) do CPP, por ter omitido a “confissão” do arguido.
- Saber se a pena aplicada é excessiva na sua dimensão e natureza, por ser bastante uma pena até um ano de prisão - caso não fosse suficiente, como no seu entender deveria ser, a aplicação de pena de multa - e se tal pena deveria ser substituída por multa, ou por prestação de trabalho a favor da comunidade.

É a seguinte a matéria fixada em primeira instância e respetiva motivação (transcrição):

1) No dia .. de … de 2014, pelas 16.50 horas, na AE 27, ao Km 23.9, Refóios, Ponte de Lima, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros matrícula XX, sem que fosse titular de carta de condução ou de outro documento que o habilitasse a conduzir aquele tipo de veículos.
2) Sabia o arguido que não era titular de carta de condução ou de outro documento que o habilitasse a conduzir aquele tipo de veículos e, não obstante, quis conduzir naquelas circunstâncias.
3) O arguido atuou livre, deliberada e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
4) O arguido tem os antecedentes criminais registados constantes do certificado do registo criminal junto de fls. 236 a 244, que aqui dou por reproduzidos.
5) O arguido reside em França onde tem três filhos menores.

Matéria de facto não provada
Inexiste.

Motivação da matéria de facto

Os factos dados como provados retiraram-se quer do teor auto de notícia junto a fls. 4 e 5, naquilo que foi diretamente percecionado pela autoridade policial, quer do depoimento prestado em audiência pelo próprio militar da GNR que levantou o auto e o confirmou na íntegra em juízo, mostrando não ter dúvidas quanto à identificação do arguido como condutor.

A falta de carta de condução é dada pelo documento de fls. 6.

Os antecedentes criminais retiram-se do teor do certificado do registo criminal.

Da documentação junta pelo arguido com a contestação se fixaram os demais factos.

Os factos inerentes ao elemento subjetivo, do foro interno do agente, inferem-se, por presunções naturais e judiciais, da demais factualidade provada, sendo o conhecimento pelo arguido do carácter proibido da sua conduta evidente, em face do que resulta do conhecimento público de que não é possível conduzir sem ser titular de carta de condução. Para além disso, os antecedentes criminais do arguido por este crime permitiriam ter por certo de que dessa proibição era bem sabedor.

Apreciando:

A primeira questão que se impõe apreciar tem a ver com o facto de o Tribunal a quo na sentença proferida não se ter pronunciado “sobre a confissão que o arguido fez dos factos”, omitindo tal factualidade na matéria de facto provada e, nessa medida, desconsiderando-a para a escolha e determinação da medida da pena, sendo que, no entender do recorrente, tal confissão deveria considerar-se atenuante, ao abrigo do artigo 72º do CP.

Entende, ainda, o recorrente que a referida omissão determina que a sentença enferme de nulidade, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea c) do CPP.

Dispõe o artigo 379º, nº 1 alínea c) do CPP que é nula a sentença quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

A questão que o recorrente entende que foi omitida na decisão recorrida tem a ver com a “confissão” que o mesmo, oportunamente, fez em requerimento que não se encontra materializado nos autos, mas a que se pode aceder via citius, datado de 14/06/2018.

É o seguinte o teor do referido requerimento ( transcrição):

A. R., arguido nos autos à margem melhor identificados,

Vem, respeitosamente requerer e consentir que o julgamento tenha lugar na sua ausência, uma vez que se encontra a residir em França, e não reúne condições económicas para se deslocar a Portugal- O que requer ao abrigo do disposto rio artigo 334º, n° 2 do CPP.

Mais vem declarar ao abrigo do disposto no artigo 98º do CPP, e uma vez que não pode estar presente e não pode confessar os factos em audiência de discussão e julgamento, que corresponde à verdade a factualidade vertida na acusação.

O aqui arguido teve carta de condução obtida em França mas a qual veio a anulada por perda de pontos. Encontra-se arrependido por ter, nessas circunstâncias continuado a conduzir, tendo plena consciência da ilicitude da sua conduta e está novamente a tirar a carta de condução em França, abstendo-se, contudo, atualmente de conduzir enquanto não for detentor da carta de condução.

É verdade que o arguido, ora requerente, errou, reincidiu no passado cometendo por diversas vezes este crime, contudo, e após o cumprimento de uma pena curta de prisão e após várias vicissitudes do vida e amadurecimento, percebeu que deveria conduzir a sua vida conforme ao direito, e ser um exemplo para os seus filhos.

Apreciemos, então, o valor desta “confissão” para tanto fazendo, ainda que resumidamente, um percurso histórico sobre o valor de confissão e a forma como pode ser obtida.

A confissão foi sempre, ao longo dos tempos, considerada a "rainha das provas", mesmo quando obtida mediante tortura, entendida esta como instrumento importante e necessário à descoberta da verdade (autorizada por Inocêncio IV em 1252, num tempo em que o acusado era obrigado a responder ao interrogatório, mesmo que fosse necessário o emprego de força).

E foi assim durante séculos até começar a ser questionada pelo iluminismo, que trouxe consigo os ideais humanistas e racionalistas e o reconhecimento dos direitos naturais, universais e inerentes à condição humana, em que a regulamentação do processo aparece como uma proteção contra abusos de um poder sem limites.

Começaram, então, a aparecer os defensores da não autoincriminação "nemo tenetur se acusare", com raízes também no direito canónico - tendo ficado célebre um comentário de S. João Crisóstomo feito no século v à carta de S. Paulo aos Hebreus na qual se afirmava a desnecessidade de autoincriminação perante os homens, apenas se justificando perante Deus - que se foi espalhando a outras culturas (em 1840 foi consagrado o direito ao silêncio nos EUA), chegando aos dias de hoje com consagração constitucional em todos os países civilizados.

Na Constituição da República Portuguesa o direito de defesa está consagrado no artigo 32º, n° 1 e o direito ao silêncio está previsto na alínea d) do artigo 61 do Código de Processo Penal, - embora com as restrições dos artigos 141º, n° 3 do Código de Processo Penal e 342° do mesmo código - direito este de que não só beneficia o arguido mas, em alguns casos, também as testemunhas (artigos 132°, n° 2 e 134° do Código de Processo Penal).
A confissão, por sua vez, está regulada no Código de Processo Penal no artigo 344º .

Aí se diz que:

"1 - No caso de o arguido declarar que pretende confessar os factos que lhe são imputados, o presidente, sob pena de nulidade, pergunta-lhe se o faz de livre vontade e fora de qualquer coação, bem como se se propõe fazer uma confissão integral e sem reservas.
2 - A confissão integral e sem reservas implica:
a) Renúncia à produção da prova relativa aos factos imputados e consequente consideração destes como provados;
b) Passagem de imediato às alegações orais e, se o arguido não dever
ser absolvido por outros motivos, à determinação da sanção aplicável, e
c) Redução da taxa de justiça em metade.
3— Excetuam-se do disposto no número anterior os casos em que:
a) Houver coarguidos e não se verificar a confissão integral, sem reservas e coerente de todos eles;
b) O tribunal, em sua convicção, suspeitar do caráter livre da confissão, nomeadamente por dúvidas sobre a imputabilidade plena do arguido ou da veracidade dos factos confessados; ou
c) O crime for punível com pena de prisão superior a 5 anos.
4 - Verificando-se a confissão integral e sem reservas no casos do número anterior ou a confissão parcial e com reservas, o tribunal decide, em sua livre convicção, se deve ter lugar e em que medida, quanto aos factos confessados, a produção de prova."

Do texto legal decorre, portanto, que, ocorrendo confissão, o juiz presidente deve perguntar ao arguido se o faz de livre vontade e fora de qualquer coação, bem como se quer fazer uma confissão integral e sem reservas. Respondendo o arguido afirmativamente, o juiz deve ainda informar o arguido dos efeitos previstos na lei para a confissão e, designadamente, o efeito de renúncia à produção de prova relativamente aos factos imputados, perguntando-lhe se ele, ainda assim, pretende fazer a confissão. (A omissão destas perguntas constitui uma nulidade sanável, que deve ser arguida durante a audiência).

Ocorrendo a confissão, o tribunal deve ouvir o Ministério Público (e o assistente se o houver) sobre a necessidade de produção de prova sobre os factos confessados e deverá ainda o tribunal proferir despacho em que formule um juízo sobre o caráter livre, integral, verdadeiro e sem reservas da mesma.

Portanto, tal como ensina Paulo Pinto Albuquerque, a decisão do tribunal sobre o caráter livre, integral, verdadeiro e sem reservas da confissão e as respetivas consequências processuais é uma decisão complexa, que exige uma fundamentação fática e jurídica (artigo 97°, nº 5) e é recorrível (artigo 399º). - (cf. Comentário do Código de Processo Penal, 4 edição atualizada, Universidade Católica Editora, pág 889).

Isto é, mesmo da confissão feita em julgamento não está arredado o princípio da sua livre apreciação, para se poder determinar se tem as características de integral, sem reservas e livre.

Só depois de feita tal análise em julgamento na presença do arguido e do do seu defensor é que o Tribunal poderá (ou não) declarar integralmente confessados os factos.

Ora, o arguido não compareceu em julgamento, autorizando a realização da audiência na sua ausência.

O arguido, porque ausente, não pôde ser confrontado com o teor do requerimento que foi junto aos autos, que o mesmo é dizer que o teor de tal requerimento não pôde ser cabalmente analisado em audiência, como impõem os artigos 355º e 344° do Código de Processo Penal.

Assim sendo, o Tribunal a quo não pôde considerar o teor do referido requerimento uma confissão (e menos ainda livre, integral e sem reservas), nem servir-se dela meio de prova para a condenação do arguido.

Neste sentido, decidiram também o Ac. Relação de Coimbra de 04.02.2015 in www.trc.pt e Cj, n° 260, ano XL, 1, 2015, folhas 51 e mais remotamente o Ac. STJ de 20.03.1996 in BMJ, 455, 372 onde se diz, expressamente, a folhas 377 "em processo penal não basta alegar factos quer na acusação, quer na contestação para que eles se deem como provados, tendo de ser sujeitos ao contraditório e à produção de prova em audiência”.

Isto é, o Tribunal a quo não deu relevo – e bem - à junção aos autos do referido documento e, certamente por isso, a ele não fez qualquer referência na sentença proferida.

Não ocorre, portanto, a invocada nulidade, por omissão da pronúncia, nem se vislumbra onde possa ter sido ferida a lei fundamental.

Passemos agora à apreciação da escolha e da medida da pena, a segunda das questões trazidas pelo recorrente à ponderação deste Tribunal.

Começando pela escolha da pena.

O crime pelo qual o recorrente foi condenado é punido, em alternativa, com pena privativa e não privativa de liberdade.

Nesta situação impõe o artigo 70º do Código Penal que o Tribunal dê preferência à pena não privativa de liberdade sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades de punição, finalidades estas que são preventivas e que de acordo com o artigo 40º do mesmo Código Penal são a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

São, portanto, finalidades exclusivamente preventivas de prevenção geral e de prevenção especial que sustentam a opção a fazer,

O Tribunal a quo optou por pena privativa de liberdade. Explicou-o assim: “… antes da prática destes factos o arguido já tinha sido condenado pelo crime de condução sem habilitação legal, o que desde logo faz com que, em termos de prevenção geral, se deva dar uma resposta adequada às constantes violações pela sua parte das normas que protegem a condução por pessoas habilitadas para o efeito, não descurando que a condução de veículos motorizados é uma atividade perigosa.

E ao nível de prevenção especial será de notar que são já inúmeras as condenações sofridas pelo arguido pela prática do crime de condução sem habilitação legal – de facto o percurso criminal do arguido pela prática deste tipo de crime prolonga-se já desde 07 de outubro de 2006 (cfr. fls 236-v) – bem como pela prática de outros crimes de natureza bem mais grave.

Assim sendo, opta-se pela aplicação de uma pena de prisão”.

Efetivamente, analisando percurso criminal do arguido refletido no seu certificado de registo criminal, constata-se que, anteriormente a esta condenação já havia praticado 4 vezes (uma em França e três em Portugal) o crime de condução sem habilitação legal. A condenação em França foi em pena de prisão, mas em Portugal sofreu condenações em multa, que pagou. Acresce que não são apenas condutas desta natureza que o seu passado criminal ostenta. Há outras bem mais graves, como a prática de crimes de burla, furto, falsificação de documento e roubo, por que já foi também condenado.

Ora, como diz Faria Costa (in Direito Penal e Globalização – Reflexões não locais e pouco globais, página 33) (...) o direito penal não se pode confundir com a narrativa de “Alice no país das maravilhas” (…) Trata-se de uma narrativa que narra factos e narra a consequência ilícita desses mesmos factos. É uma narração que determina (ou pode determinar, acrescentamos nós) no futuro, para quem está sob a alçada daqueles factos, uma privação da sua liberdade. É uma narração que antecipa o futuro e molda esse mesmo futuro”.

Assim sendo, o arguido não pode admirar-se que, ao ser condenado pela 12ª vez, o seja em pena de prisão.

A opção feita pelo Tribunal a quo não merece, portanto, reparo.

Vejamos, agora, a medida concreta da pena.

A determinação da medida da pena obedece às orientações do artigo 71º do Código Penal que tem como critérios gerais os princípios regulativos da medida da pena, a culpa e a prevenção.

Como ensina Maria João Antunes in Consequências Jurídicas do Crime , Coimbra 2010-2011, 28 “na determinação da medida da pena, o requisito legal de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção satisfaz a necessidade comunitária de punir o crime e, consequentemente, de realizar as finalidades da pena; o requisito legal de que seja considerada a culpa do agente satisfaz a exigência de que a vertente pessoal do crime, decorrente do respeito pela dignidade da pessoa do agente da prática do crime, limita as exigências de prevenção”.

Quando se fala em prevenção, fala-se de prevenção geral e de prevenção especial; quando se fala em culpa, fala-se da culpa que releva quer ao nível do princípio da culpa, quer ao nível do conceito do crime.

São várias as teorias usadas para esclarecer o modo como se relacionam entre si culpa e prevenção e, dentro desta, como se relacionam prevenção geral e especial. Recordemo-las rapidamente, tendo por referência os ensinamentos da distinta Professora:

- a teoria do valor de posição ou de emprego segundo a qual na escolha da pena devem valer apenas considerações de prevenção e na determinação concreta da pena devem valer exclusivamente considerações de culpa. Trata-se de uma teoria não compatível com o artigo 71º, nº 1 (a determinação da medida da pena (…) é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção ), que permite que possa acontecer que uma pena determinada exclusivamente em função de culpa seja justa, mas não necessária sob o ponto de vista das exigências do artigo 40º;
- a teoria da pena de culpa exata, também não compatível com os artigos 71º e 40º do Código Penal, quer porque a culpa não é suscetível de se traduzir numa culpa exata, quer porque tanto o artigo 71º, como o artigo 40º do Código Penal pressupõem considerar distintamente culpa e prevenção, cabendo à culpa apenas o papel de limite da pena;
- a teoria do espaço de liberdade ou da moldura da culpa, em que o limite mínimo desta moldura é fixado pela pena que já se revela adequada à culpa e o limite máximo, corresponde à pena que ainda se revela adequada à culpa. Esta teoria relega para segundo plano as exigências de prevenção, ao invés do estatuído no artigo 40º do Código Penal;
- finalmente a teoria da moldura da prevenção segundo a qual a medida da pena há-se ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, face ao caso concreto, num sentido prospetivo de tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da norma infringida. Com este critério obtém-se a medida ótima da tutela dos bens jurídicos e das expectativas da comunidade e o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena, sem pôr irremediavelmente em causa a sua função de tutela do ordenamento jurídico.

É, pois, a prevenção geral positiva (e não a culpa) que fornece a moldura dentro da qual vão atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que, em última instância, vão determinar a medida da pena, constituído a culpa o seu limite máximo.

Vista a forma como se relacionam culpa e prevenção no processo de determinação concreta da pena, vejamos agora, à luz do nº 2 do artigo 71º do Código Penal, os fatores determinativos da medida da pena.

Recordemos o teor do artigo 71º:

1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente,
b) A intensidade do doto ou da negligência,
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram,
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica,
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime,
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena".
(...)

Como se retira do texto legal e usando os ensinamentos do Professor Cavaleiro de Ferreira, pode dizer-se, resumindo, que a enumeração exemplificativa das circunstâncias a atender na fixação da pena a aplicar por qualquer crime se reportam, quer ao facto ilícito (alínea a) - 1ª parte), quer à culpa (restantes alíneas e parte final da alínea a) e têm caráter agravante (alínea f)), atenuante (alínea e), ou ambivalente (alíneas a) a d)). Usando um outro ponto de vista, podem ser agrupadas em circunstâncias relativas à execução do facto (alineas a), b), c) e e) parte final); à personalidade do agente (d) e f) e relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto (al. e)).

Importa ainda referir que, na determinação da medida concreta, ao juiz está vedado utilizar para a fixação da pena circunstâncias já tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do ilícito em apreço, sob pena de violação do principio da proibição da dupla valoração.

O recorrente não identifica concretamente quais as circunstâncias que o Tribunal não teve em conta (e deveria ter tido) na fixação da medida da pena. Contudo, percebe-se que para além da confissão a que já foi feita anteriormente referência, faz apelo ao facto de, no seu entender, ostentar uma evolução positiva da sua personalidade por, nos últimos anos, desde 2014, não ter praticado crimes.

O Tribunal a quo, embora de forma concisa, resumiu assim o raciocínio para chegar à medida concreta da pena: “na medida concreta da pena, tendo em consideração a ilicitude elevada do facto, dado que se tratou da condução de um veículo em autoestrada, cuja condução envolve sempre um grau de risco considerável para um condutor experiente, quanto mais para uma pessoa que não é portadora de carta de condução, o dolo, que será direto, o comportamento anterior do arguido e a sua situação familiar e social recente, julga-se adequado e equitativo concluir que o arguido merece uma censura penal concreta acima do meio da moldura penal que assim se fixa em 18 meses de prisão”.

No raciocínio exposto percebe-se que nele estiveram subjacentes considerações sobre o grau de ilicitude de facto e o modo de execução (alínea a)), - embora o tribunal a quo tenha omitido uma consideração, que seria relevante, qual seja a de que o arguido foi interveniente num acidente de viação-; a intensidade do dolo (alínea b)); as condições pessoais do agente e a sua situação económica (alínea d)) - que viriam a ter maior exposição no momento em que o Tribunal a quo explicou por que viria a suspender a pena -e o comportamento do arguido anterior e posterior ao facto (alínea e) ) ao ponderar “o comportamento do arguido” e “a situação social recente”.

Deixou o Tribunal a quo de fazer considerações sobre os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (alínea c)), o que se percebe, na medida em que a ausência do arguido em julgamento o impediu.

Isto é, o tribunal a quo ponderou de forma genérica, os fatores que tinha que ponderar para chegar à medida concreta da pena. Expo-los de forma concisa, mas fê-lo de modo a que se percebe que os não omitiu.

Afigura-se, por isso, também neste segmento, não merecer censura a pena concretamente alcançada.

De igual modo também não merece censura a substituição da pena de prisão por pena suspensa, e não por multa ou por prestação de trabalho a favor da comunidade; a primeira por estar vedada por lei (artigo 45º do CP) a segunda por depender da vontade do condenado que a não manifestou (artigo 58º, nº 5 do Código Penal).

Finalmente diga-se que não se percebe que o Tribunal a quo tenha violado, na aplicação do direito aos factos, qualquer das normas invocadas pelo recorrente no ponto 14 das conclusões, invocação esta feita de forma que não permite perceber qual o segmento ou interpretação de tais normas que possa ter sido posto em crise.

Pelo que fica dito terá o recurso de ser julgado improcedente.
*
III.
DECISÃO

Em face do exposto decidem os juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães julgar improcedente o recurso interposto por A. R. e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs.
Notifique.
Guimarães, 25 de fevereiro de 2019

(Maria Teresa Coimbra)
(Cândida Martinho)