Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2360/13.4TABRG-F.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: ARRESTO PREVENTIVO
PERDA AMPLIADA DE BENS
EMBARGOS DE TERCEIRO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA DA APELAÇÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O preceituado no art. 640º do CPC em conjugação com o que se dispõe no art. 662º do mesmo diploma legal permite ao Tribunal da Relação julgar a matéria de facto.

II- Não pode a apelante fazer assentar o recurso numa factualidade que representa a sua visão dos factos, mas que não se apurou após instrução e julgamento da causa.

III- Os embargos de terceiro podem ser explicados como a medida processual que visa a intervenção de uma terceira pessoa num processo judicial que já se encontra em curso.

IV- Ainda que os bens tenham sido formalmente adquiridos em nome de um terceiro, in casu, a filha do arguido, ou transferidos para ele posteriormente, recorrendo-se à abertura de contas bancárias solidárias, continuam os bens e/ou rendimentos em causa sujeitos a confisco, em conformidade com as regras da perda ampliada, sob pena de fraude à lei.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
*
1 RELATÓRIO

Por apenso ao procedimento cautelar de arresto preventivo que correu termos pelo Juízo Central Criminal de Braga - Juiz 3, este por sua vez também apenso do processo principal – Processo Comum Colectivo nº 2360/13.4TABRG –, em que é arguido A. R., veio C. M., que não é arguida naquele processo crime, deduzir os presentes embargos de terceiro(1), pedindo o levantamento do referido arresto, relativamente a um imóvel e a metade do saldo de duas contas bancárias, uma no “Banco ...” e outra no “Banco A”, alegando, em síntese, o seguinte:

a) Foi decretado o arresto de bens da embargante nomeadamente sobre o prédio correspondente ao lote … da Rua …, em ..., e os saldos de duas contas bancárias, nas quais é co-titular com o seu pai, A. R., a saber: i) conta n.º PT50.0007.0642.0002.4330.....2, aberta no Banco A, SA; ii) Conta n.º PT50.0032.0737.0020.0630.....7, aberta no Banco ...;
b) A embargante não foi constituída arguida no processo, nem está indiciada pela prática de quaisquer dos crimes em discussão;
c) A embargante é dona e legítima possuidora do imóvel referido, tendo-o adquirido, mediante a celebração de um negócio de compra e venda formalizado por escritura pública de 18.09.1998, lavrada no 1.º Cartório Notarial ..., nos termos da qual declarou que, pelo preço de 17.500.000$00 (dezassete milhões e quinhentos mil escudos) o adquiria;
d) A embargante pagou a totalidade do respetivo preço convencionado com recurso ao crédito bancário;
e) Para o efeito, celebrou com o banco ... De crédito, S.A. (doravante denominado banco ... De crédito), um contrato de mútuo com hipoteca, ao abrigo do qual o Banco lhe emprestou o valor correspondente ao preço do negócio (dezassete milhões e quinhentos mil escudos), ficando os seus pais (A. R. e E. S.) como fiadores e principais pagadores das obrigações assumidas por ela neste contrato;
f) A embargante está a pagar as obrigações resultantes do contrato de mútuo, nunca se encontrou em situação de mora ou incumprimento das obrigações assumidas perante o banco ... De crédito, pelo que a garantia pessoal dos seus pais nunca foi accionada;
g) O pagamento das prestações referentes ao contrato de mútuo foi feito pela embargante, pois no período correspondente à aquisição do imóvel já trabalhava na “… – ..., S.A.”, detendo um rendimento proveniente desse trabalho;
h) É presentemente com o seu rendimento do trabalho que se mantém a liquidar aquelas obrigações;
i) A embargante manteve, desde a data da sua compra, a sua habitação permanente no indicado imóvel, ali pernoitava e pernoita quando se encontra em Portugal e isso acontece várias vezes num ano;
j) Neste imóvel fazia e faz a sua vida normal, recebendo, quando está em Portugal, os seus amigos e família, correspondência e pagando os encargos do respectivo imóvel;
k) O referido imóvel não se encontra no domínio patrimonial de A. R., pois este vive num imóvel próprio sito na Rua …, em ..., Braga;
l) As contas bancárias arrestadas são co-tituladas pela embargante e por A. R., pelo que é ela proprietária da parte dos saldos ali depositados;
m) A embargante efectuou naquelas contas diversos depósitos e nas mesmas recebeu diversos montantes, destinados a si e não a A. R., em montantes que não consegue precisar;
n) No âmbito do arresto não se demonstrou, nem tão pouco se alegou, que o arguido tem sobre o dito património o benefício e/ou o seu domínio;
o) O arresto decretado afecta o direito de propriedade da embargante sobre o imóvel referido e sobre metade dos saldos depositados nas duas contas já identificadas;
p) Pelo que se impõe o imediato levantamento do arresto que incide sobre este património.

A embargante juntou ainda documentos nomeadamente a certidão da escritura pública lavrada a 18-09-1998 (fls. 31 a 38), e a cópia da declaração de rendimentos dos anos de 2010 e 2011 (fls. 39 e 40), emitidas pela ....

Proferido o despacho de 18-12-2017 (2), foi junta aos autos certidão do termo de constituição de arguido do pai da aqui embargante, dos autos de arresto, do assento de nascimento da embargante e do ofício da Direcção Geral de Finanças relativo ao valor dos rendimentos declarados pela embargante entre os anos de 1998 a 2010. – cfr. certidão electrónica de 21-12-2017.

Solicitou-se ainda informação ao banco ... De crédito/Banco A sobre o valor em dívida do mútuo relativo ao financiamento concedido para aquisição do prédio objecto dos embargos e sobre a conta bancária onde são descontadas as prestações mensais correspondentes à sua amortização e respectivo valor. – cfr. fls. 43 a 51.

Foi designada data para a inquirição das testemunhas arroladas pela embargante, por despacho de fls. 52.

A inquirição decorreu com observância das legais formalidades e sem que se suscitassem quaisquer questões incidentais ou nulidades, como decorre da acta de fls. 55 a 57.

No final, foi proferida decisão em 27-02-2018, que não recebeu os embargos (fls. 58 a 79).
*
Inconformada com essa decisão, apresentou a embargante C. M. recurso de apelação contra a mesma (fls. 81 a 126), cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO:

1. Com o devido respeito, entende o Recorrente que mal andou o Tribunal a quo no que respeita à decisão proferida no âmbito dos presentes autos, não tendo procedido à análise crítica dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento nos termos do art.º 607.ºdo CPC, designadamente, na apreciação da prova testemunhal, dos depoimentos de parte e declarações de parte prestados, bem como dos documentos juntos aos autos pelas partes.
2. Entende, nomeadamente, a Recorrente que o Tribunal a quo deveria ter dado outra resposta à matéria de facto constante de alguns pontos da matéria de facto dada como não provada, a saber: i) art.º 1.º da matéria de facto dada como não provada: O valor das prestações referentes ao contrato de mútuo referido em 15. e 16. dos factos provados foi e é pago pela embargante”; ii) art.º 2.º da matéria de facto dada como não provada: “Foi com rendimento proveniente do seu trabalho que a embargante pagou todas as prestações mensais daquele contrato de mútuo”; iii) art.º 4.º da matéria de facto dada como não provada: “A. R. e E. S. tinham habitação permanente em ....“ iv) art.º 5.º da matéria de facto dada como não provada: “Desde o divórcio A. R. reside num imóvel próprio, sito na Rua …, freguesia de ... cidade de Braga.”
3. Sobre o facto contante no p. 1 do elenco da matéria dos factos não provados, a testemunha C. B., contabilista da Recorrente referiu não apenas que a Recorrente, na data da compra do imóvel trabalhava e auferia rendimentos provenientes do trabalho pelo menos desde 2001, como aquela detinha autonomia financeira para suportar os encargos do imóvel, sendo certo que, conforme assegurou a testemunha, desde o ano de 2001 que a Recorrente apresentava a declaração de IRS. (3)
4. A mesma testemunha referiu que a Recorrente movimentava a conta bancária aberta no banco aberta no Banco A, objeto de arresto e era através daquela conta que a Recorrente procedia ao pagamento do empréstimo à habitação referente ao imóvel sito na Rua …, em ..., Braga. (4)
5. Sobre o p. 2 do elenco da matéria de facto não provada a testemunha C. B. referiu que a Recorrente, C. M., já auferia rendimentos provenientes do trabalho. (5) No que subjaz à forma de movimentação dos valores da conta bancária co-titulada pela Recorrente e pelo Arguido A. R., a aludida testemunha referiu ainda que, aquando da partilha de bens dos pais da Recorrente, E. S. e A. R., verificou que dela constavam movimentos de rendimentos da Recorrente. (6)
6. Por outro lado, também no que concerne ao conteúdo das declarações de rendimentos juntas pela Recorrente a fls. 39 e 40, e bem assim de fls. 816 dos autos principais, resultou de forma inequívoca que desde 2001 a Recorrente auferia rendimentos provenientes do seu trabalho que permitiram à Recorrente liquidar as obrigações inerentes ao empréstimo a habitação constituído para a compra da casa.
7. Resulta, por isso, de forma evidente dos aludidos documentos e prova testemunhal produzida, que não colheram uma correcta valoração pelo Tribunal a quo, que foi com os rendimentos provenientes do seu trabalho e, de resto, licitamente auferidos, que a Recorrente logrou pagar as prestações do contrato de mútuo por si celebrado.
8. O Tribunal a quo, entendeu julgar não provado que “A. R. e E. S. tinham habitação permanente em ...”, não obstante o teor do depoimento da testemunha C. B. impor uma decisão em sentido contrário. Esta testemunha, foi categórica ao afirmar que era a Recorrente quem habitualmente ocupava o imóvel sito na Rua …, em ... e que aquela ali residia desde os dezanove anos, data em que adquiriu o imóvel. (7)
9. Do aludido depoimento resultou ainda, por um lado, que era a Recorrente que, enquanto proprietária do imóvel e na sua detenção efetiva e material, dele retirava benefícios, designadamente, era naquele imóvel que a Recorrente pernoitava, rececionava o correio, recebia os amigos e família, e inclusive era também naquele imóvel que tinha a sua residência fiscal e, por outro lado, que os pais da Recorrente, A. R. e E. S., tinham a sua residência efetiva em ..., Viana do Castelo.
10. Ainda segundo as declarações da testemunha C. B. é a Recorrente quem retira vantagens económicas pela utilização do imóvel, recebendo as rendas devidas com o arrendamento do imóvel e declarando o recebimento desses montantes em sede de IRS. (8)
11. A prova produzida é cabal no sentido da demonstração, por um lado, de que a Recorrente detinha exclusivamente o direito de propriedade e uso sobre o imóvel e, por outro lado, de que o Arguido não detinha qualquer domínio ou beneficio sobre o identificado imóvel.
12. A douta sentença a quo deveria, igualmente julgar provado que “Desde o divórcio A. R. reside num imóvel próprio, sito na Rua ..., freguesia de ... cidade de Braga.”
13. Sobre esta matéria a testemunha C. B. referiu que após o divórcio de A. R. e E. S., aquele Arguido comprou uma residência em Braga e passou a arrendar a habitação que tinha em .... (9)
14. O depoimento da testemunha C. B. foi espontâneo, credível e imparcial, demonstrando, ainda, esta testemunha, deter um conhecimento direto e relevante sobre a factualidade em discussão no presente processo, pelo que o teor das suas declarações, por manifestamente relevante, deveria ser devidamente considerado pelo Tribunal a quo.
15. A alteração da matéria de facto julgada provada, nos termos em que aqui se defende impõe que o Tribunal ad quem altere a decisão proferida pelo Tribunal a quo no sentido de os presentes embargos de terceiro serem julgados procedentes.

SOBRE A IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO:

Da inexistência de domínio ou benefício do bem pelo Arguido

16. Não obstante o arresto decretado ao abrigo da Lei n.º 5/2002 possa extravasar o âmbito da propriedade formal do Arguido, designadamente, podendo incidir sobre bens detidos, apenas formalmente por um terceiro, impõe-se, desde logo, destrinçar, em concreto, o que deverá entender-se por “domínio” e “benefício” para efeitos do decretamento do arresto sobre bens de terceiros ao abrigo daquele normativo legal. Neste sentido, HÉLIO RIGOR RODRIGUES e CARLOS A. REIS RODRIGUES, referem que o domínio do bem “manifestasse pela constatação de um poder decisório sobre este, apurado numa dupla dimensão: quanto à substância e quanto ao destino” e o benefício “pode assumir forma diferente da mera fruição, apreciada enquanto conceito meramente civilístico. O benefício pode assumir carácter económico, material, de mera satisfação moral, ou qualquer outro. (…) Poderá ser constituído pelos rendimentos gerados, noutros todavia, o benefício poderá traduzir-se na mera utilização do bem.” (10)
17. No caso concreto, a prova produzida nos autos evidencia que a Recorrente foi, desde a data da compra do imóvel de que é proprietária (objecto dos presentes embargos), a única e exclusiva titular material daquele bem, sendo a única entidade que detinha e detém o domínio e benefício do imóvel.
18. A douta sentença a quo efetuou, assim, uma errada aplicação da al. 2 do nº 2 do art. 7.º da Lei nº 5/2002.

Do conceito de terceiro de boa-fé

19. A Recorrente é, face aos contornos processuais do arresto decretado nestes autos e relativamente à posição processual do Arguido A. R., juridicamente um terceiro de boa-fé, independentemente da relação familiar que a liga ao Arguido/arrestado e bem assim, independentemente da relação profissional que detinha com a sociedade ....
20. A Recorrente não é Arguida, ou está sequer indiciada pela prática de qualquer crime no âmbito dos autos principais deste apenso, de modo que, desconsiderar-se, como se desconsiderou essa sua qualidade de “terceira” na douta sentença recorrida, mais não é do que subverter e contornar os limites legais que a lei quis estabelecer e proteger com a proteção dos terceiros de boa-fé, evitando que se vejam irrazoavelmente afectados no seu património.
21. Assim, tem sido entendimento largamente dominante na doutrina e jurisprudência nacionais que, para que seja possível o arresto de bens de terceiros no âmbito do arresto decretado ao abrigo da Lei n.º 5/2002, é condição necessária que aquele terceiro se encontre de má-fé.
22. Diversos autores, como JORGE GODINHO (11) e AUGUSTO SILVA DIAS (12), entendem que, contrariamente à presunção que opera quanto ao património do Arguido na Lei n.º 5/2002, já não será admissível estender a presunção de património ilícito a terceiros. A este respeito, o último autor refere que o arresto “não deve afetar terceiros de boa-fé, que tenham adquirido legalmente os bens, sejam familiares do condenado, sejam pessoas coletivas, nome da pessoalidade da pena e dos seus efeitos. Não é admissível que a presunção funcione contra terceiros, impondo-lhes o ónus de provar a licitude da doação ou da transação através do qual receberam os bens”. (13)
23. No caso vertente, a Recorrente, além de como já vem sendo dito, ser proprietária formal e material do imóvel e beneficiar em exclusivo e em toda a sua plenitude dos direitos adjacentes ao seu direito de propriedade, adquiriu o imóvel em data muito anterior àquela em que ocorreram os crimes que vêm imputados ao Arguido A. R..
24. É assim, por demais evidente, que o Tribunal a quo não procedeu a uma adequada subsunção jurídica do caso em apreço, quer no que subjaz à inexistência de qualquer relação de domínio ou benefício do Arguido em relação ao imóvel, quer no que tange à sua qualificação da Recorrente como “terceiro de boa-fé”, em violação dos artigos 7.º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 5/2002 e 291.º, n.º 3 do Código Civil.

Do arresto das contas bancárias da Recorrente co-tituladas com o Arguido:

25. A douta sentença sob recurso não considerou, para os devidos efeitos, a presunção legal de contitularidade do dinheiro depositado nas referidas contas bancárias que se extrai do disposto nos arts. 516.º do CC e do nº 5 do artigo 780.º CPC.
26. Não poderia a decisão judicial de arresto aqui discutida proceder ao arresto da totalidade dos saldos depositados nas seguintes contas bancárias: PT5000070642000...0...2 (Banco A, SA) e PT5000032073700200630...7 (Banco ...), na medida em que metade dos capitais depositados naquelas contas bancárias se presumem serem da titularidade da Recorrente.
27. No caso concreto, não resulta dos presentes embargos, nem da decisão judicial que determinou o arresto qualquer alegação ou fundamentação apta a ilidir aquela presunção.
28. A douta sentença sob recurso fez, assim, uma incorreta aplicação dos arts. 516.º do CC e do n.º 5 do art. 780.º do CPC.
29. O arresto decretado no presente processo sobre o bem e direitos aqui descritos viola o direito de propriedade da Recorrente, sendo o seu exercício incompatível com o arresto judicialmente declarado.
30. Tendo sido demonstrado a existência do direito invocado pela Recorrente, a douta sentença sob recurso deveria admitir e julgar procedentes os presentes embargos de terceiro. Ao decidir em sentido contrário o Tribunal a quo fez uma incorreta aplicação do disposto no art. 345.º do CPC.

TERMOS EM QUE, dever-se-á julgar o presente recurso procedente, admitindo-se os embargos de terceiro deduzidos, assim se fazendo, como habitualmente, justiça!
*
A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto.
*
Foi apresentada resposta pelo M.P. junto da 1ª instância (fls. 135 a 145), que a finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

1. Apesar de o imóvel em causa nos autos se encontrar registado como sendo propriedade da recorrente, o facto é que se conclui com clareza que o mesmo não foi adquirido com os rendimentos da mesma;
2. A motivação da sentença é particularmente impressiva no que se refere às circunstâncias que levaram o tribunal a concluir que o imóvel não foi adquirido com recurso a rendimentos da embargante;
3. Analisando o rendimento declarado pela embargante e o valor da prestação mensal do mútuo bancário, conclui-se sem margem para dúvidas que a mesma não tinha rendimentos que lhe permitissem suportar aquela prestação;
4. Os pais da embargante – fiadores do mútuo – também residiram no imóvel, o que permite concluir que sempre foram os progenitores que suportaram o valor da prestação bancária;
5. Se for possível integrar determinado bem, cuja titularidade pertença a um terceiro, no património do arguido, por via da concretização dos conceitos de «domínio» e «benefício», estará afastada a possibilidade de se concluir pela boa-fé desse terceiro;
6. Seria incompreensível que os tribunais aceitassem como razoável a invocação de que um determinado bem se encontra blindado e fora do alcance do poder do Estado pela simples razão de pertencer a um familiar do arguido;
7. No que ao confisco das vantagens diz respeito, estão bem definidos os critérios que devem seguir-se na determinação sobre o estado de boa-fé susceptível de prevalecer sobre as pretensões estaduais concretizadas no confisco das vantagens, não lhe sendo aplicável o conceito civilistico de boa-fé;
8. Na contabilização do património relevante para efeitos da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, o critério não é meramente civilista, sendo obrigatório incluir nesse conceito o valor de determinados bens ou activos de que formalmente seja titular um qualquer terceiro, sempre que o agente exerça sobre eles uma influência de controlo;
9. Sendo o arresto realizado de acordo com o art. 7.º, n.º 2 da Lei n.º 5/2002 de 11 de Janeiro, o critério civilista cede perante a circunstância de as contas serem co-tituladas pela filha do arguido, o que determina a admissibilidade do mesmo fruto da proximidade familiar entre o arguido e o terceiro, abrangendo tudo o que o agente tiver na sua disponibilidade ou conjuntamente ao seu dispor e de terceiros;
10. O arresto nos presentes autos não se encontra justificado por uma qualquer dívida de natureza jus-privada, pelo que será ao abrigo desta finalidade preventiva, de assegurar que o crime não compensa, que haverão de aplicar-se as regras vigentes em matéria de confisco, seja no âmbito de aplicação das medidas cautelares, seja quanto à decisão final de perda.
Pelo que o recurso não merece provimento, devendo ser mantida a decisão recorrida, onde foram correctamente apreciados os factos e integrado o direito.
Porém V.ªs Ex.ªs decidindo farão Justiça.
*
A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir a resposta apresentada pelo M.P., mandando instruir os autos com certidão de peças dos autos principais e do apenso A por poderem revelar pertinência para a apreciação do recurso interposto, providenciando pela sua subida a este Tribunal.
*
Tendo os autos sido distribuídos à Secção Penal junto deste Tribunal da Relação, o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu parecer, suscitando a questão prévia da competência daquela Secção em razão da matéria para julgar o recurso interposto e pugnando pela confirmação da decisão recorrida (fls. 253/254).
*
Cumprido o disposto no art. 417º/2 do CPP, foi por decisão sumária proferida pelo Exmº Juiz Desembargador Relator, declarada “a incompetência material desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães, para conhecer e decidir no recurso interposto pela embargante C. M.”, que deveria ser remetido após trânsito, para Distribuição pelas Secções Cíveis deste Tribunal da Relação”.
O que já se mostra feito.
*
Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
*
2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões formuladas pela apelante, esta pretende que:

I - se altere a matéria de facto dada como não provada nos pontos 1., 2., 4. e 5., que devem ser dados como provados (conclusões 2. a 14.);
II - procedente a impugnação da matéria de facto, se reaprecie em conformidade a decisão de mérito da acção (conclusão 15.);
III - se reaprecie a decisão de mérito da acção (conclusões 16. a 29.).
*
3 – OS FACTOS

A) Factos provados:

1. No âmbito do procedimento cautelar que corre termos como apenso A do processo comum colectivo n.º 2360/13.4TABRG, foi decretado o arresto:

- do imóvel correspondente ao Lote .., da Rua …, em .../Braga, correspondente ao artigo matricial n.º ...-U;
- dos saldos bancários referentes a duas contas bancárias, nas quais a embargante é co-titular com A. R., a saber:
a) conta n.º PT50.0007.0642.0002.4330.....2, aberta no “Banco A, S.A”;
b) conta n.º PT50.0032.0737.0020.0630.....7, aberta no Banco ....
2. No âmbito do processo principal (comum colectivo n.º 2360/13.4TABRG) A. R. foi constituído arguido em 25.02.2015 e E. S. foi constituída arguida a 3.03.2015.
3. A aqui embargante C. M., nascida a -.-.1979, é filha de A. R. e de E. S., divorciados desde 27.6.2012.
4. Por despacho proferido a 10.03.2017 foi proferida acusação contra o A. R. e contra a “... – Sociedade de Investimentos Comerciais e Industriais, S.A”, e outro, imputando-se-lhes:
- ao 1.º, em co-autoria material, na forma consumada e em concurso real e efectivo:

a) cinco crimes de fraude fiscal qualificada, p. e p. no art. 103.º e 104.º, n.º 2, al. a) e al. b) do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 5.6;
b) um crime de branqueamento, p. e p. no art. 368.º A n.º 1, n.º 3 e n.º 6 do Código Penal.
- à sociedade, por ser criminalmente responsável nos termos do art. 7.º, n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei da lei 15/2001 de 5.6, os mesmos crimes, atento o disposto no art. 11.º do Código Penal.
5. Segundo a acusação, nos termos dos arts. 21.º a 44.º, com a sua conduta os arguidos obtiveram uma vantagem patrimonial de pelo menos 103.500,32 Eur. (cento e três mil e quinhentos euros e trinta e dois cêntimos), equivalente ao montante do imposto devido a título de IRC – com a diminuição do lucro tributável da ... nos anos de 2005, 2007, 2008 e 2011, através do uso de facturas falsas, emitidas pela X Designs Limited a pretexto de “comissões sobre vendas”, que não entregaram ao Estado, e o arguido A. R. através da referida conduta uma vantagem patrimonial de pelo menos 109.387,70 Eur. (cento e nove mil trezentos e oitenta e sete euros e setenta cêntimos), devida a título de IRS – adiantamentos por conta de lucros não declarados em 2006, 2007, 2008 e 2009, que a sociedade arguida estava obrigada a reter na fonte e a entregar ao Estado;
6. Refere ainda a acusação que a sociedade “X Designs Limited” recebia os montantes facturados e retinha na sua titularidade um “fee” ou comissão que em regra era de 5% mas em alguns casos atingiu os 20% dos valores recebidos pela sociedade arguida, através dos arguidos, e transferia o remanescente para a offshore “Creative Corporate Services LLC”, nomeadamente para as contas desta sociedade com os n.ºs 2091-…-113040006078 da Caixa …, sedeada em Espanha, e a conta do Banco … com o NIB 0032.032100204500….15 sedeada em Portugal;
7. Que os valores transferidos pelo arguido A. R. para a X, por conta daquelas facturas que não traduziam qualquer serviço ou aquisição, foram em 2006 de 170.747,04 Eur., em 2007 de 94.546,78 Eur., em 2008 de 91.152,78 Eur., em 2009 de 92.357,46 Eur., em 2010 de 96.461,73 Eur. e em 2011 de 14.038,21 Eur., no montante total de 562.799,66 Eur. (quinhentos e sessenta e dois mil setecentos e noventa e nove euros e sessenta e seis euros);
8. E que os valores transferidos da … para X e desta para a offshore C. foram, no ano de 2006 162.187,20 Eur., em 2007 de 71.000,00 Eur., em 2008 de 80.000,00 Eur., em 2009 de 79.000,00 Eur. e em 2010 de 85.637,41 Eur., no montante total de 477.824,61 Eur. (quatrocentos e setenta e sete mil oitocentos e vinte e quatro euros e sessenta e um cêntimos);
9. E ainda que parte desses valores foram transferidos das contas da offshore para uma conta do Banco ..., nomeadamente o valor de 69.957,83 Eur. (sessenta e nove mil novecentos e cinquenta e sete euros e oitenta e três cêntimos);
10. Que o arguido geria, dominava e utilizava todas essas contas, sendo o real beneficiário dos valores transferidos, que usava para os seus gastos pessoais.”
11. O mesmo despacho determinou, quanto a E. S., o arquivamento dos autos, nos termos do art. 277.º, n.º 2 do C.P.Penal, afirmando-se o seguinte “… pese embora à data dos factos estivesse casada com o arguido A. R., não se apurou que a mesma tivesse assumido qualquer intervenção na elaboração e desenho do esquema de fraudulenta economia fiscal, nem mesmo que tivesse participado ou colaborado em qualquer dos momentos da sua execução. Na verdade, não existe neste momento qualquer elemento que permita colocar em crise as suas declarações quando afirma que não tinha sequer conhecimento do modo como as operações financeiras investigadas neste inquérito se processavam, pese embora conste formalmente associada às sociedades envolvidas no investigado esquema de planeamento fiscal fornecido pela empresa ... com vista a evitar o pagamento devido de impostos.”.
12. A embargante não foi constituída arguida no processo nem indiciada pela prática de qualquer crime.
13. O prédio urbano destinado a habitação, composto de cave, piso intermédio e primeiro andar, com a área coberta de 100 metros quadrados e logradouro com a área de 290 metros quadrados, sito na Rua ..., n.º …, lugar das …, freguesia de ..., concelho de Braga, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 291/... e que corresponde ao art. ....º da matriz, mostra-se registado em nome da embargante.
14. Este prédio foi adquirido mediante a celebração de uma compra e venda, formalizada por escritura pública outorgada a 18.09.1998, lavrada no 1.º Cartório Notarial ..., em que A. R. e E. S., intervieram por si e na qualidade de procuradores e em representação de C. M., como compradora, os quais declararam que, para a sua representada, aceitam esta venda, nos termos exarados, e pelo preço de 17.500.000$00 (dezassete milhões e quinhentos mil escudos) e ainda “Que em seu nome pessoal constituem-se solidariamente fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido ao banco ... De crédito, S.A” em consequência do empréstimo que a mutuária contraiu junto do mesmo Banco aqui titulado, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, dando já o seu acordo a quaisquer modificações de taxa de juro e, bem assim, às alterações de prazo que venham a ser convencionadas entre o Banco credor e a devedora.”.
15. A embargante pagou a totalidade do respetivo preço convencionado aos vendedores A. C. e F. A., com recurso a crédito bancário.
16. Para tal foi concedido à embargante um financiamento no regime de jovem bonificado com o n.º 1500041865, pelo montante de 89.289,63 Eur. (oitenta e nove mil duzentos e oitenta e nove euros e sessenta e três cêntimos), sendo o capital em dívida à data de 20.12.2017 no valor de 29.486,08 Eur. (vinte e nove mil quatrocentos e oitenta e seis euros e oito cêntimos).
17. Tal empréstimo está afecto à conta DO n.º 6420.....0004, titulada pela embargante e A. R., aberta a 21.04.1998 no balcão de …, em Braga, do então “Banco ..., S.A”, sendo a mesma colectiva solidária quanto à forma de movimentação.
18. Em 10.08.2015 foi feito um pedido de alteração de dados de cliente da conta, relativa à profissão, entidade patronal, e situação profissional, no que à embargante concerne, que passou de agente comercial da ... a Director Geral da “... – S.A”.
19. A embargante nunca se encontrou em mora ou incumprimento das obrigações assumidas perante o BANCO ... DE CRÉDITO, pelo que a garantia pessoal dos seus pais nunca foi accionada.
20. As prestações referentes ao contrato de mútuo foram, entre 18.10.1998 e 18.09.1999, no valor de 364,07 Eur, entre 18.10.1999 e 18.09.2000, no valor de 549,07 Eur., a de 18.10.2000 no valor de 492,97 Eur., entre 18.11.2000 e 18.07.2001, no valor de 460,00 Eur., as de 18.08.2001 e de 18.09.2001, no valor de 483,22 Eur., entre 18.10.2001 e 18.12.2001, no valor de 460,88 Eur., a de 18.01.2002 no valor de 590,42 Eur., a de 18.02.2002, no valor de 588,78 Eur., a de 18.03.2002, no valor de 592,62 Eur., a de 18.04.2002, no valor de 598,15 Eur., a de 18.05.2002, no valor de 594,13 Eur., a de 18.06.2002, no valor de 589,88 Eur., as de 18.07.2002 e de 18.08.2002, no valor de 588,78 Eur., a de 18.09.2002, no valor de 590,97 Eur., a de 18.10.2002 no valor de 414,85 Eur., a de 18.11.2002 de 417,35 Eur., a de 18.12.2002 no valor de 415,92 Eur., a de 18.01.2003 no valor 417,53 Eur., a de 18.02.2003 no valor de 433,76 Eur., a de 18.03.2003, no valor de 434,69 Eur., as de 18.04, 18.05 e 18.07.2003 no valor de 433,76 Eur., a de 18.06.2003 no valor de 437,17 Eur., as de 18.08 e 18.09.2003 de 455,75 Eur., as de 10.10.2003 a 18.01.2004 de 416,47 Eur., a de 18.02.2004 no valor de 416,34 Eur., as de 18.03.2004 a 18.06.2004, no valor de 417,48 Eur., a de 18.07.2004, no valor de 418,78 Eur., as de 18.08 e 18.09.2004 no valor de 421,17 Eur., de 10.10 a 18.12.2004 de 426,19 Eur., entre 18.01.2005 a 18.01.2006 no valor médio de 425,00 Eur., de 18.02.2006 a 18.07.2006 no valor de 415,99 Eur., a de 18.08 e 18.09.2006 no valor de 406,56 Eur., entre 18.10.2006 e 18.09.2007 no valor médio de 553,00 Eur., entre 18.03.2007 e 18.09.2007, no valor de 552,80 Eur., entre 18.10.2007 e 18.01.2008, no valor de 513,73 Eur., entre 18.02.2008 e 18.04.2008 no valor de 505,90 Eur., entre 18.05.2008 e 18.07.2008 no valor de 506,00 Eur., a de 18.08 e 18.09.2008 no valor de 505,05 Eur., entre 18.10.2008 e 16.07.2009 na média de 545,44 Eur., a de 18.08.2009 no valor de 591,15 Eur., a de 18.09.2009 no valor de 588,18 Eur., entre 18.10.2009 e 18.12.2010 no valor médio de 462,97 Eur..
21. A embargante iniciou a declaração fiscal de rendimentos provenientes de trabalho no ano de 2001.
22. Entre 2001 e 2010 a embargante apresentou as declarações modelo 3 de IRS, ininterruptamente desde 2001 a 2010, como não casada, sem dependentes e com os rendimentos da categoria A, respectivamente: 2001 – 4.678,78 Eur., 2002 – 5.803,75 Eur., 2003 – 4.992,40 Eur., 2004 – 5.109,40 Eur., 2005 – 5.245,80 Eur., 2006 – 3.895,42 Eur., 2007 – 5.642,00 Eur., 2008 – 5.964,00 Eur., 2009 – 6.300,00 Eur., e 2010 – 4.290,84 Eur..
23. Naquele período a embargante trabalhava na “... Braga – ... S.A”, sendo que em 2010 e 2011 tal empresa emitiu a declaração de rendimentos de fls. 39 e 40, respectivamente nos valores de 4.290,84 Eur. e de 6.790,00 Eur..
24. A. R. e E. S. e a embargante indicaram na escritura referida em 14. que residiam na Rua ..., n.º 22, em ..., Braga.
25. A embargante residiu no aludido imóvel até emigrar e, quando se encontra em Portugal, ali se mantém a pernoitar, assim como os seus pais A. R. e E. S. ali pernoitaram e fizeram o uso que da casa entenderam, desde a sua aquisição e durante a sua vida de casados até ao divórcio.
26. Neste imóvel a embargante faz a sua vida normal, recebendo, quando está em Portugal, os seus amigos e família, e a correspondência.
27. O prédio para habitação composto por casa de cave, rés-do-chão, andar e sótão, com logradouro, sito na Rua ..., na freguesia de ..., em Braga, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2251/..., está registado a favor de A. R. por compra a “A. S. Imobiliária, S.A” desde 20.11.2015 (ap. 3304).
*
B) Factos não provados

1. O valor das prestações referentes ao contrato de mútuo referido em 15. e 16. dos factos provados foi e é pago pela embargante.
2. Foi com rendimento proveniente do seu trabalho que a embargante pagou todas as prestações mensais daquele contrato de mútuo.
3. É a embargante quem paga os encargos do imóvel.
4. A. R. e E. S. tinham habitação permanente em ....
5. Desde o divórcio A. R. reside num imóvel próprio, sito na Rua ..., freguesia de ... cidade de Braga.
6. A embargante realizou depósitos e recebeu diversos montantes nas contas referidas em 1. dos factos provados.

C) Motivação:

A convicção do Tribunal no que respeita à matéria de facto provada e não provada resultou da análise crítica de toda a prova carreada nos autos, e produzida em audiência, atendendo-se, por um lado, ao teor da documentação anexa ao arresto, aos embargos que correm termos sob o apenso E e aos presentes embargos, quer a que foi junta pela embargante, quer a que oficiosamente o Tribunal fez juntar aos autos, por outro lado, ao depoimento testemunhal colhido na audiência realizada, tudo temperado pelas regras da experiência e da normalidade do suceder.

No que respeita desde já aos pontos 1 e 2 dos factos provados atendeu-se ao teor da decisão proferida a 20.03.2017, que decretou o arresto, de fls. 55 a 93 do 1.º volume do Apenso A, bem ainda aos autos de arresto, bem ainda aos termos de constituição de arguidos, nomeadamente o termo certificado junto à certidão deste apenso e ainda aos termos de constituição de arguidos de fls. 318 dos autos principais e de fls. 38 e 39 do apenso E, que comprovam que A. R. foi constituído arguido em 25.02.2015 e E. S. a 3.03.2005.

No que respeita ao ponto 3 dos factos provados o Tribunal atendeu ao teor da certidão de assento de nascimento de fls. 813 e 814 do apenso A e ainda à certidão de assento de nascimento da embargante junta neste mesmo apenso.
Quanto aos pontos 4 a 12 da matéria de facto dada como provada o teor da acusação proferida no processo principal e do despacho de pronúncia, respectivamente, de fls. 838 a 886 do 4.º volume dos autos principais e de fls. 1875 a 1902 do 6.º volume dos autos principais.
Quanto aos pontos 13 a 16 dos factos provados atendeu-se ao teor da certidão de escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança de fls. 31 a 38 deste apenso, e quanto aos pontos 17 a 20 dos factos provados ao teor da informação bancária e documentos anexos de fls. 43 a 51, juntas pelo Banco A a solicitação oficiosa do Tribunal.
Relativamente aos pontos 21 a 23 dos factos provados tomou-se em consideração o teor das declarações juntas pela embargante de fls. 39 e 40 dos autos, em conjugação com a informação remetida pela Direcção Geral de Finanças de Braga ao arresto e na certidão electrónica junta.
Quanto ao ponto 27 dos factos provados atendeu-se ao teor da certidão de ónus e encargos de fls. 202 e 203 do 1.º volume do arresto.
Por fim, e quanto aos pontos 24 a 26 dos factos provados atendeu o Tribunal ao depoimento de C. B., amigo, ex. sócio e contabilista de A. R., pai da embargante, que se limitou a afirmar genericamente que o prédio sito na Rua ... é da C. M., que foi por ela adquirido quando tinha 19 anos de idade, pois que esta foi trabalhadora-estudante, iniciando-se na “N.” e depois prosseguindo actividade na “...”, pelo que desde 2001 aufere rendimentos próprios de trabalho por conta de outrem. Porém, referiu também que os pais da C. M. (enquanto casados, o que sucedeu até 2012) sempre ali também pernoitaram, nomeadamente por a casa de ... ser mais afastada da sede das empresas, e que o pai da embargante ali tinha a residência fiscal registada por mera conveniência pessoal, e que apesar da C. M. se mostrar emigrada em Cabo Verde, pelo menos desde 2014/2015 (três ou quatro anos), que a mesma pernoita nesta habitação, recebe amigos e correspondência nela, sempre que se desloca a Portugal. Mais referiu que após o divórcio o pai da embargante, A. R., adquiriu e passou a residir na casa da Rua ....

Relativamente às contas arrestadas apenas disse que as mesmas eram também movimentadas pela C. M., desconhecendo em concreto os movimentos ali realizados.
Ora, desde já se refira que o depoimento da testemunha saiu desde logo beliscado, bem como a sua credibilidade, em face da proximidade ao pai da embargante, já aferida noutros incidentes apensos ao arresto, pelo facto de não ser sequer verdadeira a afirmação de que a embargante a 18.09.1998 teria já rendimentos próprios com os quais suportava a prestação mensal para amortização do financiamento bancário concedido para a aquisição do prédio sito na Rua ..., não só pela idade que teria à data, como pelo facto de a mesma apenas ter apresentado a 1.ª declaração fiscal de rendimentos provenientes de trabalho em 2001, não sendo igualmente verdadeira a afirmação de que o pai da aqui embargante adquiriu a casa sita na Rua ... após o divórcio (decretado em 27.06.2012), pois que o registo da aquisição apenas foi feito no final de Novembro de 2015, pelo que obviamente aquele não foi residir nesta casa após a cessação de vida conjugal.

De facto, já no apenso de oposição ao arresto se deu como provado terem sido feitas três transferências em 29.10.2015, ordenadas pela ..., no montante global de € 160.000,00 (20.000,00 Eur. + 70.000,00 Eur. + 70.000,00 Eur.) – cfr. documentos 1 a 6 de fls. 823 a 830 desse apenso, para a conta Banco ... do A. R., que segundo D. G. visaram facultar àquele a realização da escritura da casa adquirida na Rua ..., por estar o processo de financiamento bancário atrasado, valor esse devolvido por aquele no final do ano de 2015 à sociedade. Tais dados bancários conjugados com o teor da certidão de ónus e encargos do prédio referido leva- nos obviamente a concluir que só no final de 2015 o pai da embargante se mudou para aquela habitação.

Relativamente aos factos não provados além do depoimento não ter convencido nem ter sido suficiente nessa sede, os mesmo resultam contrariados por prova documental pois que comparando ainda os valores fiscalmente declarados (desde 2001, relembre-se) pela C. M., ainda que se admitisse que desde 2001 já tivesse capacidade financeira para liquidar despesas próprias, a verdade é que verificando o valor médio de cada prestação mensal bancária devida para amortização do financiamento e o valor anual de rendimento bruto/ilíquido declarado, basta fazer uma conta rápida, para concluir que a mesma não tinha rendimentos que chegassem para cobrir o valor mensal das prestações devidas.

Mesmo em 2009, ano em que a embargante declarou mais rendimentos (6.300,00 Eur. ilíquidos : 14 meses = 450,00 Eur/mês ilíquidos), o valor do seu rendimento mensal nunca cobriria o valor devido da prestação bancária de cerca de 553,00 Eur., e pressuporia que a mesma não teria quaisquer outras despesas pessoais, sob pena de nem sequer lograr alimentar-se, o que os faz afirmar, aliado à circunstância de os pais terem sido fiadores do mútuo e de ali também terem residido (veja-se que na própria escritura aqueles indicaram essa morada como sendo a sua e o pai da embargante tinha ali registado o domicílio fiscal), que sempre foram estes quem suportaram o valor da aludida prestação.

[transcrição de fls. 60 a 68].
*
4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO

I - Alteração da matéria de facto

Aludindo a ter andado mal o Tribunal a quo no que respeita à análise crítica dos meios de prova produzidos quanto à decisão relativamente à matéria de facto, diverge a apelante da decisão da matéria de facto quanto ao decidido em 1., 2., 4. e 5. dos factos dados como não provados, que entende deverem ser dados como provados.
Indica o sentido da decisão e os elementos de prova em que fundamenta o seu dissenso, transcrevendo e indicando os trechos do depoimento da testemunha em que se baseia – C. B. – e aludindo aos documentos pertinentes.
Mostram-se, assim, cumpridos todos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC.

Cumpre, pois, apreciar.

O art. 662º do actual CPC regula a reapreciação da decisão da matéria de facto de uma forma mais ampla que o art. 712º do anterior Código, configurando-a praticamente como um novo julgamento.
Assim, a alteração da decisão sobre a matéria de facto é agora um poder vinculado, verificado que seja o circunstancialismo referido no nº 1, quando os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A intenção do legislador foi, como fez constar da “Exposição de Motivos”, a de reforçar os poderes da Relação no que toca à reapreciação da matéria de facto.
Assim, mantendo-se os poderes cassatórios que permitem à Relação anular a decisão recorrida, nos termos referidos na alínea c), do nº 2, e sem prejuízo de se ordenar a devolução dos autos ao tribunal da 1ª. Instância, reconheceu à Relação o poder/dever de investigação oficiosa, devendo realizar as diligências de renovação da prova e de produção de novos meios de prova, com vista ao apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.
As regras de julgamento a que deve obedecer a Relação são as mesmas que devem ser observadas pelo tribunal da 1ª. Instância: tomar-se-ão em consideração os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos (que tenham força probatória plena) ou por confissão, desde que tenha sido reduzida a escrito, extraindo-se dos factos que forem apurados as presunções legais e as presunções judiciais, advindas das regras da experiência, sendo que o princípio basilar continua a ser o da livre apreciação das provas, relativamente aos documentos sem valor probatório pleno, aos relatórios periciais, aos depoimentos das testemunhas, e agora inequivocamente, às declarações da parte – cfr. arts. 466º/3 e 607º/4 e 5 do CPC, que não contrariam o que acerca dos meios de prova se dispõe nos arts. 341º a 396º do CC.
Deste modo, é assim inequívoco que a Relação aprecia livremente todas as provas carreadas para os autos, valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua convicção.
Provar significa demonstrar, de modo que não seja susceptível de refutação, a verdade do facto alegado. Nesse sentido, as partes, através de documentos, de testemunhas, de indícios, de presunções etc., demonstram a existência de certos factos passados, tornando-os presentes, a fim de que o juiz possa formar um juízo, para dizer quem tem razão.
Como dispõe o art. 341º do CC, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.
E, como ensina Manuel de Andrade, aquele preceito legal refere-se à prova “como resultado”, isto é, “a demonstração efectiva (…) da realidade dum facto – da veracidade da correspondente afirmação”.
Não se exige que a demonstração conduza a uma verdade absoluta (objetivo que seria impossível de atingir) mas tão-só a “um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida” - in “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 191 e 192.
Quem tem o ónus da prova de um facto tem de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como escreve Antunes Varela - in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420.
O julgador, usando as regras da experiência comum, do que, em circunstâncias idênticas normalmente acontece, interpreta os factos provados e conclui que, tal como naquelas, também nesta, que está a apreciar, as coisas se passaram do mesmo modo.
Como ensinou Vaz Serra “ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência tí...a de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência, ou de uma prova de primeira aparência” - in B.M.J. nº 112, pág. 190.
Ou seja, o juiz, provado um facto e valendo-se das regras da experiência, conclui que esse facto revela a existência de outro facto.
O juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – cfr. art. 607º/5 do CPC, cabendo a quem tem o ónus da prova “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como refere Antunes Varela – obra supracitada.
Se se instalar a dúvida sobre a realidade de um facto e a dúvida não possa ser removida, ela resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, de acordo com o princípio plasmado no art. 414º do CPC, que, no essencial, confirma o que, sobre a contraprova, consta do art. 346º do CC.
De acordo com o que acima ficou exposto, cumpre, pois, reapreciar a prova e verificar se dela resulta, com o grau de certeza exigível para fundamentar a convicção, o que a apelante pretende neste recurso.
*
Como já referido supra, pretende a apelante a alteração da matéria de facto quanto ao decidido em 1., 2., 4. e 5. dos factos não provados, que entende deverem ser dados como provados.
*
Passemos, então, aos aludidos factos, começando pela pretendida alteração da matéria de facto quanto ao decidido em 1. e 2. dos factos não provados, que se analisarão em conjunto, por versarem sobre o mesmo assunto.

Além de outros, a Meritíssima Juiz a quo considerou não provado que:

1. O valor das prestações referentes ao contrato de mútuo referido em 15. e 16. dos factos provados foi e é pago pela embargante.
2. Foi com rendimento proveniente do seu trabalho que a embargante pagou todas as prestações mensais daquele contrato de mútuo.

Motivando tal decisão, consignou o tribunal o seguinte:

A convicção do Tribunal no que respeita à matéria de facto provada e não provada resultou da análise crítica de toda a prova carreada nos autos, e produzida em audiência, atendendo-se, por um lado, ao teor da documentação anexa ao arresto, aos embargos que correm termos sob o apenso E e aos presentes embargos, quer a que foi junta pela embargante, quer a que oficiosamente o Tribunal fez juntar aos autos, por outro lado, ao depoimento testemunhal colhido na audiência realizada, tudo temperado pelas regras da experiência e da normalidade do suceder.
(…)
Por fim, e quanto aos pontos 24 a 26 dos factos provados atendeu o Tribunal ao depoimento de C. B., amigo, ex. sócio e contabilista de A. R., pai da embargante, que se limitou a afirmar genericamente que o prédio sito na Rua ... é da C. M., que foi por ela adquirido quando tinha 19 anos de idade, pois que esta foi trabalhadora-estudante, iniciando-se na “N.” e depois prosseguindo actividade na “...”, pelo que desde 2001 aufere rendimentos próprios de trabalho por conta de outrem. Porém, referiu também que os pais da C. M. (enquanto casados, o que sucedeu até 2012) sempre ali também pernoitaram, nomeadamente por a casa de ... ser mais afastada da sede das empresas, e que o pai da embargante ali tinha a residência fiscal registada por mera conveniência pessoal, e que apesar da C. M. se mostrar emigrada em Cabo Verde, pelo menos desde 2014/2015 (três ou quatro anos), que a mesma pernoita nesta habitação, recebe amigos e correspondência nela, sempre que se desloca a Portugal. Mais referiu que após o divórcio o pai da embargante, A. R., adquiriu e passou a residir na casa da Rua ....

Relativamente às contas arrestadas apenas disse que as mesmas eram também movimentadas pela C. M., desconhecendo em concreto os movimentos ali realizados.
Ora, desde já se refira que o depoimento da testemunha saiu desde logo beliscado, bem como a sua credibilidade, em face da proximidade ao pai da embargante, já aferida noutros incidentes apensos ao arresto, pelo facto de não ser sequer verdadeira a afirmação de que a embargante a 18.09.1998 teria já rendimentos próprios com os quais suportava a prestação mensal para amortização do financiamento bancário concedido para a aquisição do prédio sito na Rua ..., não só pela idade que teria à data, como pelo facto de a mesma apenas ter apresentado a 1.ª declaração fiscal de rendimentos provenientes de trabalho em 2001, não sendo igualmente verdadeira a afirmação de que o pai da aqui embargante adquiriu a casa sita na Rua ... após o divórcio (decretado em 27.06.2012), pois que o registo da aquisição apenas foi feito no final de Novembro de 2015, pelo que obviamente aquele não foi residir nesta casa após a cessação de vida conjugal.
De facto, já no apenso de oposição ao arresto se deu como provado terem sido feitas três transferências em 29.10.2015, ordenadas pela ..., no montante global de € 160.000,00 (20.000,00 Eur. + 70.000,00 Eur. + 70.000,00 Eur.) – cfr. documentos 1 a 6 de fls. 823 a 830 desse apenso, para a conta Banco ... do A. R., que segundo D. G. visaram facultar àquele a realização da escritura da casa adquirida na Rua ..., por estar o processo de financiamento bancário atrasado, valor esse devolvido por aquele no final do ano de 2015 à sociedade. Tais dados bancários conjugados com o teor da certidão de ónus e encargos do prédio referido leva- nos obviamente a concluir que só no final de 2015 o pai da embargante se mudou para aquela habitação.
Relativamente aos factos não provados além do depoimento não ter convencido nem ter sido suficiente nessa sede, os mesmo resultam contrariados por prova documental pois que comparando ainda os valores fiscalmente declarados (desde 2001, relembre-se) pela C. M., ainda que se admitisse que desde 2001 já tivesse capacidade financeira para liquidar despesas próprias, a verdade é que verificando o valor médio de cada prestação mensal bancária devida para amortização do financiamento e o valor anual de rendimento bruto/ilíquido declarado, basta fazer uma conta rápida, para concluir que a mesma não tinha rendimentos que chegassem para cobrir o valor mensal das prestações devidas.
Mesmo em 2009, ano em que a embargante declarou mais rendimentos (6.300,00 Eur. ilíquidos : 14 meses = 450,00 Eur/mês ilíquidos), o valor do seu rendimento mensal nunca cobriria o valor devido da prestação bancária de cerca de 553,00 Eur., e pressuporia que a mesma não teria quaisquer outras despesas pessoais, sob pena de nem sequer lograr alimentar-se, o que os faz afirmar, aliado à circunstância de os pais terem sido fiadores do mútuo e de ali também terem residido (veja-se que na própria escritura aqueles indicaram essa morada como sendo a sua e o pai da embargante tinha ali registado o domicílio fiscal), que sempre foram estes quem suportaram o valor da aludida prestação.
Com o que discorda a apelante, referindo que o tribunal a quo não procedeu a uma correcta valoração do depoimento da testemunha C. B., cujos trechos indica, bem como ao conteúdo das declarações de rendimentos juntas pela recorrente a fls. 39 e 40 e de fls. 816 dos autos principais, pelo que deveria ter dado como provada tal matéria.
Entendendo o MP ser impressiva a motivação da sentença nesta parte, o que não permitiria concluir de outra forma.
Quid iuris?

Revisitada a respectiva prova produzida, tendo-se ouvido a gravação do depoimento da testemunha em causa, conclui-se não assistir razão à apelante. Não se tendo adquirido assim, convicção diferente daquela obtida pelo tribunal da 1ª instância.
Com efeito, a recorrente nada de novo traz sobre esta matéria, pretendendo tão só que seja feita uma valoração diferente daquela efectuada pelo Tribunal a quo. Afigurando-se-nos ter sido o Tribunal a quo afirmativo, perante os elementos probatórios de que dispunha e que expressamente refere. Não nos merecendo qualquer reparo a cuidadosa análise da prova produzida – apreciação crítica / motivação da decisão de facto –. Nenhuma prova credível tendo sido feita no sentido dos factos em causa alegados pela embargante. Sendo que quanto à credibilidade do depoimento da testemunha C. B. nada mais se tem a acrescentar ao já referido assertivamente na motivação da sentença. Não podemos, pois, deixar de concluir da mesma forma.
Temos, pois, que a apelante, no essencial, dissente da decisão louvando-se na sua perspectiva dos factos, que não logrou demonstrar, o que a ela cabia.
Logo, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo e foram devidamente ponderados, entende-se nada haver aqui a corrigir.
*
Passemos, agora, à pretendida alteração da matéria de facto quanto ao decidido em 4. e 5. dos factos não provados, que também se analisarão em conjunto, por versarem sobre o mesmo assunto.

Além de outros, a Meritíssima Juiz a quo considerou não provado que:

4. A. R. e E. S. tinham habitação permanente em ....
5. Desde o divórcio A. R. reside num imóvel próprio, sito na Rua ..., freguesia de ... cidade de Braga.
Motivando tal decisão, consignou o tribunal o já supra transcrito, aqui dado por reproduzido, a fim de evitar repetições.
Com o que discorda a apelante, referindo que o tribunal deveria ter dado como provada tal matéria, que tem suporte no depoimento da testemunha C. B., que entende ter sido espontâneo, credível e imparcial.
Entendendo o MP que não lhe assiste razão.
Quid iuris?

Revisitada igualmente a respectiva prova produzida, conclui-se também não assistir razão à apelante. Não se tendo adquirido assim, convicção diferente daquela obtida pelo tribunal da 1ª instância.
Com efeito, nenhuma prova foi feita no sentido dos factos em causa alegados pela recorrente, que nada de novo traz sobre esta matéria, pretendendo tão só que seja feita uma valoração diferente daquela efectuada pelo Tribunal a quo. Afigurando-se-nos ter sido o Tribunal a quo prudente, mas assertivo, perante os elementos probatórios de que dispunha e que expressamente refere. Reproduzindo-se aqui o já supra referido sobre a credibilidade da testemunha C. B. e cujo depoimento a recorrente relembra. Não podemos, pois, deixar de concluir da mesma forma.
Temos, pois, que a apelante também aqui dissente da decisão louvando-se na sua perspectiva dos factos, que não logrou demonstrar, o que a ela cabia.
Logo, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo e foram devidamente ponderados, entende-se igualmente nada haver aqui a corrigir.
*
Decidindo-se, pois, pela total improcedência da impugnação da matéria de facto.
*
II - procedente a impugnação da matéria de facto, se reaprecie, em conformidade, a decisão de mérito da acção

Mantendo-se incólume o quadro factual julgado provado e não provado pelo Tribunal a quo, não há que reapreciar a decisão de mérito da acção em função da pretendida alteração da matéria de facto, que representava a visão dos factos da recorrente, mas que não se apurou após instrução e julgamento da causa.
Restando, pois, reapreciar a decisão de mérito da acção com o mesmo enquadramento factual, como também pretendido pela recorrente.
*
III - Da reapreciação da decisão de mérito da acção

Passemos, agora, a reapreciar a decisão de mérito da acção com o mesmo enquadramento factual, pois, segundo a recorrente, foi feita incorrecta interpretação das normas legais, in casu, o disposto na al. 2 do nº 2 do art. 7º da L 5/2002 de 11-01, além do disposto nos arts. 7º/1 e 2 da L 5/2002 de 11-01 e 291º/3 do CC, bem como o disposto nos arts. 516º do CC e 780º/5 e 345º, estes dois últimos do CPC.
Em causa estão uns embargos de terceiro por apenso ao processo de arresto requerido nos termos da L 5/2002 de 11-01que correu termos pelo Juízo Central Criminal de Braga – Juiz 3, estes por sua vez também apenso do processo principal, em que é arguido A. R.. Tendo vindo C. M., que é filha do arguido, deduzir os presentes embargos de terceiro.
Os embargos de terceiro podem ser explicados como a medida processual que visa a intervenção de uma terceira pessoa num processo judicial que já se encontra em curso.
A aludida L 5/2002 de 11-01 estabeleceu medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, definindo, para tanto, um regime especial em matéria de recolha de prova, quebra de sigilo profissional e perda de bens a favor do Estado.
Entre essas medidas inclui-se o arresto de bens do arguido, no valor correspondente ao apurado, como constituindo vantagem da actividade criminosa, nos termos dos seus arts. 10º/1 e 7º/1. Bens esses que podem estar formalmente em nome de terceiros. A referência explícita aos terceiros surge aquando da inclusão de bens destes no património do arguido para efeitos de cálculo do montante a perder a favor do Estado. Com esta inclusão surge a questão da possibilidade do arresto dos bens de terceiros para garantia de execução da sanção.
Na Lei n.º5/2002, encontramos apenas duas referências a terceiros, ambas no art. 7º/2. Este artigo define o conjunto de bens tidos como património pelo arguido, e, para o que aqui nos interessa, engloba neste os bens dos quais ele tem o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente (14) e, ainda, os bens transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante uma contraprestação irrisória (15), nos cinco anos anteriores à constituição como arguido.
O legislador ao utilizar a expressão “domínio e benefício” (16) pretende incluir os bens detidos, apenas formalmente, por outra pessoa singular ou coletiva que não o arguido. Como bem referem HÉLIO RIGOR RODRIGUES e CARLOS A. REIS RODRIGUES, o domínio do bem “manifesta-se pela constatação de um poder decisório sobre este, apurado numa dupla dimensão: quanto à substância e quanto ao destino” e o benefício “pode assumir forma diferente da mera fruição, apreciada enquanto conceito meramente civilístico. O benefício pode assumir carácter económico, material, de mera satisfação moral, ou qualquer outro. (…) Poderá ser constituído pelos rendimentos gerados, noutros todavia, o benefício poderá traduzir-se na mera utilização do bem.” (17)
E quanto ao previsto na alínea b) – transferência a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória – para JORGE GODINHO (18), “parece tratar-se de uma nova presunção – a de que tais transmissões foram simuladas – (…)”. O legislador parte, assim, do princípio de que as transmissões feitas pelo arguido, num hiato temporal de cinco anos, foram feitas com o intuito de encapotar a proveniência ilícita dos bens. Do acima exposto fica claro que o legislador quis incluir no cálculo do montante os bens pertencentes a terceiros, desde que estabelecido um nexo entre os bens e o arguido.
Feito um breve enquadramento do regime legal aqui aplicável, vejamos agora as questões suscitadas pela recorrente e tal como as versa, separadamente.

Da inexistência de domínio ou benefício do bem pelo arguido:

O art. 7º da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro (inserido no Capítulo IV da aludida Lei, denominado «Perda de bens a favor do Estado»), sob a epígrafe «Perda de bens», dispõe o seguinte:

«1 - Em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1.º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
2 - Para efeitos desta lei, entende-se por património do arguido o conjunto dos bens:
a) Que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente;
b) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido;
c) Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino.
3 - Consideram-se sempre como vantagens de atividade criminosa os juros, lucros e outros benefícios obtidos com bens que estejam nas condições previstas no artigo 111.º do Código Penal.»

Tendo sido um dos bens arrestados um imóvel e podendo o arresto decretado ao abrigo da L 5/2002 de 11-01 extravasar o âmbito da propriedade formal do arguido (v.g, bens detidos formalmente por um terceiro) como já supra explanado, entende a apelante que da prova produzida nos autos, se evidencia que a Recorrente foi, desde a data da compra do imóvel de que é proprietária (objecto dos presentes embargos), a única e exclusiva titular material daquele bem, sendo a única entidade que detinha e detém o domínio e benefício do imóvel. Pelo que, tendo sido demonstrada a ausência de qualquer “domínio” ou “real benefício” do arguido relativamente ao imóvel em questão nos autos, não se mostram preenchidos os pressupostos legais para o decretamento do arresto.
Ora, a apelante parte de um pressuposto errado ao apontar a interpretação incorrecta das normas legais em causa: ter sido a recorrente desde a data da compra do imóvel de que é proprietária (objecto dos presentes embargos), a única e exclusiva titular material daquele bem, sendo a única entidade que detinha e detém o domínio e benefício do imóvel.
Porém, atendendo ao quadro factual julgado provado e não provado pelo Tribunal a quo, como bem se refere na sentença, não resultou sequer provado que tal prédio pertence de facto à embargante pois que apesar de feita a escritura em seu nome e se mostrar o registo do imóvel também em seu nome, a verdade é que a mesma não tinha rendimentos à data de aquisição que lhe permitissem fazer a liquidação das prestações mensais fixadas para amortização do financiamento bancário concedido para a respectiva aquisição, sendo os pais seus fiadores, pelo que tudo indica que o prédio sempre esteve no domínio deles e que lhes pertence na realidade.
Como também não se provou que era e é ela a única e exclusiva utilizadora e fruidora do imóvel, pelo contrário C. B. afirmou que os seus pais ali também pernoitavam, quando o entendiam, para não se deslocarem a ..., ao que acresce que mesmo depois de a embargante começar a trabalhar (no ano de 2001) e a declarar os rendimentos fiscalmente, nunca os valores auferidos por ela foram suficientes para liquidar aquelas mesmas prestações.
Logo, não estando desde logo verificado este requisito da pretensão da embargante, inexiste a alegada incorrecção da interpretação da norma legal referida, que pressupunha a sua existência.

Do conceito de terceiro de boa-fé:

Entende a apelante que, face aos contornos processuais do arresto decretado nestes autos e relativamente à posição processual do arguido A. R., é juridicamente um terceiro de boa-fé, independentemente da relação familiar que a liga ao arguido/arrestado e bem assim, independentemente da relação profissional que detinha com a sociedade .... Isto porque não é arguida nem está indiciada pela prática de qualquer crime no âmbito dos autos principais apensos, pelo que não se podia ter desconsiderado essa sua qualidade de terceira de boa-fé e a protecção que a lei lhe confere através do disposto no art. 291º/3 do CC.
Do que discorda o MP, reproduzindo as considerações já amplamente plasmadas nos autos.
Antecipando desde já a decisão, diremos que não assiste razão à recorrente.
Com efeito, tendo a questão dos terceiros de boa-fé sido amplamente tratada na sentença a quo, aqui se dando por reproduzida a fim de evitar mais repetições, e depois de tratar das situações em que o autor do crime mantém intactos todos os seus poderes sobre os bens apesar da sua transferência, equipara àquelas situações, como é o caso dos autos, em que os bens são propriedade de pessoas próximas dos arguidos ou visados, que mais não visam do que criar um distanciamento jurídico dos bens.
Em bom rigor, também aqui, os visados indiciariamente autores do crime continuam, muitas vezes, a ser os verdadeiros titulares do bem confiscável, gerindo a sua utilização a uma distância suficientemente razoável para que possam dizer que (formalmente) não é seu, mas conservando intactas todas as possibilidades de usufruir dos seus benefícios.
A não se entender admissível o arresto sobre estes bens, estaria descoberta uma forma de impedir o confisco e, em consequência, de o agente beneficiar do crime, não se podendo fazer valer a velha máxima “o crime não compensa”.
No caso, ao contrário do que a embargante refere, na acusação afirmou-se que “pese embora o prédio id. sob o artigo ... U da Freguesia de ... se encontre registado em nome de C. M., verifica-se que é o arguido quem nele reside, tendo sido por este adquirido para a titularidade da sua filha quando esta tinha apenas 19 anos de idade.” e nenhuma prova foi feita nos presentes embargos que contrarie tal afirmação.
Desde logo porque o facto de também a embargante ali poder ter residido, com os pais, ou só, nalguns períodos, e de ser ali que mantém residência quando se desloca a Portugal (pois que há cerca de 4 anos se mostra emigrada em Cabo Verde), o que se aceita, e ainda a circunstância de A. R. ter adquirido outro prédio de habitação (só em final do ano de 2015), e de ter outros prédios de habitação à disposição (como a casa de ..., em Viana do Castelo), não afasta a possibilidade de ali o pai da embargante ter mantido residência (até final de 2015) e de ser ele o verdadeiro titular do prédio, ainda que adquirido em nome e registado em nome da filha (certamente para beneficiar do regime de crédito bonificado), quando ela nem sequer tinha rendimentos próprios (e mesmo quando os passou a ter, desde 2001, por serem aqueles insuficientes para cobrir o valor da prestação mensal devida).
Lembrando-se que não estão aqui em causa as regras do direito civil e que a boa-fé não se presume.
Sendo um ónus do terceiro, caso se entenda que assume tal qualidade, a sua alegação e prova.
É igualmente um ónus do interessado demonstrar que assume a qualidade de terceiro para efeitos do disposto no art. 111.º, do Código Penal.
Ora, a embargante nada invocou que permita concluir que se trate de um terceiro e de um terceiro de boa-fé.
Pelo contrário, a embargante é filha do arguido, sempre trabalhou na empresa administrada e gerida pelo pai nomeadamente na ..., auferindo rendimentos provenientes da actividade desenvolvida nessa mesma empresa e sendo co-titular de contas bancárias com o pai, para as quais eram também feitas transferências daquela e de outras sociedades geridas ou administradas pelo pai.
Em face dos factos alegados na acusação só podemos concluir que a embargante, enquanto filha de um dos arguidos, com ele residente (pelo menos em determinado período da sua vida e quando em Portugal tinha residência permanente) e integrada na estrutura societária da família, pois foi funcionária da ... – agente comercial desde 2001, e foi sua Directora Geral desde Agosto de 2015, se trata de pessoa que do facto “tiver retirado vantagem”, ainda que não tenha praticado quaisquer actos de execução dos crimes imputados na acusação.
E se é verdade que na data de aquisição do imóvel – no ano de 1998, nenhum facto criminoso se atribui ao pai da embargante ou à mesma, e que o prédio foi adquirido com recurso a um financiamento bancário, com fiança dos pais, tal apenas significa que o imóvel não foi adquirido com recurso a dinheiro ou a um esquema ilícitos, o que não impede o seu arresto ou a sua manutenção.
Isto porque é consabido que é possível confiscar bens ou rendimentos adquiridos licitamente (até por 3.º ou pelo arguido em nome de 3.º), para garantir a liquidação do valor a declarar perdido a favor do Estado.
O conceito de “terceiro” afectado pela adopção de mecanismos de natureza cautelar com vista a assegurar o confisco não pode ser construído por referência à noção civilística, nomeadamente por a embargante, filha do arguido, não assumir igualmente essa qualidade no processo respectivo.
O referencial a ter em conta é de natureza puramente objectiva, pois aqui é considerado apenas o património (colectivo) do arguido e não a sua pessoa.
Assim, ainda que os bens tenham sido formalmente adquiridos em nome de um terceiro, no caso a filha do arguido, ou transferidos para ele posteriormente, recorrendo-se à abertura de contas bancárias solidárias, continuam os bens e/ou rendimentos em causa sujeitos a confisco, em conformidade com as regras da perda ampliada, sob pena de fraude à lei.
Em resumo, em sede de embargos, ao terceiro está apenas legitimada a invocação de uma dupla realidade: em 1.º lugar, a sua qualidade de terceiro, ou seja de pessoa ou entidade alheia à dimensão penal dos factos investigados, e em 2.º lugar, a existência de boa-fé, tal como considerada no Código Penal para estes efeitos. Ora, no caso, pelo menos no que ao segundo requisito respeita não logrou a embargante alegar e provar estar de boa-fé, pelo que os embargos estão votados ao insucesso.
Também aqui não assiste, pois, razão à recorrente, não tendo sido feita incorrecta interpretação das normas legais.

Do arresto das contas bancárias da recorrente co-tituladas com o arguido:

Entende a recorrente que a sentença sob recurso não considerou, para os devidos efeitos, a presunção legal de contitularidade do dinheiro depositado nas referidas contas bancárias que se extrai do disposto nos arts. 516.º do CC e do nº 5 do artigo 780.º CPC.
Do que discorda o MP, pois não estão aqui em causa as regras do direito civil.
Também aqui, antecipando igualmente a decisão, não tem razão a recorrente.

Com efeito, também esta questão foi amplamente tratada na sentença a quo e de forma irrepreensível, pelo que, nessa parte, se vai passar a reproduzi-la, a fim de evitar mais repetições:

Quanto às contas bancárias co-tituladas com o pai, alegou também a embargante que a decisão não considerou a presunção de contitularidade do dinheiro ali depositado, nos termos definidos no art. 516.º do Código Civil e do n.º 5 do art. 780.º do C.P.Civil. Pelo que, quanto às duas contas supra referidas, presumindo-se que metade dos capitais aí depositados lhe pertencem, não pode manter-se o arresto sobre a totalidade desses mesmos saldos.
A lei portuguesa não fornece uma definição de contrato de depósito bancário. Porém, a doutrina e jurisprudência construíram definições no sentido de que o contrato de depósito bancário de disponibilidades monetárias é aquele "pelo qual uma pessoa entrega uma quantia pecuniária a um Banco, o qual dela poderá livremente dispor, obrigando-se a restitui-la, mediante solicitação, e de acordo com as condições estabelecidas". – assim, Paula Ponces Camanho, “Do Contrato de Depósito Bancário”, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 93.
Nestas condições, a instituição bancária adquire a propriedade dos fundos depositados, podendo deles dispor livremente, mas o depositante conserva a disponibilidade deles, uma vez que pode exigir a restituição ou dispor dos fundos em favor de terceiros.
Não está em causa que as contas referidas são solidárias, isto é, tratam-se de contas nas quais cada um dos titulares pode movimentar, sem o consentimento do outro, a totalidade dos fundos disponíveis.
Porém, o facto da conta bancária ser solidária não tem, necessariamente, relevância para a definição da propriedade sobre o valor do saldo.
E é verdade que no contrato de depósito bancário, os contitulares do depósito possuem um direito de crédito comum, presumindo a lei que, enquanto não se fizer prova em contrário, cada um dos depositantes comparticipa no crédito em igual montante. – cfr. art. 516.° do Código Civil.
Porém, compete ao terceiro contitular o ónus da prova da demonstração de que é titular exclusivo da propriedade do direito de crédito – o que não se confunde, como já referido, com a possibilidade de livre movimentação da totalidade do saldo credor da conta bancária como já se referiu.
Não tendo sido demonstrada tal propriedade exclusiva nem alegada, a lei presume que o co-titular - por ser contitular solidário do direito de crédito referente ao saldo bancário em causa – é proprietário de metade do saldo credor.
Porém, as regras do direito civil não tem aqui qualquer aplicação, já que o arresto foi realizado no âmbito do regime de perda ampliada de bens, nos termos do art. 7.°, n.º 2, da Lei n.° 5/2002, de 11 de Janeiro.
Ora, é consabido que na contabilização do património relevante para efeitos da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, o critério não é meramente civilista, daí que se inclua nesse conceito o valor de determinados bens ou activos de que formalmente são titulares terceiros, sempre que o arguido exerça sobre eles uma influência de controlo. Como é aliás o caso, já que as contas co-tituladas aqui em causa o são pelo arguido e pela filha C. M..
Relembre-se que a noção de património consagrada no art. 7.º é uma noção algo ampla, abrangendo mais do que aquilo que está meramente na titularidade do visado, compreendendo também tudo o que estiver efectivamente ao seu dispor ou conjuntamente ao seu dispor e de terceiros, especialmente de terceiros com quem coabite ou viva em economia comum, ainda que esteja na titularidade desses (ou em contitularidade com esses) terceiros.
No caso, nenhuma prova foi feita pela embargante quanto a quaisquer valores depositados em tais contas como sendo exclusivamente seus ou em parte seus, pois que nenhuma prova documental carreou nos autos ou testemunhal a este respeito apresentou, já que C. B. desconhecia em concreto os valores ali depositados e a sua proveniência. Não sendo bastante a afirmação da presunção da propriedade sobre metade dos saldos para afastar o arresto decretado sobre a sua totalidade.
Não assistindo, assim, qualquer razão à recorrente, pois, também aqui, não foi feita incorrecta interpretação das normas legais.
*
Como assim, ter-se-á de manter a decisão jurídica da causa quanto à questão em apreço nos seus precisos termos, uma vez que se mostra adequada e correcta face à factualidade apurada e aos normativos aplicáveis, nada havendo a apontar à sua fundamentação, que se revelou assertiva.

Improcede, pois, o recurso com custas a pagar pelo recorrente (art. 527º do CPC).
*
5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – O preceituado no art. 640º do CPC em conjugação com o que se dispõe no art. 662º do mesmo diploma legal permite ao Tribunal da Relação julgar a matéria de facto.
II – Não pode a apelante fazer assentar o recurso numa factualidade que representa a sua visão dos factos, mas que não se apurou após instrução e julgamento da causa.
III – Os embargos de terceiro podem ser explicados como a medida processual que visa a intervenção de uma terceira pessoa num processo judicial que já se encontra em curso.
IV – Ainda que os bens tenham sido formalmente adquiridos em nome de um terceiro, in casu, a filha do arguido, ou transferidos para ele posteriormente, recorrendo-se à abertura de contas bancárias solidárias, continuam os bens e/ou rendimentos em causa sujeitos a confisco, em conformidade com as regras da perda ampliada, sob pena de fraude à lei.
*
6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Notifique.
*
Guimarães, 17-10-2019

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Raquel Baptista Tavares)


1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, JC Criminal – Juiz 3.
2. Com o seguinte teor: “A fim de habilitar o Tribunal a decidir, e proferir desde logo o despacho a que se refere o art. 345.º do C.P.Civil, ordeno que: - se notifique a requerente/embargante para, em 10 dias, informar o n.º da conta bancária através da qual tem sido feito o reembolso do capital mutuado para aquisição do imóvel em causa; - se notifique o Banco … de Crédito/Banco A em face da ocorrida fusão por incorporação daquele no então “Banco ..., S.A” para informar, remetendo cópia de fls. 32 a 38, se o mútuo se mostra ainda em pagamento e, em caso afirmativo, qual o valor em dívida nesta data, bem ainda qual a conta em que são feitos os descontos das prestações mensais fixadas, com identificação do seu titular ou titulares, com pedido de envio de cópia da respectiva ficha de abertura; bem ainda para informar o valor mensal da prestação bancária dos anos de 1998 a 2010; - se junte a este apenso certidão, a extrair do processo comum colectivo, relativa ao termo de constituição do pai da ora embargante/requerente como arguido; - se junte a este apenso certidão a extrair do arresto de fls. 176 (auto de arresto), da notificação do arresto à ora embargante (fls. 183 a 185), dos despachos de fls. 533 e 585 e 586, da resposta do MP ao pedido de convolação de fls. 583 e 584, e da resposta do MP ao recurso de fls. 692 a 720. Ainda deve constar desta certidão cópia do assento de nascimento da requerente/embargante já obtida no arresto e cópia do ofício da DGF relativo ao valor de rendimentos por esta declarados de 1998 a 2010. Notifique. DN.”.
3. Depoimento gravado através sistema integrado de gravação digital “H@bilus Media Studio”, no dia 23/02/2018, com a duração de 00:14:36, registado entre as 15:02:56 e as 15:19:27, com a referência (20180223150254_5527255_2870513); início: 00:01:41; termo: 00:03:55.
4. Depoimento gravado através sistema integrado de gravação digital “H@bilus Media Studio”, no dia 23/02/2018, com a duração de 00:14:36, registado entre as 15:02:56 e as 15:19:27, com a referência (20180223150254_5527255_2870513); início: 00:08:34; termo: 00:09:18.
5. Depoimento gravado através sistema integrado de gravação digital “H@bilus Media Studio”, no dia 23/02/2018, com a duração de 00:14:36, registado entre as 15:02:56 e as 15:19:27, com a referência (20180223150254_5527255_2870513); início 00:11:40; termo: 00:13:17.
6. Depoimento gravado através sistema integrado de gravação digital “H@bilus Media Studio”, no dia 23/02/2018, com a duração de 00:14:36, registado entre as 15:02:56 e as 15:19:27, com a referência (20180223150254_5527255_2870513); início 00:09:41; termo: 00:10:23.
7. Depoimento gravado através sistema integrado de gravação digital “H@bilus Media Studio”, no dia 23/02/2018, com a duração de 00:14:36, registado entre as 15:02:56 e as 15:19:27, com a referência (20180223150254_5527255_2870513); início 00:04:22; termo: 00:06:50.
8. Depoimento gravado através sistema integrado de gravação digital “H@bilus Media Studio”, no dia 23/02/2018, com a duração de 00:14:36, registado entre as 15:02:56 e as 15:19:27, com a referência (20180223150254_5527255_2870513); início 00:07:52; termo: 00:08:34;
9. Depoimento gravado através sistema integrado de gravação digital “H@bilus Media Studio”, no dia 23/02/2018, com a duração de 00:14:36, registado entre as 15:02:56 e as 15:19:27, com a referência (20180223150254_5527255_2870513); início 00:06:50; termo 00:07:52.: inicio: 00:13:19; termo: 00:13:46.
10. RODRIGUES, Hélio Rigor; RODRIGUES, Carlos A. Reis, “Recuperação de ativos na criminalidade económico-financeira – Viagens pelas idiossincrasias de um regime de perda de bens em expansão”, Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Lisboa,2013, pg. 228 e 229.
11. GODINHO, JORGE, “Brandos costumes? O confisco penal com base na inversão do ónus da prova (Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, artigos 1.º e 7.º a 12.º)”, in Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, 2003, p.1345.
12. DIAS, Augusto Silva, “Criminalidade organizada e combate ao lucro ilícito”, 2º Congresso de Investigação Criminal, Almedina, 2010, págs. 23-47.
13. DIAS, Augusto Silva, “Criminalidade organizada e combate ao lucro ilícito”, 2º Congresso de Investigação Criminal, Almedina, 2010, p. 45.
14. Cfr. art. 7º, n.º2 alínea a).
15. Cfr. art. 7º, n.º2 alínea b).
16. O legislador teve plena consciência da prática comum dos arguidos de transferirem para os seus familiares e conhecidos os bens adquiridos com os “rendimentos ilícitos”, tentando assim ocultar a sua existência dos órgãos de polícia criminal.
17. Os autores socorrem-se das disposições do CC, nomeadamente o art. 1035º, para a definição de domínio. Em relação ao benefício socorrem-se do conceito de benefício presente no art. 232º do CP. E entendem que este “domínio e benefício” devem ser comprovados com base na regra do balanço de probabilidades recorrendo às regras da experiência. RODRIGUES, HÉLIO RIGOR / RODRIGUES, CARLOS A. REIS, “Recuperação de ativos na criminalidade económico-financeira – Viagens pelas idiossincrasias de um regime de perda de bens em expansão”, Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Lisboa,2013, pág. 228 e 289.
18. GODINHO, JORGE ALEXANDRE FERNANDES, “Brandos costumes? O confisco penal com base na inversão do ónus da prova (Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, artigos 1.º e 7.º a 12.º)”, in Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, 2003, pág. 1345.