Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2490/20.6T8BRG-B.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: PROVIDÊNCIA
PRÉVIO PROCEDIMENTO APENSO
CASO JULGADO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

Face ao disposto no artº. 362º, nº. 4, do C.P.C., não é admissível pedir novamente uma providência já julgada improcedente em prévio procedimento apenso ao mesmo processo principal, baseada numa fundamentação de facto essencialmente idêntica e já apreciada no primeiro.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I RELATÓRIO.

Por apenso à ação principal nº. 2490/20.6T8BRG, B. S., veio intentar a presente providência cautelar comum contra A. M. e K. S., pedindo que os requeridos sejam condenados na imediata entrega provisória da posse do imóvel pertencente ao Requerente livre de pessoas e bens, no estado em que o mesmo se encontrava aquando da entrega do mesmo.

Para tanto alega, além do mais, que:

“(…) 9. No âmbito da referida Ação Principal, no já longínquo dia 11 de Maio de 2021, foi realizada a Tentativa de Conciliação entre as partes,
10. Tentativa essa frustrada, uma vez que não foi logrado qualquer acordo entre aquelas.
11. Em face disso, a Meritíssima Juiz de Direito proferiu Despacho nos seguintes termos:
“Afigura-se ao Tribunal ser possível igualmente conhecer, desde já, do mérito da causa, pelo que cumpre realizar uma audiência prévia, para os fins previstos no artº. 591º., nº. 1, al. a) e b) do C.P.C. Para o efeito, de acordo com a disponibilidade dos ilustres mandatários, designa-se o próximo dia 27 de maio de 2021, pelas 10:00 horas.”
12. Despacho esse que prontamente foi notificado às partes.
13. Acontece, porém, que por Despacho datado de 26 de Maio de 2021 (Ref ª Citius 173492683) aquela Audiência Prévia tida por conveniente, que se encontrava agendada para o dia 27 de Maio de 2021, pelas 10h00, foi dada sem efeito, atenta a impossibilidade da Meritíssima Juiz por se encontrar em situação de Isolamento profilático.
14. Com efeito, a Meritíssima Juiz, não antevendo a cessação do seu impedimento, designou o dia 25 de Junho de 2021, às 10h30m, para a realização de tal diligência.
15. Todavia, decorridos seis dias de tal despacho, onde tinha sido designada nova data para a realização da Audiência Prévia, por quota de dois de Junho de 2021, foi dada sem efeito “sine die” a realização da diligência agendada,
16. Em virtude da Juíza titular do processo se encontrar, novamente, de baixa médica por tempo indeterminado.
17. Sucede, porém, que decorridos praticamente três meses, devido ao facto de a Meritíssima Juiz titular do processo se manter de baixa médica, ainda não foi designada nova data para a realização da diligência, nem se vislumbra a designação de nova data para a realização de tal diligência.
18. Nessa conformidade, tendo na devida consideração tudo o supra exposto, maxime a ausência indeterminada da Juíza titular do Processo, não restam dúvidas que a morosidade de todo o processo principal/ ação já há muito proposta, provoca, irremediavelmente, lesões e prejuízos na esfera jurídica do aqui Requerente,
19. Motivo pelo qual se mostra necessária e imprescindível a propositura da presente Providência Cautelar de forma a remover a situação de lesão e assegurar a efetividade do direito ameaçado do requerente.
20. Não existindo na lei outro tipo de providencia especificada que o acautele,
21. E prejuízo que dela resulte para os requeridos é manifestamente e consideravelmente inferior ao dano que o aqui requente pretende cessar.
22. Porquanto, em boa verdade, e reiterando-se todo o alegado em sede da Ação Principal, o Requerente é o comprovado dono e legitimo proprietário pleno do prédio urbano em regime de propriedade horizontal tipologia T3, sito na Rua ..., n. …, Braga, cfr. caderneta predial urbana junta com a Ação principal.
23. Encontrando-se, de igual modo, provado por documento escrito (contrato de comodato válido e eficaz) que os ora Requeridos celebraram em 01/05/2018 um contrato de comodato, com prazo certo de 24 meses, vide cláusula 5.º do mesmo, que este caducaria automaticamente ao fim de 24 meses caso os Requeridos não comunicassem ao Requerente a sua intenção de celebrar contrato de arrendamento sobre o referido imóvel,
24. O que veio a acontecer, pois, não houve formulação de vontade por parte dos Requeridos no sentido de celebrarem tal Contrato de Arrendamento com o requerente,
25. Pelo que, o ora Requerente interpelou devidamente por carta registada com A/R, em 25 de Julho de 2019 o Requerido marido da sua oposição à renovação de contrato de comodato e consequente entrega do imóvel,
26. E assim, como é obvio, a referida restituição deveria ter ocorrido, impreterivelmente, no dia 31 de Outubro de 2019,
27. O que, como já é amplamente consabido, nunca veio a acontecer,
28. Continuando, os Requeridos, sem qualquer título válido, a utilizar o prédio (não obstante ter cessado o contrato de comodato) ocupando-o, assim, de forma ilegítima, gratuita, sem qualquer título e apesar da oposição reiterada do Requerente.
29. Ou seja, apesar das posteriores e constantes solicitações no sentido de procederem à restituição definitiva da detenção daquele imóvel ao Requerente,
30. Aquele acabou por ter necessidade de intentar, no dia 29 de Maio de 2020, a competente Ação Principal sob o n.º de processo n.º 2490/20.6T8BRG, junto do Juízo Central Cível de Braga - Juiz 2, onde a presente Providência Cautelar irá correr por apenso.
31. Tendo suportado, como é facto notório que não carece de alegação nem de prova, os devidos e dispendiosos custos processuais e tantas outras despesas que uma Ação Judicial acarreta,
32. Isto tudo para além de se encontrar privado do uso e fruição do seu bem desde de 31 de Outubro de 2019 até à presente data, sem que haja razão para tal,
33. Dado que, apesar de já terem decorrido praticamente dois anos, os ora Requeridos nunca se prontificaram a pagar o que quer que seja pelo facto de estarem a usufruir ilegitimamente o prédio do Requerente,
34. Nem tampouco têm comprovada qualquer possibilidade de pagar qualquer quantia ao Requerente,
35. E porque os Requeridos têm manifesto conhecimento disso, não temem que lhe seja movida qualquer execução para pagamento de quantia certa pelo Requerente para exigir o pagamento total da quantia relativa ao enriquecimento sem causa por parte deles,
36. Que, reitere-se, à custa do ora Requerente.
37. E, nessa conformidade, tal deplorável e dilatória conduta dos Requeridos é, como continuará a ser, sem qualquer sombra de dúvida, gravemente lesiva do comprovado direito do Requerente de usufruir como proprietário do supra aludido bem,
38. Vendo-se, assim, e por virtude disso, num verdadeiro e inelutável estado de necessidade,
39. Quer do ponto de vista económico-financeiro, quer do ponto de vista social e familiar,
40. Ou seja, num real e manifesto estado de carência, até mesmo revelador de pobreza.
41. Em bom abono da verdade e da justiça, a qual deve imperar em situações como a presente, é imprescindível mencionar que o Requerente é vendedor em loja,
42. Auferindo, nessa medida, a exígua quantia mensal de €665,00 (Seiscentos e sessenta e cinco euros),
43. O que demonstra, claramente e a todas as luzes, a sua débil e instável situação financeira, cfr. Recibos de Vencimento que ora se juntam, sob a denominação de Documento 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
44. Com efeito, e com tal módica quantia, o Requerente, para além das despesas quotidianas, como a conta da luz, água, telecomunicações e alimentação, despende, mensalmente, do valor de €196,00 (Cento e noventa e seis euros) para o pagamento de um crédito automóvel que teve necessidade imperiosa de contrair, cfr. Extratos Bancários que ora se juntam, sob a denominação de Documento 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
45. Ficando com um rendimento mensal diminuto.
46. Não tendo a mínima possibilidade financeira para contrair um crédito à habitação.
47. O ora Requerente, que já vê a presente demanda arrastar-se há praticamente dois anos, vê igualmente os anos a passarem por si,
48. E, em virtude da situação criada pelos Requeridos, totalmente impossibilitado de seguir o curso normal da vida.
49. Na verdade, o Requerente, que já tem companheira há vários anos, quer casar e constituir família,
50. Isto é, de cumprir o seu sonho, ser pai!
51. E, na normalidade da vida, e de acordo com as regras da experiência comum, quem casa, quer casa,
52. Porém, como já supra alegado, o Requerente, face ao seu rendimento mensal e às suas despesas fixas, não tem a mínima capacidade de arrendar uma pequena residência na cidade de braga, nem tampouco na periferia,
53. Pois, como é sabido, o mercado imobiliário nas grandes cidades, como é o caso da cidade de Braga, tem cavalgado,
54. Sendo totalmente intocável e inatingível para um cidadão que aufere o salário mínimo nacional, como é o caso do Requerente arrendar um imóvel,
55. Nessa medida, o imóvel propriedade do Requerente, tipologia T3, novo, na cidade de Braga, que ilegitimamente está a ser usufruído pelos Requeridos, será, sem qualquer dúvida, a sua única boia de salvamento,
56. Quer do ponto de vista financeiro, quer do ponto de vista familiar, 57. Na medida em que, por um lado, é o proprietário pleno de tal imóvel, não tendo que suportar nenhum encargo com arrendamento,
58. Com o salário mínimo que aufere consegue suportar os restantes encargos do quotidiano (água, Luz e gás), sem entrar numa situação de incumprimento e debilidade financeira,
59. E por outro, obterá, finalmente, todas as condições necessárias para construir familiar, ou seja, casar e ter filhos.
60. Situação essa que tem vindo a protelar, já que o seu único bem encontra-se na posse ilegítima dos requeridos e não tem para onde ir morar.
61. Face ao exposto, é por demais evidente que a insólita e ilegal situação propositadamente provocada pelos Requeridos, associada à desesperante delonga processual da Ação Principal, é, e continuará a ser, assim, causadora de danos e prejuízos graves, nefastos e irreparáveis sofridos pelo Requerente,
62. Já que, se vê impossibilitado de fazer uma vida normal, de casar e constituir família, reitere-se, o único imóvel que tem seu está na posse ilegítima dos requeridos, não tendo capacidade financeira para arrendar um imóvel atualmente,
63. Vai continuar a adiar os seus projetos de vida, uma vez que a morosidade do processo principal está, como é facto notório, pendente há dois anos,
64. Isto é, não pode casar nem ter filhos porque não tem para onde ir morar com a família que pretende constituir.
65. Prejuízo esse que se manterá durante longo tempo se não for decretado a presente Providência Cautelar,
66. Pois a Ação Principal, conforme já se verificou, encontra-se com adiamentos “sine die”, o que faz prever uma mais que longa demora na decisão da mesma,
67. Razão pela qual, deve V/Exa., imediatamente, decretar, deferir e julgar procedente a presente Providência Cautelar Não Especificada, para, assim, se remover a situação de lesão e assegurar a efetividade do direito ameaçado do requerente
68. Sendo que é de assinalar, a este propósito, que é da própria essência da Providência Cautelar o seu carácter provisório e não definitivo,
69. Pelo que, de modo algum terá o carácter de decisão executiva da decisão definitiva que venha a ser proferida na Ação Principal ou de realização coerciva.
70. Devendo-se assim, pôr termo à ocupação ilegítima por parte dos Requeridos, com o decretamento da presente Providência Cautelar de forma a causar lesão dificilmente reparável do requerente (periculum in mora)
71. Ordenando-se, nessa conformidade, de imediato a entrega provisória do bem ao aqui Requerente. (…)”
*
Indeferida a dispensa de contraditório prévio, e ordenada e efetivada a notificação dos requeridos, os mesmos apresentaram oposição, concluindo que deverá o presente procedimento cautelar ser indeferido.
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Foi proferido despacho no qual se suscitou a questão da repetição da providência ou eventualmente da exceção de caso julgado.
Requerente e requeridos vieram pronunciar-se, concluindo o requerente que inexiste caso julgado, desde logo por ser nova e diferente a causa de pedir.
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De seguida, foi proferida decisão que indeferiu, por inadmissível, a providência cautelar requerida. Mais atribuiu as custas ao requerente, sem prejuízo do apoio judiciário.
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Inconformado, veio o requerente interpor recurso que terminam com as seguintes
-CONCLUSÕES-(que se reproduzem)

“A. Vem o presente recurso interposto da decisão de folhas… que indeferiu por inadmissível o procedimento cautelar de entrega judicial da fração autónoma com a restituição provisória da mesma ao aqui Recorrente por um lado, por entender que os pressupostos de facto invocados pelo aqui Recorrente, não são suscetíveis de preencher os requisitos para o decretamento da providência cautelar, desde logo por se tratar de uma lesão já consumada.
B. Que a atual fase em que se encontram os autos principais, tal não altera a circunstância de a lesão invocada já se mostrar consumada, o que, no entender do Tribunal a quo, obsta à procedência da pretensão deduzida no presente procedimento cautelar.
C. Por outro lado, entende aquela decisão que o aqui Recorrente invoca factos concretizadores de uma situação já alegada na anterior providência para fundamentar a sua pretensão, designadamente quanto à impossibilidade de habitar o imóvel e aí constituir família (só que, esclareça-se, tal facto não foi alegado em sede de providência cautelar anterior),
D. Mais resulta de tal sentença que o facto do aqui Recorrente não poder ocupar o imóvel para aí constituir família não consubstancia um qualquer prejuízo capaz de alicerçar o direito que pretende ser acautelado, e que os mesmos não preenchem os pressupostos da providência requerida, julgando-a manifestamente improcedente.
E. Terminando por concluir que a presente providência constitui repetição da providência anteriormente julgada injustificada, que a mesma se afigura legalmente inadmissível e sempre não poderá ser apreciada, por a tal obstar o caso julgado, por força da decisão proferida em tal apenso.
F. O aqui recorrente discorda absolutamente de tal decisão recorrida, assim, indeferiu injustificada e erradamente a providência cautelar intentada pelo aqui Recorrente.
G. Tal procedimento cautelar não é, de modo algum, uma repetição da providência cautelar anteriormente julgada injustificada, nos termos previstos no artigo 362.º n.º 4 do Código de Processo Civil (doravante CPC) e da eventual verificação da exceção de caso julgado.
H. Como preceitua o n.º 1 do art.º580.º do CPC, o caso julgado pressupõem a repetição de uma causa depois de a primeira ter sido decidida por sentença, que já não admite recurso ordinário.
I. E como estabelece o artigo 581.º n.º 1 do CPC, repete-se a causa quando se propõem uma ação idêntica à outra quanto aos sujeitos, ao objeto e à causa de pedir.
A. Havendo, no caso presente, e no que importa considerar, uma nova e diferente causa de pedir traduzida na alegação na Petição Inicial do facto novo e concreto por parte do Recorrente de que necessita imperativamente da casa que os Recorridos (de forma ilícita ocupam há mais de dois anos sem pagar o que quer que seja) por ser o único imóvel que este tem, e por querer constituir família, não tendo o aqui Recorrente rendimentos para tomar de arrendamento outro qualquer imóvel.
B. A causa de pedir consiste na alegação material de onde o Recorrente faz derivar o correspondente direito e dentro dessa alegação dos factos constitutivos do direito, são os factos concretos invocados visando o efeito pretendido que constituem a causa de pedir e não qualquer eventual e virtual contrato, sendo que este não é mais do que a fonte geradora dos direitos e obrigações das partes (cfr. Ac. Da Relação de Coimbra de 17/05/2005).
C. Inexistindo, portanto, qualquer identidade de causas de pedir, por serem diferentes os factos alegados num e noutro procedimento cautelar, factos esses concretos, como se impõe e não meramente abstratos, imposição essa que o Recorrente cumpriu de modo cabal e sempre norteado no sentido a que seja feita no caso presente justiça material e não apenas formal.
D. E certo que a complexidade da justificação de opção a fazer na difícil e perturbante sede de caso julgado, constitui motivo de perturbação no exato entender dos problemas, que ele suscite em cada caso “ sub judice” (cfr. Prof. Castro Mendes, Limites Objetivos do Caso Julgado em Processo Civil),
E. Mas não é menos certo que no caso presente se mostra claro que há, em ambas as providências cautelares, e causas de pedir diversas, o que afasta liminarmente o caso julgado, não se estando, assim, perante duas opções perentórias e razoáveis, que tragam ao processo uma pertinente situação de dúvida. E correto duvidar e calibrar as diferentes posições, mas só até certo ponto. (vide Vitória Camps, Elógio da Dúvida)
F. cada caso é um caso, sendo, também, de salientar, como se refere de modo lapidar no Ac. Do STJ de 09/03/2021, que o “ âmbito da preclusão é substancialmente distinto para o Autor e para o Réu”,
G. Quanto ao Recorrente, que é o que importa agora considerar, só ficam precludidos os factos que se referem ao objeto apreciado e decido na sentença transitada. não está abrangida por essa preclusão a invocação de uma outra causa de pedir para o mesmo pedido com base numa distinta causa de pedir.
H. No caso in merito, a pretensão deduzida na presente providencia cautelar distingue-se da anterior, ou seja, não procede do mesmo facto jurídico da pretensão anterior, pelo que não há repetição da causa.
I. Como bem assinala o Professor Rui Pinto- Exceção e Autoridade de Caso Julgado (páginas 43 e 44, em especial: “ao Autor vencido (aqui é só na primeira providencia cautelar) não está vedado que repita o mesmo pedido, mas com diferentes causas de pedir: o que transitou foi que pelo primeiro e concreto fundamento o Autor não tem o direito que alega, mas não transitou que ele não possa ter direito por qualquer outro fundamento fáctico não deduzido”.
J. Não há caso julgado, com toda a certeza no caso presente.
K. E a decisão que vai ser proferida agora será no sentido na procedência e decretamento do presente procedimento cautelar. A esta justa solução nos leva a génese e a interpretação da lei, que é interpelação para a decisão de um caso concreto.
L. Uma interpretação que é, também, aplicação e, portanto, tem de visar uma solução justa (art.º 9.º do Código Civil). Justiça que é o direito na sua concretização.
M. E tudo isto tem natural e igual pertinência no que concerne ao preceituado no n.º 3 do art.º362.º do CPC, concluindo-se pela reiterada afirmação de que a providência cautelar peticionada pelo aqui Recorrente deve ser decretada por procedente.
N. Sempre tendo em conta, no caso em análise, um critério de razoabilidade, que assenta na razão, que é, sobretudo, razão de ponderação de equilíbrio e de medida.
O. Tem de se convocar, a razoabilidade para ao tecer-se a intencionalidade jurídica da norma o podermos fazer através de uma ótica de correção e justeza , de uma interpretação teleológica e atualista. (Karl Engish, introdução ao pensamento jurídico).
P. Paradigmático de tudo o assim alegado é o Ac. da Relação de Coimbra de 13/04/2021 (publicado na mais recente Coletânea de Jurisprudência ano XLVI, Tomo II, Pág.31.
Q. Acórdão esse que decidiu um caso absolutamente idêntico ao dos presentes autos, revogando a decisão de 1.ª instância que indeferiu liminarmente o procedimento cautelar por manifestamente improcedente e determinando o prosseguimento do mesmo.
R. O sumário de tal decisão é o seguinte: “ considerando que a razão de ser dos Procedimentos cautelares é o de acautelar o efeito útil da Ação. N.º do art.º 2 e n.1º do artigo 362.º, ambos do CPC, - então a lesão que se receia acontecer, enquanto se aguarda pela decisão definitiva da Ação, será de considerar como grave e de difícil reparação, quando exista o risco de insatisfação do direito resultante da demora da decisão definitiva, o que ocorre quando o requerente pretende reaver uma casa de habitação que deu em comodato a terceiro, com o fim de a facultar a um filho para ai residir, terceiro esse que se nega a entrega-la
S. Atende-se a este propósito que no caso sub judicea gravidade da ofensa ao direito do aqui Recorrente ainda é maior, pois necessita da casa para ele próprio residir e constituir ai família, e não para um familiar.
T. E tanto mais grave quanto no caso presente já foi ultrapassado há muito o prazo do comodato (mais de dois anos) devido à demora mais do que excessiva da decisão definitiva da Ação principal.
U. E quanto a esta questão da demora da decisão definitiva há que salientar e ter em consideração o seguinte: O aqui Recorrente intentou em 29/05/2020 a Ação Principal; no âmbito da referida Ação Principal, no já longínquo dia 11 de Maio de 2021, foi realizada a Tentativa de Conciliação entre as partes,
V. Tentativa essa frustrada, uma vez que não foi logrado qualquer acordo entre aquelas, Para o efeito, designou-se o dia 27 de maio de 2021, pelas 10:00 horas.
W. Despacho esse que prontamente foi notificado às partes.
X. Acontece, porém, que por Despacho datado de 26 de Maio de 2021 (Ref ª Citius 173492683) aquela segunda e insólita Audiência Prévia tida por conveniente que se encontrava agendada para o dia 27 de Maio de 2021, pelas 10h00, foi a mesma dada sem efeito, atenta a impossibilidade da Meritíssima Juiz se encontrar em situação de Isolamento profilático.
Y. A Meritíssima Juiz, não antevendo a cessação do seu impedimento, designou o dia 25 de Junho de 2021, às 10h30m, para a realização de tal diligência.
Z. Decorridos seis dias após tal despacho, onde tinha sido designada nova data para a realização da segunda Audiência Prévia, por quota de dois de Junho de 2021, foi dada sem efeito “sine die” a sua realização, em virtude da Juíza titular do processo se encontrar, novamente, de baixa médica por tempo indeterminado.
AA. Por despacho datado de 2 de Setembro de 2021 (Ref ª Citius 174743809) foi designada nova data para a realização da tal segunda audiência prévia, marcada para o dia 23/09/2021 às 10h:30min.
BB. Mais uma vez, e por estranha coincidência, foi tal diligência dada sem efeito e adiada para o dia 26/10/2021 às 14h:00.
CC. Já não surpreendendo o aqui Recorrente, nesse dia 26/10/2021, pelas 11h, foram as partes, novamente, notificadas que tal diligência seria dada sem efeito por doença súbita da Juíza titular do processo (cfr. despacho com referência citius n.º 175765772) ficando a mesma, novamente, sem efeito e “sine die”. ou seja, a Juíza titular do processo encontra-se, novamente, de baixa médica por tempo indeterminado.
DD.E fica, mais uma vez, o aqui Recorrente privado do seu único imóvel para habitar e adiar o seu casamento e constituir família.
EE. Tendo na devida consideração tudo o supra exposto, maxime a ausência indeterminada da Juíza titular do Processo, não restam dúvidas que a morosidade de todo o processo principal/ ação já há muito proposta, provoca, irremediavelmente, lesões e prejuízos na esfera jurídica do aqui Recorrente, que não vê fim possível da Ação principal, que não vê qualquer luz ao fundo do túnel.
FF. Pasme-se pela coincidência, de que sempre que há agendada nova data para a realização de uma insólita segunda audiência prévia a mesma é sempre dada sem efeito!! Situação esta que já decorre há um ano, e tão insólita é que só há decisões na providência cautelar e nenhuma decisão na Ação principal.
GG. O que constitui um inultrapassável obstáculo a que o aqui recorrente recupere o único imóvel que é seu para residir nele e ai constituir a sua família, pois os recorridos recusam-se a desocupar o imóvel (encontram-se há mais de dois anos a ocupar um imóvel a título totalmente gratuito e ilícito),
HH. Tal recusa e a demora da Ação principal está a causar prejuízos graves ao aqui Recorrente, pois não tem condições nem outro imóvel para viver, estando a adiar a sua vida familiar em consequência de tal demora.
II. O que o levou a intentar nova providência cautelar alegando causa de pedir diversa da anterior, pois agora pretende casar e ter filhos e não tem outro imóvel para morar nem condição económica para arrendar um outro, visto o valor das rendas atualmente estar exorbitante, e ele auferir apenas o salário mínimo nacional.
JJ. Tais factos, afastam, contrariamente ao decidido na sentença ora recorrida, liminarmente o caso julgado, não se estando, assim, perante duas opções perentórias e razoáveis, que tragam ao processo uma pertinente situação de dúvida.
KK. O aqui recorrente, atento tudo o supra exposto, não se conforma com tal inadmissibilidade, porque a mesma incorreu em erro ao julgar o seu pedido improcedente, nesta nova providência cautelar não especificada teve por fundamento a restituição da posse do prédio urbano para ai residir e constituir a sua família ao abrigo dos artigos 379.º e 362 n.º1 do CPC.
LL. Identificou o direito que pretende ver acautelado face à estranha demora da Ação principal na resolução definitiva do litígio, o que traduz grave lesão e perigo para o direito do aqui Recorrente,
MM. O direito cuja lesão o aqui recorrente receia é o direito da propriedade sobre o imóvel a restituir, mais especificamente o direito de usar esse bem e de o afetar às necessidades da sua habitação própria permanente para constituir família. (artigos 1305.º e 1311.º do CC) o aqui recorrente alegou na Ação Principal, que deu de empréstimo tal imóvel aos Recorridos em 01/05/2018 com prazo certo,
NN. Esgotado esse prazo, os Recorridos foram interpelados por carta registada com aviso de receção datada de 25/07/2019, para procederam à entrega do imóvel, só que nada dissessem, e o aqui Recorrente por missivas datadas 13/08/2019, 03/02/2020 e 26/02/2020 voltou a comunicar aqueles a sua oposição à renovação do contrato de comodato, exigindo a restituição e desocupação do imóvel livre de pessoas e bens nos precisos termos em que o recebeu.
OO. Os Recorridos recusaram-se a desocupar o imóvel, nem sequer acederam falar com o aqui recorrente, estando na posse do mesmo ilicitamente desde 31/10/2019, permanecendo nessa comoda situação sem nada pagarem ao aqui Recorrente.
PP. Resulta do n.º1 do artigo 362.º na parte em que se refere ao fundado receio de que outrem cause lesão grave dificilmente reparável ao seu direito, e do n.º1 do artigo 368.º, na parte em que dispõe que a providencia cautelar deveria ser decretada desde que se mostre suficientemente fundado o receio da lesão do direito, que a lesão que se quer evitar com a providencia cautelar é aquela que produzirá enquanto o aqui Recorrente aguarda que seja proferida decisão definitiva na ação principal, e, caso não seja decretada a providencia cautelar deste.
QQ. Já que a lesão já consumada é o facto que justifica o receio de novas lesões até decisão definitiva da Ação principal na hipótese de não ser decretada a presente providencia cautelar.
RR. No caso dos auto os Recorridos estão ilicitamente no imóvel há mais de dois anos, pelo que, o aqui Recorrente, pretende constituir a sua família, só tem este imóvel e não tem condições de arredar outro (atento o valor atual do a mercado imobiliário) não impede o Recorrente de requerer na providência cautelar a cessão da violação do seu direito.
SS. Sabendo-se que a razão de ser dos procedimentos cautelares é de “acautelar o efeito útil da ação” ou assegurar a efetividade do direito ameaçado (vide artigo 262.º n.º 1 e n.º2) o que significa que os procedimentos cautelares servem para dar utilidade ao que for decidido na Ação principal a favor do Recorrente, e se servem para assegurar a efetividade do direito que lhe for reconhecido, então a lesão que se receia acontecer enquanto aguarda pela decisão definitiva da ação será de considerar como grave e de difícil reparação e fundamento para o decretamento da pertinente providência cautelar.
TT. A lesão que se receia deve ser considerada, como acontece no caso presente, de difícil reparação quando existir o risco de insatisfação do direito, o risco resultante da demora da decisão definitiva da causa.
UU. Nesta esteira, cita-se Professor Doutor Marcos Gonçalves que a este propósito escreveu que “ o juiz deve fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser útil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deva beneficiar que obstam à integração especifica da sua tutela jurídica”.
VV. Aqui o periculum in mora resulta da insatisfação do direito, proveniente na demora em se obter decisão definitiva da causa principal, que, conforme supra se alegou, não terá tão cedo, fim à vista.
WW. Receia-se que atenta a situação de inércia que a Ação principal está a ter (pois está sempre a ser adiada), receia-se que durante a mesma e antes de se alcançar uma sentença definitiva, receia-se que o aqui Recorrente nunca mais tenha hipótese de ter o seu imóvel para o poder habitar após casamento.
XX. Estamos perante uma ofensa com manifesta gravidade, que consiste, em se continuar a privar o aqui Recorrente de exercer os seus poderes essenciais do direito de propriedade sobre o imóvel, concretamente o seu direito de o usar de modo exclusivo (artigo 1305.º do Código Civil),
YY. Ora, a circunstância de este, pelas razões supra expostas, continuar a ficar privado desse seu direito de usar o imóvel para nele instalar a sua família até que seja proferida decisão na ação principal, configurara, a todas as lizes uma lesão grave do seu direito de propriedade do imóvel e um abuso de direito por parte dos Recorridos.
ZZ. E quando for proferida (sabe-se lá quando) a decisão final da causa, a qual lhe vai com toda a certeza ser favorável, o aqui recorrente nem se quer poderá aspirar a uma indemnização dos prejuízos causados pela privação do uso do imóvel durante todos estes anos,
AAA. Já que os recorridos não declaram quaisquer rendimentos nem detém, em nome deles quaisquer bens, estando numa situação económica de manifesta insolvência, estando eles completamente à vontade até ser proferida decisão na Ação principal porque, até lá, estão a usufruir a título absolutamente gratuito do imóvel,
BBB. E ainda está o aqui recorrente a suportar, porque aqueles usam o bem gratuitamente, todas as despesas inerentes ao mesmo, ou seja, IMI, e despesas de condomínio. O que configura o cometimento, pelos Recorridos, um manifesto abuso de direito, que expressamente se invoca e que é de conhecimento oficioso. (artigo 334.º do CC)
CCC. Já que estes continuam principescamente a usar o bem há mais de dois anos e sabem que quando tiverem que sair (com a decisão final d Ação principal) nada vão pagar, efetivamente, ao Recorrente por insuficiência económica.
DDD. Para os Recorridos toda esta situação é ouro sobre azul.
EEE. Ademais a indemnização a ter lugar, o que nos presentes autos é quase inexistente probabilidade, não tornará efetivo o direito que o aqui Recorrente tinha, e tem, de usar um bem que lhe pertence em absoluto.
FFF. Só depois do trânsito em julgado da decisão final (que nestes autos se reitera-se, prevê-se uma delonga atípica, atento os constantes adiamentos insólitos que se vêm ocorrendo) que se revela, a todos os títulos favorável aos aqui recorridos, e de ela ser cumprida voluntária ou coercivamente por eles, é que o direito do aqui Recorrente usar o seu imóvel se torna efetivo.
GGG. Em suma, só nessa altura é que ele poderá-efetivamente usar do seu imóvel, utilizando-o para habitação própria permanente, casar e ter filhos (o que não se concede).
HHH. Ninguém pode ou deve ficar privado em tais termos por delonga atípica e inusitada da decisão da Ação principal. é o que resulta do n.º2 do artigo 2º do CPC na parte que dispõem que “ a todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, correspondem os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação, e ainda o que resulta do n.º1 do artigo 362.º do mesmo diploma, que refere expressamente, como objetivo das providências ai previstas, o assegurar da efectividade do direito ameaçado,
III. E ainda o que resulta do n.º 5 do artigo 20.º da CRP na parte em que dispõe que “ para defesa dos direitos, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizado pela celeridade e prioridade de modo a obter a tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”.
JJJ. Preceitos estes cuja violação pela decisão ora recorrida, que expressamente se invoca.
KKK. Por tudo o exaustivamente exposto, deve ser julgado procedente o presente recurso, e revogada a decisão que decidiu indeferir por inadmissível a Providência Cautelar apresentada pelo ora Recorrente, por estarem verificados os requisitos principais e essenciais, os prossupostos que a lei refere nos artigos 362.º e 368º do CPC e por considerar que há caso julgado.
LLL. Como com toda a certeza V./Exas., Venerandos Desembargadores decidirão, julgando que não há qualquer fundamento de indeferimento liminar do procedimento cautelar, nem a verificação de caso julgado, devendo a presente providencia cautelar prosseguir os seus ulteriores termos. Fazendo, como sempre, inteira Justiça material.”

Pede que se julgue totalmente procedente o recurso interposto, e em consequência, se revogue a decisão proferida pelo tribunal a quo, julgando que não há qualquer fundamento de indeferimento liminar do procedimento cautelar, nem a verificação de caso julgado, devendo a presente providencia cautelar prosseguir os seus ulteriores termos.
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos.
Dispõe o artº. 639º, nº. 1, do C.P.C., que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, ou seja, as conclusões extraídas da motivação do recurso serão uma síntese dos fundamentos em que se baseia a discordância do recorrente relativamente à decisão recorrida. O nº. 2 do mesmo artigo concretiza as indicações que delas devem constar quando e na parte em que a discordância se prende com a aplicação do direito: as normas jurídicas violadas, o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem o fundamento da decisão na parte jurídica deviam ter sido interpretadas e aplicadas, caso a razão da discordância se prenda com o que se entende ser erro na determinação da norma aplicável, qual a norma que então devia ter sido aplicada. Acresce, se for o caso, a arguição de nulidades de sentença (artº. 615º, b) a e), do C.P.C.).
As conclusões correspondem às questões, de facto ou de direito, que o recorrente pretende ver reapreciado; e é sobre essas questões que o Tribunal de recurso se tem de debruçar sob pena de cometer nulidade por omissão ou por excesso de pronúncia (artº. 615º, nº. 1, d), “exi vi” artº. 666º, nº. 1, do C.P.C.).
Por isso se diz que o Tribunal trata de questões não tendo que rebater todos os argumentos de ordem fatual, doutrinal ou jurisprudencial levantadas pelas partes nos recursos, considerações, motivos ou juízos de valor (que constarão da sua motivação), e também não tem de se debruçar sobre questões que fiquem prejudicadas pela solução dada a outras (artº. 608º, “ex vi” artº. 663º, nº. 2, C.P.C.).
As conclusões exercem a função de delimitação objetiva do recurso, conforme decorre do artº. 635º, nºs. 3 e 4, do C.P.C., exercendo função semelhante à do pedido na petição inicial, ou à das exceções na contestação, salvo casos em que ao Tribunal de recurso é possível com base nos elementos dos autos julgar matérias de conhecimento oficioso –cfr. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, pags. 105 a 112 da 4ª edição.
Face ao exposto, se as conclusões são apresentadas de forma deficiente, obscura, complexa ou com omissão das especificações impostas, então apresentam-se como irregulares.
Apelando novamente à obra citada (pags. 143 a 151), aí se concretiza cada um desses vícios.
Assim, elas serão deficientes quando não espelhem todas as questões abordadas na motivação (insuficientes), quando se mostrem incompatíveis com o que é dito na motivação (contraditórias), quando na motivação não estão sustentadas (excessivas), quando não existe correspondência lógica entre a premissa e a proposição (incongruentes), quando são apresentadas sem nexo e sem descriminação à matéria de facto ou à matéria de direito (confusas).
Obscuras são as conclusões que não se percebem, ou que mal se percebem, nomeadamente na indicação do que se pretende e qual o caminho seguido para a respetiva defesa.
E são complexas as conclusões que não são sintéticas como é exigência legal (são antes prolixas), quando misturam as questões que interessam com questões irrelevantes (inócuas), e quando repetem argumentos. Também são complexas quando nelas estão transpostos argumentos, e considerações doutrinais e jurisprudências que devem antes constar da motivação; e quando a cada conclusão corresponde mais do que uma questão.
Por último, também a falta das indicações referidas no nº. 2 do artº. 639º torna as conclusões deficientes.
A verificação destes vícios deve conduzir à prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, tal como previsto no artº. 639º, nº. 3, C.P.C, sob pena de rejeição do recurso (cfr. ainda o artº. 652º, nº. 3, a), do C.P.C.)...

No caso dos autos verificamos que as conclusões apresentadas sofrem do vício da complexidade, são a reprodução da motivação do recurso. Tal impunha a sua correção.
Porém, procurando fazer prevalecer a justiça material sobre a justiça formal e de modo a não prejudicar as partes, tendo também em conta a simplicidade da questão a decidir, este Tribunal fará um esforço por abarcar todas as questões cujo conteúdo consiga alcançar no que respeita à matéria abordada pelo requerente, na medida em que se mostre apreensível o objeto do recurso (cfr. a propósito o Ac. do STJ de 6/12/2012, www.dgsi.pt).

Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir:

-se deve ser revogada a decisão que indeferiu a providência cautelar, face á alegação de todos os seus pressupostos, e face à não verificação de impedimento legal à sua procedência.
***
III MATÉRIA DE FACTO (conforme consulta eletrónica do processo principal e apenso A).

A matéria de facto a considerar prende-se tão só com a factualidade alegada pelos requerentes no seu requerimento inicial como fundamento do seu pedido, bem como o teor deste, o que já consta em resumo do relatório “supra” e que resulta da leitura da peça respetiva.

Acresce o teor do pedido presentado na ação principal -serem os RR condenados a:

“a) Reconhecer que o aqui Autor é dono e legítimo possuidores do imóvel em causa,
b) Entregar imediatamente tal imóvel urbano que ilegitimamente retêm em seu poder livre de pessoas e bens e nos preciso estado em que o receberam,
c) Pagar, solidariamente, ao Autor a quantia de € 4.000 (quatro euros), pela injustificada e ilícita demora na entrega do bem.
d) Pagar ao Autor uma indemnização de € 5.00 (cinco euros), por cada dia de atraso na entrega do bem, desde a interpelação efectuada para o efeito, ou seja, desde 31/10/2019, e que nesta data se contabiliza na quantia de € € 1840,00 (mil oitocentos e quarenta euros).
e) Tudo isto acrescido de juros de mora desde a data do incumprimento até efetivo e integral pagamento, à taxa legal aplicável. (…)”

Acresce ainda o teor da peça inicial apresentada na providência que intentaram previamente à presente e que correu no apenso A, respetiva decisão e acórdão que sobre a mesma incidiu, tudo como resulta da consulta do processo eletrónico, destacando-se:

-O requerente intentou já providência cautelar da mesma natureza, contra os mesmos requeridos, pedindo que se condenem os Requeridos na imediata restituição provisória da posse do imóvel pertencente ao Requerente livre de pessoas e bens, no estado em que o mesmo se encontrava aquando da entrega do mesmo;
-Para tanto alegou:
“4. Na Ação principal foi realizada em 11/05/2021 tentativa de conciliação entre as partes, na qual não foi logrado qualquer acordo entre estas.
5. Pelo que, em face disso, a Meritíssima Juiz proferiu o seguinte despacho nos termos seguintes: “ Analisada a petição e a contestação, entende o Tribunal que a p.i. é suscetível de enfermar do vício de ineptidão, no que toca ao pedido de indemnização formulada sob a al. c) a fls. 8, por omissão de alegação de todos os factos constitutivos do direito invocado, essenciais e estruturante da causa de pedir. No que concerne à matéria de exceção peremptória deduzida na contestação e reconvenção formulada, entende o Tribunal que a mesma é igualmente suscetível de enfermar do mesmo vício, quer por omissão de alegação de factos essenciais à pretensão, quer por ininteligibilidade. Em consequência, afigura-se ao Tribunal ser possível igualmente conhecer, desde já, do mérito da causa, pelo que cumpre realizar uma audiência prévia, para os fins previstos no artº. 591º., nº. 1, al. a) e b) do C.P.C.. Para o efeito, de acordo com a disponibilidade dos ilustres mandatários, designa-se o próximo dia 27 de maio de 2021, pelas 10:00 horas.”
6. Despacho esse de que logo foram devidamente notificadas as partes.
7. Ora, tendo em consideração o teor desse despacho, a morosidade de todo o processo principal e a persistência da situação lesiva existente, torna-se imprescindível a propositura da presente providência cautelar,
8. Já que, na verdade, e reiterando-se todo o alegado em sede da Ação Principal, o aqui Requerente é o comprovado proprietário pleno do prédio urbano em regime de propriedade horizontal tipologia T3, sito na Rua ..., n.º …, Braga, cfr. caderneta predial urbana junta com a Ação principal.
9. Encontrando-se também provado por documento escrito (contrato de comodato válido e eficaz) que Requerente e Requerido marido celebraram em 01/05/2018 um contrato de comodato, com prazo certo de 24 meses, vide cláusula 5.º do mesmo, que este caducaria automaticamente ao fim de 24 meses caso os Requeridos não comunica-se ao Requerente a sua intenção de celebrar contrato de arrendamento sobre o referido imóvel.
10. Ora, na falta de formulação de vontade por parte dos requeridos de celebrarem tal contrato de arrendamento, o aqui requerente interpelou devidamente por carta registada co A/R, em 25/07/2019 o Requerido marido da sua oposição à renovação de contrato de comodato e consequente entrega do imóvel.
11. Na verdade, tal restituição deveria ter ocorrido logo em 31 de outubro de 2019, o que nunca veio a suceder.
12. Não obstante isso, os requeridos, sem qualquer título válido, continuaram a servir-se do prédio (não obstante ter cessado o contrato de comodato) ocupando-o, assim, de forma ilegítima.
13. E isto apesar das posteriores e constantes solicitações no sentido de procederem à restituição da posse daquele imóvel ao aqui Requerente.
14. O qual acabou por ter de intentar em 29/05/2020 a competente e presente Ação Principal sob o n.º de processo n.º 2490/20.6T8BRG junto do Juízo Central Cível de Braga - Juiz 2.
15. Suportando, como é evidente, os competentes e onerosos custos processuais e outras despesas que uma Ação Judicial acarreta.
16. E estando a sofrer da privação do uso do seu bem desde 31/10/2019 até à presente data.
17. E, por outro lado, é sabido que o mercado do arrendamento nas grandes cidades, como é o caso da cidade de Braga, tem cavalgado,
18. Na verdade, o imóvel propriedade do aqui requerente, tipologia T3, novo, na cidade de Braga, atualmente, tem, como é facto notório, um valor de locação que ronda a quantia de, pelo menos, € 600,00 mensais,
19. Quantia essa que o requerente não está a auferir por força da conduta ilegal dos Requeridos.
20. O que eleva substancialmente o prejuízo que este está a sofrer, já que se encontra, por um lado, impossibilitado desde 31/10/2019 de tirar tal proveito e rendimento do seu bem.
21. E por outro lado, ainda tem de suportar os competentes e devidos impostos com o mesmo, nomeadamente, e não exclusivamente, o IMI, despesas de manutenção e despesas de condomínio.
22. Para além disso, tal imóvel é o único bem que o Requerente tem, o qual poderia ocupar para aí constituir a sua família, mas é forçado a residir na casa dos pais com todos os inconvenientes dai decorrentes,
23. Uma vez que, conforme se alegou supra, não retira quaisquer rendimentos do imóvel que está na posse ilegítima e reiterada dos requeridos, que lhe permitisse arrendar um outro imóvel para si, e, também não pode habitar no mesmo atendendo à factualidade já supra referida.
24. Esta insólita e ilegal situação provocada pelos Requeridos e também a delonga processual da Ação Principal é, assim, causadora de danos graves e irreparáveis sofridos pelo Requerente.
25. Tanto mais que, esclareça-se, os requeridos não têm rendimentos para usarem e fruírem tal imóvel, maxime, através de um contrato de arrendamento como, sem qualquer fundamento eles pretendem, o que Requerente não aceita.
26. Ou seja, estes não têm rendimentos para suportar o valor da renda referente ao bem pertencente ao aqui requerente, apenas e só pretendem usufruir do imóvel, sem pagar o que quer que seja a este, fazendo protelar o processo o máximo de tempo que conseguirem.
27. Tudo isto causando persistentes, notórios, graves e irreparáveis danos ao Requerente.”
-Terminava pedindo: “Termos em que e nos melhores de Direito deve V/Exa. julgar procedente, por provada, a presente providência cautelar condenando os Requeridos na imediata restituição provisória da posse do imóvel pertencente ao Requerente livre de pessoas e bens, no estado em que o mesmo se encontrava aquando da entrega do mesmo.”
-Essa pretensão foi liminarmente indeferida, por decisão transitada em julgado, conforme douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em tal apenso, onde se pode ler:
“… a providência tem de se antecipar à lesão por o requisito do justo receio pressupor que a ofensa não se ache ainda consumada, ou seja, que os actos susceptíveis de produzir a lesão se encontrem em potencialidade e não realizados (cfr. Ac. RP, 3.9.96, BMJ, 459, pg. 509), a não ser se for de recear futuras lesões do mesmo direito que se visa proteger (cfr. Ac. RC de 4.10.94, BMJ, 440, pg. 559). Ora, in casu, relativamente aos danos, na acção é já formulado um pedido de condenação dos requeridos no pagamento da quantia de €4000,00, pela ilícita demora na entrega do bem, como medida de reparação da sua lesão, sem que, face aos factos alegados, se aponte um prejuízo notável, de intensidade extraordinária, superior àquele que decorre da natural demora de uma qualquer acção judicial.
Mais se decidiu que: “… também o facto do requerente não poder ocupar o imóvel para aí constituir família, em vez de ter de residir na casa dos pais, não consubstancia um qualquer prejuízo capaz de alicerçar o direito que pretende ser acautelado. Também na esteira do que foi defendido no Ac. RE de 2.7.98, BMJ, 479, pg. 736, ‘é[É] da essência dos procedimentos cautelares a obtenção provisória de uma tutela para o direito ameaçado, pelo que não é viável e contraria a finalidade conservatória típica dos procedimentos cautelares, pedir a entrega imediata de um prédio, mesmo que se considere ter cessado a relação de arrendamento. Tal não seria menos que executar uma decisão definitiva’. Do exposto resulta que, não se verificando os pressupostos necessários e legalmente exigidos para o decretamento da providência (…)”.
***
IV O MÉRITO DO RECURSO.

O Tribunal recorrido decidiu pelo indeferimento da providência cautelar independentemente da prova que viesse a ser feita relativamente à matéria alegada como seu fundamento, uma vez que “a providência ora em análise constitui repetição da providência anteriormente julgada injustificada nos termos decididos no citado apenso A, pelo que a mesma se afigura legalmente inadmissível nos termos de tal normativo legal. Contudo, ainda que assim se não entendesse, a pretensão ora deduzida pelo requerente sempre não poderá ser apreciada, por a tal obstar o caso julgado, por força da decisão proferida em tal apenso.”
Recorreu por isso o Tribunal ao disposto no artº. 362º, nº. 4, do C.P.C. e à figura do caso julgado.
Terá de se verificar da correção desse enquadramento, e da razão para o não prosseguimento da providência.
*
Atento o contexto material da decisão a proferir iremos tecer algumas considerações sobre os procedimentos cautelares e concretamente sobre o comum, face à menção feita nas alegações de recurso aos princípios gerais que lhes estão subjacentes.
O objetivo das providências cautelares será o de acautelar o efeito útil da ação –artº. 2º, nº. 2, C.P.C., citado nas alegações de recurso. Todavia tal não significa que se prescinda do devido enquadramento de cada providência em concreto proposta.
As providências cautelares têm a sua justificação no princípio do nosso sistema processual civil segundo o qual a demora de um processo não deve prejudicar a parte (-com maior desenvolvimento vide Marco Carvalho Gonçalves, “Providências Cautelares”, pags. 81 a 91 da 2ª edição), dando execução ao artº. 20º, nºs. 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa. As providências cautelares são medidas que são requeridas e decretadas, tendo em vista acautelar o efeito útil da ação, mediante a composição provisória dos interesses conflituantes, mantendo ou restaurando a situação de facto necessária à eventual realização efetiva do direito. “Tais medidas visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer ação declarativa (...), que a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o “periculum in mora” (o prejuízo da demora inevitável do processo) a fim de que a sentença se não torne uma decisão puramente platónica” -Antunes Varela e Outros, in Manual de Processo Civil, pag. 23 e segs. da 2ª edição.
Esta exigência não tem que ver apenas com o natural decurso de uma qualquer ação declarativa, sujeita a prazos e a contingências, tais como as que surgiram neste caso (em que a ação foi proposta em maio de 2020) e a que se alude nas alegações de recurso. Esta exigência vai mais além do que isso já que tem de ser conjugado com o prejuízo irreparável ou de difícil reparação decorrente da duração normal do processo.
No Código de Processo Civil existe a figura do processo cautelar comum, “comportando a regulamentação dos aspectos comuns a toda a justiça cautelar. Institui-se, por esta via, uma verdadeira ação cautelar geral para a tutela provisória de quaisquer situações não especialmente previstas e disciplinadas, comportando o decretamento das providências conservatórias ou antecipatórias adequadas a remover o “periculum in mora” concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado, que tanto pode ser um direito já efetivamente existente, como uma situação jurídica emergente de sentença constitutiva, porventura ainda não proferida” -preâmbulo do Dec. Lei n.º 329-A/95, de 12/12. O procedimento cautelar comum tem por isso carácter residual, quer no plano das regras adjetivas, quer no plano das providências que nele se podem integrar -cfr. António Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil, Procedimento Cautelar Comum”, Vol. III, pág. 56.
Ao procedimento cautelar comum aplicam-se os artºs. 362º a 376º do C.P.C..
Refere o nº. 1 do artº. 362º que sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória, concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado. O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor – nº. 2 do mesmo. “Não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas na secção seguinte” – nº 3 do mesmo. A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão. – nº. 1 do artº. 368º. “A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal, quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar” –nº. 2.

São então requisitos (de fundo e de forma) necessários ao decretamento desta providência:

1. - Probabilidade séria da existência de um direito (aparência do direito – “fumus bonis juris”).
2. - Fundado receio de que a demora natural na solução do litígio lhe causará uma lesão grave e dificilmente reparável (ao direito que se pretende fazer valer em ação pendente ou a instaurar) –“periculum in mora”; a providência cautelar será o meio adequado a evitar o dano eminente ou o agravamento da lesão.
3. - Desde que o prejuízo resultante de um tal recurso não exceda consideravelmente o dano que, através da providência, se pretenda evitar (-não nos alongaremos nesta matéria, mas pode ver-se neste ponto antes uma causa impeditiva ou extintiva do exercício do direito).
4. - E não cabimento da possibilidade de recorrer a qualquer outro tipo de procedimento cautelar nominado (requisito procedimental).

Veja-se nesta matéria e a propósito dos requisitos o Ac. da Rel. do Porto de 21/02/2018 (dgsi.pt, relatora Drª Maria de Jesus Pereira).

Estes requisitos são de verificação cumulativa.
Do artº. 364º do C.P.C. decorre que as providências cautelares estão necessariamente dependentes de uma ação já pendente ou a instaurar posteriormente, acautelando ou antecipando provisoriamente os efeitos da providência definitiva, na pressuposição de que venha a ser favorável ao requerente a decisão a proferir no processo principal -cfr. António Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil, Procedimento Cautelar Comum”, Vol. III, pág. 120. Ressalvados ficam os casos da inversão do contencioso em que os efeitos podem vir a tornar-se definitivos –artº. 369º do C.P.C. (…).
O objeto da providência deverá ser, por conseguinte, conjugado com o objeto da causa principal, embora tal dependência não imponha perfeita identidade (mesma obra, pags. 120 e 121). A identidade entre o direito acautelado e o que se pretende fazer valer no processo definitivo impõe, pelo menos, que o facto que serve de fundamento àquele integre a causa de pedir da ação principal.
Nesta matéria veja-se o Ac. da Rel. do Porto de 7/04/2016, o Ac. Rel. Lisboa de 29-03-1990, citado no Ac. da Rel. de Évora de 6/11/2008, disponíveis na dgsi.
Mas deve verificar-se também uma identidade subjetiva entre as partes do procedimento cautelar e as da ação principal.
O autor desta deve ser o titular ativo do direito ameaçado e requerente do procedimento e o aí réu deve ser o sujeito passivo daquele direito e requerido no procedimento (cfr. Rita Lynce de Faria, A Função Instrumental da Tutela Cautelar Não Especificada, 2003, pag. 95).
Se através da ação principal se deve procurar a tutela para o mesmo direito que se pretendeu preservar por via cautelar, isso quer dizer que a tutela é sempre dirigida contra alguém que violou (ou ameaçou violar) o direito.
Em suma, os princípios da instrumentalidade e dependência são também requisitos a respeitar na propositura de um qualquer procedimento cautelar. E tal pressupõe as referidas identidades objetivas e subjetivas.
Ora, se relativamente à probabilidade da existência do direito a lei contenta-se com a verificação de indícios razoáveis, ou a mera aparência do direito, já quanto ao “periculum in mora” (-a demora e o dano decorrente da demora) exige-se um juízo de certeza que se revele suficientemente forte; cabe ao requerente a alegação e demonstração da gravidade do dano e da sua natureza irreparável ou de difícil reparação; deve assentar em factos concretos e consistentes, valorados objetivamente, bem como a necessidade de ser acautelado por via provisória.
No C.P.C. não se tutelam situações de efetiva e consumada violação, salvo nos casos em que se prevê que a violação prosseguirá de forma continuada ou repetida; prevê-se e previne-se situações suscetíveis de causar lesão grave e dificilmente reparável.
Como se diz na obra de Marco Carvalho Gonçalves, “Providências Cautelares”, 2ª edição (pags. 206 a 208), “visando a providência cautelar evitar a lesão de um direito, esta não pode ser decretada, porque injustificada, se essa lesão já se tiver consumado, salvo se essa lesão fundamentar o receio de ocorrência de outras lesões idênticas e futuras, a produção de lesões de natureza continuada ou repetida, ou o agravamento do dano”.
Quanto ao necessário juízo de gravidade e irreparabilidade ou difícil reparação da lesão, tem vindo a ser posição da jurisprudência, seguindo a posição, entre outros, de António Santos Abrantes Geraldes, exposta em “Temas da Reforma do Processo Civil…”, Vol. III, pags. 84 e 85, que refere a propósito do interesse em agir: (…) o juiz deve convencer-se da seriedade da situação invocada pelo requerente e da carência de uma forma de tutela que permita pô-lo a salvo de lesões graves e dificilmente reparáveis.
A gravidade da lesão previsível deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera jurídica do interessado.
Pela proteção cautelar não se abarcam apenas os prejuízos imateriais ou morais, por natureza irreparáveis ou de difícil reparação, mas ainda os efeitos que possam repercutir-se na esfera patrimonial do titular.
Porém, especialmente quanto aos prejuízos materiais, o critério deve ser bem mais rigoroso do que o utilizado quanto á aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva.
Apesar disso, não deve excluir-se, como aliás, a lei não exclui, a possibilidade de proteção antecipada do interessado relativamente a prejuízos de tal espécie, embora devam ser ponderadas as condições económicas do requerente e do requerido e a maior ou menor capacidade de reconstituição da situação ou de ressarcimento dos prejuízos eventualmente causados (…).”
E mais acentua este autor a necessidade de verificação cumulativas da gravidade das lesões previsíveis que justificam a tutela provisória e da sua irreparabilidade absoluta ou difícil.
Estamos perante conceitos indeterminados, que cabe preencher em cada caso.
Vejamos também a propósito as palavras de Marco Carvalho Gonçalves, a pags. 205 da obra citada: “A nossa jurisprudência tem vindo a considerar que o conceito de “lesão grave e irreparável ou de difícil reparação” deve ser integrado de acordo com dois critérios: um critério subjetivo, o qual “atende às possibilidades concretas do requerido para suportar economicamente uma eventual reparação do direito do requerente”; um critério objetivo, o qual de ser “aferido em função do tipo de lesão que a situação de perigo pode vir a provocar na esfera jurídica do requerente, o que significa que dependerá da natureza do direito alvo dessa lesão e da sanção que a ordem jurídica impõe para a reparação do dano decorrente da lesão, sendo admissível o recurso à tutela cautelar, sempre que a reparação da lesão possa implicar a chamada reintegração por sucedâneo”. Assim, um dano consubstanciado num prejuízo de natureza financeira não será, por via de regra, grave e irreparável ou de difícil reparação, salvo se o mesmo for insusceptível de integrar compensação na eventualidade de a ação principal vir a ser julgada procedente” (eliminamos as notas).
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Diremos então que no caso dos autos e face ao alegado, para além de estarmos perante uma violação do invocado direito de propriedade já consumada mas continuada –a ocupação alegadamente ilegítima do prédio, por falta de título para o efeito-, pretende-se antecipar um dos efeitos derivados da eventual procedência da ação principal –a restituição do prédio-, tal como decorre do confronto entres os respetivos pedidos.
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Relativamente aos primeiros requisitos “supra” mencionados -probabilidade séria da existência de um direito e fundado receio de que a demora natural na solução do litígio lhe causará uma lesão grave e dificilmente reparável- podemos dizer que eles assumem a função que a necessária invocação da causa de pedir assume numa ação declarativa.
De acordo com o artº. 581º, nº. 4, do C.P.C., a causa de pedir é o “facto jurídico de que precede a pretensão requerida” e que deve ficar “reflectida num conjunto mais ou menos alargado de factos com relevância jurídica atinente ao direito cuja existência se alega, nos quais se sustentará a providência requerida” –cfr. António Santos Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil…”, Vol. III, pag.131. Em conformidade, o Prof. José Alberto dos Reis, diz que “a narração há-de conter, pelo menos, os factos pertinentes à causa e que sejam necessários para a causa que o autor quer obter” – “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, pag.351, a sua falta compromete o reconhecimento do direito de que pretensamente seja titular. Exposta a causa de pedir, o requerente deve então “solicitar e indicar a providência cautelar concretamente adequada a tutelar a situação de “periculum in mora” em que se encontra”, nisto se traduz o pedido- cfr. António Santos Abrantes Geraldes, obra citada, pag. 72.
Cabe porém ao Autor ou requerente alegar os factos essenciais que estruturam a sua pretensão e constituem a causa de pedir, conforme resulta do artº. 5º, nº. 1, do C.P.C. (bem como o respetivo ónus da prova conforme decorre do artº. 342º, nº. 1, do C.C.), sejam os nucleares, sejam os complementares -sendo que a falta dos primeiros conduz à ineptidão da p.i. de acordo com o artº. 186º, nº. 2, a), do C.P.C., e a falta dos segundos pode ainda permitir o seu aperfeiçoamento –“Código de Processo Civil Anotado” de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa , Vol. I, pag. 27 (citando outras obras).
Já os factos que sejam meramente complemento ou concretização dos alegados, podem inclusive resultar da instrução da causa e serem assim tidos em conta pelo Tribunal (respeitado o contraditório), não tendo a função individualizadora da ação ou procedimento.
Esta exposição vem a propósito do se dirá a seguir, face ao caso concreto.
Mais temos de acrescentar, face à tutela pretendida, e na sequência da menção às providências antecipatórias, que estas visam então essencialmente obstar ao prejuízo decorrente do retardamento na satisfação do direito ameaçado, através de uma provisória antecipação no tempo dos efeitos da decisão a proferir sobre o mérito da causa (Ac. da Relação de Coimbra de 28/6/2005, processo nº. 1345/05, www.dgsi.pt). Antecipam por isso os efeitos jurídicos próprios da decisão a ser proferida na ação principal, bem como a realização do direito que presumivelmente virá a ser reconhecido nesta ação –Marco Gonçalves, obra citada, pags. 95 e 96 (citando outros autores). E a pags. 100 o autor faz a ligação à figura do abuso de direito, dizendo que estas providências procuram dar resposta a duas exigências distintas: afastar o perigo de que o direito fique prejudicado pelo facto de permanecer em situação de insatisfação durante o período de tempo necessário ao seu reconhecimento judicial; e evitar o abuso do direito de defesa e conseguir uma maior economia processual.
São exemplo típico destas providências no Código de Processo Civil os alimentos provisórios e o arbitramento de reparação provisória (artºs. 384º e 388º do C.P.C.). Igualmente assume características próprias destas a restituição provisória de posse –artºs. 377º e 378º do C.P.C.-, mas esta assume contornos diferentes também no que respeita às exigências de prova e traduz na realidade a criação de uma situação nova (…) –obra citada de Marco Gonçalves, pags. 260 e segs..
Não se pode dizer que o requerido naquelas situações de tutela antecipatória fique desprovido de meios de reação, pois que, para além das exigências legais para o seu decretamento, assiste-lhe ainda o direito de ser indemnizado, ou de ser exigida prévia caução, tudo conforme vem previsto no artº. 374º do C.P.C..
O julgador face a um pedido desta natureza e efeitos em causa deve ser ainda mais exigente na aferição dos pressupostos da providência e em especial na apreciação do “fumus boni iuris”. Este grau de exigência varia também em função da audição do requerido, ou seja, tenderá a ser mais exigente nos casos de dispensa de contraditório.
A propósito cita-se o Ac. da Rel. de Porto de 17/12/2008 (relatado por Luís Espírito Santo, disponível em www.dgsi.pt), em que se diz que estas providências exigem “que dos factos alegados resulte, em termos claros e inequívocos, a lesão grave e dificilmente reparável dum direito, em consequência da postura injustificada a censurável da requerida”, e que o recurso às mesmas constitua a “única alternativa que resta ao requerente no sentido de obstar aos ponderosos prejuízos que lhe são, por esta via, provocados”.
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Resulta para nós que, no caso em apreço, as circunstâncias que o recorrente invoca relativas à sua situação pessoal atual (não se alegando que são factos supervenientes) mais não são do que a mera concretização dos alegados na primitiva providência que correu sob o apenso A, na esteira do que foi o entendimento do Tribunal recorrido. E assim sendo não fazem parte do núcleo individualizador do procedimento, situando-se a mesma em contexto idêntico à anterior: a lesão decorrente da privação da habitação, dando destaque ao valor patrimonial que está a perder, e/ou à impossibilidade de utilização da casa para si (-para além da perfeita identidade do direito violado invocado).
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No caso em apreço, face quer ao teor da decisão sob recurso, quer das alegações apresentadas, temos de aludir ainda à figura do caso julgado, considerada como exceção dilatória, cujo conhecimento (que pode ser oficioso) conduz à absolvição do R. da instância – artºs. 576º, nºs. 1 e 2, 577º, i), 578º e 278º, nº. 1, e), do C.P.C..
O caso julgado material que se materializa no efeito imperativo atribuído a uma decisão transitada em julgado que tenha recaído sobre a relação jurídica substancial decorre do artº. 619º, nº. 1, do C.P.C..
Pode dizer-se que o instituto de caso julgado é uma realidade jurídica que tem dois efeitos distintos: uma função positiva que consiste na autoridade de caso julgado da sentença que transitou, e uma função negativa que tem que ver com a exceção dilatória de caso julgado e que tem por fim evitar a repetição de causas (artº. 580º, nºs. 1 e 2, do C.P.C.). A propósito pronunciaram-se Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, pag. 354 do 2º vol., e Miguel Teixeira de Sousa, “O Objeto da sentença e o Caso Julgado Material”, BMJ 325, pag. 49.
O caso julgado vem regulado nos artºs. 580º e 581º, do CPC, sendo definido como a repetição de uma causa após a primeira já estar finda (transitada nos termos decorrentes do artº. 628º do C.P.C.), visando evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

E repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir sendo que:
. há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica;
. há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico;
. há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico; nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.

O caso julgado tem como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, conforme imposto pelo artº. 621º do C.P.C. -a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.
Ora, do que já resulta exposto, temos que a figura do caso julgado material coloca-se primordialmente em decisões com caráter de definitividade, não sendo de afastar a figura entre procedimentos cautelares (entre si). Em sede de providências cautelares, sem inversão do contencioso, e cuja decisão tem cariz provisório, nomeadamente como é o caso que nos é aqui apresentado, já é discutível a alusão direta ao caso julgado.
Todavia os interesses subjacentes ao caso julgado colocam-se em sede cautelar, em diferentes moldes, o que nos remete para o artº. 362º, nº. 4, do C.P.C..
De facto, e recorrendo a Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, Volume III, pags. 60 e 61 “enquanto que a força e autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a exceção destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual”.
O Ac. da Relação de Coimbra de 28/09/2010 (www.dgsi.pt) distingue desta forma: “A exceção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova ação, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objeto e pedido. A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em ação anterior, que se insere, quanto ao seu objeto no objeto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no artº 581º, do CPC”.
O nº. 4 do artº. 362º do novo C.P.C. estabelece: “Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado”.
Neste contexto, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (“Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, pags. 12 a 15 da 3ª edição) percorrem a evolução histórica do (atual) artº. 362º, nº. 4, do C.P.C., e dizem que a expressão que consta desta redação “repetição de providência”, sendo paralela à “repetição da causa” –artºs. 580º, nº. 1 e 581º, nº. 1, do C.P.C.- inculca que só é hoje tida por inadmissível a providência que tenha o mesmo conteúdo da anteriormente caducada ou julgada injustificada e se baseie no mesmo fundamento de facto.
Já Abrantes Geraldes (obra citada, pag. 130) tem uma interpretação diversa e entende que é inadmissível a dedução da mesma pretensão cautelar, isto é, de pretensão com o mesmo conteúdo e visando satisfazer o mesmo interesse que a anterior, ainda que tenha fundamento diverso.
Sendo os factos, num e no seguinte procedimento, os mesmos, a jurisprudência e doutrina não divergem quanto á inadmissibilidade de novo procedimento; quando invocados factos diferentes (e podendo ser supervenientes), a jurisprudência e a doutrina já não têm entendimento consensual, havendo, antes, divergências quanto à admissibilidade da repetição da providência face à disposição em causa.
No Ac. da Relação do Porto de 09/01/1999 diz-se: “III - A proibição da repetição da providência cautelar, julgada injustificada, na dependência da mesma causa, não tem aplicação quando a requerida em segundo lugar tiver por fundamento factos supervenientes” (www.dgsi.pt) e no sumário do Ac. da Relação Lisboa de 15/03/2011 diz-se: “II – A ocorrência de novos factos posteriormente ao trânsito em julgado da decisão que julgou improcedente um novo procedimento cautelar anterior, não obsta a que se formule idêntica pretensão com base na nova factualidade entretanto ocorrida” (www.dgsi.pt).
No Ac. da Relação de Lisboa de 31/01/2013 (www.dgsi.pt), pode ver-se: “Por efeito da regra da proibição da repetição da providência, consagrada no nº 4 do art. 381º do Código de Processo Civil, não pode a parte, depois da providência cautelar ter sido julgada improcedente ou tiver caducado, requerer de novo a mesma providência, na dependência da mesma causa, ainda que baseada em factos diferentes. Embora pelo efeito do caso julgado nada obstasse a novo requerimento de arresto, em virtude da alegação de novos factos, que traduzem uma distinta causa de pedir, já o disposto no nº 4 do art. 381º do CPC obstava a que se instaurasse novo arresto, no âmbito da mesma acção declarativa de efectivação de responsabilidade civil, nomeadamente quando o arresto anterior foi julgado injustificado”.
No sumário do Ac. da Relação de Évora de 12/03/2009 pode ler-se: “Com o disposto no artigo 381º n° 4 do Código de Processo Civil o Legislador pretendeu evitar que, no âmbito do mesmo litígio, haja repetição de procedimento cautelar com o propósito de assegurar o mesmo direito, no confronto de identidade de partes, mesmo que o fundamento do procedimento cautelar seja diverso. Embora haja alguma similitude com a figura do caso julgado, não se exige a tripla identidade constante dos diversos incisos do artigo 498º do Código de Processo Civil, bastando que, em ambos os procedimentos cautelares, a finalidade ou o objecto seja o mesmo, medido pela caracterização do direito a garantir.” (www.dgsi.pt).
No Ac. da Relação de Lisboa de 29/4/2014 assumiu-se: “Entendemos que é correcto o entendimento de que a proibição da repetição de providência cautelar tem aplicação se esta tem o propósito de assegurar o mesmo direito, no confronto de identidade de partes, mesmo que baseada em factos diferentes, pois como se explica no citado Ac da RL de 31/03/2013 «Com semelhante regra efectivamente, ultrapassam-se os efeitos do caso julgado, certamente por se ter entendido não se justificar no âmbito da mesma acção, o requerimento de igual procedimento cautelar depois do anterior ter sido considerado injustificado ou caducado. Daí que, mesmo que existam factos novos, mas escapando aos efeitos do caso julgado, não se admita a repetição do mesmo procedimento cautelar.”.
O voto de vencido aí apresentado dá contudo uma visão diferente (citação que dada a sua extensão colocamos em destaque): “Discordo da decisão por entender que a delimitação do que deve considerar-se “repetição de providência” convoca, no caso sub judice, os elementos típicos da repetição da causa que delimitam o caso julgado.
Não se olvida o suporte doutrinário e jurisprudencial brilhantemente expresso na tese que fez vencimento.
Entende-se, todavia, que a norma do artigo 362.º, n.º 3, do CPC de 2013, exige hermenêutica diversa que se tentará expor.
A norma utiliza, como bem se refere no acórdão de que dissentimos, a expressão providência e não procedimento Parece inculcar a ideia de que se reporta apenas à medida cautelar pedida (por isso independentemente dos seus fundamentos) e não ao procedimento (que envolve a medida cautelar e os seus fundamentos).
Linha de pensamento que apenas aparentemente levaria à conclusão a que nos opomos.
A utilização da expressão providência justifica-se e adequa-se por ser a que quadra aos dois diferentes casos previstos na norma: os casos em que a providência haja sido julgada injustificada e os casos em que tenha caducado. Mas o alcance quanto à repetição é num e noutro caso diverso. Estes dois casos são distintos e a norma atribui-lhes conteúdos distintos, quanto ao que deva entender-se por repetição da providência.
Quando se considera a providência que haja sido julgada injustificada, considera-se a medida cautelar e os fundamentos invocados em que se louvou a solicitação da medida.
O tribunal a quem a providência é pedida não a julga injustificada em si, julga-a injustificada face aos fundamentos que lhe são apresentados. Por isso, repete-se uma providência que haja sido julgada injustificada quando se pede ao tribunal que se pronuncie de novo sobre a mesma medida cautelar e os mesmos fundamentos (necessariamente entre os mesmos sujeitos, o que não está em causa no caso que nos ocupa).
Dir-se-ia ser a norma quanto a tal inútil uma vez que duplica a do artigo 581.º no que respeita ao caso julgado.
Não é assim. Como refere Lebre de Freitas citado no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de março de 2011 proferido no processo 274/09.1TBLRA-B.C1 (Alberto Ruço): «…o efeito do caso julgado é próprio duma decisão de mérito, como tal definidora das situações jurídicas das partes. A preclusão consistente na indiscutibilidade da solução dada às questões por ele abrangidas pressupõe o acertamento definitivo dessas situações jurídicas, só possível num processo que tenha por objecto a afirmação da sua existência e a solicitação da tutela judiciária adequada a esse acertamento. O juízo sobre a probabilidade da existência do direito que tem lugar no procedimento cautelar (o simples fumus boni iuris) afasta, por definição, a ideia de acertamento definitivo que o caso julgado pressupõe (art. 386.º do CPC). Quanto ao juízo sobre o periculum mora, não envolve qualquer decisão sobre a relação de direito material, pelo que, não integrando uma decisão de mérito, não poderia dar lugar ao efeito de caso julgado; por outro lado, ao inverso do juízo sobre o fumus boni iuris, está condicionado pelas circunstâncias de facto ocorrentes ao tempo da sua emissão, constituindo um juízo temporalmente limitado. Finalmente, o juízo sobre a adequação da providência cautelar solicitada é um juízo de carácter tipicamente processual (cf. art. 199.º CPC).
O preceito do artigo 387.º-1 do C.P.C. explica-se pela inadequação do conceito de caso julgado à figura da providência cautelar: por ele é proibida a repetição do requerimento de providência quando esta for julgada injustificada ou caducar porque, de outro modo, da não atribuição da eficácia de caso julgado à decisão proferida resultaria a admissibilidade do requerimento de nova providência, ainda que com o mesmo objecto”.
Veja-se ainda os Acs. da Relação de Lisboa de 29/6/2017 (processo nº. 1884-11.2TBCSC-E.L1-6); bem como da Relação do Porto de 17/5/2001 (processo nº. 0130609), e desta Relação de 10/9/2015 (processo nº. 411/14.4T8VCT-A.G1).
Também Miguel Teixeira de Sousa –“Estudos sobre o Novo Processo Civil” 2ª. Edição, Lex, 199, pags. 245-246 -se debruça sobre o tema.
Portanto, tudo está em definir se o âmbito do nº. 4 do artº. 362º, C.P.C., desde logo se ultrapassa os limites do caso julgado, dispensando a identidade da causa de pedir e contentando-se com a identidade das partes e do direito a garantir.
Parece-nos também como correta a posição que entende por “injustificação” a recusa da providência, com ou sem contraditório, como a sua revogação após oposição ou em sede de recurso.
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Voltando ao caso dos autos, na primitiva providência dizia o requerente que “…tal imóvel é o único bem que o Requerente tem, o qual poderia ocupar para aí constituir a sua família, mas é forçado a residir na casa dos pais com todos os inconvenientes dai decorrentes, 23. Uma vez que, conforme se alegou supra, não retira quaisquer rendimentos do imóvel que está na posse ilegítima e reiterada dos requeridos, que lhe permitisse arrendar um outro imóvel para si, e, também não pode habitar no mesmo atendendo à factualidade já supra referida.”
Refere e frisa o recorrente nas alegações de recurso que este é “o único imóvel que este tem, e por querer constituir família, não tendo o aqui Recorrente rendimentos para tomar de arrendamento outro qualquer imóvel.”
Sendo a providência pedida em ambos os apensos a mesma, diz o recorrente que aí está a diferente causa de pedir.
Entendeu o Tribunal recorrido que não é assim já que: “… na decisão final proferida no apenso A foram apreciados os pressupostos de facto invocados pelo requerente, concluindo-se que os mesmos não são susceptíveis de preencher os requisitos para o decretamento da providência requerida, desde logo por se tratar de uma lesão já consumada.
Assim, ainda que o requerente aduza no seu requerimento inicial a actual fase em que se encontram os autos principais, tal não altera a circunstância de a lesão invocada já se mostrar consumada, o que de harmonia com o já decidido no âmbito do apenso A, obsta à procedência da pretensão deduzida no presente procedimento cautelar.
Por outro lado, ainda que o requerente invoque agora factos concretizadores da situação já anteriormente alegada na anterior providência para fundamentar a sua pretensão, designadamente quanto à impossibilidade de habitar o imóvel e aí constituir família (v. os arts. 22º e 23º do apenso A), salvo o devido respeito por diverso entendimento, a causa de pedir invocada na presente providência não poderá deixar de considerar-se como sendo a mesma já alegada na anterior.
Aliás, o douto Acórdão proferido pronunciou-se expressamente, como se referiu já, no sentido de que o facto do requerente não poder ocupar o imóvel para aí constituir família não consubstancia um qualquer prejuízo capaz de alicerçar o direito que pretende ser acautelado.
Assim, a decisão final proferida no apenso A apreciou os fundamentos de facto e de direito invocados pelo requerente, concluindo que os mesmos não preenchem os pressupostos da providência requerida, julgando-a manifestamente improcedente, pelo que tal decisão envolveu necessariamente um juízo de não justificação da pretensão deduzida, integrando assim, salvo melhor entendimento, a previsão do art. 362º/4 do Código de Processo Civil.
Nestes termos, se conclui, sempre salvo o devido respeito por opinião contrária, que a providência ora em análise constitui repetição da providência anteriormente julgada injustificada nos termos decididos no citado apenso A, pelo que a mesma se afigura legalmente inadmissível nos termos de tal normativo legal.
Contudo, ainda que assim se não entendesse, a pretensão ora deduzida pelo requerente sempre não poderá ser apreciada, por a tal obstar o caso julgado, por força da decisão proferida em tal apenso.
Com efeito, em ambas as providências são idênticos os sujeitos, o pedido e a causa de pedir, afigurando-se, salvo o devido respeito por diversa opinião, pelos motivos acima expostos, para o efeito inócuo que sejam alegados factos concretizadores da situação de facto já anteriormente alegada, sendo na sua essência a mesma a causa de pedir que fundamenta ambas as providências.(…)”
Ora, esta apreciação afigura-se no essencial correta, e correta a decisão proferida.
Retomando a matéria relativa à causa de pedir, esta consiste no ato ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, direito que não pode ter existência (e por vezes nem pode identificar-se) sem um ato ou facto jurídico que seja legalmente idóneo para o condicionar ou produzir – o ato ou facto jurídico concreto em que o autor se baseia para formular o seu pedido, de que emerge o direito que se propõe fazer declarar –cfr., entre muitos outros, José Alberto dos Reis, “Comentário ao CPC”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, pag. 369 e 374 e seg.; Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pags. 110 e seg.; Antunes Varela, e Outros, “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1984, pags. 232 e segs. e Lebre de Freitas, “CPC Anotado”, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pags. 321 e segs..
Como se sumariou no Ac. da Rel. do Porto de 9/7/2014 (dgsi.pt) “A causa de pedir corresponde ao conjunto dos factos constitutivos da situação jurídica que o autor quer fazer valer, mas só alguns destes factos –os essenciais- é que servem a função de individualização da causa de pedir, sendo esta que interessa à verificação da exceção de caso julgado.” , ou seja, os que integram a previsão da norma ou das normas materiais que estatuem o efeito pretendido, ou factos principais: artºs. 552º, nº. 1, d), 5º, nº. 1, 574º, nº. 1, e 581º, nº. 4, todos do C.P.C..
Diz-se então que a nossa lei processual civil consagrou a teoria da substanciação.
A causa de pedir, sendo assim reportada a factos concretos, para efeitos de verificação de caso julgado é vista expurgada da sua qualificação jurídica –cfr. o Ac. do STJ de 17/4/2018 (dgsi.pt) que, além de expor também matéria aqui em análise, analisa essa situação. Não relevam as considerações e enquadramento jurídico feitos nas peças processuais, já que as razões de direito que servem de fundamento á ação são matéria independente da causa de pedir (artºs. 552º, nº. 1, d), e 572º b) e c), do C.P.C.).
É precisamente ao nível dos factos essenciais que a repetição de causa de pedir, atenta a “adaptação” deste conceito ao procedimento cautelar comum “supra” analisada, se verifica neste caso concreto: a lesão que consiste na privação e na necessidade de habitação por parte do requerente (na parte que aqui interessa refletir), dando embora aqui mais relevo à vertente da necessidade da habitação (e naquele outro procedimento à vertente relativa à privação do seu valor económico).
No procedimento agora intentado este mais não faz do que concretizar essa necessidade com a alusão a outros factos meramente complementares ou concretizadores dos alegados, conforme resulta da enunciação feita no artº. 5º, nºs. 1 e 2, do C.P.C..
E quais são esses factos aqui introduzidos? A sua situação financeira e o seu projeto de vida.
Aplicando ao caso dos autos, isto tudo significa que entendemos que a presente providência repete (além dos sujeitos e pedido) a mesma causa de pedir que foi analisada na providência que correu sob o apenso A.
E portanto, a situação trazida aos autos não pode ser reanalisada ou reapreciada por força do artº. 362º, nº. 4, já que se trata da segunda providência na pendência da causa principal, tendo a primeira sido julgada injustificada.
E foi assim julgada seja porque se entendeu que a lesão já estava consumada, seja porque se colocou o enfoque da questão num outro ponto de vista da lesão do direito, seja porque está em causa a restituição de um imóvel ao seu dono, e discutindo as partes o título para a sua ocupação por parte dos requeridos, a providência não deve ser decretada (concordando-se ou não com as teses acolhidas).
O que não se pode, por igualmente nesta sede cautelar dever ser preservada a confiança e a segurança jurídicas, é apreciar novamente aquela que é efetivamente a mesma pretensão, e deriva da mesma razão. Os argumentos/fundamentos invocados foram já apreciados, e nomeadamente a necessidade da habitação por parte do requerente (-para além de continuar “a valer” a justificação quanto ao facto de a lesão já estar consumada). Por isso, no Acórdão proferido foi expressamente dito: “… também o facto do requerente não poder ocupar o imóvel para aí constituir família, em vez de ter de residir na casa dos pais, não consubstancia um qualquer prejuízo capaz de alicerçar o direito que pretende ser acautelado. Também na esteira do que foi defendido no Ac. RE de 2.7.98, BMJ, 479, pg. 736, ‘é[É] da essência dos procedimentos cautelares a obtenção provisória de uma tutela para o direito ameaçado, pelo que não é viável e contraria a finalidade conservatória típica dos procedimentos cautelares, pedir a entrega imediata de um prédio, mesmo que se considere ter cessado a relação de arrendamento. Tal não seria menos que executar uma decisão definitiva’. Do exposto resulta que, não se verificando os pressupostos necessários e legalmente exigidos para o decretamento da providência (…)”.
Podemos mesmo dizer que, ainda que se entendesse que a causa de pedir não é exatamente a mesma por se verificar a alusão a uma factualidade que (melhor) justifica a necessidade atual de ocupar o imóvel e a impossibilidade de encontrar solução alternativa, assim se pretendendo ultrapassar a questão da falta de alegação de um prejuízo ou lesão grave e dificilmente reparável, e adotando-se ainda a tese mais maleável na interpretação do nº. 4 da disposição em análise, situamo-nos ainda assim no âmbito da mesma fundamentação de facto, a qual do ponto de vista jurídico já foi valorada e considerada insuscetível de alicerçar a pretensão do recorrente (concorde-se ou não com esse ponto de vista). Diríamos mesmo que este é um daqueles casos que a disposição quis abranger, evitando repetições inúteis e salvaguardando a confiança nas decisões dos Tribunais.
Fica assim prejudicada a questão do princípio da preclusão, e o facto de ele não “vigorar” para o A.. Igualmente torna-se indiferente assumir uma posição mais ou menos ampla na leitura do nº. 4 do artº. 362º, nº. 4, porque o caso dos autos, da maneira como o vemos, estará sempre abrangido pelo impedimento aí previsto.
*
De referir que a perspetiva assumida não viola qualquer preceito constitucional desde logo o invocado artº. 20º, nº. 5, da Constituição da República Portuguesa. A consagração legal das providências cautelares dá cobertura à celeridade e à justiça em tempo útil, mas tal não invalida que as mesmas obedeçam aos pressupostos enunciados, os quais terão de ser aferidos em cada caso concreto.
E por último, não se pode falar de abuso de direito dos requeridos –artº. 334º do C.C., situação que seria de conhecimento oficioso- já que não se aferiu sequer do seu direito. Não tem sentido falar de abuso de direito nesta sede em que os requeridos apenas apresentaram a sua oposição, tendo o Tribunal em ambas as providências concluído sem mais pelo seu indeferimento (liminar) por manifesta improcedência.
*
Por tudo o exposto, entendemos ser de manter a decisão proferida.
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V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negam provimento à apelação e confirmam a douta decisão recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do C.P.C.).
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Guimarães, 16 de dezembro de 2021.
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Os Juízes Desembargadores

Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Fernando Barroso Cabanelas
2º Adjunto: Eugénia Pedro
(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)