Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
910/15.0T8BRG-B.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: DESPEDIMENTO ILÍCITO
RECONVENÇÃO
CONHECIMENTO NO SANEADOR
PODER DISCIPLINAR
REPRESENTANTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
O exercício do poder disciplinar nas escolas particulares e cooperativas compete à entidade proprietária do estabelecimento.

Sendo condição de funcionamento das escolas particulares e cooperativas a existência de uma direcção pedagógica, exercida por pessoa singular ou por órgão colegial, que inclua um representante da entidade a quem haja sido outorgada a licença para a constituição desta, o diretor pedagógico de uma escola católica exercendo singularmente, e devidamente mandatado pela proprietária do estabelecimento como seu representante, pode exercer o poder disciplinar.

O código do trabalho não contém qualquer norma exigindo que a entidade empregadora comunique ao trabalhador a nomeação de instrutor, nem norma sob o modo de delegação do exercício do poder disciplinar.

Se ao trabalhador se colocarem dúvidas sobre a existência ou latitude dos poderes do representante do empregador que subscreve a nota de culpa, deve nos termos do artigo 260º do CC, exigir a prova desses poderes.

Nos termos do nº 4 do artigo 595º do CPC, não cabe recurso do despacho saneador que relega para final a apreciação da questão da caducidade do direito de aplicar sansão disciplinar.

Na ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, e nos termos do artigo 98-L, nº 3 do CPT, pode o trabalhador em reconvenção deduzir os seus créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, independentemente do valor da acção.
Nesta forma processual, por força do disposto nos artigos 98-J, nº 3, c) e 98-L nº 3, 2ª parte, a indemnização por danos não patrimoniais pedida em reconvenção, não tem que se reportar única e exclusivamente aos efeitos do despedimento ilícito.

Este regime afasta-se do regime normal que resulta da conjugação da norma do artigo 30º do CPT com a norma do 266º, 2 do CPC, o que aliás consta expressamente do citado artigo 30º.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

A autora Maria…, intentou a presente ação de impugnação judicial de regularidade e licitude do despedimento, contra Colégio …, Instituição de Ensino Particular e Cooperativo, pedindo que seja declarada a ilicitude do despedimento por justa causa a que a ré procedeu.

A ré apresentou articulado motivador do despedimento e juntou o procedimento disciplinar e os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas.

Na contestação a autora invocou:

Inexistência de processo disciplinar.

- A ré patronal decidiu instaurar processo de inquérito, a 18/6/2014, tendo o instrutor elaborado relatório preliminar no final do mesmo, propondo seja elaborada nota de culpa.

O termo de abertura do PD de 23/6/2014 é assinado pelo instrutor referindo o mesmo:

“ … Aos… no seguimento: - da nota de ocorrência…; - da respetiva instrução para abertura do presente processo disciplinar e – da minha nomeação como instrutor; procede-se à abertura de inquérito para averiguação …”
- Não existe decisão da entidade patronal a promover a abertura do processo disciplinar.
- O instrutor não tinha poderes para tal nem para deduzir nota de culpa.
- O auto de ocorrência surge assinado pelo diretor pedagógico como “empregadora”. Não resulta dos autos qualquer delegação de poderes da ré, Congregação Religiosa …, titular do estabelecimento. Também a nomeação de instrutor do inquerito foi efetuada por quem não tinha poderes para tal.
- Invoca a prescrição do direito do exercício da ação disciplinar, referindo que o procedimento não se iniciou nos 60 dias subsequentes ao conhecimento pela entidade patronal.
- Caducidade do direito de aplicar sanção disciplinar, pelo decurso do prazo de 30 dias para aplicação da sanção.
- A rés respondeu contestando o invocado.
Alega que no dia 18 de Junho de 2014 decide promover a instauração de procedimento disciplinar e procede à nomeação do respetivo instrutor, conforme se verifica da análise do procedimento disciplina. O Diretor da Ré é o Professor J…, sendo que o mesmo exerce o cargo desde agosto de 2009. O Diretor age em representação da entidade titular do Colégio...e como tal como todos os poderes e faculdades inerentes, incluindo o de exercer a ação disciplinar.
- Foi proferido despacho saneador decidindo-se pela não verificação da nulidade invocada, referindo-se que “os vícios que levam à invalidade do processo disciplinar são apenas os que vêm enumerados nas várias alíneas do nº 2 do artigo 382º do Código do Trabalho e não quaisquer outras… Além do mais, contrariamente ao alegado, pela Autora, contém a nomeação do instrutor, que como é evidente, não tem de ser fundamentado. Por isso, está completo.”
- Foi ainda decidido relegar para final a questão da caducidade, referindo-se que; “desconhece-se as datas em que foram proferidos quer o relatório final, quer a decisão de despedimento. Com efeito, nenhuma delas está datada; apenas na comunicação de despedimento, junta pela Autora a fls. 3, consta a data de 27 de Janeiro de 2015. Assim, se se confirmar que aquela inquirição foi, de facto, a última diligência instrutória, o prazo para proferir a decisão de despedimento terminaria no dia 1 de Janeiro de 2015.

Nesta conformidade, não contendo o processo disciplinar todos os dados para melhor apreciar a questão da caducidade do direito de aplicar a sanção de despedimento, relega-se o respetivo conhecimento para a decisão final….”

- A autora no seu articulado requereu perícia médica tendo como objeto provar que o seu estado de saúde se teria agravado com o comportamento da Ré.
- No despacho saneador, considerou-se que ” a única causa que poderia, eventualmente, dar origem a um direito ressarcitório, nesta ação, seria o próprio despedimento, caso se venha a concluir pela respetiva ilicitude. O simples facto de a Ré exercer os seus direitos de entidade empregadora, aplicando – bem ou mal, para o caso tanto faz – o seu poder disciplinar, não confere, sem mais, ao trabalhador o direito a ser indemnizado… a Autora não alega que o seu estado de saúde se agravou por causa do despedimento. Apenas refere que era portadora de doença e que se agravou com o exercício da sua profissão. É o que evidenciam os quesitos que a própria apresenta com o seu requerimento, na parte final da contestação/reconvenção…”, indeferindo-se o pedido por falta de interesse.
***
- Inconformada a autora interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:

1. O Meritíssimo Juiz a quo no douto despacho saneador ora em crise decidiu indeferir a perícia médica requerida pela Autora/Recorrente e tal indeferimento configura ainda uma violação flagrante do princípio do inquisitório, tal qual como consagrado no artigo 411º do Código de Processo Civil porquanto, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer;
2. E esta omissão por parte do Meritíssimo Juiz a quo, pelo facto de influir no exame ou na decisão da causa produz nulidade sobre a referida decisão, nos termos do disposto no artigo 195º do Código de Processo Civil;
3. O douto despacho saneador ora em crise não se pronuncia, concretamente, sobre as nulidades invocadas pela Autora/Recorrente no seu articulado de contestação/reconvenção, a saber: a atuação do Exmo. Sr. Instrutor nomeado com falta de poderes no que respeita à abertura do processo disciplinar e elaboração da nota de culpa e a assinatura do “Auto de Ocorrência” constante de folhas 1 (um) a 5 (cinco) do Processo Disciplinar, junto aos autos pela Ré/Recorrente como documento nº 1, pelo Diretor Pedagógico J…, sob a indicação “Empregadora” e sem que dos autos conste qualquer delegação de poderes da Ré/Entidade Patronal, a saber a Congregação...para tal efeito;
4. O douto despacho saneador ora em crise pronuncia-se sobre a falta de nomeação de instrutor assim como sobre a falta de fundamentação de tal nomeação, factos não invocados pela Autora/Recorrente;
5. O que a Autora/Recorrente alega é que no processo disciplinar não existe qualquer decisão da Ré/Recorrida (entidade patronal) que promova a abertura de processo disciplinar, Nem no referido processo disciplinar existe qualquer decisão que nomeasse o Exmo. Sr. Instrutor para o efeito, entenda-se para a referida abertura do processo disciplinar;
6. A Autora/Recorrente refere que a nomeação do Exmo. Sr. Instrutor surge apenas no âmbito da abertura de inquérito para averiguação e apuramento da eventual responsabilidade da Autora/Trabalhadora, pelo que, o Exmo. Sr. Instrutor nomeado não tinha poderes para abrir o processo disciplinar nem para elaborar a nota de culpa;
7. A atuação sem poderes por parte do Exmo. Sr. Instrutor e com base nos fundamentos invocados não foi apreciada pelo Meritíssimo Juiz a quo, assim como, a inexistência do processo disciplinar também com base nos fundamentos invocados não foi apreciada pelo Meritíssimo Juiz a quo;
8. O douto despacho saneador ora em crise não se pronuncia em concreto sobre as questões suscitadas pela Autora/Recorrente no seu articulado de contestação/reconvenção e indefere as nulidades invocadas com base em pressupostos errados, pelo que, nos termos do disposto na alínea d), do nº1, do artigo 615º do Código de Processo Civil é nulo;
9. O douto despacho saneador ora em crise também não se pronuncia sobre o facto de o já referido “Auto de Ocorrência” constante de folhas 1 (um) a 5 (cinco) do Processo Disciplinar, junto aos autos pela Ré/Recorrida como documento nº 1, surgir assinado pelo Diretor Pedagógico J..., sob a indicação “Empregadora”;
10. Nem se pronuncia sobre o facto dos autos não resultar qualquer delegação de poderes da Ré/Recorrida, a saber a Congregação..., entidade titular do estabelecimento de ensino Colégio..., pessoa coletiva nº ... conforme identificado no contrato de trabalho celebrado, ao referido Diretor Pedagógico para o efeito, sendo certo que o referido J... foi ouvido como testemunha;
11. Mais uma vez, nos termos do disposto na alínea d), do nº1, do artigo 615º do Código de Processo Civil, o despacho em causa é nulo com tal fundamento;
12.Diz-se no douto despacho saneador ora em crise que, conforme determina o nº1, do artigo 357º do Código de Trabalho, o empregador dispõe de 30 dias para proferir a decisão de despedimento, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção. Diz-se ainda no referido douto despacho que se desconhece as datas em que foram proferidos quer o relatório final, quer a decisão de despedimento. Pois nenhuma se encontra datada. E apenas a comunicação de despedimento tem data de 27 de Janeiro de 2015;
13.Porém aquele douto despacho relega o conhecimento da questão da caducidade do direito de aplicar a sanção para a decisão final e com o fundamento de o processo disciplinar não conter todos os dados para melhor apreciar a questão da caducidade;
14.Mas o referido processo disciplinar contém todos os elementos necessários para que seja conhecida a referida caducidade do direito de aplicação da sanção disciplinar pela Ré/Recorrente;
15.São estes os elementos essenciais e conforme referido no douto despacho em apreço: a data da última diligência de prova: 02.12.2014; a data da comunicação do despedimento à Autora/Recorrente a 27.01.2015;
16.Na verdade, a data quer do relatório final quer da decisão do despedimento são irrelevantes, pois que, a comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento é uma declaração recetícia a qual só produz efeitos após chegar ao poder do destinatário, neste caso ao poder da Autora/ Recorrente, pelo que, a única data relevante, a saber o dia 27.01.2015;
17. Nos presentes autos não está em causa a emissão de parecer pela comissão de trabalhadores ou por associação sindical, pelo que, o prazo de 30 dias, dentro dos quais e sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar, deve ser proferida a decisão disciplinar conta-se a partir da última diligência probatória, 02.12.2014;
18.Da factualidade apurada aliás como bem referido no douto despacho ora em crise não restam dúvidas que entre a realização da última diligência instrutória a (02.12.2014) e a prolação da decisão do despedimento (27.01.2015) ocorreram mais de 30 dias, tendo caducado o direito de aplicação da sanção a 01.01.2015, conforme também doutamente referido no despacho em análise;
19.Sendo certo que este período de 30 dias se conta a partir da data em que a decisão do despedimento foi recebida pela trabalhadora (Autora/ Recorrente), pelo que, qualquer outra interpretação igual à que resulta do douto despacho do nº1, do artigo 357º que não seja a que resulte da transcrição supra está errada;
20.Assim e pelo exposto deve dar-se como provado, aliás como referido no douto despacho ora em crise que o prazo para proferir a decisão de despedimento terminou a 01.01.2015, pelo que, a 27.01.2015, data em que a Autora recorrente foi notificada da decisão do despedimento, o direito da Ré/Recorrida de aplicar a referida sanção tinha já caducado;
21.Perante a caducidade do direito de aplicar sanção, a consequência necessária e direta é a invalidade da sanção disciplinar de despedimento, o que torna o despedimento ilícito nos termos do disposto no nº1 do artigo 389º do Código de Trabalho;
22.Adiar o conhecimento desta questão da caducidade para o momento da decisão final, quando o próprio despacho saneador contém já todos os elementos que permitem dar como provada a referida caducidade constitui uma clara violação do princípio da celeridade e economia processual;
23.Submeter a presente questão a audiência, discussão e julgamento, depois de os autos conterem todos os elementos necessários ao conhecimento da caducidade aplicação da sanção trata-se, claramente da prática de um ato inútil e que viola o disposto no artigo 6º do Código de Processo Civil, Por aplicação subsidiária e nos termos do disposto no artigo 1º, alínea a), do Código de Processo Civil e o artigo 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa;
24.Diz ainda o douto despacho ora em crise que:“ A Autora veio requerer a realização de uma perícia para provar que o seu estado de saúde se teria agravado com o comportamento da Ré”(…)“ No caso em apreço, a Autora não alega que o seu estado de saúde se agravou por causa do despedimento.” Apenas refere que era portadora de doença que se agravou com o exercício da sua profissão.”
porém, tal não é o que resulta dos articulados juntos pela Autora/Recorrente aos autos;
25.A Autora/Recorrente refere – tanto no seu articulado de contestação/reconvenção, como no seu articulado de ampliação do pedido: que era (e é) portadora de uma doença; que pelos médicos das várias especialidades e assistentes da Autora/Recorrente foram elaborados vários relatórios médicos com recomendações essenciais à preservação e não agravamento do seu estado de saúde; que a Ré/Recorrida, sua entidade patronal tinha (e tem) conhecimento do estado de saúde da Autora/Recorrente; que a Ré/Recorrida, sua entidade patronal tinha (e tem) conhecimento do teor dos relatórios médicos referidos e das recomendações constantes dos mesmos; que a Ré/Recorrida não seguiu as referidas recomendações médicas no que ao estado de saúde da Autora/Recorrente concerne; que, por esse motivo o estado de saúde da Autora/Recorrente se agravou; que o agravamento do seu estado de saúde se ficou a dever aos comportamentos da Ré/ Recorrente (já descritos nos articulados e infra elencados);que tais comportamentos da Ré/Recorrida se traduziram na violação culposa dos deveres contratuais durante a vigência do contrato de trabalho; que tais comportamentos se traduziram no despedimento ilícito da Autora/ Recorrente;
26.Assim sendo e pelo exposto, verificamos que contrariamente ao vertido no douto despacho saneador, a Autora/Recorrente alega que o seu estado de saúde se agravou por causa do despedimento ilícito do qual foi alvo;
27. Mais alega que, o seu estado de saúde se agravou dada a conduta ilícita e culposa da Ré/Recorrida;
28.Contrariamente ao entendimento vertido no douto despacho ora em crise, o direito a indemnização por danos não patrimoniais, tal qual como reclamado nestes autos pela Autora/Recorrente, não tem que reportar-se única e exclusivamente aos efeitos do despedimento ilícito;
29.Antes, Tal direito a indemnização pode ter - e tem neste caso – também fundamento na violação culposa dos deveres contratuais por parte da entidade patronal, durante a vigência do contrato e conforme já sobejamente alegado pela Autora/Recorrente;
30.Assim sendo, salvo o devido respeito, não podemos concordar com a afirmação, que faz o douto despacho ora em crise que se passa a transcrever: “ Ora, como não se trata nesta ação de verificar os eventuais efeitos de uma doença profissional ou de um acidente de trabalho, concluímos que a requerida perícia não tem qualquer interesse para a apreciação do mérito da presente ação, que tem por objeto apenas a apreciação da regularidade e licitude do despedimento, fixando, porventura, a indemnização é certo de todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados pelo despedimento (…).”;
31. A perícia requerida e indeferida destina-se precisamente à prova dos danos não patrimoniais cujo ressarcimento a Autora/Recorrente reclama;
32.A perícia requerida destina-se a estabelecer o nexo de causalidade entre os comportamentos ilícitos praticados pela Ré/Recorrida, durante a vigência do contrato, causadores de danos físicos e morais à Autora/Recorrente;
33.Também contrariamente ao entendimento vertido no douto despacho ora em crise, os quesitos apresentados quer no final do articulado de contestação com reconvenção, quer no articulado de ampliação do pedido visam estabelecer o referido nexo de causalidade entre os comportamentos ilícitos praticados pela Ré/Recorrida durante a vigência do contrato de trabalho e que agravaram o estado de saúde da Autora/Recorrente;
34.Assim como, visam estabelecer o nexo de causalidade entre o despedimento ilícito da Autora/Recorrente com o agravamento do seu estado de saúde;
35.A resposta às questões formuladas, por se tratar de matéria especializada, apenas pode ser dada por um perito médico;

38.O douto despacho saneador, ao indeferir a perícia médica requerida, por entender que a mesma é inútil, apenas por estar em causa a apreciação e legalidade e licitude do despedimento faz uma apreciação errada da questão, pois que, a indemnização por danos não patrimoniais, tal qual como reclamada nestes autos pela Autora/Recorrente não tem que se reportar única e exclusivamente aos efeitos do despedimento ilícito;
39. Pelo exposto, a prova pericial requerida não é inútil, antes é essencial não ofende as normas processuais, não é impertinente nem dilatória, antes é tempestiva e foi requerida nos termos do disposto no artigo 63, nº1 e no artigo 98º - L, nº 6, ambos do Código de Processo de Trabalho;

41.O indeferimento da realização desta prova pericial, complexa impede a obtenção de uma decisão judicial que aprecie o mérito da pretensão deduzida pela Autora/Recorrente e a verdade material;
42. Este direito à verdade material não deve ser preterido sem mais à Autora/Recorrente, sendo que, este indeferimento da realização da prova pericial constitui uma restrição, inadmissível e desproporcional, ao direito de prova da Autora/Recorrente.

44.Reitera-se, a prova pericial foi requerida no articulado próprio, pelo que, é tempestiva e tendo o Tribunal a quo indeferido a mesma por inútil, com fundamento em pressupostos errados como já se referiu, deve o referido despacho ser revogado e substituído por outro que admita aquele meio de prova, pelo que, a decisão de indeferimento da perícia viola o disposto no artigo 63, nº1 e no artigo 98º - L, nº 6, ambos do Código de Processo de Trabalho;
45.O douto despacho saneador em apreço padece do vício de nulidade por violação do princípio do inquisitório (artigo 411º do Código de Processo Civil) e por omissão de pronúncia quanto a questões que deveria ter apreciado nos termos do artigo 615º, nº1, d) do Código de Processo Civil); Viola o artigo 6º do Código de Processo Civil, por aplicação subsidiária e nos termos do disposto no artigo 1º, alínea a), do Código de Processo Civil; Faz uma errada interpretação do disposto no artigo 357º, nº1 do Código do Trabalho; Viola ainda o artigo 63º, nº 1 e o artigo 98º-L, nº6 do Código de Processo de Trabalho; E o artigo 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa;

Sem contra-alegações.

Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência no que se refere à prova requerida e improcedência quanto ao mais.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.
***
A factualidade relevante é a que resulta do precedente relatório, e ainda:

Consta da Contestação no artigo 240º que o longo processo de despedimento causou sofrimento psicológico à autora, necessitando de se submeter a tratamentos psiquiátricos. Alude no artigo 244º a desgaste psicológico “em virtude do despedimento ilícito de que foi alvo”.

Na ampliação do pedido reconvencional a autora alega em 53º que o despedimento ilícito a colocou numa depressão profunda, e que implicou uma degradação gradual do seu relacionamento com o seu marido, assim como, implicou uma degradação do ambiente familiar. No artigo 88º refere igualmente o despedimento ilícito como causa de um estado de depressão profundo.
- Dos documentos 1 e 2 juntos com a resposta consta a nomeação de J..., como diretor do colégio, bem como representante da entidade titular, conferindo poderes de tratar de todo o quaisquer assuntos em que ela representada seja interessada, e ainda poderes para representar em juízo.
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Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Questões colocadas:

- Nulidades da decisão recorrida por omissão e excesso de pronúncia.
- Erro julgamento quanto à inexistência do processo disciplinar, por atuação do Instrutor nomeado com falta de poderes no que respeita à abertura do processo disciplinar e elaboração da nota de culpa e quanto à assinatura do “Auto de Ocorrência” pelo Diretor Pedagógico J..., sob a indicação “Empregadora” e sem que dos autos conste qualquer delegação de poderes da Ré/Entidade Patronal, a Congregação...
- Não conhecimento imediato da caducidade invocada.
- Indeferimento da perícia médica.
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Vejamos quanto à questão das nulidades da decisão.

Quanto às nulidades refere o artigo 77º do CPT:

1 - A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
2 - Quando da sentença não caiba recurso, a arguição das nulidades da sentença é feita em requerimento dirigido ao juiz que a proferiu.
3 - A competência para decidir sobre a arguição pertence ao tribunal superior ou ao juiz, conforme o caso, mas o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso.

Como resulta dos temros nº 1 do artº 77º do Cod. Proc. Trabalho, a “arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso”. Já assim era no artigo 72º, 1 do anterior CT.

Têm-se referido que esta regra “ é ditada por razões de economia e celeridade processuais e prende-se com a faculdade que o juiz tem de poder sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso (n.º 3 do art. 77º). Para que tal faculdade possa ser exercida, importa que a nulidade seja arguida no requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao juiz e não nas alegações do recurso que são dirigidas ao tribunal superior, o que implica, naturalmente, que a motivação da arguição também conste daquele requerimento.” – Ac. RC de 30/4/2015, www.dgsi.pt, processo nº 949/13.0TTLRA.C1.

Não incluindo a arguição no requerimento de interposição, não pode a questão ser apreciada, por extemporaneidade da arguição da nulidade - cfr., Acórdãos do STJ de 28/1/98, Ac. Dout., 436, 558, de 28/5/97, BMJ 467, 412, de 8/02/2001 e 24/06/2003, estes dois disponíveis em www.dgsi.pt – citados naquele outro acima referido. Vd. Ac. do Tribunal Constitucional nº 304/2005, DR, II Série, de 05/08/2005.

No caso presente a recorrente interpõe o recurso em requerimento logo seguido de alegações. Resulta da parte relativa à interposição de recurso a arguição separada das diversas componentes da decisão de que se recorre, referindo aí, não se conformar com o despacho na parte em que “ julga improcedentes as nulidades invocadas quanto ao processo disciplinar e que implicam a inexistência do mesmo.”

Não se refere nulidades da decisão recorrida, mas sim inconformação com a apreciação feita quanto às nulidade do processo disciplinar que se haviam invocado. Só na parte relativa às alegações se refere nulidade da decisão.
A arguição consta pois do corpo das alegações, e não é invocada no requerimento de interposição. Por outro não bastaria a mera referência à nulidade. Pretendeu-se com tal exigência habilitar o tribunal recorrido a reparar a falta eventualmente cometida, devendo no requerimento de interposição dirigido ao tribunal recorrido, expor-se as razões pelas quais se sustenta a existência da nulidade.

Consequentemente não se apreciarão as invocadas nulidades da decisão recorrida, sem prejuízo de serem apreciadas as questões relativas às nulidades do processo disciplinar.
***
Erro julgamento quanto à inexistência do processo disciplinar, por atuação do Instrutor nomeado com falta de poderes no que respeita à abertura do processo disciplinar e elaboração da nota de culpa e quanto à assinatura do “Auto de Ocorrência” pelo Diretor Pedagógico J..., sob a indicação “Empregadora” e sem que dos autos conste qualquer delegação de poderes da Ré/Entidade Patronal, a Congregação....

Refere a Lei n.º 9/79 alterada pela Lei n.º 33/2012, de 23 de agosto:

Artigo 3º:

1 - Para efeitos desta lei, consideram-se escolas públicas, escolas particulares e escolas cooperativas:

b) Escolas particulares - aquelas cuja criação e funcionamento seja da responsabilidade de pessoas singulares ou coletivas de natureza privada;

2 - As escolas particulares e as escolas cooperativas, quando ministrem ensino coletivo que se enquadre nos objetivos do Sistema Nacional de Educação, gozam das prerrogativas das pessoas coletivas de utilidade pública e, consequentemente, são abrangidas pela Lei n.º 2/78, de 17 de Janeiro.

ARTIGO 7.º

1 - Podem requerer autorização para a criação de escolas particulares e de escolas cooperativas as pessoas singulares ou coletivas que se encontrem nas condições legalmente exigidas.

ARTIGO 10.º

1 - É condição de funcionamento das escolas particulares e cooperativas a existência de uma direção pedagógica, exercida por pessoa singular ou por órgão colegial, que inclua um representante da entidade a quem haja sido outorgada a licença para a constituição da escola.
Por sua vez o artigo 51 do Estatuto Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo de nível não superior - Decreto-Lei n.º 152/2013 –refere:

Remissão

1 - Compete à entidade proprietária do estabelecimento de ensino o exercício do poder disciplinar sobre os docentes, nos termos da legislação disciplinar laboral aplicável.


Saliente-se que o que releva é a entidade jurídica, a pessoa coletiva, que tem a responsabilidade sobre o funcionamento da “escola”, já que esta, entendida no sentido estrito que resulta da lei 9/79, designadamente artigo 3, como “centro” de ministração de ensino, são criadas (pertença) por uma entidade dotada de personalidade jurídica, seja privada seja coletiva, conforme artigo 7º do mesmo diploma.
Quanto às escolas católicas refere a concordata (aprovada para ratificação pela resolução AR nº 74/2004 e ratificada por Decreto PR nº 80/2004):

Artigo 21º

1 — A República Portuguesa garante à Igreja Católica e às pessoas jurídicas canónicas reconhecidas nos termos dos artigos 8º a 10º, no âmbito da liberdade de ensino, o direito de estabelecerem e orientarem escolas em todos os níveis de ensino e formação, de acordo com o direito português, sem estarem sujeitas a qualquer forma de discriminação.

Artigo 10º

1 — A Igreja Católica em Portugal pode organizar-se livremente de harmonia com as normas do direito canónico e constituir, modificar e extinguir pessoas jurídicas canónicas a que o Estado reconhece personalidade jurídica civil.
2 — O Estado reconhece a personalidade das pessoas jurídicas referidas nos artigos 1º, 8º e 9º nos respetivos termos, bem como a das restantes pessoas jurídicas canónicas, incluindo os institutos de vida consagrada e as sociedades de vida apostólica canonicamente erectos, que hajam sido constituídas e participadas à autoridade competente pelo bispo da diocese onde tenham a sua sede, ou pelo seu legítimo representante, até à data da entrada em vigor da presente Concordata.
3 — A personalidade jurídica civil das pessoas jurídicas canónicas, com excepção das referidas nos artigos 1º, 8º e 9º, quando se constituírem ou forem comunicadas após a entrada em vigor da presente Concordata, é reconhecida através da inscrição em registo próprio do Estado em virtude de documento autêntico emitido pela autoridade eclesiástica competente de onde conste a sua erecção, fins, identificação, órgãos representativos e respetivas competências.

Artigo 11º

1 — As pessoas jurídicas canónicas reconhecidas nos termos dos artigos 1º, 8º , 9º e 10º regem-se pelo direito canónico e pelo direito português, aplicados pelas respetivas autoridades, e têm a mesma capacidade civil que o direito português atribui às pessoas coletivas de idêntica natureza.
2 — As limitações canónicas ou estatutárias à capacidade das pessoas jurídicas canónicas só são oponíveis a terceiros de boa fé desde que constem do Código de Direito Canónico ou de outras normas, publicadas nos termos do direito canónico, e, no caso das entidades a que se refere o n. 3 do artigo 10º e quanto às matérias aí mencionadas, do registo das pessoas jurídicas canónicas. Artigo 12º As pessoas jurídicas canónicas, reconhecidas nos termos do artigo 10º, que, além de fins religiosos, prossigam fins de assistência e solidariedade, desenvolvem a respetiva actividade de acordo com o regime jurídico instituído pelo direito português e gozam dos direitos e benefícios atribuídos às pessoas coletivas privadas com fins da mesma natureza.

No caso, como resulta da documentação junta com a resposta, a congregação que criou o colégio mandatou devidamente o diretor pedagógico, cumprindo o disposto no artigo 10º referido. Mas fez mais, mandatou-o para qualquer assunto em que a representada seja interessada. Tendo este consequentemente poderes para em representação daquela ordenar processo disciplinar e decidir o mesmo. Não haveria pois qualquer problema relativamente aos poderes do diretor pedagógico exercidos no âmbito do processo disciplinar.

Contudo a ação foi intentada contra o Colégio.... Ora no caso temos que o Colégio..., Instituição de Ensino Particular e Cooperativo, conquanto criada pela dita congregação, é pessoa coletiva religiosa (canónica?) com personalidade própria. Aliás a autora, como referido, deduziu a ação contra o colégio.

Assim e nos termos da concordata e 58º da L. 16/2001, e D.L. 19/2015 (para as pessoas jurídicas canónicas em cumprimento da concordata com a Santa Sé), de que resulta que a inscrição no registo tem o mesmo efeito de atribuição de personalidade jurídica. Nos termos do artigo 21º as pessoas jurídicas canónicas já constituídas e participadas pelo Bispo da Diocese onde tenham a sua sede, ou pelo seu legítimo representante, à autoridade competente mantêm a sua personalidade jurídica. Para restante pessoas coletivas religiosas vd. D.L. 134/2003. Nos termos da Lei relativa à liberdade religiosa, resulta regime idêntico.

Refere o artigo 33º da L. 16/2001 de 22/6 (LLR)

Artigo 33.º

Personalidade jurídica das pessoas coletivas religiosas

Podem adquirir personalidade jurídica pela inscrição no registo das pessoas coletivas religiosas, que é criado no departamento governamental competente:

a) As igrejas e demais comunidades religiosas de âmbito nacional ou, em sua vez, as organizações representativas dos crentes residentes em território nacional;
b) As igrejas e demais comunidades religiosas de âmbito regional ou local;
c) Os institutos de vida consagrada e outros institutos, com a natureza de associações ou de fundações, fundados ou reconhecidos pelas pessoas coletivas referidas nas alíneas a) e b) para a prossecução dos seus fins religiosos;
d) As federações ou as associações de pessoas coletivas referidas nas alíneas anteriores.

O registo destas processa-se nos termos do D.L. 134/2003 de 28/6, tendo o registo o efeito de atribuir personalidade jurídica – artigo 1º, nº 3, sendo que nos termos do artigo 20º, as confissões religiosas e as associações religiosas não católicas inscritas nos governos civis ou na Secretaria-Geral do Ministério da Justiça em momento anterior ao do início de vigência da Lei n.o 16/2001, de 22 de Junho, conservam a sua personalidade jurídica.

Estando o Colégio … registado como pessoa coletiva religiosa, e o seu diretor dotado de poderes de representação, como já vimos, carece de fundamento o invocado, improcedendo o alegado, podendo o mesmo assinar com a qualidade de representante da entidade e tomar decisões nessa mesma qualidade.

Saliente-se que da missiva enviada a comunicar o despedimento, com o timbre da ré, se mostra assinada pela mesma pessoa, não pondo a autora em causa a qualidade deste enquanto representante daquela.

- Quanto aos poderes do instrutor consta na parte final do auto de ocorrência que dá inicio ao procedimento:

“ Tais factos… constituem infração disciplinar, motivos pelos quais promovemos a instauração de inquérito à trabalhadora Maria … de modo a aferir qual a sua culpa.
Para o efeito nomeamos instrutor do processo o Exmº …”

Em termos gerais pode dizer-se que o procedimento disciplinar envolve quatro fases, acusação, defesa, instrução e decisão. Conquanto normalmente o procedimento se inicie com a acusação, consubstanciada na nota de culta, pode assim não ser em determinadas condições, como o desconhecimento de todos os factos necessários para fundamentar a “acusação”, ou desconhecimento da pessoa do autor, iniciando-se então o procedimento com o inquérito prévio (art. 352.º).

Conquanto o poder disciplinar pertence exclusivamente ao empregador (art. 98.º), o seu exercício, pode ser delegado em terceira pessoa, sendo normal tal ocorrer num superior hierárquico, num colega, num causídico.

O código do trabalho não contem qualquer norma exigindo que a entidade empregadora comunique ao trabalhador a nomeação de instrutor, nem sob o modo de delegação do exercício do poder disciplinar. A nomeação de instrutor segundo alguns não tem que ser por escrito, referindo que “a lei não exige para o contrato de mandato, em geral, a forma escrita.

Para o caso de nomeação como instrutor de um advogado, vd. Ac. RP de 19.10.2012, processo nº 477/11.9TTVRL-A.P1. O TRE de 06.09.2011, processo nº 412/10.1 TTSTB.E 1, considerou que tratando-se de sociedade comercial, a nomeação de instrutor deve ocorrer por procuração com referência específica aos atos que o instrutor pode praticar, nomeadamente, a prolação da decisão.

Tratando-se de delegar poderes para despedir haverá que ter em consideração o disposto no nº 2 do artigo 262º do CC., diz Diogo Vaz Marecos, em, O despedimento por justa causa, referindo que o despedimento seria ineficaz, a menos que o empregador o ratifique.

Como quer que seja, o trabalhador visado pelo processo disciplinar é terceiro em relação ao mandato para execução do poder disciplinar (total ou para atos específicos) que compete à entidade patronal. Se o trabalhador tiver dúvidas quanto aos poderes de representação ou sua latitude, deve solicitar ao instrutor a comprovação dos mesmos, nos temros do artigo 260º do CC. Vd. STJ de 8/11/2006, processo nº 06S2579, disponível na net e TRP 19.12.2012, processo nº 477/11.9TTVRL-A.P1.

É que, estando-se em face de um mandato, em que a autora é terceira, não pode a mesma interpretar a declaração a seu bel prazer, sendo aplicável quanto a si, porque terceira, o disposto no artigo 260º do CC. Se dúvidas tinha quanto aos poderes do instrutor que se apresentou como mandatado, poderia ter solicitado a comprovação dos poderes ao representante e o esclarecimento quanto à latitude do mandato.

A recorrente na resposta à nota de culpa não questionou os poderes de representação, antes partiu do princípio da sua inexistência, interpretando a seu gosto os termos da nomeação, invocando a nulidade da nota de culpa e invalidade (inexistência diz) do processo disciplinar.
Ainda assim, a empregadora esclareceu a questão na carta de despedimento, ainda que por remissão para o relatório final.

Mas vejamos os termos da nomeação:

Na missiva de envio da nota de culpa, assinada pelo “instrutor”, acompanha uma carta em que o “instrutor” refere o direito de apresentar defesa, a “ ser enviada para o escritório do instrutor nomeado…” Mais informa que “ a entidade patronal decidiu suspendê-la preventivamente”.
No relatório final, elaborado pelo “ instrutor”, refere-se em relação a tal questão, “ a fls. 5 … a entidade patronal decide promover a instauração de procedimento disciplinar e proceder à nomeação do respetivo instrutor…”

Na carta enviada pela empregadora, comunicando o despedimento, remete-se para o relatório final, referindo, “ sem prejuízo do relatório final…” Deste modo a ré dá nota de concordância com aquela referência. Ou seja, a nomeação foi para todo o processo disciplinar, não apenas para o inquérito prévio, estando na mente da entidade patronal que o inquérito prévio é só parte do procedimento disciplinar. É o que resulta da referência.

Mas ainda que fosse lícito ao trabalhador interpretar os termos da declaração de mandato, sempre seria de concluir por uma interpretação no sentido da constituição de instrutor para todo o procedimento. Na interpretação há que atentar nas regras consignadas nos artigos 236º ss do CC.

Refere o artigo 236º do CC que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
Voltando aos termos da nomeação, diz-se; “ tais factos… constituem infração disciplinar, motivos pelos quais promovemos a instauração de inquérito à trabalhadora Maria … de modo a aferir qual a sua culpa.
Para o efeito nomeamos instrutor do processo o Exmº …”

Note-se que na nomeação não se refere nomeação de instrutor do inquérito, reproduzindo os termos referidos atrás – “instauração de inquérito”, mas antes “instrutor do processo”, o que aponta no sentido de se pretender a nomeação do instrutor para todos os trâmites processuais relativos quer ao inquérito prévio quer para a acusação e instrução.

A própria lei não refere o inquérito como um processo, mas antes como um procedimento, que segundo opinião com larga aceitação, embora haja quem entenda ser um procedimento meramente interno, faz parte do processo disciplinar. Consequentemente não ocorre a invocada nulidade da nota de culpa nem qualquer invalidade por esta razão do processo disciplinar.
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- Não conhecimento imediato da caducidade invocada.

A recorrente invocou a caducidade do direito de aplicar a sansão, por desrespeito do prazo do nº1, do artigo 357º do CT. Refere que o processo contém todos os elementos necessários, data da última diligência e data da comunicação ao trabalhador, sendo irrelevante a data quer do relatório final quer da decisão do despedimento.

Na decisão considerando-se que a “ caducidade invocada, referindo-se que “desconhece-se as datas em que foram proferidos quer o relatório final, quer a decisão de despedimento. Com efeito, nenhuma delas está datada; apenas na comunicação de despedimento, junta pela Autora a fls. 3, consta a data de 27 de Janeiro de 2015… não contendo o processo disciplinar todos os dados para melhor apreciar a questão da caducidade do direito de aplicar a sanção de despedimento, relega-se o respetivo conhecimento para a decisão final….”

Ora, não cabe recurso do despacho saneador que relega a apreciação de qualquer questão para final, já que apenas cabe recurso da decisão aí proferida que sem por termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos. O nº 4 do artigo 595º do CPC refere expressamente que não cabe recurso da decisão do juiz que por falta de elementos relegue para final a decisão de matéria que lhe cumpra conhecer.

No caso e de acordo com uma das soluções plausíveis da questão de direito, o processo não dispõe de todos os elementos. Sempre pois e por este normativo seria inviável o recurso.
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- Perícia requerida.

A autora requereu perícia médica tendo como objeto provar que o seu estado de saúde se teria agravado com o comportamento da Ré.

No despacho saneador, considerou-se que ” a única causa que poderia, eventualmente, dar origem a um direito ressarcitório, nesta ação, seria o próprio despedimento, caso se venha a concluir pela respetiva ilicitude”. Mais se refere que a autora não alega que o seu estado de saúde se agravou por causa do despedimento, apenas referindo que era portadora de doença e que se agravou com o exercício da sua profissão.

A recorrente sustenta que tanto no seu articulado de contestação/reconvenção, como no seu articulado de ampliação do pedido, refere que era (e é) portadora de uma doença e o estado de saúde se agravou devido a comportamentos da ré em violação culposa dos deveres contratuais durante a vigência do contrato de trabalho. Alegou ainda que tais comportamentos se traduziram no despedimento ilícito da Autora/ Recorrente. Mais refere que contrariamente ao entendimento vertido no despacho recorrido, o direito a indemnização por danos não patrimoniais, tal qual como reclamado nestes autos pela Autora/Recorrente, não tem que reportar-se única e exclusivamente aos efeitos do despedimento ilícito.

Resulta dos articulados que a recorrente assenta o pedido indemnizatório em vários factos, na maioria atinentes ao comportamento da ré durante a execução do contrato, mas apoiando-o também no despedimento ilícito. Assim os artigos 240º e 244º da contestação, e 53º e 88º da ampliação.

Vejamos então a questão.

No caso temos que está em causa o despedimento comunicado por escrito ao trabalhador, correspondendo ao pedido de declaração da respetiva ilicitude a forma processual especial dos artigos 98-B ss do CPT.

Estamos assim perante uma ação especial e urgente tendo em vista apreciar a licitude ou regularidade do despedimento. Imposta saber se só é admissível a dedução de pedidos reconvencionais relativos a créditos resultantes da cessação do contrato de trabalho, os que decorrem da ilicitude do despedimento, ou se outros pedidos podem ser deduzidos.

Refere o artigo 98-L do mesmo diploma:

Contestação

1 - Apresentado o articulado referido no artigo anterior, o trabalhador é notificado para, no prazo de 15 dias, contestar, querendo.

3 - Na contestação, o trabalhador pode deduzir reconvenção nos casos previstos no n.º 2 do artigo 274.º do CPC, bem como para peticionar créditos emergentes do contrato de trabalho, independentemente do valor da ação.

Já a al. c) do nº 3 do artigo 98ºJ refere:
c) Ordena a notificação do trabalhador para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação.

Este regime afasta-se do regime normal que resulta da conjugação da norma do artigo 30º do CPT com a norma do 266º, 2 do CPC, o que aliás consta expressamente do citado artigo 30º, que tem o seguinte teor:

Artigo 30.º

Reconvenção

1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 98.º-L, a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação e nos casos referidos na alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, ou na alínea p) do artigo 118.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal.
2 - Não é admissível a reconvenção quando ao pedido do réu corresponda espécie de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor.

Os termos da reconvenção a deduzir pelo trabalhador são mais amplos que no regime normal. Vd. Ac. RP de 8/6/2017, processo nº 5801/16.5T8VNG.P1, RL de 17/6/2015, processo nº 268/14.5TTLRS.L1-4, disponíveis na net.

A segunda parte a previsão constante do nº 3 do artº 98-L, regime de exceção em relação ao regime normal do artigo 30º, só se compreende como abrindo a possibilidade de a reconvenção poder abarcar outros créditos emergentes da execução do contrato de trabalho. Sobre o assunto Susana Silveira, A Nova Ação de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento, “Julgar”, nº 15, 2011, pag, 92, onde se refere: “prevê-se ainda a possibilidade de a reconvenção abarcar outros créditos, estes agora emergentes da execução do contrato de trabalho ou que sejam exigíveis em razão da sua cessação…”

Para usar a expressão do Ac. RL de 20/11/2013, processo nº 454/12.2TTLTS.L1-4, “ O objeto dessa ação especial só se alarga por vontade ou iniciativa do trabalhador, na sequência da notificação que lhe é feita … podendo aquele se quedar pelos referidos efeitos jurídicos da ilicitude ou irregularidade do despedimento … ou ir mais longe e peticionar outras prestações e créditos laborais, como diferenças salariais, trabalho suplementar, compensação por dias de formação em falta, etc., fazendo-o em sede de reconvenção, que só pelo mesmo pode ser deduzida, conforme ressalta do artigo 98.º-L, número 3…”

Estamos, com este alargamento “na plena consagração do princípio da economia processual, mas muito longe da celeridade e da urgência inicialmente pensadas para esta ação...”, nas palavras de Eusébio Almeida, in A Reforma do Código de Processo do Trabalho e, em Especial, a Ação de Impugnação da Regularidade e Licitude do Despedimento, disponível em https://www.csm.org.pt/ficheiros/eventos/formacao/2010_eusebioalmeida_reformaprocessotrabalho.pdf.

A ré sustenta o pedido relativo a danos não patrimoniais, em circunstâncias relativas à execução do contrato, imputando violação do contrato de trabalho e das normas que o regem à entidade patronal. Assim, na medida em que invoca ação da entidade empregadora em violação do contrato e das normas que o regem, designadamente quando invoca ato discriminatório, dado o que consta do artigo 28º do CT, não pode deixar de se considerar que tal pedido emerge do contrato de trabalho, no caso da sua violação tal como invocado.

Assim e tal como se refere na alegação, nesta forma processual, por força do disposto no os artigos 98-J, nº 3, c) e 98-L nº 3, 2ª parte, a indemnização por danos não patrimoniais não tem que se reportar única e exclusivamente aos efeitos do despedimento ilícito.

Consequentemente requerida a perícia, apenas poderia ser indeferida nos temros dos artigos 6º e 130º do CPC, por dilatório ou impertinente, conforme artigo 476º do CPC. Em termos sintéticos a diligência é impertinente se não respeita aos termos da causa, não for idónea para provar o facto que com ela se pretende demonstrar, ou já se encontrar o facto demonstrado, e é dilatória se as questões colocadas não exigirem conhecimentos especiais.
Não é o caso dos autos, pelo que nesta parte procede o recurso, devendo ser admitida a prova pericial requerida, sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 476º do CPC.
*
DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão que indeferiu a perícia médica requerida, a qual deve ser admitida.
No mais confirma-se o decidido.
Custas pelo recorrente em ¾ e pela recorrida em ¼.


Relator – Antero Veiga
Adjuntos – Manuela Fialho
Alda Martins