Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
289/22.4T8BCL.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: DENÚNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO
DIREITO AO ARREPENDIMENTO
RECONHECIMENTO NOTARIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
O artigo 402º nº1 do CT/2009 exige que o reconhecimento da assinatura do trabalhador seja feito por Notário.
O reconhecimento da assinatura por Advogado não é apto a produzir o resultado previsto pela norma, impedir a revogação da denúncia.
No caso, tratando-se de advogado ao serviço da empregadora, sempre o ato se volveria nulo nos termos do Código do Notariado.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

AA, instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum laboral contra Z... – Sistemas Eletrónicos, Ldª., pedindo que:
           
a) seja declarada a nulidade do reconhecimento presencial da assinatura do Autor aposta na declaração de denúncia do contrato;
b) seja declarada válida e eficaz a revogação da denúncia;
c) subsidiariamente, seja declarada a anulação da declaração de denúncia do contrato, por ter sido produzida mediante coação moral;
d) seja declarada a ilicitude do despedimento do Autor;
e) seja a Ré condenada a pagar ao Autor:
1) € 2.514,83 de indemnização de antiguidade, sem prejuízo do montante que resultar à data do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida;
2) € 1.222,86 a título de retribuições intercalares vencidas desde o dia seguinte ao seu despedimento até à presente data, a que acrescem as que se vencerem até à data do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida;
3) € 395,95 a título de retribuição correspondente ao serviço prestado no mês de outubro de 2021;
4) € 445,67 a título da retribuição do remanescente de férias não gozadas e vencidas no dia 1 de janeiro de 2021, e correspondente subsídio de férias;
6) € 1.486,14 a título da retribuição de férias e respetivo subsídio de férias proporcional ao tempo de trabalho prestado no ano de 2021;
7) € 743,70 a título do subsídio de Natal proporcional ao trabalho prestado no ano de 2021;
8) € 30,50 de juros de mora vencidos;
9) juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, alega, em síntese, que foi contratado pela ré em 06 de abril de 2020 para sob a sua autoridade e direção prestar o seu trabalho de comercial, mediante o pagamento da retribuição base mensal de €955,00 no ano de 2021, acrescida de comissões e do subsídio de alimentação. No dia 30 de setembro de 2021, o A. foi instado pelo gerente da R. para se deslocar à sala de formação onde se deparou com dois advogados, tendo estes lhe comunicado que havia acedido indevidamente à lista de tarefas privadas do administrador do sistema informático da R. e, por força desse alegado ilícito criminal, foi instado a assinar de imediato uma declaração escrita de denúncia do contrato de trabalho. Mais, alega, que nesse momento foi advertido que caso não subscrevesse iria ser instaurado procedimento criminal e disciplinar contra si, com imediata suspensão das funções. Alega que tais imputações eram descabidas pois se tal informação ficou acessível foi devido a erro informático e não por força de qualquer ato intrusivo, mas receoso com a iminência de concretização de procedimento criminal e disciplinar, o A. viu-se obrigado a assinar a declaração escrita de denúncia do contrato de trabalho e a entregar o cartão de cidadão para que a sua assinatura fosse reconhecida por advogado.

Alega, ainda, que no dia 6 de outubro de 2021 o A. revogou tal denúncia mediante carta registada com aviso de receção, tendo em resposta a R. comunicado ao A. que a declaração revogatória da denúncia não cumpria os requisitos legais uma vez que a assinatura da denúncia havia sido reconhecida notarialmente.
Por último, alega que no dia 7 e 11 de outubro de 2021 foi impedido pelo gerente da R. de entrar nas instalações daquela, dizendo aquele que o vinculo laboral já se encontrava cessado. Assim tendo a relação laboral terminado a 11 de outubro de 2021, pede o A. os seus créditos laborais decorrentes do despedimento sem justa causa.
A ré contestou e reconhecendo a existência do contrato de trabalho, as funções exercidas pelo autor e a sua retribuição mensal, bem como a reunião com os Advogados, afirma que o autor violou sistematicamente as instruções e diretrizes da ré e nega que tenha havido qualquer intimidação ou pressão exercida sobre o autor aquando da denúncia do contrato de trabalho.
Mais alega que não tinha interesse nenhum na denúncia do contrato por parte do autor e que o comportamento daquele parece revelar que a sua intenção já era evitar um despedimento por justa causa.
Diz que tendo em conta todos os factos e violações praticados pelo autor sempre se estaria perante um comportamento culposo do Autor.
Além disso, não existiu qualquer coação moral por parte da ré sobre o autor e a denúncia do contrato de trabalho foi reconhecida presencialmente por advogado, sendo por isso a revogação de tal denúncia totalmente inoperante e ineficaz.
Pede, assim, que caso se considere a invalidade e ineficácia da declaração de denúncia do contrato de trabalho, deverá decidir-se pela justa causa para o despedimento, opondo-se a ré à sua reintegração.
Por último, deduz pedido reconvencional peticionando o pagamento de uma indemnização nunca inferior a €60.000,00 e a condenação do autor em abuso de direito e como litigante de má fé.
Por despacho de 17.05.2022, foram considerados inadmissíveis os pedidos formulados pela ré em b), d) e e) e considerada excluída a matéria de facto alegada nos artigos 6 a 64, 94 a 174, 193 a 198 e 206 a 284 da contestação.
*
Realizado julgamento foi proferida a seguinte decisão:

“Pelo exposto, julgo a ação procedente por provada e, consequentemente:
a) declaro ilícito o despedimento do autor AA;
b) condeno a ré Z... – Sistemas Eletrónicos, Lda. a pagar ao autor AA as retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da ação (27.012.2021), à razão de €1.122,86, deduzida dos montantes que o autor tenha eventualmente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e, ainda, do montante do subsídio de desemprego eventualmente auferido;
c) condeno a ré Z... – Sistemas Eletrónicos, Lda. a pagar ao autor AA uma indemnização no valor de €2.865,00, até hoje, sem prejuízo do montante correspondente à antiguidade à data do trânsito em julgado;
d) condeno a ré Z... – Sistemas Eletrónicos, Lda. a pagar ao autor AA a quantia de €395,95, a título de retribuição correspondente ao serviço prestado no mês de outubro de 2021;
e) condeno a ré Z... – Sistemas Eletrónicos, Lda. a pagar ao autor AA a quantia de €445,67, a título de retribuição do remanescente das férias não gozadas e vencidas e subsídio de férias;
d) condeno a ré Z... – Sistemas Eletrónicos, Lda. a pagar ao autor AA a quantia de €1.486,14, a título de proporcionais de férias e subsídio de férias.
e) condeno a ré Z... – Sistemas Eletrónicos, Lda. a pagar ao autor AA a quantia de €743,70, a título de proporcional do subsídio de natal;
sendo todas as quantias acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal de 4% desde o dia .../.../2021 até efetivo e integral pagamento.

Mais se absolve o autor do pedido de condenação como litigante de má fé.
(…)”

Inconformada a ré apresentou recurso com as seguintes conclusões:

I. Não ficou provado o Autor tenha sido alvo de qualquer intimidação ou coação por parte da Ré ou dos seus mandatários, pelo contrário, o próprio Autor declarou que os mandatários da Ré foram cordiais e simpáticos.

III. Salvo o devido respeito por melhor opinião em contrário, andou mal o Tribunal a quo ao concluir que assim sendo, entendemos ser de concluir que o reconhecimento da assinatura do autor na declaração de denúncia reconhecido por advogado não substitui o reconhecimento notarial presencial que a lei exige para tal documento.
IV.A faculdade de os Advogados poderem fazer reconhecimentos presenciais e autenticações resulta expressamente do preâmbulo do o Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março, sendo o objetivo do legislador ao introduzir no ordenamento jurídico tal possibilidade foi o de no domínio da autenticação e do reconhecimento presencial de assinaturas em documentos, permitir que tanto os notários como os advogados, os solicitadores, as câmaras de comércio e indústria e as conservatórias passem a poder fazê-las; logo, e com o devido respeito, que é muito, o entendimento sufragado na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo é contrária à solução consagrada na lei tal como é contrário ao pensamento legislativo, pelo que jamais pode prevalecer.
V. De harmonia com o disposto no artigo 402º do Código do Trabalho, o direito ao arrependimento por parte do trabalhador que denunciou o contrato de trabalho fica precludido quando a declaração escrita de denúncia contenha o reconhecimento notarial presencial da assinatura, feita por qualquer entidade competente para tanto, nomeadamente, feita por advogado. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27-02-2014, processo n.º 43/13.4TTSTB.E1, in www.dgsi.pt)

VIII.Tudo se resume à interpretação da expressão “reconhecimento notarial presencial” inserta no nº1 do artigo 402º do Código do Trabalho.
IX. Se atentarmos ao texto preambular do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de março, retiramos do mesmo o seguinte esclarecimento:
«Em 5º lugar, atua-se no domínio da autenticação e do reconhecimento presencial de assinaturas em documentos, permitindo que tanto os notários como os advogados, os solicitadores, as câmaras de comércio e indústria e as conservatórias passem a poder fazê-las. Trata-se de facilitar aos cidadãos e às empresas a prática destes atos junto de entidades que se encontram especialmente aptas para o fazer, tanto por serem entidades de natureza pública ou com especiais deveres de prossecução de fins de utilidade pública como por já hoje poderem fazer reconhecimentos com menções especiais por semelhança e certificar ou fazer e certificar traduções de documentos».

X.Neste âmbito, consagrou-se no artigo 38º do diploma que, “sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades (…) os advogados (…) podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança (…)”.
Por sua vez o nº 2 do aludido artigo preceitua o seguinte: “[o]s reconhecimentos (…) efetuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial”. (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27-02-2014, processo n.º 43/13.4TTSTB.E1, in www.dgsi.pt)

XII.Ora, por força do artigo 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de março, este regime foi estendido, conferindo-se aos advogados competência para realizarem reconhecimentos simples presenciais, o que é o mesmo que dizer reconhecimentos notariais presenciais, segundo a terminologia utilizada no específico regime que disciplina tal matéria.

XIII.Ora, na interpretação do artigo 402º do Código do Trabalho, teremos de ter em consideração o consagrado no artigo 9º do Código Civil, isto é, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas deve visar reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (cfr. nº1 do artigo 9º).

XVI.Realizando tal tarefa de análise e ponderação, entendemos que deve prevalecer o entendimento de que o reconhecimento notarial presencial da assinatura do trabalhador aposta na declaração de denúncia a que se reporta o referido art. 402.º/1 do C. Trabalho de 2009 pode ser realizado tanto por notário como por advogado (como ainda por solicitadores, câmaras de comércio e indústria e/ou conservatórias), aderindo-se, em absoluto, à fundamentação do suprarreferido Ac. da RE de 27/02/1014…

XVII.E saliente-se que, embora esteja provado que aquando da sua assinatura a Ré não facultou ao Autor cópia da declaração de denúncia e que a Sra. Advogada que fez o reconhecimento prestava e presta serviços à Ré (cfr. factos provados n.ºs 10 e 13), tal factualidade é insuscetível de colocar em causa a validade e eficácia do reconhecimento em causa: por um lado, a comunicação de denúncia é emitida pelo Trabalhador e dirige-se ao Empregador pelo que não se vislumbra qualquer requisito legal que exigia que este dê uma cópia àquele de uma declaração que foi produzida pelo próprio; e, por outro lado, como resulta da lei (Dec.-Lei n.º 76-A/2006, de 29/03), não existe qualquer impedimento de que o reconhecimento em causa não possa ser realizado por um advogado que presta serviços para o Empregador (aliás, o supra referido Ac. da RE de 27/02/1014 incide mesmo sobre um caso em que o advogado que reconheceu presencialmente a assinatura era «advogado da empresa»). (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20-03-2014, in www.dgsi.pt)

XXXI.Termos em que se requer a V. Exas. que, atendendo aos fundamentos supra expostos, seja o presente recurso julgado procedente, e, em consequência, seja a douta Sentença recorrida revogada e substituída por douto Acórdão que determine a validade e a eficácia da declaração de denúncia do contrato de trabalho, improcedendo por não provada a Petição Inicial e absolvendo-se a Ré do pedido.
Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
*
Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 684º, n.º 3 e 690º do CPC o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Importa apreciar a questão da validade do reconhecimento da declaração de denúncia nos termos do artigo 402º do CT, por parte de advogado, que presta serviço à empregadora.

Relativamente a esta matéria pronunciou-se este tribunal no acórdão proferido no processo nº 171/22.5T8BCL.G1, que o ora relator subscreveu como adjunto e que se transcreve em parte:

“…Acresce que o trabalhador tem 7 dias para voltar atrás na sua decisão de rescindir o contrato, devendo comunicar o seu arrependimento por escrito ao empregador (art. 402.º do Código do Trabalho).
O designado pela doutrina «direito ao arrependimento» por parte do trabalhador que denuncia o contrato de trabalho, facultando-se-lhe a possibilidade de revogar essa denúncia.
Essa possibilidade já estava prevista na pela Lei 38/96, de 31.08, cujo art. 1º dispunha que “1. A rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do trabalho sem assinatura reconhecida notarialmente pode por este ser revogada por qualquer forma até ao 2º dia útil seguinte à data da produção dos seus efeitos.”.
Tinha esse direito, nos termos estatuídos na norma, a dupla finalidade de garantir a devida ponderação, pelo trabalhador, das consequências da sua declaração de denúncia, evitando eventuais decisões precipitadas e, por outro lado, minimizar as situações, que frequentemente ocorriam, dos denominados despedimentos dissimulados, em que o empregador, designadamente aquando da admissão do trabalhador, deste obtinha uma declaração de denúncia do contrato, não datada e que, posteriormente, quando entendesse, utilizava para por termo ao contrato de trabalho.
E atualmente a lei continua a consagrar – cfr. art.º 402.º, n.º 1 do CT (Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro) – o direito do trabalhador (que denuncia o contrato de trabalho) ao arrependimento, o qual pode ser exercido no prazo de 7 dias. Confere-lhe, pois, um prazo em que ele, de forma mais refletida e, designadamente, livre que qualquer eventual constrangimento, possa melhor ponderar a sua decisão.
Todavia, em benefício do empregador, a lei introduz uma restrição a esse direito, ao impedir o seu exercício se a assinatura do trabalhador for objeto de reconhecimento notarial presencial. A exigência da intervenção notarial, face, designadamente, à maior solenidade do ato, ao peso institucional e social que a intervenção notarial reveste e à equidistância relativamente a qualquer interesse particular, foi, precisamente, o meio que a lei entendeu ser de exigir, em contrapartida da restrição do direito, como forma de garantir ao trabalhador a necessária ponderação e consciencialização da importância do ato de denunciar o contrato de trabalho.
Tal exigência não visa, apenas, conferir ao empregador a segurança de que, por via do reconhecimento notarial, o trabalhador não venha, mais tarde, a impugnar a sua assinatura, essa exigência é estabelecida também no interesse do trabalhador, na medida em que visa, como contrapartida da eliminação do seu direito ao arrependimento, garantir-lhe a possibilidade de uma adequada e catual ponderação da sua decisão.
Deste forma, e em conclusão, entendemos que o reconhecimento presencial da assinatura da denúncia, pelo trabalhador, do contrato de trabalho feito por advogado não substitui ou dispensa, o reconhecimento notarial (presencial) – neste sentido, cfr. TRC de 08/11/2017, in www.dgsi.pt.

No caso, o A., aos…, na sequência do circunstancialismo descrito na matéria de facto provada, denunciou, por escrito, o contrato de trabalho que mantinha com a ré, havendo a assinatura por si aposta nessa denúncia sido, nesse momento, reconhecida por advogada contratada pela Ré.
Porém, por carta registada enviada à Ré …, o A. comunicou à Ré a revogação dessa denúncia e devolveu-lhe as quantias que lhe tinham sido pagas na sequência da denúncia do contrato de trabalho, por transferência bancária a …, ao que a Ré, se opôs conforme, não aceitando essa revogação e não permitindo que o A. retomasse o trabalho.
Ora, tendo em conta o que dissemos no ponto anterior, o reconhecimento presencial da assinatura do A. na denúncia do contrato de trabalho, porque não foi feita notarialmente, mas perante advogado, não obsta à revogação, pelo A., dessa denúncia, pelo que nada o impedia de a revogar, o que o mesmo fez dentro do prazo legal e devolvendo as quantias que havia recebido.
Assim sendo, carece de fundamento legal a recusa da Ré em aceitar tal revogação, consubstanciando o seu comportamento, ao não permitir que o A. retomasse a sua atividade, um despedimento ilícito porque não precedido de processo disciplinar.”
Concordamos com o entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido, afigurando-se-nos que faz uma correta interpretação do disposto no art. 402.º/1 do CT.
Em abono dessa tese, pensamos justificar-se o aditamento de alguns considerandos tendo até em consideração a ênfase que nas conclusões do recurso a recorrente dá ao argumento da existência de legislação – em particular, DL 76-A/2006, de 29.3 -, que atribui aos advogados competência para realizarem reconhecimentos simples presenciais.

Por sua vez dispõe o artigo 402.º n.º 1 do CT que “O trabalhador pode revogar a denúncia do contrato, caso a sua assinatura constante desta não tenha reconhecimento notarial presencial, até ao sétimo dia seguinte à data em que a mesma chegar ao poder do empregador, mediante comunicação escrita dirigida a este.” (em ambos os casos, sublinhado nosso)
Como sintetizam João Leal Amado e Catarina Gomes Santos, a atribuição ao trabalhador do direito de fazer cessar os efeitos da rescisão, é o “Combate à fraude do empregador e garantia de ponderação para o trabalhador (…)”  [João Leal Amado e Outros, Direito do Trabalho, Relação Individual, Almedina, 2019, pág. 956; embora aquela afirmação conste a propósito do direito de fazer cessar os efeitos da revogação do contrato de trabalho, afigura-se para aqui transponível, veja-se, aliás, o que os mesmos autores escrevem, na mesma obra, e já a propósito da denúncia do contrato pelo trabalhador, a fls 1113.].
A recorrente pretende que “A faculdade de os Advogados poderem fazer reconhecimentos presenciais e autenticações resulta expressamente do preâmbulo do Decreto-lei n.º 76-A/2006, de 29 de março, sendo o objetivo do legislador ao introduzir no ordenamento jurídico tal possibilidade foi o de no domínio da autenticação e do reconhecimento presencial de assinaturas em documentos, permitir que tanto os notários como os advogados, os solicitadores, as câmaras de comércio e indústria e as conservatórias passem a poder fazê-las;”
E nada temos a apontar a tal entendimento.
O que não nos parece acertada é a conclusão que daquela afirmação extrai a recorrente: “logo, e como devido respeito, que é muito, o entendimento sufragado na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo é contrária à solução consagrada na lei tal como é contrário ao pensamento legislativo, pelo que jamais pode prevalecer.

Pois, a ser assim, “(…) fica por explicar por que razão o nosso Legislador, tanto por altura do Código do Trabalho de 2003 como, mais recentemente, em 2009, não redigiu as normas laborais em conformidade com esse regime, adequando a hipótese legal das normas laborais a esse(s) diploma(s). Por outras palavras, se fosse intenção do Legislador permitir aos advogados o reconhecimento da assinatura do trabalhador, então faria sentido que as normas laborais o dissessem claramente o que não veio a acontecer.” [Cf. Victor Hugo de Jesus Ventura, aderindo ao pensamento de Diogo Vaz Marecos, in Questões Laborais, n.º 49, Almedina, pág.s 89/90.]
Não se contesta que o DL 76-A/2006, de 29.3, atribuiu aos advogados competência para fazerem reconhecimentos presenciais – tal resulta claramente do preâmbulo desse diploma legal (Em 5.º lugar, atua-se no domínio da autenticação e do reconhecimento presencial de assinaturas em documentos, permitindo que tanto os notários como os advogados, os solicitadores, as câmaras de comércio e indústria e as conservatórias passem a poder fazê-las. Trata-se de facilitar aos cidadãos e às empresas a prática destes atos junto de entidades que se encontram especialmente aptas para o fazer, tanto por serem entidades de natureza pública ou com especiais deveres de prossecução de fins de utilidade pública como por já hoje poderem fazer reconhecimentos com menções especiais por semelhança e certificar ou fazer e certificar traduções de documentos.), que elucida sobre o conteúdo do seu artigo 38.º, desde logo dos seus n.ºs 1 e 2:

Artigo 38.º
Competência para os reconhecimentos de assinaturas, autenticação e tradução de documentos e conferência de cópias

1 - Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial, bem como certificar a conformidade das fotocópias com os documentos originais e tirar fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação, nos termos do Decreto-Lei n.º 28/2000, de 13 de Março.
2 - Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efetuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial. (…)”

O que já não se nos afigura correto é pretender que um reconhecimento da assinatura presencial do trabalhador no documento de rescisão do contrato de trabalho nesses termos – i. é efetuado por advogado – satisfaça a exigência prevista no n.º 4 do art. 395.º do CT – ou seja, constituir um reconhecimento notarial presencial -, para efeitos de tal reconhecimento obstar ao direito do trabalhador revogar a denúncia do contrato.
Com efeito, o que nos diz o art. 402.º, n.º 1 do CT, em conjugação com o n.º 4 do art. 395.º do CT (para o qual remete, como se viu, o n.º 5 do art. 400.º), devidamente interpretados, é que para que as assinaturas dos trabalhadores nos documentos de rescisão dos contratos impeçam a revogação da denúncia têm de ser “reconhecidas presencialmente perante o notário” [Maria do Rosário Palma Ramalho Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais Almedina, 2006, pág. 799.].
“Na ótica da lei, a realização da assinatura na presença do notário garante a genuinidade e a atualidade da declaração extintiva proferida pelo trabalhador, evitando práticas fraudulentas por parte do empregador e exigindo do trabalhador uma reflexão acrescida, pelo que, em tal situação, o trabalhador não gozará daquele direito potestativo de desfazer o declarado.” [João Leal Amado e Outros, Ob. Citada, pág. 1114.]
Com o devido respeito, e apesar das cautelas previstas na lei, não nos parece assim tão evidente a afirmação contida no douto parecer junto aos autos de que “Os riscos que o legislador teve em conta para inserir o reconhecimento notarial presente no Código do Trabalho nos termos acima referidos não são maiores se se está perante um notário, um advogado ou um solicitador.”
Para além de entendermos que o referido Dec. – Lei não consagrou o reconhecimento notarial por advogados e outros profissionais/entidades, mas sim a competência para (entre outros atos) fazerem reconhecimentos presenciais (que é o que ora está em causa) “nos termos previstos na lei notarial” e com “a mesma força probatória que teria se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial”, a natureza da função notarial torna expectável que seja aí melhor salvaguardado um ambiente de imparcialidade e distanciamento da pessoa que procede ao reconhecimento para com o trabalhador.
Pronunciando-se sobre a possibilidade de serem os advogados a procederem ao reconhecimento em questão, escreve Victor Hugo de Jesus Ventura [ Ob. Citada, pág. 90.] , “(…) estamos em crer que essa possibilidade não deixa de ser perigosa para a genuinidade e transparência do processo: muitas organizações possuem os seus próprios advogados que não têm aquela posição de imparcialidade e distanciamento que é necessária nesta situação. O advogado da empresa, também ele trabalhador dependente desta (ou “avençado), facilita a construção de situações de fraude que este regime pretensamente quer evitar. Daí ser necessária a intervenção de notário ou, como acontecia no regime de 1996, de um inspetor do trabalho (art. 1º, nº 4, da Lei nº 38/96, de 3l de agosto). Aliás, a Relação de Évora já foi confrontada com uma situação em que uma trabalhadora havia escrito e assinado a sua denúncia na presença de um advogado, mas sem que o empregador lhe dissesse que o reconhecimento presencial seria feito posteriormente. O Tribunal considerou, a nosso ver bem, que a retratação posterior do trabalhador seria eficaz”
Como alerta Júlio Gomes, “(…) as regras jurídicas que regem a cessação do contrato por iniciativa do trabalhador devem responder a uma série de preocupações: garantir a liberdade de desvinculação do trabalhador, impedindo que este fique prisioneiro ou refém do contrato, mas, também, assegurar que a resolução ou a denúncia é um ato genuinamente livre do trabalhador e que corresponde à vontade real deste.” [Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra editora, 200, pág. 1039.]  

Nesta senda, também João Leal Amado e Catarina Gomes Santos escrevem

“(…) é claro que a própria intervenção notarial também não deixa de constituir uma outra instância, suplementar relativamente à mera exigência de forma escrita, tendente a evitar comportamentos precipitados por banda do trabalhador.” [Ob. Citada, pág. 958]
Também na jurisprudência, apesar de não ser unânime (como, aliás, resulta da jurisprudência que a recorrente trouxe à colação, e que bem plasmada está na fundamentação e conclusões do recurso) esta posição tem tido acolhimento, como é ex. o Ac. RL de 08-11-2017, Proc. 777/16.1T8TVD.L1-4, e que passamos citar pela qualidade argumentativa que lhe reconhecemos:

«Nos termos do disposto no artigo 9º nº3 do C.Civil, cumpre ter presente que “3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”. O legislador de 2009 (do CT) tinha presente que desde 2006 os reconhecimentos de assinaturas poderiam ser feitos por outras entidades que não Notários. Ademais, o Código do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei 207/95, de 14 de agosto prevê a figura jurídica do reconhecimento notarial no seu artigo 153º, delineando-lhe as espécies: simples ou com menções especiais. E assim sendo, e considerando que se presume que o legislador sabe exprimir o seu pensamento em termos adequados, consideramos que, com o devido respeito por opinião diversa, o legislador, ao manter no artigo 402º do CP a expressão “reconhecimento notarial presencial”, pretendeu efetivamente referir-se à entidade que realiza o reconhecimento ou ter-se-ia referido simplesmente a “reconhecimento presencial”, sem mais.

Transcrevemos aqui, face à sua pertinência, a fundamentação do acórdão da Relação do Porto de 11-07-2011[8], com a qual concordamos, por entendermos que é a que melhor se coaduna com a manutenção da redação do preceito legal, apesar da alteração operada pelo Decreto-Lei 76/-A/2006, de 29/03:

O designado direito ao arrependimento por parte do trabalhador que denuncia o contrato de trabalho, facultando-se-lhe a possibilidade de revogar essa denúncia, já estava prevista na pela Lei 38/96, de 31.08, …
É certo que, aquando da publicação do CT/2003, o reconhecimento presencial da letra e/ou assinatura de documentos era exclusivamente um ato notarial. E que, apenas posteriormente, com o DL 76-A/2006, de 29.03, é que veio a ser conferida aos advogados a possibilidade de efetuarem reconhecimentos simples e presenciais, (…)

Não obstante, e salvo melhor opinião, não se nos afigura que tanto baste para que, nos termos e para os efeitos do art. 449º, nº 1, do CT/2003, se possa equiparar o reconhecimento presencial feito por advogado ao “reconhecimento notarial presencial” previsto nesse art. 449º.
Na verdade, e pese embora, à data do CT/2003, o reconhecimento presencial fosse um ato notarial, a verdade é que a letra da lei, ainda assim, não dispensou a referência à competência “notarial”. Se se poderia dizer, tal como o entende a Recorrida e pressuposto na sentença, que essa referência decorreria apenas da circunstância de os reconhecimentos presenciais serem atos notariais, poder-se-á, na defesa da tese oposta, argumentar que, então e se assim é, escusado seria o legislador ter feito tal menção (pois se os reconhecimentos presenciais simples eram atos praticados apenas pelo notário para quê dizê-lo?).
O que nos parece é que o legislador, não obstante o regime que, à data da publicação do CT/2003, vigorava em matéria de reconhecimento presencial simples de letra e/ou assinaturas de documentos, pretendeu enfatizar a natureza exclusivamente notarial de tal reconhecimento, propósito este tanto mais evidente quanto se tivermos em conta que o CT/2009, no seu art. 402º, nº 1, manteve a exigência do reconhecimento notarial presencial. Ou seja, quando este foi publicado, em 2009, já estava em vigor o DL 76-A/2006, de 29.03, pelo que o legislador, certamente, não desconhecia que a lei permitia que tais reconhecimentos fossem levados a cabo por advogado. E, ainda assim, o CT/2009, no seu art. 402º, nº 1, ao invés de utilizar uma formulação mais ampla (reportando-se tão-só ao reconhecimento presencial da assinatura) caso a sua intenção tivesse sido a de incluir os reconhecimentos feitos por advogado, manteve a exigência do “reconhecimento notarial presencial”
Por outro lado, afigura-se-nos que a ratio do art. 449º do CT/2003 (e 402º do CT/2009) aponta no sentido da competência exclusivamente notarial.
Com efeito, a lei consagra o direito do trabalhador (que denuncia o contrato de trabalho) ao arrependimento, o qual pode ser exercido no prazo de 7 dias. Confere-lhe, pois, um prazo em que ele, de forma mais refletida e, designadamente, livre que qualquer eventual constrangimento, possa melhor ponderar a sua decisão.
Todavia, em benefício do empregador, a lei introduz uma restrição a esse direito, ao impedir o seu exercício se a assinatura do trabalhador for objeto de reconhecimento notarial presencial. A exigência da intervenção notarial, face, designadamente, à maior solenidade do ato, ao peso institucional e social que a intervenção notarial reveste e à equidistância relativamente a qualquer interesse particular, foi, precisamente, o meio que a lei entendeu ser de exigir, em contrapartida da restrição do direito, como forma de garantir ao trabalhador a necessária ponderação e consciencialização da importância do ato de denunciar o contrato de trabalho.
Acresce que a equiparação mencionada no art. 38º, nº 2, do DL 76-A/2006 se reporta aos efeitos probatórios. Ora, parece-nos, a ratio da exigência do reconhecimento notarial prevista no art. 449º do CT/2003 extravasa os efeitos meramente probatórios do documento. Tal exigência não visa, apenas, conferir ao empregador a segurança de que, por via do reconhecimento notarial, o trabalhador não venha, mais tarde, a impugnar a sua assinatura. Com efeito, e como decorre do que acima dissemos, essa exigência é estabelecida não apenas no interesse do empregador, mas também no interesse do trabalhador, na medida em que visa, como contrapartida da eliminação do seu direito ao arrependimento, garantir-lhe a possibilidade de uma adequada e catual ponderação da sua decisão.
A terminar, resta apontar o elemento literal da lei que, indiscutivelmente, se reporta ao reconhecimento notarial.” (sic)
Concordamos inteiramente com esta jurisprudência. São razões de garantia e certeza as que levaram o legislador a decidir manter a redação da norma, apesar de não desconhecer o alargamento da possibilidade de outras entidades levarem a efeito reconhecimentos. Trata-se de evitar, nomeadamente e para o que ao presente caso interessa, que o trabalhador, fortemente pressionado ou mesmo num estado de incapacidade acidental, profira a declaração de denúncia, com assinatura reconhecida pelo Advogado da própria entidade patronal, à semelhança do que aconteceu no presente caso, aliás paradigmático daquelas que foram as precauções do legislador ao manter o pressuposto do reconhecimento notarial da assinatura do trabalhador, para que a declaração produza os efeitos a que se refere o artigo 402º nº1 “a contrario”.
Ora, sendo este o nosso entendimento, e reportando aos factos provados – particularmente sob os n.ºs 3 (quanto à data), 9 e 12, 15, e 7 – só nos resta reafirmar a concordância com o decidido.”
Concorda-se com este entendimento. Aliás no caso sempre haveria que compaginar um conflito de interesses por banda do advogado, já que ao serviço da empregadora, no ato de reconhecimento.
Logo o artigo 1º do Código do Notariado refere no seu nº 2 que “pode o notário prestar assessoria às partes na expressão da sua vontade negocial.” E no artigo 36º “o notário tem deveres de lealdade e de integridade para com os clientes”.
Ainda que se aceitasse em tese a possibilidade neste caso, de reconhecimento por advogado, sempre teria que se considerar aplicável a norma relativa aos impedimentos.
A função notarial destina-se a conferir fé pública aos atos – artigo 1º do CN -, referindo o artigo 3º que os atos praticados no uso da competência de que gozam os órgãos especiais da função notarial devem obedecer ao preceituado neste Código, na parte que lhes for aplicável (nº 3).

Já a norma do artigo 5º refere:
Casos de impedimento
1 - O notário não pode realizar atos em que sejam partes ou beneficiários, diretos ou indiretos, quer ele próprio, quer o seu cônjuge ou qualquer parente ou afim na linha reta ou em 2.º grau da linha colateral.
2 - O impedimento é extensivo aos atos cujas partes ou beneficiários tenham como procurador ou representante legal alguma das pessoas compreendidas no número anterior.
3 - O notário pode intervir nos atos em que seja parte ou interessada uma sociedade por ações, de que ele ou as pessoas indicadas no n.º 1 sejam sócios, e nos atos em que seja parte ou interessada alguma pessoa coletiva de utilidade pública a cuja administração ele pertença.

Sempre resultaria nulo o ato, nos termos do artigo 71º do CN, seu número 1, que refere; “é nulo o ato lavrado por funcionário incompetente, em razão da matéria ou do lugar, ou por funcionário legalmente impedido, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 369.º do Código Civil”. (Realçado nosso).

Improcede a apelação.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão.
Custas pela recorrente.
11-5-23

Antero Veiga
1.º Adjunto: Vera Sottomayor
2.º Adjunto: Maria Leonor Barroso