Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1004/18.2GBBCL.G1
Relator: ANTÓNIO TEIXEIRA
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
FLAGRANTE DELITO
QUASE FLAGRANTE DELITO
ARTº 256º DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/29/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - No Artº 256º do C.P.Penal prevêem-se três situações distintas de flagrante delito: o flagrante delito em sentido estrito – “o crime que se está cometendo”, previsão da 1ª parte do nº 1; o quase flagrante delito – “o crime que se acabou de cometer”, prevista na 2ª parte do nº 1; e a presunção legal de flagrante delito, constante do nº 2 – em que o agente é perseguido ou, mesmo não sendo perseguido é encontrado (já não no local do crime), acompanhado de objectos ou sinais do crime.

II - Ocorre uma situação de quase fragante delito relativamente ao arguido que, conduzindo um veículo automóvel ligeiro de passageiros, foi interveniente num acidente de viação, vindo algum tempo após a ser submetido a realização do teste de detecção de álcool por uma brigada da GNR que acorreu ao local, constatando-se que apresentava uma TAS de 3,382 g/l, razão pela qual foi detido, em consonância com o estatuído no Artº 255º, nº 1, al. a), do C.P.Penal.

III - Nessas circunstâncias, deve o arguido ser submetido a julgamento em processo especial sumário, nos termos do disposto no Artº 381º, nº 1, al. a), do C.P.Penal.
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

1. No âmbito do Processo Sumário nº 1004/18.2GBBCL, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Barcelos, Juiz 2, foi submetido a julgamento, em 15/10/2018, o arguido:
J. F., solteiro, desempregado, filho de … e de ..., nascido em .. de … de 1976, residente na Avenida …, Braga.

1.1. Por sentença então oralmente proferida, foi decidido, de acordo com o dispositivo que consta da respectiva acta, a fls. 35/37 (transcrição 1):

a) Condenar o arguido J. F. pela prática, como autor material, na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, nº1 e 69º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros) perfazendo a quantia de € 420,00 (quatrocentos e vinte euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor durante 5 (cinco) meses
b) Condenar o arguido J. F. no pagamento das custas processuais, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça devida, reduzida a metade, atenta a confissão (cfr. artigos 513º, nº1 e 344º, nº 2, alínea c), ambos do Código de Processo Penal, e 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo do direito a protecção jurídica de que (eventualmente) beneficie.

Notifique, advertindo-se o arguido que no prazo de 10 (dez) dias, a contar do trânsito em julgado da presente sentença, deverá proceder à entrega da sua carta de condução na secretaria deste tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de se, caso não o faça, ser determinada a sua apreensão e de incorrer na prática de um crime de desobediência (cfr. artigo 69º, nº3, do Código Penal, e artigo 500º, nº2, este do Código de Processo Penal).

Notifique-se o arguido para a proibição de conduzir veículos com motor durante 5 (cinco) meses, após o trânsito em julgado da presente sentença, sob pena de incorrer na prática de um crime de violação de proibições, p. e p. pelo artigo 353º, do Código Penal.”.
*
2. Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido interpor o presente recurso, cuja motivação é rematada pelas seguintes conclusões (transcrição):

“I - É nulo todo o processado desde o auto de ocorrência de fls. 4 e seguintes, pois foi empregue a forma de processo sumário, prevista nos artigos 381º e seguintes do Código de Processo Penal, quando a mesma se revelava inadmissível no caso concreto, à luz dos artigos 381º nº1 com remissão para os artigos 255º e 256º.
II - Ressalta dos autos que não houve detenção em flagrante delito, à luz das supra citadas normas, pelo que aquele artigo 381º vedava a aplicação da forma de processo especial sumário.
III - O emprego dessa forma de processo neste caso concreto reclama o regime do artigo 119º al. f), o que acarreta a nulidade de todo o processado desde a autuação dos factos. Por aplicação do artigo 122º nº1 e 2.
IV - Com efeito, ressalta de fls. 4 e seguintes, constando aliás, expressamente “Fora de flagrante delito”. O que vem corroborado a jusante em fls. 6, no relato que descreve a ocorrência.
V - Nem pode dizer-se que esteja abrangido pela parte final do artigo 256º nº1 “ou se acabou de cometer”, mesmo para efeitos do nº 2, 2ª parte pois que os autos de ocorrência e de participação são omissos quanto ao período de tempo que mediou entre a tomada de conhecimento dos factos por parte dos agentes policiais, e a concreta detenção.
VI - Não se conseguindo muito menos descortinar o período que mediou entre a eventual prática dos factos, e o conhecimento por parte dos órgãos de polícia, e entre este conhecimento e a detenção. Arredando qualquer hipótese de detenção que desse azo à aplicação do artigo 381º CPP.
VII - Assim, com a nulidade verificada, são nulos todos os actos desde a remessa para julgamento em processo sumário, inclusive. Pelo que se revela nula e ineficaz a prova produzida, nomeadamente a confissão integral dos factos obtida em julgamento, a que a sentença faz alusão.
VIII - A confissão por parte do arguido tem, aliás e com o devido respeito, de ser considerada inócua pois que, ante o emprego indevido da forma de processo especial Sumário, em circunstâncias em que a mesma se revelava inadmissível, equivale um constrangimento ilegal do direito de defesa do arguido. Pelo que é ineficaz sob pena de violação do artigo 32º nº1 da Constituição da República Portuguesa.
IX - O processo sumário é desenhado na lei processual como uma forma de tramitação mais célere, o que se revela no número de fases e de actos admissíveis e mesmo de prazos e sua contagem, o que é sempre constritor das garantias de defesa do arguido. E por essa mesma razão só se admite à luz dos específicos requisitos do artigo 381º do Código de Processo Penal!
X - Fora da verificação desses requisitos não surpreende, portanto, a inadmissibilidade nem a nulidade expressamente prevista nos artigos 119º al. f) e 122º, em que comina o processado posterior na eventualidade dessa errada aplicação.
XI - Pelo que, dúvidas não podem restar, face à aplicação dos artigos 119º f) e 122º n.ºs 1 e 2 do Código de processo Penal, de que nem a prova produzida em audiência de julgamento pode ser usada por qualquer modo em ordem a resultar na condenação do recorrente.
XII - Assim, por violação do artigo 381º e seguintes e com a nulidade verificada dos actos, fruto da aplicação do artigo 119º al. f) e 122º nºs 1,2,3 todos do Código de Processo Penal, é consequentemente nula a sentença proferida, devendo a mesma ser revogada declarando-se a aludida nulidade. Com a eventual remessa dos autos para a forma própria - comum - que lhes caberá.”.
*
3. Na 1ª instância a Exma. Procuradora Adjunta respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência, rematando a sua peça processual com as seguintes conclusões (transcrição):

“I. Discordamos dos argumentos alinhados no recurso porquanto decorre de fls. 4 a 6 em conjugação com o teor de fls. 8 que havia ocorrido um acidente de viação em que o arguido foi interveniente conduzindo com um taxa de álcool no sangue nos termos em que foi dado como provado.
II. Contrariamente ao que refere o arguido recorrente, efectivamente, conforme decorre do disposto no artigo 256º, nº 1 do CPP “ É flagrante delito todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer”, como é o caso.
III. Neste caso como em outros, os órgãos de polícia criminal deslocam-se ao local onde ocorreu o acidente de viação e procedem entre o mais, nos termos legais, à realização do exame de teste de álcool no sangue aos intervenientes do acidente de viação.
IV. O crime havia acabado de ser cometido. Ocorreu por isso flagrante delito tendo o arguido sido detido e o mesmo acusado pelo MP nos termos legais em processo sumário levando em consideração, entre o mais, o disposto nos artigos 381º, nº 1, al. a) e 256º, nº 1 do CPP.
V. O arguido confessou integralmente todos os factos de que vinha acusado, incluindo a data e hora em que os factos ocorreram e que se encontram descritos no auto de notícia.
VI. Sendo esse o caso, tal como se refere na ata de fls. 35 a 37, a prova dos factos ficou prejudicada considerando-se os mesmos provados.”.
*
4. Neste Tribunal da Relação a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, perfilhando a posição do Ministério Público junto do Tribunal recorrido.
4.1. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Como se sabe, é hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal (2) (3).

Assim sendo, no caso vertente, a única questão que importa decidir é a de saber se enferma de nulidade todo o processo, nos termos do disposto nos Artºs. 119º, al. f) e 122º, nºs. 1 e 2, por ter sido empregue a forma sumária prevista no Artº 381º e sgts., numa situação em que (pretensamente) não houve detenção em flagrante delito.
*
2. Para uma melhor compreensão da questão colocada, e uma visão exacta do que está em causa, vejamos, antes de mais (e ouvida a gravação da sentença oralmente proferida em sede de audiência de discussão e julgamento, conforme prescreve o Artº 389º-A), quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados na decisão recorrida, e bem assim a respectiva fundamentação:

Factos provados

- No dia 2 de Outubro de 2018, por volta das 00H01, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca Volkswagen, com a matrícula LT, na EN 103, ao Km 32, em …, Barcelos, com uma taxa de álcool no sangue de 3,382 g/l;
- Nestas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que era portador de uma taxa de álcool no sangue resultante da ingestão voluntária de bebidas alcoólicas superior a 1,20 g/l, e sabendo também que a sua conduta era proibida e punida por lei;
- O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado;
- O arguido encontra-se actualmente desempregado, mas tem uma perspectiva de trabalho na “…”, como operador de máquinas;
- Vive com a mãe, em casa própria;
- Não recebe qualquer tipo de subsídio;
- Trabalhou durante muitos anos em França, tendo regressado a Portugal no ano de 2004.

Fundamentação:

O Tribunal fundamentou a decisão de facto desde logo nas declarações do arguido, que assumiu esta conduta e reconheceu que nesta altura conduzia este veículo com esta taxa de álcool no sangue, a qual resulta evidenciada também do registo ao teste de despistagem de álcool no sangue de fls. 8;
Teve também em consideração o CRC do arguido junto aos autos;
E ainda as declarações do arguido quanto às suas circunstâncias de vida.
*
3. Como se viu, sem questionar a matéria de facto, o respectivo enquadramento jurídico, e bem assim a pena que lhe foi aplicada, no presente recurso o arguido apenas se insurge quanto à circunstância de ter sido empregue a forma de processo sumária, a qual (na sua perspectiva) estava vedada em virtude de não ter havido detenção em flagrante delito.

Vejamos, pois.

Devendo sublinhar-se, antes de mais, que não deixamos de estranhar que esta questão não tenha sido suscitada desde logo pelo arguido (devidamente assistido pela sua defensora), no início (seria esse o momento próprio para o efeito) ou no decurso da audiência de discussão e julgamento.

Pois, como claramente resulta da respectiva acta, o arguido não manifestou qualquer dúvida ou reparo acerca de forma de processo seguida e só agora, em sede de recurso, numa perspectiva que, salvo o devido respeito, não deixa de responsabilizar a defesa, vem questionar aquilo que, na altura, em acto público, pacificamente aceitou.
Posto isto, há que convocar as pertinentes normas legais aplicáveis ao caso vertente.
Desde logo o Artº 381º, que se reporta às situações em que tem lugar a aplicação do processo especial sumário.

Na verdade, de acordo com o citado preceito legal:

“1 - São julgados em processo sumário os detidos em flagrante delito, nos termos dos artigos 255º e 256º, por crime punível com pena de prisão cujo limite máximo não seja superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso de infracções:

a) Quando à detenção tiver procedido qualquer autoridade judiciária ou entidade policial; ou
b) Quando a detenção tiver sido efectuada por outra pessoa e, num prazo que não exceda duas horas, o detido tenha sido entregue a uma autoridade judiciária ou entidade policial, tendo esta redigido auto sumário da entrega.

2 - São ainda julgados em processo sumário, nos termos do número anterior, os detidos em flagrante delito por crime punível com pena de prisão de limite máximo superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso de infracções, quando o Ministério Público, na acusação, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a 5 anos.”.

Depois, o Artº 255º, atinente à “detenção em fragrante delito”:

1 - Em caso de flagrante delito, por crime punível com pena de prisão:

a) Qualquer autoridade judiciária ou entidade policial procede à detenção;
b) Qualquer pessoa pode proceder à detenção, se uma das entidades referidas na alínea anterior não estiver presente nem puder ser chamada em tempo útil.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, a pessoa que tiver procedido à detenção entrega imediatamente o detido a uma das entidades referidas na alínea a), a qual redige auto sumário da entrega e procede de acordo com o estabelecido no artigo 259.º
3 - Tratando-se de crime cujo procedimento dependa de queixa, a detenção só se mantém quando, em acto a ela seguido, o titular do direito respectivo o exercer. Neste caso, a autoridade judiciária ou a entidade policial levantam ou mandam levantar auto em que a queixa fique registada.
4 - Tratando-se de crime cujo procedimento dependa de acusação particular, não há lugar a detenção em flagrante delito, mas apenas à identificação do infractor.”.

Em terceiro lugar, o Artº 256º, que nos dá o conceito de “flagrante delito”:

“1. É flagrante delito todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer.
2. Reputa-se também flagrante delito o caso em que o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou nele participar.”.

E, finalmente, o Artº 119º, nº 1, al. f), segundo o qual constitui nulidade insanávei, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, o emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei.

Ora, da análise do citado Artº 256º resulta que ali se prevêem três situações distintas de flagrante delito: o flagrante delito em sentido estrito – “o crime que se está cometendo”, previsão da 1ª parte do nº 1; o quase flagrante delito – “o crime que se acabou de cometer”, prevista na 2ª parte do nº 1; e a presunção legal de flagrante delito, constante do nº 2 – em que o agente é perseguido ou, mesmo não sendo perseguido é encontrado (já não no local do crime), acompanhado de objectos ou sinais do crime.

Como ensina Germano Marques da Silva (4), “Flagrante delito é a actualidade do crime; o agente é surpreendido a cometer o crime. No quase flagrante o agente já não está a cometer, mas é surpreendido logo no momento em que findou a execução, mas sempre ainda no local da infracção em momento no qual a evidência da infracção e do seu autor deriva directamente da própria surpresa. Na presunção de fragrante delito o agente é perseguido por qualquer pessoa, logo após o crime, ou é encontrado a seguir ao crime com sinais ou objectos que mostrem claramente que o cometeu ou nela participou”.

Sublinhando o mesmo autor que “Nesta noção de flagrante valoriza-se a circunstância de o agente ser surpreendido na prática do crime ou com sinais que evidenciam a sua participação nele, o que facilita a prova e explica a permissão de detenção imediata por qualquer autoridade, entidade policial ou qualquer do povo e a submissão do agente a processo sumário, quando se verifiquem os demais pressupostos para adopção desta forma de processo especial; há uma relação de simultaneidade entre a actualidade da execução do crime e a sua constatação por terceiro. O quid proprium do flagrante delito consiste na actualidade e evidência probatória” (sublinhado nosso).

No que tange aos pressupostos da aplicação do processo sumário, basicamente está em causa o flagrante delito e a existência de indícios da prática de crime punível com pena de prisão até cinco anos. Sendo certo que, do primeiro decorre a já referida evidência da prova, e o segundo espelha a pequena e média criminalidade a que o processo sumário, enquanto forma processual simplificada – carece, como se sabe, de fase preliminar – a que visa dar resposta rápida e eficaz.

Ora, feitas estas considerações jurídicas, e voltando ao caso vertente, o que evidenciam os autos?

A resposta é simples.

Os autos revelam-nos, da conjugação das declarações do arguido prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, com o auto de notícia de fls. 4/6, com o talão do teste de fls. 8, com o teor da notificação de fls. 17/18, e com o teor do auto de libertação de fls. 19, que o recorrente foi interveniente num acidente de viação quando, no dia 2 de Outubro de 2018, por volta das 0H01, conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca Volkswagen, com a matrícula LT, na EN 103, ao Km 32, em …, Barcelos.

Mais nos revelam os autos que uma patrulha (constituída por dois militares) da GNR de Barcelos acorreu ao local, tendo identificado o ora recorrente e submetido o mesmo ao teste de álcool, o qual acusou uma taxa de álcool no sangue de 3,382 g/l.

Que, nessa altura, o ora recorrente “Foi detido nos termos do artigo 255º do C.P.P., tendo sido constituído arguido nos termos do artigo 58º do C.P.P., sendo-lhe lidos os direitos e deveres constantes do artigo 61º do C.P.P., tendo ainda prestado Termo de Identidade e Residência nos termos do artigo 196º do C.P.P.”, tendo ainda sido “notificado nos termos do artigo 383º, nº 2, do C.P.P, de que tem direito a prazo não superior a 15 dias para apresentar a sua defesa junto do Ministério Público competente e de que pode apresentar até 7 (sete) testemunhas de defesa”.

Que o arguido, ora recorrente, foi notificado para comparecer no dia 02/10/2018, pelas 10H00, nos serviços do Ministério Público de Barcelos, a fim de ser submetido a audiência de julgamento em processo sumário.

E, finalmente, que o arguido, ora recorrente, foi restituído à liberdade pelas 01H00 daquele dia 02/10/2018.

Ora, como se afigura evidente, esta realidade consubstancia, claramente, uma situação de fragrante delito.

Na verdade, de acordo com a factualidade dada como provada (que o arguido não questiona minimamente no seu recurso, e que aliás confessou integralmente e sem reservas, como adiante veremos com maior detalhe), está assente que, naquele dia 2 de Outubro de 2018, por volta das 00H01, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca Volkswagen, com a matrícula LT, na EN 103, ao Km 32, em …, Barcelos, com uma taxa de álcool no sangue de 3,382 g/l;

Ora, tendo em consideração tal facto, ou seja, que o arguido conduzia a aludida viatura, por volta das 00H01, e atendendo a que o teste de álcool a que o mesmo foi submetido tem registadas (cfr. talão de fls. 8), precisamente, as 00H01 desse mesmo dia 02/10/2018, então tal significa que entre o momento da condução do dito veículo automóvel pelo arguido, interveniente no acidente de viação, e a efectivação daquele teste, mediou muito pouco tempo.

Seja como for, isto é, muito embora se desconheça o tempo exacto que mediou entre a ocorrência do sinistro, e a chegada ao local da brigada da GNR, o certo é que os mesmos procederam de imediato à identificação do arguido e bem assim à realização do teste de detecção de álcool, vindo a constatar que o mesmo apresentava a mencionada TAS.

Na verdade, para que se consubstancie uma situação de flagrante delito não se torna necessário que os agentes da autoridade “presenciem” o crime, bastando que procedam à detenção do agente numa situação que, de forma imediata, evidencie a sua relação com o caso, em qualquer das três circunstâncias referidas.

Sendo certo que a lei não define, desde logo, um limite temporal para que se possa considerar que o agente “acabou de cometer” o crime. Supondo, na previsão do nº 1, do citado Artº 256º que o agente seja encontrado no local do crime acabado de cometer e em relação ao qual o agente surge numa relação evidente de autoria.

Foi isso que, manifestamente, ocorreu na situação em apreço.

O recorrente questiona a existência de flagrante delito com base na menção que consta do auto de noticia a fls. 4, quando ali se refere “Proveniência do crime - Fora de flagrante delito”.

Porém, afigura-se-nos que tal menção apenas se ficou a dever a mero lapso do autuante. Pois, como se constata da 2ª página desse mesmo auto de notícia, a fls. 5, ali é expressamente referido que o ora recorrente “Foi detido nos termos do artigo 255º do C.P.P. (...), o que dissipa todas as dúvidas a esse respeito, tornando-se manifesto e evidente que se tratou de uma detenção em flagrante delito.

Ou seja, tendo-se deslocado a patrulha da GNR para o local do acidente acabado de ocorrer, logo que tomou conhecimento do sinistro, onde o arguido se apresentou como condutor de um dos veículos sinistrados, e tendo os elementos da mesma patrulha procedido de imediato ao teste para detecção de álcool no sangue, que revelou uma taxa acima de 1,20 gr./l., e à sua detenção, conclui-se claramente pela existência de flagrante delito.

E estando em causa a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo Artº 292º, nº 1, do Código Penal, de natureza pública, punível com pena de prisão não superior a 5 anos, torna-se inatacável a atitude do tribunal a quo quando lançou mão do processo especial sumário para submeter o arguido a julgamento pelos factos em apreço.

Argumenta ainda o recorrente que a confissão dos factos efectuada na audiência de discussão e julgamento é “inócua pois que, ante o emprego indevido da forma de processo especial Sumário, em circunstâncias em que a mesma se revelava inadmissível, equivale um constrangimento ilegal do direito de defesa do arguido”.

Salvo o devido respeito, não se compreende bem o alcance desta asserção do recorrente.

Efectivamente, como se extrai da respectiva acta (e bem assim da gravação da audiência, que ouvimos integralmente para averiguarmos da factualidade dada como provada pelo tribunal a quo), o arguido confessou integralmente os factos que lhe vinham imputados.

E essa confissão foi feita de forma espontânea e livre, não tendo o arguido sido minimamente induzido e/ou coagido por quem quer que fosse a tomar essa posição.

Por isso, não se vislumbra em que medida, e por que razão, tal confissão, por ter sido efectuada no âmbito da uma audiência de discussão e julgamento em processo sumário, significa um constrangimento ilegal do direito de defesa do arguido. Pois, salvo o devido respeito, não vislumbramos qualquer diferença entre uma confissão dos factos efectuada no âmbito de um processo especial, como o processo sumário, e uma confissão efectuada em sede de um processo comum.

Ademais, convém não olvidar que, mesmo em sede de processo sumário, com uma tramitação mais célere e mais “ligeira” (5) do que a tramitação do processo comum, estão salvaguardas as garantias de defesa dos arguidos, como claramente decorre, v.g., dos Artºs. 383º, nº 2 (que prescreve que, no acto da notificação a que se alude no nº 1, o arguido é informado de que tem direito a prazo não superior a 15 dias para apresentar a sua defesa, o que deve comunicar ao Ministério Público junto do tribunal competente para o julgamento e de que pode apresentar até sete testemunhas) e 387º (que permite, além do mais, o adiamento do início da audiência de julgamento até ao limite de 20 dias após a detenção, sempre que o arguido tiver requerido prazo para preparação da sua defesa).

Sucede que, no caso vertente, o recorrente até utilizou as aludidas prerrogativas legais. Pois, como se alcança de fls. 24, estando presente nos Serviços do Ministério Público de Barcelos no dia 02/10/2018 para ser submetido a julgamento (conforme notificação que lhe fora feita na altura da detenção) o mesmo arguido e o seu defensor requereram o prazo de 10 dias para apresentação de defesa, pretensão essa que foi deferida, tendo sido, então, designado o dia 15/10/2018, pelas 10H00, para apresentação do arguido a julgamento em processo sumário.

Constatando-se que, naquela data realizou-se, efectivamente, a audiência de discussão e julgamento, em cujo âmbito o arguido optou por confessar os factos, nos moldes já referidos, o que teve a consequência a que alude o Artº 344º, nº 2, al. a), devidamente assinalada na acta.

Finalmente, não deixamos de mencionar ser absolutamente incompreensível que se suscite, agora, em sede recursória, a inocuidade ou ineficácia da confissão (integral e sem reservas, repete-se), quando a própria defensora a invocou a favor do arguido em sede de alegações orais, apelando ao tribunal que a tivesse em consideração no momento da escolha e determinação da pena, apelo que, na realidade, o Mmº Juiz a quo veio a acolher.

Em suma, tendo sido correctamente observados todos os critérios estabelecidos na lei, não se verificando a invocada nulidade de emprego indevido da forma de processo sumário, nem a violação de qualquer uma das normas legais invocadas pelo arguido, improcede totalmente o recurso.

III. DISPOSITIVO

Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido J. F., confirmando-se, consequentemente, a sentença recorrida.

Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça (Artºs. 513º e 514º do C.P.Penal, 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Reg. Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo).

(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos - Artº 94º, nº 2, do C.P.Penal)
*
Guimarães, 29 de Abril de 2019

(António Teixeira)
(Nazaré Saraiva)


1. Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator.
2. Ao qual se reportam todas as disposições legais a seguir citadas, sem menção da respectiva origem.
3. Cfr., neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e sgts., e o Acórdão de fixação de jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém actualidade.
4. In “Curso de Processo Penal” Volume II, 5ª Edição Revista e actualizada, 2011, pág. 324/325.
5. Como bem assinala o Exmo. Conselheiro Oliveira Mendes, in “Código de Processo Penal” Comentado, 2ª Edição Revista, 2016, Almedina, “Celeridade e redução das formalidades são (...) características indissociáveis do processo sumário, sem as quais perde sentido esta forma de processo.