Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
104469/18.2YIPRT.G1
Relator: RAMOS LOPES
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS
COMPENSAÇÃO
RECONVENÇÃO
EMPREITADA
INCUMPRIMENTO PARCIAL DA OBRIGAÇÃO
REDUÇÃO DA CONTRAPRESTAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Nas acções em que a reconvenção não é admissível, como é o caso das acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, não deve ao réu ser coarctada a possibilidade invocar a compensação, devendo o seu tratamento ser, nesses casos, o da excepção peremptória.

II. A exclusão do elenco dos factos provados de matéria factual integrante do objecto do processo (v. g., de factos essenciais da defesa apresentada pela ré) importa deficiência que pode (deve) ser suprida pela Relação estando à sua disposição todos os elementos probatórios produzidos pelas partes sobre a matéria em questão (mormente quando em audiência de julgamento a discussão se centrou na matéria alegada na oposição).

III. O envio de nota de crédito concernente a trabalhos que não tinha realizado, constitui comportamento concludente, declaração tácita de incumprimento (parcial) por parte da autora, empreiteira, perante a ré, dona da obra, equiparável a uma declaração expressa de idêntico conteúdo e sentido negocial, evidenciando o propósito firme e definitivo de não cumprir.

IV. O incumprimento parcial imputável ao devedor faculta ao credor o direito à redução da contraprestação a seu cargo – redução que terá em vista encontrar o equilíbrio, correspectividade e equivalência entre as prestações das partes, por forma a que a prestação de um tenha (de acordo com a valoração das próprias partes no momento da celebração do negócio) reflexo na prestação do outro.

V. O valor da contraprestação deve, depois de reduzida, ficar corresponder, dentro da própria valorização feita pelas partes no momento em que acordaram inicialmente, ao valor da prestação efectuada e não afectada pelo incumprimento.

VI. A redução deve retirar da contraprestação a haver pela parte incumpridora a porção que nela constituía o correspectivo da prestação deixada de cumprir – não o que o credor eventualmente veio a despender para obter, com o concurso de terceiro, a satisfação do interesse (parcialmente) incumprido (a realização da parte da obra não realizada pelo devedor inadimplente), sim a parte da prestação (do preço) que na economia do contrato correspondia à parte obra não realizada.

VII. Tendo a autora, no decurso dos trabalhos, danificado bens do dono da obra, constituiu-se na obrigação de indemnizar – indemnização que corresponderá (por se impor a restauração natural - art. 566º, nº 1 do CC) ao valor da reparação.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães (1)
Apelante (ré): A. M.
Apelada (autora): FR. – Restauros de Edifícios, Unipessoal, Ldª

Juízo local cível de Guimarães (lugar de provimento de Juiz 3) - Tribunal Judicial da Comarca de Braga
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FR. – Restauros de Edifícios, Unipessoal, Ldª, instaurou procedimento de injunção para haver de A. M. a quantia global de 5.478,86€, correspondente a capital (5.248,00€), juros de mora vencidos (128,86€) e taxa de justiça paga (102,00€), sustentando a pretensão alegando ter sido contratada para, no âmbito da sua actividade, prestar à demandada serviços de construção civil, discriminados em facturas que identifica, cujo preço a ré não pagou, tendo para tanto sido interpelada.

Deduziu oposição a ré.

Alegando terem as partes celebrado um contrato de empreitada relativo a obras que especifica, a realizar num pavilhão, no valor global de 16.650€, acrescido de IVA, invocou: i) não ter a autora realizado três dos trabalhos acordados, os quais viriam a ser prestados por outra entidade a quem a requerida pagou 2.500,00€, ii) ter-se a autora atrasado nos trabalhos realizados, o que determinou atraso na montagem de máquina industrial cujo transporte fora já fretado e cobrado, no valor de 1.500,00€, iii) ter a autora durante os trabalhos provocado danos em bens (chapas e portão), cuja reparação ascendeu a 1.750,00€. Contabilizando em 5.750,00€ o valor dos prejuízos sofridos, excepciona a compensação dos créditos, sustentando que apesar da injunção ter valor inferior a 15.000,00€, deve ser-lhe reconhecida a possibilidade de invocar a compensação por via de excepção, sob pena de lhe ser coarctado importante meio de defesa. Concluiu a sua peça pela extinção do reclamado crédito da autora por via da compensação ou, assim não sendo entendido, se declare não exigível a quantia de 2.500,00€ de trabalhos não efectuados.

Findos os articulados, após realizado o julgamento – onde, em cumprimento do contraditório (art. 3º, nº 4 do CPC), a autora se pronunciou sobre a matéria alegada na oposição, sustentando não ter a factualidade alegada fundamento válido e não ser admissível a invocação da compensação – foi proferida sentença que:

- considerou (deixando por isso de se pronunciar sobre a matéria de facto a propósito alegada pela ré) não ser admissível a invocação da compensação, por entender dever a mesma ser deduzida por via reconvencional, o que no caso não foi nem poderia ser feito, dado a forma processual não admitir o pedido reconvencional (admitindo tão só a relevância da matéria que poderia considerar-se como integrando a excepção do não cumprimento, alegada nos artigos 11º e 12º da contestação),
- julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar à autora a quantia de 2.770,00€ (dois mil setecentos e setenta euros), acrescida de juros e a quantia que se liquidar em incidente de liquidação relativamente ao valor unitário de cada um dos serviços que identifica na alínea h) dos factos provados, até ao limite de 1.928,00€ (mil novecentos e vinte e oito euros).

Irresignada, apela a ré, pugnando pela revogação da sentença, extraindo da motivação as conclusões que se transcrevem:

1. A recorrente, na sua petição de oposição à injunção, alegou ser credora da recorrida pelo montante de 5.750,00€ correspondente ao valor da sua factura nº 1/5, que juntou aos autos, proveniente do incumprimento ou do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada entre ambas celebrado e pretendendo que fosse operada a compensação do crédito que lhe foi reclamado pela recorrida, até àquele montante.
2. Alegou, para tanto, que não comportando o procedimento a possibilidade de dedução de reconvenção (uma vez que o valor da acção é inferior a 15.000,00€), deveria ser-lhe permitido – sob pena de grave limitação aos seus direitos de defesa – operar aquela compensação por via de excepção, suportando essa sua pretensão, a título meramente exemplificativo, nos arestos que citou - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo 12373/17.1YIPRT-A.C1, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 147667/15.5YIPRT.P1.S2, ambos em www.dgsi.pt.
3. A negação desse direito de defesa à demandada obriga-a a ter que satisfazer o crédito reclamado pela recorrida e a posteriormente instaurar nova acção contra a mesma com todos os riscos daí advenientes, nomeadamente, o risco de insolvência desta.
4. A douta sentença recorrida indeferiu-se essa pretensão, entendendo-se que nos termos do disposto no artigo 266º nº 2 al. c) do C.P.C., só poderia ser operada a compensação por via de reconvenção, o que, atenta a forma e o valor do presente processo, não é admitido.
5. Acontece porém que a norma processual citada se reporta aos trâmites da acção declarativa comum, não contemplando o caso específico dos procedimentos de injunção.
6. Sendo certo que estes são – ou pretende-se que o sejam – procedimentos simplificados de cobranças de dívidas emergentes de contratos, não é menos certo que coartar ao demandado a possibilidade de defesa, e obrigando-o a satisfazer a quantia exigida e a propor uma (ou várias) novas acções é, além de injusto, gerador de mais litigância judicial, que é o contrário do que se pretendeu ao implementar o regime da injunção.
7. Aliás, os arestos nos quais a recorrente se apoiou para suportar o seu pedido são proferidos em processos posteriores ao Código de Processo Civil de 2013 e foram produzidos já no domínio desta legislação.
8. Tal como referido no citado Acórdão da Relação de Coimbra, “a al. c) do nº 2 do artigo 266º do CPC apenas diz que a compensação é admissível como fundamento da reconvenção e não que a compensação só possa ser feita valer por esse meio; (…) a compensação opera por mera declaração unilateral de uma das partes à outra (nº 1 do artigo 848º CC) tendo os créditos eficácia retroactiva ao momento em que os créditos se tornaram compensáveis (artigo 854º do CC); (…) em processo onde seja vedada a dedução de reconvenção – como é o caso dos presentes autos -, ao réu terá de ser facultada a possibilidade de invocar a compensação por via de excepção, sob pena de lhe ser coartado um importante meio de defesa”.
9. Tal como referido no Acórdão do STJ citado, “inexiste motivo de justiça material que justifique o tratamento desigual que se consubstancia em admitir a reconvenção em procedimento de injunção instaurado por comerciante contra um outro comerciante e destinado à cobrança de quantia de valor superior a metade da alçada da Relação, mas em rejeitá-la em procedimento de injunção destinado à obtenção do pagamento de importâncias de valor inferior; (…) pretendendo a ré exercer o direito à compensação de créditos (e assim deixar de suportar, pelo menos em parte, o risco de insolvência da contraparte), a rejeição da reconvenção perfila-se como um prejuízo não menosprezável para aquela, cabendo, por outro lado, que não esquecer que o legislador civil facilita a invocação daquela forma de extinção das obrigações e que a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da Justiça”.
10. Deste modo e na esteira do que ficou defendido nos citados arestos, deveria ter sido concedido à recorrente o direito a invocar a compensação e a fazer a prova do seu contra-crédito, pelo que a douta sentença merece censura, devendo ser revogada e substituída por outra decisão que o permita.
11. Tanto mais que, como adiante se procurará demonstrar (em sede de revisão da prova gravada), resultou claramente da prova produzida – inclusivamente, pelos depoimentos do próprio legal representante da recorrida e das testemunhas desta – que o crédito invocado pela recorrente existe e é exigível e, por consequência, susceptível de compensação.
12. É certo que douta sentença recorrida entendeu que “a alegação constante dos arts. 11.º e 12.º da oposição (mas apenas esta) releva na medida em que poderá entender-se fundar a mesma a exceptio non adimpleti contratus”, admitindo-a.
13. Porém, a verdade é que tal entendimento, como acima se procurou evidenciar, é redutor e gravemente prejudicial à defesa da recorrente, devendo, em consequência, a douta sentença ser revogada e substituída por outra que admita a compensação invocada por via de excepção.
14. Acresce que tal tomada de posição apenas veio a ser expressa na douta sentença; por esse motivo, o julgamento abrangeu toda a matéria de excepção invocada pela recorrente na sua petição de oposição, pelo que estará este Venerando Tribunal habilitado a conhecer de toda essa matéria, caso venha a entender ser de sufragar a tese da recorrente.
15. A recorrente pretende a revisão da prova gravada e a consequente alteração da matéria de facto, pelos motivos que melhor ficaram explanados na parte alegatória da presente peça processual e que aqui se dão por reproduzidos, e nomeadamente:

- Que sejam dados como provados os factos constantes dos pontos 1.2.b) e 1.2.c) do elenco dos factos não provados;
- Que seja considerado como valor a abater pela não realização das duas casas de banho (cfr. facto provado 1.1.e)) o de 1.500,00€ e não os 1.100,00€ que a sentença recorrida considerou;
- Que na medida da admissão da compensação do contra-crédito da autora, tal como requerido, sejam dados como provados os seguintes factos, sobre os quais foi produzida prova em audiência de julgamento:
= As obras destinavam-se a dotar o pavilhão das condições necessárias a receber uma máquina de embalamento de fruta que a oponente havia adquirido em Huelva, Espanha e que deveria ser transportada para Portugal e entregue e montada naquele local até ao dia 31 de Maio de 2018 (artigo 6º da petição), sendo que a autora não cumpriu o prazo acertado para a conclusão da obra.
= A intervenção em obra da autora apenas cessou em Junho de 2018, ultrapassando o prazo estipulado em 86 dias, muito além do prazo de 90 dias estipulado no contrato de empreitada, sendo certo que esse atraso não é imputável à dona da obra, mas tão-só à autora (artigos 6º, 8º, 9º e 10º da p.i.).
= A requerente, durante os trabalhos, danificou diversas chapas que se encontravam no local da obra e que eram pertença da oponente, chapas essas que tiveram de ser substituídas e pagas pela oponente, no valor de 750,00€ e, além das chapas, foi também danificado o portão, cuja reparação orçou em 1.000,00€ e teve de ser igualmente suportada pela oponente (artigos 12º a 16º da p.i.).
= Devido ao atraso na obra, o fornecedor da máquina de embalar não pôde proceder à sua entrega e montagem no prazo combinado, o que originou a anulação do transporte que já havia sido fretado e que veio a ser cobrado, cujo montante ascendeu a 1.500,00€ e que a oponente foi forçada a pagar àquele (artigos 17º e 18º da p.i.).
= Os prejuízos suportados pela oponente em virtude da conduta contratualmente inadimplente da requerente ascendem à quantia de 5.750,00€ montante pelo qual aquela é credora desta (artigos 19º e 26º da p.i.); a oponente comunicou atempadamente à requerente todos estes prejuízos e informou-a de que iria proceder à emissão da correspondente factura, o que fez, chegando a propor-lhe a compensação recíproca de créditos, o que esta não aceitou (artigos 20º e 21º da p.i.)
16. Da alteração da matéria de facto resulta que o contra-crédito da recorrente sobre a recorrida, no montante de 5.750,00€ ou outro que vier a ser considerado mais doutamente por este Venerando Tribunal, deverá ser compensado com o crédito da recorrida até ao montante deste, tal como peticionado, extinguindo-se este.
17. Foi violado o disposto no artigo 4º do C.P.C.

Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Da delimitação do objecto do recurso

Considerando, conjugadamente, a sentença recorrida (que constitui o ponto de partida do recurso) e as conclusões das alegações (por estas se delimita o objecto dos recursos, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso - artigos 608º, nº 2, 5º, nº 3, 635º, nºs 4 e 5 e 639, nº 1, do CPC), as questões a decidir reconduzem-se a apreciar:

- da admissibilidade de invocação da compensação por via de excepção, por a forma de processo não admitir a dedução de pedido reconvencional,
- da pretendida alteração da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto, incluindo a consideração de matéria de facto alegada que não foi objecto de decisão na primeira instância,
- da extinção do reclamado crédito da autora por via da compensação – e bem assim a pretensão de redução da contraprestação a cargo da ré por incumprimento parcial da autora.
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FUNDAMENTAÇÃO
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Fundamentação de facto

Na sentença recorrida consideraram-se:

Factos provados

1. Autora e ré acordaram em que a primeira realizaria as seguintes tarefas no pavilhão sito na Rua …, Guimarães:

- ‘Nivelar terreno para abrir sapatas para apoio às vigas de ferro,
- Na cinta levará um muro até ao nível da estrada,
- Fornecimento e aplicação no chão do pavilhão de tabena, malha sol e 10 a 12 cm de betão polido,
- No andar inferior será feito duas casa-de-banho com base na casa-de-banho masculina,
- Limpeza e colocação de todo o entulho em vazadouro.’
b) Autora e ré acordaram como preço global de realização das tarefas enumeradas em a) o de 16.650€, a que acresceria IVA à taxa legal em vigor.
c) O preço mencionado em a) seria pago: 7.492,50€ no início da obra; 5.827,50€ a meio da obra; e 3.330€ no final da obra.
d) Lê-se na cláusula 5.ª do documento que corporiza o acordo referido em a), epigrafada ‘Prazos de execução’:
‘1. O prazo contratual para a execução dos trabalhos é o seguinte:
A) Início dos trabalhos:
B) Termo dos trabalhos: após noventa dias (excepto em causa de mau tempo poderá alargar o termo da mesma).’
e) A autora não construiu qualquer casa-de-banho.
f) Em 02.05.2018 a autora emitiu a factura n.º 5/2018, vencida nesse mesmo dia, no valor de 3.870€, referente a ‘Fornecimento e aplicação de pavimento em betão polido numa área de 300 m2.’, mencionado em a).
g) Em virtude do referido em e) e por conta da factura identificada em f) a autora emitiu a favor da ré. a nota de crédito n.º 1/2018, no valor de 550€.
h) Para além dos serviços mencionados em a), a autora:
- Forneceu e aplicou uma caixa para baixadas eléctricas;
- Aumentou a parede de blocos;
- Ceresitou as paredes de encosto à terra com produto negro e um tubo de drenagem com brita;
- Areou duas fiadas de blocos na parte de fora;
- Forneceu e aplicou roofmate de 3 cm antes da betonilha numa área de 75 m2;
- Forneceu e aplicou 24 m de tubos em PVC para saneamento de águas na parte da frente das câmaras frigoríficas.

Factos não provados

A) Que para além dos serviços mencionados em a) dos factos provados a autora tenha igualmente areado parte das paredes internas do pavilhão.
B) Que nos serviços identificados em a) dos factos provados se incluíssem:
- Cimentar/arear as paredes interiores;
- Colocação de revestimento exterior das paredes e sua cobertura com terra.
C) Que a ré tenha procedido ao pagamento das quantias de 7.492,50€ e de 5.827,50€ referidas em c) dos factos provados.
D) Que a autora e a ré tenham acordado no preço de 1.928€ para a realização das tarefas enumeradas em h) dos factos provados e A) dos factos não provados.
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Fundamentação de direito

A. Da admissibilidade da invocação da compensação por via de excepção (2).

Decorre dos números 2 e 4 do artigo 10º do DL 62/2013, de 10/05 (diploma que estabelece medidas contra os atrasos no pagamento de transacções comerciais e transpõe a Directiva nº 2011/7/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16/02/2011) que a dedução de oposição ao procedimento de injunção determina a remessa dos autos para o tribunal competente, i) aplicando-se a forma do processo comum, tratando-se de valores superiores a metade da alçada da Relação (3) ou ii) os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, tratando-se de valores não superiores a metade da alçada da Relação.
Com base em tal regime normativo sustenta-se que a admissibilidade da reconvenção fica circunscrita aos casos em que o valor a pretensão do requerente é superior a metade da alçada da Relação (4) – só em tais casos o processo segue, com a dedução da oposição, a forma do processo declarativo comum, estando assim possibilitada a dedução da reconvenção. Na situação inversa, seguindo o processo os trâmites das acções especiais destinadas ao cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato – regime processual estabelecido no anexo ao DL 269/98, de 1/09, que admite a dedução de apenas dois articulados –, a possibilidade de dedução de reconvenção está afastada (a tramitação especial a observar – art. 549º do CPC – prevendo tão só dois articulados, é incompatível com a reconvenção, pois esta prevê que a tramitação da causa permita a réplica, para que o reconvindo possa deduzir a defesa que lhe aprouver).
Tal entendimento tem na base o argumento de que o valor da acção subsequente ao procedimento de injunção se determina nos termos do art. 18º do DL 269/98, de 1/09, correspondendo pois ao pedido formulado.
Porém, mesmo considerando entendimento diverso quanto ao momento e regras para a fixação do valor em situações como a dos autos – mormente o entendimento adoptado pelo STJ em revista admitida nos termos do art. 672º, nº 3 do CPC, com argumentos cuja validade se nos afigura indiscutível (5) – e, assim, que o valor a atender seria fixado de acordo com as regras dos artigos 299º e seguintes do CPC (que o art. 10º, nº 2 e 4 do DL 62/2013, de 10/05, não afasta, pois que a partir do momento em que seja deduzida oposição com reconvenção ao procedimento de injunção este adquire cariz jurisdicional), cabendo adicionar o valor do pedido formulado reconvencionalmente ao valor do pedido formulado em via de acção (se fossem distintos e na medida em que o fossem), sempre a solução do caso redundaria em considerar que o valor da causa seria inferior a metade da alçada da Relação (atento o valor assim encontrado – a soma do valor do pedido formulado em via de acção, de 5.478,86€, e do pedido que seria formulado em via de reconvenção, correspondente à totalidade da invocada compensação, de 5.750,00€) e assim que a forma de processo aplicável seria a das acções especiais destinadas a obter o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato (art. 10º, nº 2 e 4 do DL 62/2013, de 10/05).
Por isso que na situação dos autos, considerando que o valor da causa (mesmo tomando em conta o valor a atribuir à reconvenção que poderia ser formulada pela ré em vista de deduzir por essa via a compensação nos autos invocada por via de excepção) é inferior a metade da alçada da Relação, os trâmites jurisdicionais a observar são os estabelecidos no regime processual estabelecido no anexo ao DL 269/98, de 1/09, para as acções especiais destinadas a obter o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, onde se admite a dedução de apenas dois articulados, o que afasta a possibilidade de dedução de reconvenção.
Assim que, numa primeira abordagem, se possa concluir pela inadmissibilidade da dedução de reconvenção e, por via disso, pela impossibilidade legal (art. 266º, nº 2 c) do CPC) da contestante invocar a compensação – como considerado na decisão recorrida.
Entendimento contra o qual se insurge a apelante – e cremos com razão, face aos argumentos que passamos a expor.

Como refere Miguel Teixeira de Sousa (6), o regime de alegação da excepção peremptória da compensação nas espécies processuais que não admitam articulado de resposta do autor à contestação (como é o caso das acções especiais destinadas ao cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato) é problema com alguma importância porque, como no CPC vigente se consagrou que a compensação deve ser alegada por via de reconvenção (art. 266º, nº 2, al. c), CPC), formou-se na jurisprudência a orientação de que nas acções em que não esteja previsto um articulado de resposta do autor à contestação do réu não pode o demandando recorrer à reconvenção (7) e assim, por essa via, provocar a compensação dos créditos, isto é, não pode provocar a extinção do crédito do autor com um contracrédito próprio.
Ademais, defende-se ainda que a inadmissibilidade da reconvenção não autoriza que, em tais acções (excepcionalmente e apenas no seu domínio), possa a compensação de créditos ser invocada como excepção peremptória (8).

Por nada ganharem as partes nem o ordenamento com a inadmissibilidade da alegação da compensação na oposição à injunção (9) vem sendo defendidas outras soluções.

Uma posição sustenta que nas acções em que a reconvenção não é admissível, como é o caso das acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, não deve ao réu ser coarctada a possibilidade de utilizar tal relevante meio de defesa em que se consubstancia a compensação e assim deve o tratamento da compensação ser, nesses casos, o da excepção peremptória (posição sustentada tanto doutrinal (10) como jurisprudencialmente (11)).
Outra posição, que combatendo a corrente jurisprudencial que nega a possibilidade de reconvir nas acções especiais para pagamento de obrigação emergente de contrato, defende dever ser dada ao réu a possibilidade de reconvir de modo a que possa invocar a compensação de créditos, devendo o juiz, se necessário, fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal para ajustar a respectiva tramitação àquele pedido reconvencional, pois não faz sentido retirar ao réu a possibilidade de invocar a compensação se depois essa compensação poderá vir a ser invocada como fundamento de oposição à execução (art. 729, h) do CPC) (12).

Esta segunda solução tem como pressuposto primeiro e essencial o de que a compensação, face ao CPC de 2013, terá sempre que ser suscitada em sede de reconvenção, mesmo quando o crédito invocado pelo réu não excede o do autor, ou seja, independentemente do valor dos créditos compensáveis e quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido (13).

Não pode considerar-se indiferente aos legítimos interesses da parte a impossibilidade de invocar a compensação – ainda que não fique precludida a possibilidade de invocar esse contracrédito noutra acção (14) (ou até em embargos de executado à execução interposta com base na sentença proferida na causa em que não foi invocada a compensação) e, assim, não se verificar o efeito do caso julgado (15), tem de reconhecer-se ser evidente o prejuízo que pode advir da impossibilidade de invocar a compensação, pois ‘embora a compensação seja fundamentalmente uma causa de extinção das obrigações, a verdade é que ela permite a quem a invoca com sucesso não suportar (total ou parcialmente consoante o seu âmbito) o risco de insolvência da contraparte’, pelo que não sendo a compensação admitida, terá a parte que pagar a quantia que porventura deva para depois exigir noutra acção o pagamento do seu crédito, se a contraparte então o puder pagar, sendo que se a ‘compensação for admitida não se expõe (ou não se expõe na mesma medida) a esse risco de insolvência, ficando satisfeita imediatamente na parte em que houver compensação’ (16).

Por isso que entendemos não ser suficiente (rectius, válido ou procedente) para negar ao demandado a possibilidade de invocar a compensação o argumento de que a sua invocação como excepção não é autorizada nas situações em que a reconvenção é inadmissível (por não verificação dos pressupostos de ordem processual). Solução que deve rejeitar-se (assim se impedindo que o processo civil usurpe o papel de actor principal em peça cuja palco está reservado para a actuação do direito substantivo) seja admitindo-se em tais situações a possibilidade de deduzir reconvenção, seja admitindo-se a invocação da compensação como excepção.
O direito adjectivo está funcionalmente ordenado a permitir a plena actuação do direito substantivo e não já a limitá-lo ou impedi-lo (17) – e por isso que, verdadeiramente, não existe dilema (válido) quanto a admitir ou não a invocação da compensação (matéria que respeita ao direito substantivo) mas tão só quanto ao meio processual de a fazer actuar (como excepção ou através de reconvenção).
Porque a prevalência é do direito subjectivo, o direito adjectivo tem de adaptar-se e moldar-se àquele e aos interesses substantivos em jogo (18).
Assente não poder negar-se ao demandado a faculdade de invocar os meios de defesa que entenda, mormente a compensação (em vista de obter a extinção do crédito do autor), a questão centra-se, pois, única e exclusivamente, em apurar da forma processual como tal deve ser actuado – ou, doutra forma, em apreciar como devem interpretar-se e aplicar-se as regras processais de molde a favorecer a tutela de direitos e interesses substantivos.

A favor da admissibilidade da reconvenção em vista de permitir ao réu invocar a compensação nas acções especiais destinadas ao cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato alinhavam-se os seguintes argumentos (19):

- sendo as acções especiais para pagamento de obrigação emergente de contrato um processo especial, são reguladas tanto pelas disposições que lhes são próprias como pelas disposições gerais e comuns (art. 549º, nº 1, CPC), pelo que estando a admissibilidade da reconvenção regulada no art. 266º CPC e considerando que este preceito se inclui nas disposições gerais e comuns do CPC, é aplicável em tais acções;
- o regime de tais acções especiais – mormente a sua tramitação simplificada e célere – não é incompatível com a dedução de um pedido reconvencional pelo demandado, cabendo ao juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (arts. 6º e 547º CPC) para ajustar a tramitação de tal acção especial à dedução do pedido reconvencional;
- se não se admitir a possibilidade de o réu demandado numa acção especial destinada ao cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato invocar a compensação ope reconventionis, essa mesma compensação pode vir a ser posteriormente alegada pelo anterior demandado como fundamento da oposição à execução (art. 729º, h), CPC) – e assim, não faz sentido coarctar as possibilidades de defesa do demandado na acção especial declarativa e possibilitar, com isso, a instauração de uma execução que, de outra forma, poderia não ser admissível (a economia de custos na acção especial traduzir-se-ia afinal num desperdício de recursos, ao impor-se que aquilo que poderia ser apreciado numa única acção tivesse de ser decidido em duas acções);
- a solução alternativa (defender que a compensação - que é uma forma de extinção das obrigações - deveria ser invocada por via de excepção) 1) não tem qualquer apoio legal, pois o regime da reconvenção consta das disposições gerais e comuns do CPC, pelo que é aplicável a qualquer processo e uma diferenciação quanto à forma de alegação da compensação seria, por isso, contra legem e 2) comunga de todos os inconvenientes da dedução da compensação por via de excepção, sendo um dos mais significativos o de que, atendendo a que a decisão sobre as excepções peremptórias não fica abrangida pelo caso julgado material (art. 91º, nº 2, CPC), se o contracrédito invocado na acção especial pelo demandado vier a ser reconhecido nessa acção, não é possível invocar a excepção de caso julgado numa acção posterior em que se peça a condenação no pagamento do mesmo contracrédito e, se o contracrédito alegado pelo demandado na AECOP não vier a ser reconhecido nessa acção, ainda assim é possível procurar obter o seu reconhecimento numa acção posterior (soluções absurdas, sendo por isso que a reconvenção como forma de alegar a compensação judicial é totalmente correcta, porque é a única que evita as referidas consequências).
Não pode questionar-se a aplicabilidade das disposições gerais e comuns (onde se insere o art. 266º do CPC) às acções especiais destinadas ao cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato.
A questão consiste, todavia, em apurar se em tais acções especiais (com tramitação confessadamente decalcada da pretérita forma sumaríssima do processo declarativo, que prevê dois articulados, findo os quais, se não puder julgar-se imediatamente a causa, se agenda julgamento, sendo a sentença, sucintamente fundamentada, logo ditada para a acta – artigos 1º, 3º e 4º do regime processual anexo ao DL 269/98, de 1/09) a reconvenção deve ser admitida, por aplicação do art. 266º, nº 3 do CPC, tal qual em qualquer outra acção especial (mesmo não extravagante, antes prevista no CPC), por nela poder ser inserida, considerando a normal tramitação, a causa reconvencional.
A resposta é negativa – os requisitos processuais de admissibilidade da reconvenção não se verificam (a reconvenção importa uma modificação - objectiva - da instância e estas só são admitidas nos estritos termos e limites da lei – art. 260º do CPC).
A aplicação da ressalva prevista no nº 3 do art. 266º do CPC exige a verificação de interesses relevantes ou demanda que a apreciação das pretensões suscitadas pelo contra-ataque do demandado seja indispensável à justa composição do litígio (art. 37º, nº 2 do CPC). Assim que a solução de admitir o réu a formular reconvenção em acção destinada a exigir o cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, no nosso entender, só seja de admitir caso os seus legítimos interesses em invocar a compensação não possam ser atendidos com outra solução que atenda também ao legítimo interesse do autor em recorrer à acção especial.
Na verdade, na questão que se vem tratando não pode o aplicador deixar de ponderar que se busca a interpretação das regras processuais ‘de molde a favorecer a tutela de direitos e interesses’ em presença – e num processo judicial ambas as partes têm direitos e interesses dignos de tutela.
Reconhecendo-se (como acima se referiu) ser de tutelar o interesse do réu em invocar a compensação, não pode ele deixar de ser conciliado com o interesse do autor em ver o seu direito apreciado em acção especial, simplificada e célere – interesse cuja relevância não pode ser desprezada.
Efectivamente, foi em vista de combater os atrasos de pagamento nas transacções comerciais, que fazem recair sobre as empresas, particularmente as de pequena e média dimensão, encargos administrativos e financeiros em resultado de atrasos de pagamento (uma das principais causas de insolvência dessas empresas, ameaçando a sua sobrevivência e os postos de trabalho correspondentes), que foram adoptadas as Directivas nº 2000/35/CE e nº 2011/7/UE, ambas do Parlamento Europeu e do Conselho, a primeira de 29 de Julho de 2000 e a segunda de 16 de Fevereiro de 2011, transpostas para o ordenamento jurídico interno pelos DL 32/2003, de 17/02 e DL 62/2013, de 10/05, respectivamente, possibilitando às empresas o recurso a este tipo de acções.
Por isso que deve buscar-se a compatibilização prática entre os interesses do autor em ver o seu direito apreciado em acção especial cujos trâmites primam pela simplicidade e celeridade e do réu em invocar a compensação (pondo-se a coberto dos riscos da insolvência da contraparte) – não já o de obter o pagamento do valor em que o invocado crédito excede o do autor.
A prevalência dum interesse em sacrifício do outro só é de considerar se ambos não puderem coexistir e compatibilizar-se, e cremos que tal compatibilizada coexistência pode ser conseguida (como adrede esclareceremos e justificaremos), pois que a invocação do contracrédito até ao limite do crédito do autor não implica que o contraditório a garantir ao autor exija mais do que o exige a invocação de qualquer outra excepção peremptória nestas acções especiais (desde a prescrição ao não cumprimento, passando pelo cumprimento defeituoso e pela novação – art. 3º, nº 3 e nº 4 do CPC) – antes do CPC/2013 não foi levantada (doutrinal e jurisprudencialmente) qualquer objecção a que nas acções especiais destinadas ao cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato fosse invocada a compensação enquanto excepção peremptória e o certo é que ‘a garantia do contraditório do autor tem de estar assegurada da mesma maneira qualquer que seja a forma (por via de excepção ou por via de reconvenção) da alegação da compensação em juízo’ (20).
Concordamos inteiramente com o argumento de que não tem sentido coarctar ao réu demandado numa acção especial destinada ao cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato a possibilidade de invocar a compensação e reconhecer-lhe a possibilidade de a invocar posteriormente como fundamento da oposição à execução (art. 729º, h), CPC).
Porém, tal argumento vale também para sustentar a posição que advoga a admissibilidade, em tais causas, da invocação da compensação ope exceptionis – admitindo-se a dedução da compensação por via de excepção, afastar-se-á a falta de lógica e de racionalidade daquela radical solução que impede que em acção especial destinada ao cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato o réu possa invocar a compensação (e, assim, na parte em que os créditos se extingam, evitar o risco de insolvência da contraparte), reservando-lhe tal defesa para a oposição à execução.
Por isso que aquele argumento (a irracionalidade de obstar na acção declarativa à invocação da compensação e admitir a sua invocação já no âmbito da oposição à execução) só é decisivo no sentido de demonstrar a admissibilidade da dedução da reconvenção nas acções especiais destinadas ao cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato para quem entenda que a reconvenção esgota as formas possíveis de invocação da compensação em juízo.
Para lá da incongruência de um regime que valorizaria como excepção a invocação da compensação em processo declarativo enxertado em acção executiva e cuja invocação não teria sido admitida no processo declarativo donde emergiria o título executivo daquela, precisamente por não ter podido aí ser invocada como excepção (e sendo certo que tal possibilidade de invocação da matéria na oposição à execução demonstra que a via da excepção é também uma forma processualmente reconhecida de invocar a compensação), importa considerar que o regime actual (no que respeita à invocação da compensação) não é monista e não evita uma dupla via de invocação (21), pois que ao contrário da compensação judicial a invocação da compensação extrajudicial em juízo ‘não implica a dedução de nenhum pedido reconvencional, mas apenas a invocação da extinção do crédito alegado pelo autor como consequência daquela compensação, ou seja, a alegação de um facto extintivo deste crédito e, portanto, de uma excepção peremptória (art. 576º, nº 1 e 3, CPC)’, porquanto a ‘compensação extrajudicial já operou a extinção recíproca dos créditos, pelo que a única coisa que o demandado pode (e tem de) alegar em juízo é esta extinção, bastando-lhe invocar, para isso, a correspondente excepção peremptória’ (22) – enquanto a compensação judicial opera através da reconvenção (art. 266º, nº 2, c), CPC) e constitui um possível fundamento de oposição à execução (art. 729º, h), CPC), a compensação extrajudicial (provocando a extinção recíproca dos créditos) opera como uma excepção peremptória (23): quando o crédito do autor já se encontra ‘extinto por uma compensação que operou antes da acção ou da execução, então tudo se resume à invocação da extinção desse mesmo crédito através da alegação da respectiva excepção peremptória extintiva’ (24).
Dupla via que demonstra que nem nas acções comuns a reconvenção esgota as formas processualmente possíveis de invocação da compensação.
Não se contra-argumente que na compensação extrajudicial o réu não pretende obter o reconhecimento dum crédito. Na verdade, tanto na compensação judicial como na compensação extrajudicial se imporá ao tribunal apreciar e verificar dos requisitos materiais da compensação (e assim também a invocação da compensação extrajudicial pressupõe o reconhecimento, por parte do tribunal, de um crédito do réu sobre o autor) – ‘quer se trate de uma declaração extraprocessual quer opere uma declaração processual, em ambos os casos há que verificar a ocorrência dos requisitos materiais da compensação, pelo que talvez não haja motivo que justifique uma diferenciação do seu tratamento processual’ (25).
Admitida no nosso ordenamento jurídico a dupla via de invocação da compensação, cremos que o seu tratamento como excepção peremptória nos processos em que não é admissível a reconvenção (por falta dos requisitos processuais), mormente nas acções especiais destinadas ao cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato, é o procedimento que se impõe, assim se compatibilizando, harmoniosamente, os interesses das partes: do autor, em ver a sua pretensão apreciada de acordo com os trâmites prescritos para tais acções especiais; do réu, em arguir a compensação e pôr-se a coberto dos riscos de insolvência da contraparte.

Considerar que este entendimento (ser a compensação uma forma de extinção das obrigações que, em tais situações, pode ser invocada por via de excepção) não tem apoio legal (pois que o regime da reconvenção delineado nas disposições comuns do CPC é aplicável a todos os processos) e, ainda, que traduziria uma diferenciação contra legem quanto à forma de alegação da compensação presta-se, na nossa modesta opinião, às seguintes críticas:

- a questão a solucionar, adquirido e assente não poder negar-se ao demandado a faculdade de invocar a compensação, centra-se, única e exclusivamente, em apurar da forma processual como tal invocação deve ser actuada nos casos em que se conclua que a reconvenção não é admissível, mormente por não estarem verificados os requisitos e pressupostos de ordem processual. Sendo o regime da reconvenção aplicável às acções especiais (designadamente às que seguem o regime processual anexo ao DL 269/98, de 1/09), não pode deixar de considerar-se que também é aplicável na parte em que institui requisitos de ordem processual para a sua admissibilidade – e por isso que o argumento da falta de apoio legal também pode ser usado contra quem, nas situações em análise, defende a admissibilidade da dedução da reconvenção, pois que estará a ‘forçar’ a sua admissibilidade (à luz do nº 3 do art. 266º do CPC), assim atendendo unicamente ao interesse do réu na arguição da compensação (e possibilitando-lhe até obter o valor em que o crédito invocado excede o peticionado) e desprezando o interesse do autor em que a sua pretensão siga a tramitação prescrita no regime processual anexo ao DL 269/98, de 1/09. Tudo se resume, pois, a uma questão de interpretação da lei processual – e de opção pela solução que, como acima se referiu, permita compatibilizar os interesses dignos de tutela a ponderar –, sendo certo que a alínea c) do nº 2 do art. 266 do CPC pode interpretar-se no sentido de que a compensação deve ser actuada por reconvenção (e só por essa forma pode ser actuada) desde que a dedução desta seja permitida pela lei (assim não fosse e a compensação teria sido erigida em modalidade legal de conexão substancial entre as duas causas – acção e reconvenção – que dispensava a verificação dos requisitos de ordem processual para a admissibilidade da reconvenção);
- a afirmação de que a invocação da compensação por via de excepção constituiria uma diferenciação contra legem quanto à forma de alegação da compensação desconsidera, salvo o devido respeito, que o nosso regime processual prevê, no âmbito da acção declarativa, a dupla via de invocação da compensação (para lá de prever essa invocação ope exceptionis no âmbito do processo executivo).

Argumenta-se, por fim, em abono da solução da admissibilidade da reconvenção em vista de poder o réu invocar a compensação (e para demonstrar que a solução alternativa - invocação da compensação por via de excepção – não quadra no ordenamento) com os inconvenientes da dedução da compensação por via de excepção - mormente o de que tal matéria não fica abrangida pelo caso julgado material (art. 91º, nº 2, CPC). Ainda que fosse de conceder que a exclusão do caso julgado material quanto às ‘questões’ e ‘incidentes’ suscitados pelo réu prescrita no nº 2 do art. 91º do CPC abrange as excepções peremptórias como a compensação (ou o pagamento, a novação e a renúncia) – o que merece as maiores reservas, pois que apesar da indefinição do preceito (art. 91º, nº 2 do CPC), ‘parece ser claro que não se pretende estabelecer, por exemplo, que a decisão sobre a excepção de pagamento invocada pelo réu não adquire valor de caso julgado material’, devendo concluir-se que o preceito se refere àqueles ‘casos em que a mesma excepção peremptória (de nulidade, por exemplo) pode ser oposta em diferentes acções a diferentes pedidos, e não naquelas hipóteses em que a excepção (de pagamento, por exemplo) só pode ser oposta a um único pedido’ (26), ficando arredadas da previsão as questões (excepções) que envolvam o mérito da acção e que tenham passado a integrar o objecto da acção, conformando o poder (e dever) cognitivo do tribunal –, sempre se trataria de inconveniente não exclusivo da compensação (pois que comum a todas as questões suscitadas pelo réu como meio de defesa), não se nos afigurando assim argumento decisivo para rejeitar a solução que temos por mais adequada para as situações em que a reconvenção não é admissível e o réu pretende invocar a compensação, qual seja a de tratar a compensação como excepção peremptória.
Porque os interesses merecedores de tutela são o do autor em ver a sua pretensão apreciada em acção especial cujos trâmites primam pela simplicidade e celeridade e o do réu em invocar a compensação (pondo-se a coberto dos riscos da insolvência da contraparte) – não já de obter o pagamento do valor em que o contra-crédito excede o do autor –, o tratamento da invocação da compensação como excepção peremptória permite a coexistência e compatibilização de ambos – a exigência da sua invocação através da via reconvencional redundaria numa alteração dos trâmites processais do processo especial para alcançar efeitos que a simples consideração da matéria alegada como excepção permite obter.
Concluímos, assim, que nas acções em que a reconvenção não é admissível, como é o caso das acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, não deve ao réu ser coarctada a possibilidade invocar a compensação, devendo o seu tratamento ser, nesses casos, o da excepção peremptória.

B. Da pretendida alteração da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto.

Por ter considerado inadmissível a invocação da compensação por via de excepção, a sentença recorrida não vazou na decisão sobre a matéria de facto aquela que, relevante, fora a propósito alegada pela ré – não julgou provada ou não provada matéria relevante (factualidade essencial da invocada excepção) alegada pela ré na oposição.
A exclusão de tal matéria factual do objecto do processo (factos essenciais da defesa apresentada pela ré) importa deficiência (27) que pode (deve) ser suprida pela Relação a partir dos elementos probatórios produzidos nos autos – estão à disposição da Relação todos os elementos probatórios produzidos sobre a matéria em questão: as partes, na audiência de discussão e julgamento, procederam à junção dos documentos que tiveram por pertinentes sobre a matéria e os depoimentos produzidos incidiram (também) sobre tais factos (diga-se, aliás, que em audiência de discussão e julgamento a discussão se centrou na matéria alegada na oposição, mormente naquela em que a ré funda a invocada compensação).
Assim que cumpre conhecer da modificabilidade da decisão de facto – suscitada pela ré, diga-se, quer quanto aos factos essenciais por si alegados que não mereceram pronúncia na decisão recorrida, quer ainda quanto àqueles que, merecendo pronúncia, a apelante entende deverem ser julgados de maneira diversa em razão da (que entende ser) devida valorização da prova produzida.

B.1. Impugnação da decisão da matéria de facto - delimitação da matéria impugnada

Nas conclusões (conclusão 15ª) identifica a apelante a matéria que é objecto da impugnação que deduz à decisão da primeira instância sobre a matéria de facto.

Defendendo dever ser julgada provada a matéria que a decisão recorrida julgou não provada sob as alíneas B e C dos factos não provados e sustentando (na medida em que deve ser admitida a invocação da compensação) dever ser julgada provada matéria alegada nos artigos 6º, 8º, 9º, 10º, 12º a 16º, 17º e 18º, 19º, 20º, 21º e 26º da oposição (cujos termos concretos indica), pretende também ‘seja julgado provado como valor a abater pela não realização das duas casas de banho’ (alínea e) dos factos provados) o ‘de 1.500,00€ e não os 1.100,00€ que a sentença considerou’.

Acolhe-se a deduzida impugnação no art. 662º do CPC – pretende-se a reapreciação de elementos probatórios sujeitos à livre apreciação do juiz (art. 607º, nº 5, 1ª parte, do CPC – v. g., declarações de parte, depoimentos de testemunhas e documentos particulares, sem força probatória plena).

Poderia equacionar-se a hipótese do apelante ter incumprido o ónus de identificar, de forma especificada e clara, os concretos factos impugnados a propósito do valor a abater pela não realização das duas casas de banho.

Porém, comparando a matéria alegada a propósito (artigos 11º e 12º da oposição) e a decisão da matéria de facto (e sendo certo que o aí alegado foi considerado relevar – no sentido de ser admissível fundamento de oposição), constata-se que a decisão é também omissa quanto a factos aí alegados, ou seja, que as casas de banho foram realizadas por outrem que não a apelada, tendo para tanto (construção e montagem das casas de banho) despendido a ré apelada a quantia de 1.500,00€.

Assim, porque também a propósito da matéria a sentença recorrida é deficiente, se imporá à Relação o respectivo suprimento, nos termos do art. 662º, nº 2 c) do CPC – e por isso que o incumprimento, por parte da apelante, dos ónus de impugnação prescritos no art. 640º do CPC, não importam a rejeição do recurso: o incumprimento de qualquer das exigências estabelecidas no nº 1 do preceito, que constituem verdadeiros ónus, é cominado com a rejeição do recurso no segmento relativo à impugnação da matéria de facto e, dentro deste segmento, quanto aos pontos relativamente aos quais tenham sido desrespeitadas as referidas regras (28), solução que se não aplica, porém, nos casos em que à Relação se imponha, oficiosamente, o dever de modificar a matéria de facto, seja para aplicar as regras vinculativas extraídas do direito probatório material (art. 607º, nº 4 e 663, nº 2 do CPC) (29), seja nas situações em que se lhe impõe suprir deficiência da decisão de facto, nos termos do art. 662º, nº 2, c) do CPC (pois que a tal suprimento deve proceder, oficiosamente, relativamente à matéria relevante para apreciação das questões trazidas em recurso).
Assim que à Relação se apresenta como matéria de facto a reapreciar a matéria julgada não provada na decisão recorrida e que o apelante pretende ver julgada prova (a matéria elencada nas alíneas B) e C) dos factos não provados) e bem assim a matéria sobre a qual a sentença impugnada se não pronunciou (inquinando-a, assim, do vício da deficiência – por falta de decisão sobre facto essencial) – artigo 12º (relativamente ao montante despendido pela apelante na construção e montagem das casas de banho) e artigos 6º, 8º, 9º, 10º, 12º a 16º, 17º e 18º, 19º, 20º, 21º e 26º da oposição

B.2. Impugnação da decisão da matéria de facto – matéria irrelevante à decisão da causa.

A actividade destinada a apreciar da modificabilidade da decisão de facto está reservada a matéria relevante à solução do caso.
O recurso da sentença destina-se a possibilitar à parte vencida obter decisão diversa (total ou parcialmente) da proferida pelo tribunal recorrido no que concerne ao mérito da causa, estando a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto suscitada teleologicamente ordenada a permitir que a parte recorrente possa obter, na sua procedência, a alteração da decisão de mérito proferida na sentença recorrida. Propósito funcional que circunscreve a justificação da impugnação da decisão da matéria de facto às situações em que os factos em questão possam ter interferência na solução do caso, ou seja, aos casos em que a solução do pleito esteja dependente da modificação a introduzir na factualidade a considerar na decisão a proferir.
Não interferindo a matéria em questão de modo algum na solução do caso, sendo alheia à sorte da acção, de acordo com o direito aplicável (considerando as várias soluções plausíveis da questão de direito (30), também em face do objecto do recurso), não deverá a Relação conhecer da alteração pretendida pela parte na impugnação que suscite, sob pena de estar a levar a cabo actividade inútil, infrutífera, vã e estéril – a Relação deve abster-se de apreciar da modificabilidade da decisão de facto quando a matéria em questão não interfira de modo algum na solução do caso, designadamente por não se vislumbrar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação a operar no leque de factos provados ou não provados (31).
A apelante pretende, além do mais, se considere provado o facto que a decisão recorrida considerou não provado sob a alínea c) dos factos não provados – ou seja, que procedeu ao pagamento das quantias de 7.492,50€ e de 5.827,50€ que, de acordo com o clausulado (veja-se a alínea c) dos factos provados) deveriam ser pagas no início e a meio da obra contratada (contrato referido nas alíneas a) e b) dos factos provados).
Ponderando a causa de pedir, a defesa aduzida, a sentença proferida e o objecto do recurso, fácil concluir que a matéria do referido pagamento não releva para a apreciação da apelação – a autora pretende haver da ré, como se conclui da causa de pedir alegada, o pagamento da quantia que, de acordo com o clausulado, deveria ser paga no final da obra a que se refere a alínea a) dos factos provados, pretendendo ainda haver da ré o pagamento do preço doutros serviços, estes discriminados na alínea h) dos factos provados.
O pagamento alegado pela ré refere-se a montantes não peticionados na acção, alheios, por isso, aos ponderados na condenação proferida.
Também por isso na sua argumentação recursória a apelante não retira do facto em questão qualquer efeito prático – ou seja, não invoca com base nos alegados pagamentos a extinção dos créditos que na sentença são reconhecidos à autora, precisamente porque os créditos a que tais pagamentos se referem não vinham peticionados.
Conclui-se assim que a referida matéria é indiferente à pretensão recursória da apelante – incluir nos factos provados a matéria que foi vazada na alínea dos factos não provados revela-se de todo em todo indiferente à sorte da apelação, pois que não importará qualquer alteração mínima no sentido da decisão; à satisfação do peticionado crédito da autora (o direito ao preço dos trabalhos referidos na alínea h) dos factos provados e o direito à parte do preço que, face ao acordado entre as partes, seria paga no final da obra) não se destinaram tais pagamentos (ou seja, com eles não foi cumprida a prestação a cargo da ré que pela presente acção a autora vem exigir judicialmente, nos termos do art. 817º do CC), pelo que os mesmos são alheios e indiferentes à sorte da presente acção: os créditos peticionados não foram extintos por tais pagamentos, pelo que a sua valorização em nada contribuirá para a procedência da pretensão da apelante (ou, dito de outro modo, para a improcedência da acção).

Constitui, pois, a constante na alínea c) dos factos não provados, matéria irrelevante e indiferente para a decisão do mérito da causa, não interferindo de modo algum na decisão, razão pela qual esta Relação se abstém de conhecer da impugnação que a tem por objecto.

B.3.1. Impugnação da decisão da matéria de facto

Quando convocada a reapreciar a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto alicerçada em elementos probatórios sujeitos à livre apreciação do juiz (art. 607º, nº 5, 1ª parte, do CPC) – v. g., documentos particulares sem força probatória plena, declarações de parte e depoimentos de testemunhas –, tem a Relação, ‘assumindo-se como verdadeiro tribunal de instância’, de expressar a partir deles a sua convicção com total autonomia, devendo reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado (confirmando a decisão, decidindo em sentido oposto, ou, num plano intermédio, alterando a decisão no sentido restritivo ou explicativo) (32) – reapreciação que não pode confundir-se com um ‘novo julgamento’, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter (33).
A reapreciação da matéria de facto pela Relação, no âmbito da previsão dos artigos 662º, nº 1 e 640º, nº 1 do CPC, importa a reponderação dos elementos probatórios produzidos nos autos, averiguando se permitem afirmar, de forma racionalmente fundada, a veracidade da realidade alegada quando o facto tenha sido julgado não provado ou o inverso, quando o facto tenha sido julgado provado pela primeira instância.
Nesta actividade, os poderes do Tribunal da Relação não podem ser restritivamente circunscritos à simples apreciação do juízo valorativo efectuado pelo julgador a quo, ou seja, ao apuramento da razoabilidade da convicção formada pelo juiz da primeira instância face aos elementos probatórios disponíveis no processo, devendo antes a Relação, fazendo jus aos poderes que lhe são atribuídos enquanto tribunal de segunda instância que garante um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, efectuar uma autónoma apreciação crítica das provas produzidas (em vista de formar uma convicção autónoma), alterando a decisão caso adquira, face a essa autónoma apreciação dos elementos probatórios a que há-de proceder, uma diversa convicção (34).
A análise crítica dos elementos probatórios (em ordem à justificação racional da decisão – elemento verdadeiramente estruturante e legitimador desta, que lhe confere a natureza de decisão, afastando-a do que seria uma simples imposição judicial) consiste na sua apreciação e valorização, tanto individual como conjugada (na sua relacionação reversiva – na sujeição dos elementos probatórios a mútuos testes de compatibilidade), à luz das regras da normalidade, da verosimilhança, do bom senso e experiência da vida (das leis da ciência, quando for o caso).
Esta apreciação transcende a averiguação da sinceridade dos depoentes e testemunhas – a decisão da matéria de facto assenta numa convicação objectivável e motivável, a que se acede por via da razão, alicerçada em elementos de lógica e bom senso.
Apreciação que também se não confunde ou resume a certificar o declarado pelas partes ou testemunhas ou o teor de determinado elemento probatório – aprecia-se quer da valia intrínseca de cada um dos elementos probatórios (da consistência, coerência e verosimilhança de cada um dos referidos elementos, tomado individualmente) e também a sua valia extrínseca (da conjugação e compatibilidade entre todos eles).
Trata-se de um processo de análise de todos os elementos probatórios cujo produto final há-de ser o resultado da sua valorização e compatibilização lógica e racional.
As provas (art. 342º do CC) têm por função a demonstração da realidade dos factos. Através delas não se busca criar no espírito do julgador a certeza absoluta da realidade dos ‘factos’ – ‘se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça’ (35) –, mas antes produzir o que para a justiça é imprescindível e suficiente – um grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso e às regras da experiência da vida.
A prova como demonstração efectiva (segundo a convicção do juiz) da realidade de um facto ‘não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)’ (36).

B.3.2. Estes considerandos conduzirão o tribunal na reapreciação da matéria impugnada.

B.3.2.a) Alínea B) dos factos não provados

Defende a apelante dever considerar-se provado que o contrato celebrado com a apelada e referido na alínea a) dos factos provados tinha também por objecto os serviços de cimentar/arear as paredes interiores e a colocação de revestimento exterior das paredes e sua cobertura com terra – matéria que a decisão recorrida julgou não provada (alínea B) dos factos não provados).

Não cremos, porém, que os elementos probatórios produzidos (37) nos autos permitam censurar, neste segmento, a decisão recorrida.

O objecto do contrato identificado na alínea A dos factos provados mostra-se discriminado no texto do contrato por referência ao orçamento apresentado à ré pela autora – na cláusula primeira do contrato de empreitada outorgado por escrito pelas partes (cfr. documentos de fls. 56 e seguintes) expressamente se consignou que a ré adjudicava à autora a ‘empreitada de obra conforme o orçamento’, obrigando-se a autora a ‘executar a obra correspondente aos trabalhos referidos no orçamento, anexo’ ao contrato, dele ‘fazendo parte integrante’. No referido orçamento (documento de fls. 59 dos autos) consignou-se expressamente referir-se ele às tarefas que descreve, elencadas na alínea a) dos factos assentes, não constando aí os trabalhos/tarefas aludidos na alínea B dos factos não provados.

A prova testemunhal tão só poderá valer, a propósito da questão – atenta a proibição estabelecida no art. 394º do CC –, para interpretar a declaração negocial expressa em documento escrito – ou seja, não podendo valer tal meio de prova para que com base nele o tribunal considere demonstrada cláusulas adicionais ao teor dos documentos, poderá nele basear-se para interpretar as declarações produzidas (no caso, para interpretar em que consiste cada uma das tarefas adjudicadas pela ré á autora, designadamente se neles estão compreendidas os trabalhos referidos na alínea B dos factos não provados).

A propósito da matéria apenas a testemunha J. P. (marido da ré, que tomou parte activa na negociação encetada pelas partes) afirmou que os referidos trabalhos estariam compreendidos no objecto do contrato celebrado entre as partes – porém, tal afirmação partiu da consideração de que se tratavam de trabalhos previstos no projecto da obra que à autora fora fornecido em vista da apresentação do orçamento. Instado a explicar a inclusão dos trabalhos em questão (aludidos na alínea B dos factos assentes) em qualquer uma das tarefas referidas no orçamento, não o conseguiu fazer (admitindo mesmo que nenhuma delas os compreendia). Assim que (mesmo descurando que as afirmações produzidas pela testemunha não se mostram corroboradas por outra prova – não foi junto aos autos cópia do projecto da obra realizada, como na sentença recorrida se realça) não se pode concluir que qualquer das tarefas referidas na alínea a) dos factos assentes compreendesse os trabalhos aludidos.

Improcede, pois, neste segmento, a pretensão recursória.

B.3.2.b) Do valor a abater pela não realização das duas casas de banho

Como já se precisou, incumbe à Relação nesta parte da impugnação apreciar se os elementos probatórios produzidos nos autos permitem concluir ter a ré despendido o montante de 1.500,00€ na construção e montagem de duas casas de banho – facto cujo julgamento a sentença recorrida omitiu (não o julgando provado ou não provado).
Apurado que à autora incumbia a construção de duas casas de banho (uma, a masculina, com base de chuveiro) e que as não construiu (alíneas a) e e) dos factos provados), a questão suscitada nesta vertente da apelação consiste tão só em apurar se os elementos probatórios produzidos nos autos demonstram, com o grau de segurança bastante às necessidades práticas da vida, ter a ré despendido 1.500,00€ na sua construção e montagem.
Questão de patente e linear solução, já que a prova testemunhal, documentalmente corroborada, impõe que tal matéria se tenha por demonstrada – a testemunha M. M. (irmão do gerente da autora, cuja empresa de serralharia também prestou para a ré serviços na obra) afirmou ter construído para a ré as duas casas de banho (trabalhos que não incluíram os serviços de pichelaria e o fornecimento das louças sanitárias), cobrando por tal serviço a quantia de 1.250,00€ (depoimento corroborado pelo documento de fls. 75, elaborado pela empresa da testemunha, donde consta o preço da construção das casas de banho em painel de alumínio), tendo por sua vez a testemunha J. P. afirmado que a estrutura em alumínio das casas de banho foi construído pela empresa de serralharia da testemunha M. M., tendo adquirido as louças sanitárias (as mais baratas do mercado) a empresa que as comercializa, além de terem sido solicitados os serviços de empresa de pichelaria para a respectiva montagem (depoimento corroborado pelos documentos de fls. 76 e 77 – factura emitida pela empresa que forneceu os materiais e louças sanitárias, no valor 568,17€ – e de fls. 79 – fractura emitida pelo picheleiro, também referente aos serviços das casas de banho). Além de não infirmados por qualquer outro, tais elementos probatórios, corroboram-se mutuamente, impondo se considere demonstrada a realidade alegada (aliás, até permitem concluir ter a ré despendido na construção e montagem das duas casas e banho quantia superior aos alegados 1.500,00€).
Procede, pois, a pretensão da ré em ver julgado provado tal facto – e assim terá de aditar-se aos factos provados nova alínea (alínea g1), a inserir entre as alíneas g) e h) dos factos provados) com a redacção que segue: ‘Na construção e montagem das duas casas de banho referidas em a) e e) a ré despendeu 1.500,00€’.

B.3.2.c) Dos factos alegados nos artigos 6º, 8º, 9º, 10º, 12º a 16º, 17º e 18º e 19º, 20º, 21º e 26º da oposição.

Como já assinalado, por ter considerado inadmissível a invocação da compensação por via de excepção, a sentença recorrida não proferiu decisão (julgando-a – provada ou não provada) sobre a matéria de facto que, relevante, fora a propósito alegada pela ré.

Cumpre, pois, suprir tal deficiência.

Preliminarmente, importa referir que o conhecimento da impugnação relativa à matéria concernente ao artigo 12º da oposição, no que excede a matéria relativa à construção e montagem das casas de banho (que vem de se apreciar e decidir) se mostra prejudicada pela decisão tomada a propósito da alínea B) dos factos julgados não provados – uma vez que se mantém a decisão da primeira instância que considerou não provado que os trabalhos de cimentar/arear as paredes interiores e de colocação de revestimento exterior das paredes e sua cobertura não se inclui no objecto do contrato celebrado entre as partes, apurar o montante que a ré suportou com a sua realização (artigos 12º e 13º da oposição) torna-se desnecessário e irrelevante (pois que falha o primeiro pressuposto para se considerar verificado qualquer incumprimento da autora fundado na não execução dos referidos trabalhos).
Refira-se também que a matéria dos artigos 19º, 20º, 21º e 26º da oposição (38) é matéria conclusiva, de direito ou irrelevante, que por isso não será objecto de apreciação nesta sede (a matéria factual relevante é a alegada nos restantes identificados artigos da oposição).
Feitas estas preliminares considerações, abordemos o suprimento da identificada insuficiência da decisão de facto (artigos 6º, 8º, 9º, 10º, 14º a 16º, 17º e 18º da oposição).
Resultou pacífico dos elementos probatórios produzidos nos autos que o pavilhão a cuja construção a ré procedia (e para cuja edificação tinha contratado com a autora a execução dos trabalhos aludidos nos factos assentes) tinha por destino o processamento, lavagem e armazenamento de fruta, indo ser nele instalada a maquinaria necessária a tal finalidade, incluindo uma máquina de embalamento de fruta que fora adquirida em Espanha – tal materialidade, subentendida (mas presente, ainda que nunca expressamente referida ou afirmada) nos depoimentos das testemunhas S. M. (filha do gerente da autora, que lhe presta assistência ao nível da contabilidade e dos contactos com os clientes) e F. O. (trabalhador da autora, presente na execução da obra discutida nos autos) e até nas declarações de parte do gerente da autora, foi expressamente afirmada pelas já aludidas testemunhas M. M. e J. P.: o primeiro referiu que a ré levava a efeito a construção do pavilhão para armazenamento e tratamento de fruta (referiu mesmo mirtilos), indo instalar câmaras frigoríficas e máquinas de embalar (acrescentando que tal facto, que era do seu conhecimento, também devia ser do conhecimento da autora); o segundo referiu com mais pormenor e detalhe (face ao conhecimento que lhe advinha do apoio prestado ao cônjuge no empreendimento que era levado a efeito) a finalidade do pavilhão (processamento, lavagem e armazenamento de fruta) e as maquinarias que aí seriam instaladas (designadamente uma máquina de embalamento de fruta que tinha sido adquirido em Espanha). Tais elementos, no que concerne à máquina (já de si suficientemente esclarecedores e seguros), são ainda corroborados e confirmados por elementos documentais – as mensagens de texto trocadas durante a execução da obra entre o gerente da autora e a testemunha J. P. (fls. 81 – contactos a que se referiu durante o seu depoimento) e as comunicações de correio electrónico trocados entre o fornecedor da máquina (empresa espanhola) e a testemunha J. P. (fls. 82 e seguintes – a propósito da entrega da máquina em causa).
Pode, assim, em face de tais elementos, concluir-se estar demonstrado (como alegado no artigo 6º da petição inicial) que as obras pela ré adjudicadas à autora se destinavam a dotar o pavilhão que vinha construindo das condições necessárias a receber uma máquina de embalamento de fruta adquirida em Espanha, a transportar para Portugal e a entregar e montar naquele local.
Relativamente ao tempo de execução dos trabalhos acordado e sua ultrapassagem (atraso na execução), consta dos factos provados terem as partes acordado que o termo dos trabalhos ocorreria após noventa dias, ainda que o mau tempo pudesse alargar tal termo (alínea d) dos factos provados).
Tal facto, resultante do texto do acordo subscrito pelas partes, foi reafirmado por todas as pessoas inquiridas em audiência, sendo que a discordância das versões se centrou na data em que a autora deu por finalizados os trabalhados – ou seja, se houve ou não cumprimento do prazo acertado para a conclusão da obra (artigos 8º, 9º, 10º da oposição) e, em caso de incumprimento, se ele acarretou como consequência que a ré tivesse tido os prejuízos alegados nos artigos 17º a 18º da oposição (se por força do incumprimento do prazo não tenha sido possível receber a máquina e tal tenha dado lugar a anulação do respectivo transporte, cujo custo de 1.500,00€ teve de ser suportado pela ré).
Apurado que o tempo acordado para a execução da obra eram noventa dias (suspensos nos dias em que o estado do tempo não permitisse desenvolver a actividade) importaria apurar o respectivo termo inicial – sendo certo que o contrato, celebrado em 8 de Janeiro de 2018, é quanto a tal omisso.
A conjugação dos elementos probatórios permite concluir que a obra a cargo da autora, na parte relevante à instalação da máquina adquirida pela autora, terá terminado, pelo menos, ainda em Abril de 2018.
Enquanto o gerente da autora e a testemunha S. M. situam o termo final da obra no final de Março/princípio de Abril de 2018 (ambos referem o início da obra em Fevereiro, acrescentando o gerente da autora ter respeitado o prazo de execução ainda que se tenha deparado com vários dias de intempérie), a testemunha F. O. afirmou ter a obra a cargo da autora terminado já na segunda quinzena do mês de Abril (referiu que apesar de lá ter andado – a testemunha – antes até da outorga do contrato a fazer preparação para os trabalhos, a autora entrou em obra em Fevereiro e terminou-a em Abril, afirmando ter a certeza que no final de Abril estava tudo pronto pois que antes do final do mês foram buscar o material que lá tinham e deslocaram-se para outra obra), afirmando por sua vez a testemunha J. P. que a autora só saiu da obra em Maio, tendo terminado a execução do piso (obra essencial ao recebimento e instalação da máquina de embalamento adquirida em Espanha) já nos primeiros dias de Maio (tendo saído da obra, com os equipamentos, já depois de meados de Maio).
Os elementos documentais constantes dos autos corroboram a versão de que os trabalhos (pelo menos o de colocação do piso) terão terminado ainda em Abril – mais do que a mensagem de texto cuja cópia consta a fls. 81 (datada de 19 de Abril, em que a testemunha J. P. aborda o gerente da autora sobre os custos que terá se não puder receber a máquina no pavilhão), assim o permite concluir a correspondência de correio electrónico trocada entre a testemunha J. P. e a empresa fornecedora da máquina em questão (fls. 82 e 83), datada de 20/04, 23/04 e 30/04: se tais documentos permitem concluir que em 23/04 ainda não estava colocado o piso (na comunicação dessa data refere-se pequeno atraso na conclusão do piso do pavilhão onde iria ser colocada a máquina em questão, questionando-se da possibilidade da colocação ocorrer só no dia 30/04), certo também que da comunicação datada de 30/04 resulta que então (nessa data) a obra estava em estado que permitiu à testemunha referir ao seu interlocutor espanhol que esperava a máquina em 2/05 (e como é sabido o dia 1/05 é feriado no mundo ocidental), solicitando até nessa comunicação não fosse cobrado à ré custo adicional (de 1.500,00€) do transporte.
Note-se ainda (o que se refere a propósito dos artigos 17º e 18º da oposição) que nenhum elemento documental foi pela ré apresentado que comprove ter-lhe a empresa espanhola cobrado qualquer quantia por eventual anulação de contrato de transporte – o único elemento documental que a tal se refere é a mensagem de correio electrónico (para lá das posteriores trocas de mensagens entre as partes) em que a testemunha J. P. interpela o interlocutor espanhol sobre a possibilidade de lhe não ser cobrada a quantia de 1.500,00€ do custo adicional de transporte, não se sabendo se a empresa espanhola a isso acedeu ou não; todavia, o que interessa realçar é que não existe qualquer factura ou documento contabilístico que documente que tal custo foi exigido à ré (com fundamento na anulação do transporte anteriormente fretado). Ademais, não pode deixar de ponderar-se que a ré alegou (artigo 6º da oposição) que a máquina em questão deveria ser montada e entregue no pavilhão até ao dia 31 de Maio de 2018, sendo certo que nenhuma prova documental juntou a propósito do prazo acordado com a empresa espanhola para a entrega da máquina.
Assim que quanto à matéria concernente à data em que a autora concluiu os trabalhos a seu cargo (artigos 8º, 9º e 10º da oposição) se pode concluir, com segurança, que a autora terminou os trabalhos (designadamente os de colocação do piso, essenciais ao recebimento da máquina de embalamento de fruta) no final de Abril de 2018.
Já quanto à matéria dos artigos 17º e 18º da oposição, há-de considerar-se que os elementos probatórios são insuficientes para se ter por demonstrado, com o grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso, que a ré tenha suportado o custo de eventual anulação de contrato de transporte já fretado (ou seja, para se ter por demonstrada a matéria alegada nesses artigos) – se é certo que a testemunha J. P. o referiu, certo é que não foi junto qualquer documento que esclarecesse o acordo entre a ré e a empresa espanhola sobre o momento para o transporte (e descurando que a ré alega no artigo 6º da oposição que a máquina deveria ser transportada para o local até 31/05) e bem assim nenhum documento contabilístico que comprovasse a exigência de tal montante e o seu pagamento (documentos que as empresas teriam de emitir à ré – e que esta certamente conservaria, tal qual fez com outras facturas que, a propósito das demais questões suscitadas no autos, juntou aos autos).
Por fim, quanto à matéria dos artigos 14º a 16º da oposição, merece realce terem os depoimentos testemunhais sido unânimes na afirmação de que a autora, durante a execução dos trabalhos (ao serem manobradas máquinas na execução dos trabalhos a seu cargo), causou estragos num portão e em chapas colocadas na fachada do pavilhão em construção – todas as testemunhas o referiram, pelo que se pode concluir, com segurança, pela demonstração de tal matéria.
O montante despendido pela ré na reparação/substituição das chapas da fachada (750,00€) está também demonstrado, considerando, conjugadamente, os depoimentos das testemunhas M. M. e J. P. (já mencionadas), corroborado pelo documento de fls. 75 – ambas referiram ter sido a empresa do primeiro a efectuar a reparação (estivera a seu cargo a execução dos trabalhos de serralharia no pavilhão), tendo aquele confirmado o valor da reparação, aludido também no documento de fls. 75.
Diferente a conclusão relativamente ao valor da reparação/substituição do portão danificado. Mais do que as reservas manifestadas pela testemunha F. O. quanto ao valor pretendido pela ré a propósito (mil euros), deve ponderar-se que a reparação do portão foi solicitada pela ré (rectius, pela testemunha J. P.) à empresa da testemunha M. M., que referiu ter levado o portão para a sua oficina não tendo ainda procedido à respectiva reparação (afirmando por isso não saber os valores dela – os valores que foi aventando, após grande insistência do tribunal, foram produto de orçamentação superficial no momento da inquirição). A testemunha J. P. confirmou tais afirmações da testemunha M. M. quer quanto à solicitação que lhe dirigiu para reparar o portão, quer quanto ao facto daquele ter levado o portão para a oficina e de ainda o não ter devolvido, referindo ainda que procedeu à colocação de um outro portão, para o que contratou empresa terceira, nisso despendendo mil euros (dispêndio que o documento de fls. 80 justificaria – factura emitida pela empresa de serralharia contratada para a execução do novo portão). Porém, o documento em causa refere uma impossibilidade – o documento refere ter sido reparado o portão danificado, quando este ainda se encontra (encontrava, à data da audiência) na oficina da empresa da testemunha M. M., a aguardar reparação; por outro lado, o custo de mil euros suportado pela ré, de acordo com a versão da testemunha J. P., refere-se à colocação de um novo portão, sem que se saiba sequer se a respectiva reparação não é possível.
Assim que dos elementos vindos de analisar se pode concluir, com segurança, que ao manobrar máquinas utilizadas (39) na execução dos trabalhos a autora danificou diversas chapas na fachada do pavilhão que a ré vinha edificando e um portão, importando a reparação das chapas em 750,00€ que a ré pagou e importando a resolução dos estragos no portão quantia não apurada.

B.4. Impugnação da decisão da matéria de facto - conclusão

Do que precede, impõe-se introduzir no elenco da matéria de facto provada as alterações que seguem (matéria que se julga provada):

- alínea g1), a inserir entre as alíneas g) e h) dos factos provados) com a redacção que segue: ‘Na construção e montagem das duas casas de banho referidas em a) e e) a ré despendeu 1.500,00€’.
- alínea i), com a seguinte redacção: ‘As obras pela ré adjudicadas à autora destinavam-se a dotar o pavilhão que vinha construindo das condições necessárias a receber uma máquina de embalamento de fruta adquirida em Espanha, a transportar para Portugal e a entregar e montar naquele local’.
- alínea j), com a seguinte redacção: ‘A autora terminou os trabalhos que executou (designadamente os de colocação do piso, essenciais ao recebimento da máquina de embalamento de fruta) no final de Abril de 2018’.
- alínea k), com a seguinte redacção: ‘Ao manobrar máquinas na execução dos trabalhos a autora danificou diversas chapas na fachada do pavilhão que a ré vinha edificando e ainda um portão, importando a reparação das chapas em 750,00€, que a ré pagou, e importando os estragos no portão quantia não apurada’.

Considera-se não provada a restante matéria objecto de impugnação.

C. Do incumprimento da autora – a não realização integral a prestação a seu cargo.

Invocou a apelante ter a autora incumprido, parcialmente, a prestação a que estava adstrita, por não ter construído duas casas de banho e ainda outros trabalhos incluídos no objecto do contrato celebrado.
Da matéria provada resulta que o incumprimento (lato senso) da autora se circunscreve às casas de banho – na verdade, não resulta provado que a autora tenha deixado de realizar qualquer outro trabalho/serviço incluído no objecto do contrato celebrado entre as partes, designadamente os referidos na alínea B dos facos não provados, o que importa, nessa parte, a improcedência da excepção invocada e, por arrasto, da apelação.

Resulta provado, a propósito:

- autora e ré acordaram em que a primeira executaria para a segunda, pelo preço global de 16.650,00€, acrescido de IVA, os trabalhos de nivelar terreno para abrir sapatas para apoio às vigas de ferro, de executar na cinta um muro até ao nível da estrada, de fornecer e aplicar no chão do pavilhão de tabena, malha sol e 10 a 12 cm de betão polido, de realizar, no andar inferior, duas casa-de-banho, com base na casa-de-banho masculina e de limpar e colocar o entulho em vazadouro,
- a autora não construiu as casas de banho em virtude do que, por conta, emitiu a favor da ré nota de crédito no valor de 550€,
- na construção e montagem as duas casas de bano a ré despendeu 1.500,00€.

Na decisão recorrida, considerou-se ser a autora alheia aos valores despendidos pela ré na construção das casas de banho, tendo considerado ter sido a ré quem unilateralmente decidiu suprimir do rol dos serviços a prestar pela demandante a construção das casas de banho, decisão a que a autora anuiu – situação distinta, continua a referir-se na sentença recorrida, da que ocorreria se ré tivesse adjudicado a terceiro a construção das casas de banho por a autora ter entrado em situação de incumprimento, recusando-se a cumprir mesmo interpelada para o efeito. Entendeu a decisão recorrida (nessa parte não impugnada) que tendo a ré emitido nota de crédito de 550,00€ e afirmado em juízo que apenas lhe competia construir uma casa de banho, ‘legítimo será duplicar tal quantia sendo duas as casas de banho não construídas’.
Sustenta a ré ter direito a exigir da autora o montante despendido na construção das casas de banho que esta não construiu.
Como contrapartida do preço que tinha direito a exigir da ré, estava a autora adstrita a executar as obras acima identificadas – art. 762º do CC – e devia fazê-lo pontualmente – art. 406º, nº 1 do CC –, significando-se com tal advérbio que o cumprimento deve coincidir ponto por ponto com a prestação a que estava vinculada.
Da matéria apurada resulta ter existido por parte da autora violação contratual, pois não cumpriu, integral e pontualmente a prestação a seu cargo.
Não permitem os factos provados concluir ter a ré desistido da obra (art. 1229º do CC), na parte em questão – para tanto seria necessário que a matéria provada permitisse concluir ter partido da ré qualquer iniciativa para que a autora não realizasse as casas de banho.
A singeleza da matéria de facto apurada reflecte tão só atitudes da autora – que não reacções a qualquer acto da ré (incluindo omissões de factos ou actos que, de acordo com o programa contratual, lhe fosse exigido praticar).
Não só resulta provado que não construiu as casas de banho – que não satisfez a prestação a seu cargo, pontualmente (não satisfez o interesse do credor) –, como ainda que por tal facto, e por conta da factura emitida relativa ao remanescente do preço devido pela totalidade dos trabalhos acordados, emitiu nota de crédito – ou seja, creditou à ré a parte que da prestação a cargo desta (preço) entendia ser o correspectivo da prestação que não realizara.
Atenta a presunção de culpa estabelecida no art. 799º, nº 1 do CC, tem de considerar-se tal falta de satisfação do interesse do credor como imputável à autora a título de culpa (não provou – sequer alegou – a autora qualquer facto destinado a ilidir tal presunção), caindo a situação no incumprimento definitivo (parcial) – não se trata, a situação dos autos, do simples retardamento, pois que ao emitir a aludida nota de crédito, a autora teve um comportamento concludente, prenhe de significado declarativo, pois que prescindindo da parte do preço que considerava ser o correspectivo da parte da prestação a seu cargo que não tinha realizado, manifestava (declarava) perante a ré (de modo inequívoco – assim o interpretaria um declaratário normalmente diligente e sagaz, colocado na posição da ré) que nessa parte (construção das casas de banho) não iria cumprir a prestação a seu cargo. A emissão da nota de crédito constitui, pois, uma declaração tácita de incumprimento (parcial) por parte da autora, empreiteira, perante a ré, dona da obra, equiparável a uma declaração expressa de idêntico conteúdo e sentido negocial, evidenciando o propósito firme e definitivo de não cumprir (40).
Importa considerar – e sendo certo que o relacionamento contratual estabelecido entra as partes se reconduz ao contrato de empreitada (art. 1207º do CC) – que tal incumprimento da autora não constitui defeito da obra, antes obra inacabada (ou incumprimento parcial) – o incumprimento parcial ocorre quando o empreiteiro apenas realiza parte da obra, não a terminado, verificando-se assim um vício quantitativo, enquanto na obra com defeitos, esta, apesar de realizada, apresenta deficiências, o que se traduz num vício qualitativo, ou seja, o incumprimento parcial ocorre quando a porção em falta exerce função própria, claramente individualizada no vasto quadro complexo que integra toda a obra, sendo que estaremos já perante defeito da obra quando o elemento em falta não desempenha, por si só uma função, diluindo-se no conjunto que constitui a obra, sem papel específico (41).
Incumprimento parcial imputável ao devedor que, nos termos do art. 802º, nº 1 do CC, faculta ao credor, além do direito a indemnização, a redução da contraprestação a seu cargo, de modo a que o prestado fique a corresponder à parte do contrato que deve ter-se por cumprido, subtraindo à sua contraprestação a parte respeitante (correspectiva) à parte da obrigação havida como não cumprida.
Existindo inicialmente uma equivalência entre as respectivas e recíprocas prestações – pelo menos no entender das partes, as únicas entidades a quem compete efectuar tal juízo de valor (trata-se de contrato oneroso, tendo a atribuição patrimonial de cada uma das partes por correspectivo ou equivalente a atribuição da mesma natureza proveniente da outra (42)) –, a redução a efectuar deve almejar repor o equilíbrio entre as prestações, abalado pelo incumprimento de parte da prestação a cargo de um dos contraentes. Tal redução deve trazer a prestação a cargo da contraparte não inadimplente até ao limite em que se equilibre com a prestação efectuada pela parte incumpridora, e represente uma compensação e correspectivo justo dessa prestação, ou seja, que represente o pagamento da prestação recebida - descontada da parte não cumprida - e que observe os valores que estiveram na base do acordo inicial. A redução deve conseguir encontrar o equilíbrio, correspectividade e equivalência entre as prestações das partes, por forma a que a prestação de um tenha (de acordo com a valoração das próprias partes no momento da celebração do negócio) reflexo na prestação do outro – o valor da contraprestação deve, depois de reduzida, ficar a corresponder, dentro da própria valorização feita pelas partes no momento em que acordaram inicialmente, ao valor da prestação efectuada e não afectada pelo incumprimento.

A redução deve retirar da contraprestação a haver pela parte incumpridora a porção que nela constituía o correspectivo da prestação deixada de cumprir – não o que o credor eventualmente veio a despender para obter, com o concurso de terceiro, a satisfação do interesse (parcialmente) incumprido (a realização da parte da obra não realizada pelo devedor inadimplente), sim a parte da prestação (do preço) que na economia do contrato correspondia à parte obra não realizada.

Assim que, nos termos do art. 802º, nº 1 do CC, não pode a ré (credora não inadimplente) exigir da autora (devedora incumpridora) redução do preço no montante pago para a realização da parte da obra (casas de banho) não realizada (1.500,00€), tendo tao só direito a reduzir a prestação no montante que, no contrato, foi previsto como preço devido à autora pela realização da obra em questão (casas de banho) – e por isso que neste segmento improcede a apelação (tanto mais que uma eventual diferença entre o valor tido como o correspectivo da obra não realizada e o valor pago pelo credor para realizar, por outrem, a parte da prestação não cumprida, não constitui lucro cessante ou dano emergente que o credor tenha direito a exigir do devedor, a título de indemnização por incumprimento).

D. Da compensação.

Inquestionável ser a autora credora da ré – tem a autora direito a exigir judicialmente o preço pelas obras realizadas e contratadas com a ré (artigos 817º e 1207º do CC).
Alega todavia a ré a extinção do crédito da autora por compensação - uma das causas de extinção das obrigações para além do cumprimento (43).

Dispõe o art. 847º, nº 1 do CC que quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, desde que o crédito do declarante seja exigível judicialmente e contra ele não proceda excepção, peremptória ou dilatória, de direito material e ainda desde que as duas obrigações tenham por objecto duas coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade, acrescentando o nº 2 do mesmo preceito que se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.

A compensação consiste no meio do devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor (44) – consiste assim numa mútua liberação, total ou parcial, de duas dívidas (45) ou, noutras palavras, na extinção de dois créditos contrapostos, mediante uma declaração de vontade unilateral e receptícia (46). Efectivamente, de acordo com o prescrito no art. 848º, nº 1 do CC, a compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra (declaração essa que pode ser judicial ou extrajudicial, e na primeira das modalidades tanto por via de acção como por via de excepção, como acima se decidiu já), e uma vez feita a declaração de compensação, os créditos consideram-se extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis.

Acrescente-se, ainda, que a iliquidez da dívida não impede a compensação (art. 847º, nº 3 do CC).
Pressuposto fundamental da invocada compensação é a existência de crédito da ré sobre a autora – o que se passará a apurar.
Alegava a ré ter sofrido dano (na modalidade de dano emergente) como consequência directa (causa adequada) do retardamento da prestação a cargo da autora – por se ter a autora atrasado na execução das obras, não pôde a máquina de embalar já adquirida ser transportada na data aprazada, com consequente anulação do transporte já fretado, que no montante de 1.500,00€ veio a ser-lhe cobrado.
Como decorre do art 798º do CC, a existência do dano é requisito fundamental da obrigação de indemnizar (veja-se também os artigos 562º e seguintes do CC).
Dano (que face ao alegado integraria a modalidade do dano emergente – prejuízo causado) que a ré não logrou provar – não logrou a ré provar que tenha existido a alegada anulação do transporte da máquina e que tenha suportado o respectivo custo.
Assim que, nessa parte, improcede a invocada excepção e, por consequência, a apelação.
Diferentemente se impõe concluir quanto à danificação provocada pela autora, durante a execução das obras, em bens propriedade da ré.
Seja considerando que o dano causado durante a (e por causa da) execução da prestação em património do credor alheio ao objecto da própria prestação assume natureza extracontratual (porque a violação dos direitos absolutos do credor traduz violação em bens que não são objecto do contrato, não previstos na auto-regulação estabelecida pelas partes no contrato celebrado) (47) ou antes contratual (por todos os prejuízos sofridos pelo dono da obra, em consequência da prestação, integrarem uma responsabilidade contratual, pois que na sua origem está a violação do direito creditício daquele à execução da obra sem defeitos e sem estragos) ou ambos (o mesmo dano assume simultaneamente origem contratual e extracontratual – violação do dever de executar o contrato com integral satisfação do interesse do credor e, simultaneamente, violação dos direitos absolutos do credor, com a danificação de bens) (48), certo é que se terá de afirmar, no caso, a existência da obrigação de indemnizar a cargo da autora – a ré viu danificados pela autora bens de sua propriedade, por acto imputável à autora a título de culpa (negligência – pois que lhe era exigível diligência e perícia ao manobrar as máquinas utilizadas nos trabalhos a que procedia, pois que o padrão de referência na manobra de máquinas será o de empreiteiro que, na execução dos serviços, preserve os bens do dono da obra de quaisquer danos).
O princípio geral da obrigação de indemnização é a restauração natural (art. 566º, nº 1 do CC) – e no caso, porque ela não é impossível (nem foi alegada a sua excessiva onerosidade), impõe-se.
Restauração natural que se traduzirá, para autora, na obrigação de custear a reparação dos estragos causados nas chapas da fachada do pavilhão que estragou, bem assim como o custo da reparação do portou que danificou – danos emergentes sofridos pela ré (art. 564º, nº 1 do CC).
Apurado que o custo da reparação das chapas importou em 750,00€, é a autora responsável pelo seu pagamento à ré.
O custo da reparação do portão não foi apurado – provado o dano (e a obrigação de indemnizar), mas não o respectivo montante, há-de reconhecer-se ser a ré credora do que a esse propósito se liquidar em ulterior decisão (com o limite de mil euros, dado ter sido essa a quantia a propósito peticionada pela ré).
Do que vem de se expor resulta assistir à ré o direito de se livrar da sua obrigação para com a autora, no exacto montante do crédito de que dispõe sobre ela e bem assim no montante que se vier a liquidar ulteriormente quanto ao custo da reparação do portão (no limite máximo de mil euros) – ou seja, extinguem-se mutuamente ambos os créditos, na parte já liquidada, até ao valor de 750,00€ (o crédito da ré, nesse valor, extingue-se completamente; o crédito da autora sobre a ré, que era de 2.770,0€, por força da extinção parcial naquele valor, reduz-se para 2.020,00€), e ainda no valor que se vier a apurar ser o crédito da ré relativamente ao custo da reparação do portão.
Atenta a retroactividade da compensação (art. 854º do CC) tem de considerar-se que os créditos se extinguiram ainda na fase da execução dos trabalhos – e, portanto, quando ainda nem sequer se vencera, atento o acordo das partes, a prestação a cargo da ré (a parte do preço a pagar no final da obra que a autora veio também exigir na presente acção). Por isso que os juros moratórios só incidirão sobre a quantia que a autora ainda pode exigir da ré, por não extinta pela compensação.
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DECISÃO
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Em face do exposto, acordam os Juízes desta secção cível, na parcial procedência da apelação:

- em condenar a ré a pagar à autora a quantia que depois de deduzido o valor a liquidar ulteriormente quanto ao custo de reparação do portão (alínea k) dos factos provados – com o limite de mil euros) resultar do crédito que a segunda detém sobre a primeira no valor de dois mil e vinte euros (2.020,00€), quantia que será acrescida de juros moratórios desde 2/05/2017 até efectivo e integral pagamento;
- em manter a decisão recorrida na parte restante – condenação da ré a apagar à autora a quantia que se liquidar em incidente de liquidação relativamente ao valor unitário de cada um dos serviços identificados na alínea h) dos factos provados, com o limite de mil novecentos e vinte e oito euros (1.928,00€).
Na proporção de 2.928,00€ para o valor da acção, as custas (da acção e da apelação) serão suportadas, provisoriamente, por ambas as partes em partes iguais, efectuando-se o rateio definitivo na decisão do incidente de liquidação.
Na proporção restante, as custas (da acção e da apelação) serão suportadas por autora e ré na proporção do decaimento.
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Guimarães, 5/03/2020
(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)


1. Apelação nº 104469/18.2YIPRT.G1; Relator: João Ramos Lopes; Adjuntos: Jorge Teixeira; José Fernando Cardoso Amaral
2. A questão trazida em recurso foi já tratada pelo relator em acórdão desta Relação de 10/07/2019, proferido no processo nº 109506/18.8YIPRT-A.G1, publicado no sítio www.dgsi.pt/jtrg (acórdão em que foi primeiro adjunto o agora aqui segundo adjunto). Não vemos razão para alterar o entendimento então manifestado, pelo que se seguirá de perto a argumentação ali expendida.
3. A alçada dos tribunais da Relação é de trinta mil euros (art. 44º, nº 1 da Lei 62/2013, de 26/08).
4. P. ex., o acórdão do STJ de 24/09/2015 (Oliveira Vasconcelos). A argumentação expendida em tal acórdão pode ser transposta para o art. 10º do DL 62/2013, que actualmente disciplina a matéria.
5. Acórdão do STJ de 6/06/2017 (Júlio Gomes), no sítio www.dgsi.pt/jstj; Os argumentos ali expostos sintetizam-se nos seguintes termos:- confinar a admissibilidade da reconvenção aos casos em que a injunção, por força do valor do pedido, é superior ao prescrito no nº 2 do art. 7º do DL 32/003, de 17/02 (ou do nº 2 do art. 10º do DL 62/2013), gera desigualdade não alicerçada em razões de justiça material – porque um comerciante exigiu valor inferior ao previsto nos normativos em questão, o comerciante demandado não poderia opor-lhe, no processo em que a injunção se convertesse por haver oposição, crédito superior à alçada da Relação, mas se fosse o credor do valor superior à alçada da Relação o autor da injunção (e entre comerciantes a injunção não está sujeita a limites de valor), já o demandado poderia deduzir compensação de valor inferior aquela alçada. Para lá de se tratar de desigualdade não justificada em razões de justiça material, o entendimento contrário não se harmoniza com o propósito do legislador civil em facilitar a compensação, resultando do nosso sistema legal a possibilidade da compensação ser possível mesmo com créditos ilíquidos, - não há razão para concluir da leitura do art. 7º, nº 2 do DL 32/003, de 17/02 (ou do nº 2 do art. 10º do DL 62/2013) que o ‘mesmo quis afastar as regras processuais gerais sobre o cálculo do valor de uma acção’. Se primeiramente deve ter-se em conta o valor do pedido formulado na injunção, certo é que com a dedução da oposição, convertendo-se então a injunção em ‘procedimento jurisdicional, haverá que aplicar as regras contidas nos artigos 299º e seguintes do CPC’, atendendo-se ao momento em que o procedimento se converte em jurisdicional (porque na injunção não se começa por propor uma acção) «excepto quando haja reconvenção» (nº 1 do artigo 299ºdo CPC), sendo que, então, o valor do pedido formulado pelo Réu é somado ao valor do pedido formulado pelo Autor, quando os pedidos sejam distintos’ (nº 2 do artigo 299 do CPC).
6. ‘A compensação em processo civil: uma proposta legislativa’, p. 1 – artigo publicado em 17/03/2019 no blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.com).
7. Exemplos dessa aludida jurisprudência - o citado acórdão do STJ de 24/09/2015 (Oliveira Vasconcelos), o acórdão da Relação do Porto de 23/02/2015 (Manuel Domingos Fernandes), o acórdão da Relação de Guimarães de 22/06/2017 (Ana Cristina Duarte) e, mais recentemente, o acórdão da Relação de Évora de 30/05/2019 (Isabel Imaginário), todos no sítio www.dgsi.pt.
8. Assim o citado acórdão da Relação de Guimarães de 22/06/2017 (Ana Cristina Duarte).
9. Miguel Teixeira de Sousa, em comentário publicado em 19/06/2019 no blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.com) ao acórdão da Relação de Évora de 30/05/2019.
10. V.g., Gabriela Cunha Rodrigues, ‘A acção declarativa comum’, p. 54, intervenção proferida na Universidade Lusíada em 31/05/2013, disponível in http://repositorio.ulusiada.pt/bitstream/11067/1088/1/LD_11_4.pdf, referindo: ‘Nas acções em que não é admissível reconvenção, como as acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias, previstas no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, ou nas acções em que seja inadmissível a dedução da compensação quando a apreciação do contracrédito não seja da competência do tribunal judicial (artigo 93.º, n.º 1), a interpretação deste preceito não nos deve conduzir a efeitos tão restritivos. Na verdade, o chamamento de uma nova relação jurídica a tribunal também acontece na novação (artigo 857.º do CC), cuja natureza de excepção peremptória não é discutida. E o artigo 395.º do Código Civil integra a compensação e a novação no conceito de factos extintivos da obrigação. Parece-nos que ao réu não deve ser coarctado este relevantíssimo fundamento de defesa. É, pois, de concluir que, ainda que se entenda que, deduzida a compensação, o réu tem o ónus de reconvir, o tratamento da compensação não pode deixar de ser o da excepção peremptória nos processos em que não é admissível a reconvenção.’ Também, Rui Pinto, no artigo ‘A Problemática da Dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013’ pág. 19, publicado em 24/05/2017 no blogue IPPC (https://blogippc.blogspot.com), referindo que o importante será que o processo civil realize o direito material, independentemente do modo de expressão procedimental. Por isso, mesmo os processos especiais têm de assegurar ao devedor a possibilidade de opor ao seu credor a compensação, necessariamente fora da reconvenção. Essa possibilidade tem lugar pela contestação por excepção peremptória’.
11. Citado acórdão da Relação do Porto de 23/02/2015 (Manuel Domingos Fernandes) e o Acórdão da Relação de Coimbra de 16/01/2018 (Maria João Areias). No acórdão da Relação do Porto de 24/01/2018 (Carlos Querido) tratou-se da invocação da compensação por via exceptiva arguida em articulado apresentando antes da entrada em vigor do CPC de 2013.
12. Assim o acórdão da Relação do Porto de 13/06/2018 (Rodrigues Pires), no sítio www.dgsi.pt.
13. Assim o sustentam, doutrinariamente, p. ex.: - os Exmos. Juízes Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código do Processo Civil, Vol. I, 2ª edição, 2014, p. 259, referindo ter sido ‘intenção do legislador estabelecer que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido’; - Jorge Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 2015, 12ª edição, p. 247, sustentando que face ao teor do art. 266º, nº 2, c) do CPC, ‘sempre que o réu pretenda o reconhecimento do seu crédito, quer seja para obter a compensação, quer seja para obter o pagamento da parte em que o seu crédito excede o do autor, deve deduzir reconvenção’, entendendo-se que ‘o pedido de compensação ultrapassa o mero pedido de defesa, pois o réu não se limita a invocar um facto extintivo do direito do autor, mas submete à apreciação do tribunal uma relação jurídica sobre o património do autor e, portanto, diferente da que foi configurada por este na acção’; - Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2015, pp. 186/187, onde conclui que com o preceito (art, 266º, n 2, c) do CPC) o legislador quis por fim à querela suscitada no âmbito do regime pretérito, tornando agora claro que o réu, ‘sempre que se afirme credor do autor e pretenda obter o reconhecimento de tal crédito na acção em que está sendo demandado, deverá formular pedido reconvencional nesse sentido e pedir a fixação das consequências possíveis em face desse reconhecimento’, devendo por isso entender-se que o regime ‘não permite ao réu qualquer tipo de opção, isto é, não se afigura possível ao réu optar entre a via reconvencional ou a mera invocação de um crédito sobre o autor por meio de excepção peremptória’ – admitir tal opção (acrescenta) ‘seria reeditar a polémica do passado, bem assim desrespeitar o intuito legislativo’; - Miguel Teixeira de Sousa, em vários artigos/cometários publicados no blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.com), mormente nos artigos/comentários de 26/04/2017 e de 1/05/2017, denominados ‘AECOPs e compensação’ e AECOPs e compensação (2)’, respectivamente, aduzindo que (segundo dos citados comentários) ‘a escolha quanto à alegação da compensação judicial nas AECOPs só pode ser entre a sua invocação através de reconvenção (como resulta do disposto no art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC) e a não invocação da compensação nas referidas AECOPs’, pois que sendo a reconvenção a única forma prevista no CPC para a alegação da compensação nas acções declarativas, ‘a opção nunca pode ser entre a invocação da compensação por reconvenção e a sua alegação por excepção’, acrescentando que a ‘admitir-se a invocação da compensação nas AECOPs, isso só pode suceder através da forma prevista no CPC’, implicando qualquer outra forma de alegação da compensação (nomeadamente ope exceptionis) uma ‘interpretação correctiva do CPC, dado que determina a não aplicação da forma prevista no CPC para a invocação da compensação judicial nos processos declarativos’.
14. Não invocando o réu a extinção por compensação do crédito do autor (e sendo, por isso, condenado a satisfazer o crédito do autor), o seu contracrédito também não foi apreciado na acção, pelo que nada impede que este contracrédito possa ser invocado numa outra acção – cfr. Miguel Teixeira de Sousa, no citado ‘A compensação em processo civil: uma proposta legislativa’, p. 11.
15. Citado Acórdão do STJ de 6/06/2017 (Júlio Gomes) – a impossibilidade de deduzir tal matéria não prejudicará o réu em termos de caso julgado ou de efeito de caso julgado já que a apreciação material do Tribunal não incidirá sobre ela, não se produzindo, tão-pouco, qualquer efeito preclusivo.
16. Citado Acórdão do STJ de 6/06/2017 (Júlio Gomes).
17. Miguel Teixeira de Sousa, no referido artigo/comentário publicado em 19/06/2019 no blog do IPPC (ao acórdão da Relação de Évora de 30/05/2019 – o ‘direito processual civil é um direito instrumental, dado que é um direito que serve de instrumento à tutela de situações subjectivas. Isto impõe que o direito processual civil deva ser interpretado e aplicado da forma que melhor favorecer essa tutela, e não com um qualquer sentido que se traduza em dificultar ou mesmo impossibilitar essa tutela.’
18. Rui Pinto no citado artigo ‘A Problemática da Dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013’, p. 19: ‘O que é importante é que o processo civil realize o direito material, independentemente do modo de expressão procedimental.
19. Expostos por Miguel Teixeira de Sousa nos referidos artigos/comentários publicados no blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.com), mormente nos comentários de 26/04/2017 e de 1/05/2017, denominados ‘AECOPs e compensação’ e AECOPs e compensação (2)’, respectivamente.
20. Miguel Teixeira de Sousa, ‘A compensação em processo civil: uma proposta legislativa’, p. 1, referindo que o melhor conselho a dar à jurisprudência ‘é o de continuar a fazer como costumava fazer quando a compensação era alegada por via de excepção, dado que o contraditório do autor tem de estar assegurado exactamente da mesma maneira qualquer que seja o modo de alegação a compensação em juízo’.
21. Reconhece-o Miguel Teixeira de Sousa, ‘A compensação em processo civil: uma proposta legislativa’, pp. 3/4 e nos comentários de 26/06/2015 e de 01/05/2017, respectivamente denominados ‘Sobre a oposição à execução com fundamento em contracrédito sobre o exequente (2)’ e ‘AECOPs e compensação (2)’ – tudo no citado blog do IPPC.
22. Miguel Teixeira de Sousa, no comentário de 26/06/2015 denominado ‘Sobre a oposição à execução com fundamento em contracrédito sobre o exequente (2)’.
23. Autor, obra e local citado.
24. Miguel Teixeira de Sousa, no comentário de 01/05/2017 denominado ‘AECOPs e compensação (2)’.
25. Gabriela Cunha Rodrigues, citada ‘A acção declarativa comum’, p. 54.
26. Miguel Teixeira de Sousa no citado artigo ‘A compensação em processo civil: uma proposta legislativa’, p. 8.
27. Entenda-se a deficiência como nulidade da sentença por omissão de pronúncia [pois que o objecto da sentença integra também a pronúncia sobre os factos – e assim, que para lá do error in judicando sobre a questão de facto, pode o tribunal incorrer na falha de não decidir sobre factos relativamente aos quais se impunha decidir, pois deve o tribunal ‘emitir pronúncia sobre todos os factos essenciais alegados carecidos de prova (arts. 607º, nº 3 e 608º, nº 2), sob pena de ocorrer uma omissão de pronúncia no julgamento da questão de facto’, geradora da nulidade da sentença – assim Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume I, 2014, 2ª edição, pp. 606/607. Também Miguel Teixeira de Sousa, em comentários publicados no blog do IPPC (https://blogippc.blogspot.com) em 30/07/2015 ao acórdão da Relação de Lisboa de 17/06/2015 e em 15/10/2017 ao acórdão do STJ de 23/03/2017] ou apenas como patologia a sindicar (mesmo oficiosamente) nos termos do art. 662º, nº 2, c) do CPC, enquanto deficiência da matéria de facto [assim, por exemplo, o acórdão da Relação do Porto de 14/12/2017 (Carlos Gil), no sítio www.dgsi.pt.]. No caso, poderia considerar-se não existir nulidade da sentença por omissão de pronúncia, pois que a solução da primeira instância sobre a inadmissibilidade da dedução da compensação por via de excepção tornava desnecessária a pronúncia sobre a matéria de facto. Porém, a deficiência manter-se-ia sendo necessária solucioná-la – e por isso que temos por acertada a posição que considera a deficiência da decisão de facto como patologia a sindicar nos termos do art, 662º, nº 2, c) do CPC (o que pode mesmo ser feito oficiosamente – possibilidade que também afasta este vício das nulidades da sentença, que precisam de ser invocados).
28. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, p. 176.
29. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pp. 288/289.
30. Critério que se reporta às soluções aventadas na doutrina e/ou na jurisprudência, ou que, em todo o caso, o juiz tenha como dignas de ser consideradas (como admissíveis a uma discussão séria) - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 188, nota 1. Devem considerar-se como tais as soluções que a doutrina e a jurisprudência adoptem para a questão (designadamente nos casos em que em torno dela se tenham formado duas ou mais correntes) e também aquelas que sejam compreensivelmente defensáveis, considerando a lei e o direito aplicáveis - A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, pp. 417 e 418.
31. Assim, ainda que considerando o anterior regime processual civil, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime (Decreto Lei nº 303/07, de 24/08) – 2ª edição revista e actualizada, p. 298. Os argumentos expendidos mantêm inteira valia à luz do regime processual vigente.
32. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, p. 290.
33. Abrantes Geraldes, Recursos (…), p. 300.
34. Defendiam-no a propósito do regime processual anterior ao introduzido pela Lei 41/2013, de 26/07, ao nível da doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, pp. 283 a 286 e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 227 (referindo que, por se encontrar na posse dos mesmos elementos de prova que a 1ª instância, a Relação, se entender, dentro do princípio da livre apreciação da prova, que aqueles elementos impõem uma decisão diferente sobre o ponto impugnado da matéria de facto, alterará a decisão que sobre ele incidiu – a reapreciação da prova pela Relação coincide em amplitude com a da 1ª instância); ao nível da jurisprudência (tirada no âmbito da vigência do anterior regime processual), p. ex., os Acórdãos do STJ de 01/07/2008, de 25/11/2008, de 12/03/2009, de 28/05/2009 e de 01/06/2010, no sítio www.dgsi.pt/jstj. Posição que a doutrina e a jurisprudência vêem mantendo (e veementemente reforçando) quanto ao regime processual vigente – p. ex., na doutrina Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, p. 298 a 303 (máxime 302 e 303) e na jurisprudência os acórdãos do STJ de 8/01/2019 (Ana Paula Boularot) de 25/09/2019 (Ribeiro Cardoso), no sítio www.dgsi.pt/jstj.
35. A. Varela, RLJ, Ano 116, p. 339.
36. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 191.
37. Referência para que se procedeu à integral audição das declarações de parte do gerente da autora e depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência.
38. É a seguinte a redacção de tais artigos: 19º - ‘Ascende, pois, à quantia de 5.750,00€ o valor dos prejuízos suportados pela oponente em virtude da conduta contratualmente inadimplente da requerente’. 20º- ‘A oponente comunicou atempadamente à requerente todos estes prejuízos e informou-a de que iria proceder à emissão da correspondente factura’. 21º ‘A oponente chegou a propor à requerente a compensação recíproca de créditos, que esta não aceitou’. 26º - ‘Deste modo, a oponente é credora da requerente pelo indicado valor de 5.750,00€’.
39. Refira-se que apesar de não alegado pela autora o modo como tais danos foram causados, tal matéria, porque complementar da essencial alegada, pode/deve ser adquirida pelo tribunal, já que resultou da instrução da causa e sobre ela teve a autora possibilidade de se pronunciar em audiência (art. 5º, nº 2, b) do CPC).
40. Cfr. a propósito, o acórdão do STJ de 9/12/2008 (Nuno Cameira), no sítio www.dgsi.pt/jstj.
41. Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, 3ª edição revista e aumentada, pp. 65/66.
42. A. Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, 10ª edição, p. 404.
43. O cumprimento é a realização da prestação a que o devedor está vinculado - a realização da prestação destinada a satisfazer o interesse do credor e a forma regular de liberar o devedor.
44. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 5ª edição, p. 195.
45. Diez-Picaso, apud A. Varela, obra e local citados (nota 3).
46. Brox, apud A. Varela, obra e local citados (nota 4).
47. Pedro Romano Martinez, Cumprimento defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada, (colecção Teses), Almedina, 2000, pp.. 237, 238 e 241, refere a propósito que apurar da justeza da aplicação do instituto da responsabilidade contratual ou extracontratual ao caso concreto (casos em que no decurso do contrato uma parte provoca danos ao credor) depende da distinção dos próprios danos causados, distinguindo entre danos extra rem e danos circa rem, abrangendo os primeiros apenas as situações em que existem danos pessoais sofridos pelo credor ou danos ocasionados no restante património do accipiens (inserindo aqui os danos causados na pessoa ou património de terceiros que o credor teve de indemnizar) e os segundos todos os outros danos, por exclusão de partes; quanto aos primeiros danos (os danos extra rem) sustenta o autor verificar-se a responsabilidade extracontratual.
48. Assim, p. ex., Cura Mariano, obra citada, pp. 91 a 93.