Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
851/12.3TBPRG-C.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
PRINCÍPIO DA PLENITUDE DA ASSISTÊNCIA DOS JUÍZES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. O facto de a decisão (um despacho interlocutório) não citar nenhuma disposição legal, em questão que não se reveste de qualquer dificuldade técnica, não impede as partes de perceber a decisão e o seu fundamento. A necessidade de citar disposições legais varia na mesma proporção da complexidade da questão em apreciação. Donde, não se verifica a nulidade prevista no art. 615°,1,b do CPC.

2. O art. 605º,1 CPC, que consagra o princípio da plenitude da assistência do juiz, aplica-se às situações em que o julgador fica incapacitado durante a audiência final. Estando já encerrada esta, e sendo o processo concluso para sentença, já não estamos no âmbito de aplicação dessa norma. Rege então o nº 4 do mesmo artigo, o qual, porém, apenas faz estender a regra da plenitude da assistência do juiz à elaboração da sentença nos casos de transferência ou promoção.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Sumário: 1. O facto de a decisão (um despacho interlocutório) não citar nenhuma disposição legal, em questão que não se reveste de qualquer dificuldade técnica, não impede as partes de perceber a decisão e o seu fundamento. A necessidade de citar disposições legais varia na mesma proporção da complexidade da questão em apreciação. Donde, não se verifica a nulidade prevista no art. 615°,1,b do CPC. 2. O art. 605º,1 CPC, que consagra o princípio da plenitude da assistência do juiz, aplica-se às situações em que o julgador fica incapacitado durante a audiência final. Estando já encerrada esta, e sendo o processo concluso para sentença, já não estamos no âmbito de aplicação dessa norma. Rege então o nº 4 do mesmo artigo, o qual, porém, apenas faz estender a regra da plenitude da assistência do juiz à elaboração da sentença nos casos de transferência ou promoção.

I- Relatório

Correm os seus s no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo de Execução de Chaves, os autos de oposição à execução comum (art. 813º CPC) com o nº 851/12.3TBPRG-B, em que é executado/opoente R. M. e exequente X – Materiais de Construção Civil Unipessoal, Lda.

A questão central a decidir nesses embargos era saber se a assinatura e os dizeres “bom por aval ao aceitante” aposta no verso das letras dadas à execução foi feita pelo punho do executado.

Conforme acta de fls. 22 deste apenso de recurso, realizou-se em 5/7/2017 a audiência de julgamento, finda a qual o Tribunal considerou provado que a assinatura aposta no verso das letras foi feita pelo punho do executado, e considerou não provado que os dizeres “bom por aval ao aceitante” apostos no verso das letras tenham sido feitos pelo punho do executado.

Foi aberta conclusão para sentença, e em 12/10/2017 foi proferido despacho, no qual, em síntese, a M.ma Juíz signatária (não a que presidiu à audiência de julgamento) consignou que após analisar os documentos (letras) que foram juntos pela exequente a fim de ser efectuada a perícia grafológica determinada, concluiu que esses documentos, que foram sujeitos à já referida perícia, não são os mesmos que foram dados à execução.

E terminou dando prazo às partes para se pronunciarem.

A exequente veio informar que por lapso do escritório do seu mandatário foram juntos originais de 5 letras que fazem parte do lote de 9 que foram emitidas em 24/5/2012 e avalizadas pelo executado, mas que não são as que foram dadas à execução. E junta agora os originais dos 4 títulos dados à execução.

O executado/embargante veio também pronunciar-se, defendendo que se rejeite a junção pretendida agora pela exequente, por nula nos termos do art. 195º ex vi do art. 724º CPC, e que deve ser proferida sentença que declare extinta a execução por falta de título executivo, absolvendo o executado do pedido executivo.

Foi então proferido despacho que indeferiu ao requerimento do executado, julgando improcedente a arguida nulidade, e determinou a remessa dos autos à M.ma Juíz que presidiu à audiência de julgamento e proferiu a decisão da matéria de facto.

Foi então proferido o seguinte despacho (o despacho recorrido):

“Conforme se expôs já, verifica-se que se mostra impedida a signatária de proferir decisão final nos presentes autos porquanto na resposta à matéria de facto se fez referência aos documentos de fls. 63 e 64 como se fossem título executivo, quando, efectivamente, tais documentos não constituem o título executivo dado à execução. Por outro lado, caberia à Mmª Juíza que presidiu à audiência pronunciar-se sobre tal discrepância. Todavia, encontrando-se a mesma de baixa por gravidez de risco, não se prevendo a data em que regresse ao serviço, considerando, por outro lado, a antiguidade dos autos, entende o Tribunal ser de determinar o prosseguimento dos autos, com o conhecimento da nulidade em causa. Assim sendo, haverá que declarar-se nula a resposta ao quesito 1º da matéria de facto, já que existe uma discrepância entre aquilo que constituía o objecto sujeito à apreciação do Tribunal, a assinatura aposta nos documentos juntos com o requerimento executivo, e aquela que foi a pronúncia do Tribunal, a assinatura aposta nos documentos de fls. 63 e 64 que, como se explicou já não constituíam o título executivo. Pelo exposto, por existir contradição, declara-se nula a resposta ao quesito 1º da decisão de resposta à matéria de facto.
Notifique.

Mais se determina a repetição da diligência de perícia às letras agora juntas aos autos, nos mesmos termos já determinados, a realizar pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária”.

E porque não se conformou com este despacho, veio o executado interpor recurso, que foi recebido como apelação, a subir imediatamente, em separado, com efeito meramente devolutivo, tudo nos termos do disposto nos artigos 853º,1,2,a,4, 629º, 631º,1, 644º,2,h, todos do Código de Processo Civil.

O recorrente termina as suas alegações com as seguintes conclusões:

1) A douta Decisão objecto do presente Recurso é nula e como tal deve ser declarada, com as legais consequências, porquanto, não existe qualquer contradição ou discrepância no art. 1º dos Factos dados como Provados na douta Decisão do Julgamento da Matéria de Facto, mas apenas um incumprimento legal e processual da Recorrida, reiterado, levando a que, como refere a douta Decisão em crise: "efectivamente, tais documentos não constituem o título executivo dado à execução" sic. Logo, Estamos perante a execução de letras de câmbio, enquanto títulos executivos, pelo que a reconhecida inexistência pelo Tribunal “a quo” de um Requerimento Executivo (RE) de 11.12.2012, sem título executivo, não é uma discrepância, mas uma nulidade por violação dos art. 201º (195° NCPC), arts. 810°, nº 6 aI. a), 811° n° 1 b), nº 3 e nº 4 do CPC (art. 724º, nº 4 e n° 5 do NCPC). Pois, não pode existir uma Execução sem Título !
2) Verificada agora, em fase de Prolação da Sentença, a inexistência de título executivo, por mera inércia da Recorrida - e deficiente avaliação e verificação também pelo douto Tribunal 'a quo' ao longo de todo o processo, como se elencou supra art. 33º até 42° das Alegações que por mera economia processual reiteramos - não só não cumpriu, a Recorrida, com o doutamente ordenado em 24 de Junho de 2014 como violou aquelas normas supra citadas, cometendo uma nulidade nos termos do art. 201° do CPC (195° do NCPC), e em consequência deve ser proferida Sentença que declare extinta a Execução (vg. nº 4 do art. 811º do CPC aplicável).
3) O douto Tribunal “a quo” não está impedido, antes tem obrigação de se pronunciar já -mesmo que com mais de 5 anos de atraso!- sobre a extinção do Requerimento Executivo, por manifesta- e reconhecida finalmente pelo douto Tribunal “a quo” - falta de título Executivo!
4) Ora, reconhecendo a douta Decisão em crise a inexistência dos TÍTULOS EXECUTIVOS- que é um facto notório e antigo - aquando da Audiência de Julgamento da Matéria de Facto, nos termos do art. 653º do CPC, tanto mais que a Embargada e Recorrente não reclamou na data da mesma em 5 de Julho de 2017 e não foi interposto recurso da douta Decisão da mesma, logo,
4) A douta Decisão do Julgamento da Matéria de Facto transitou em julgado em 02 de Outubro de 2017 não podendo e não devendo agora - porque a lei Processual não o prevê e nem o permite - vir a Recorrida juntar os títulos executivos, 'a reboque' e por uma inexistente nulidade declarada ilegalmente pelo douto Tribunal 'a quo'. Deve sim, porque os documentos dados à execução e os que constam efectivamente dos autos não constituem os títulos executivos, ser proferida douta Sentença que, Declarando Extinta a Execução por falta de título executivo, deverá absolver o Executado/Embargante do pedido executivo, julgando procedentes os embargos.
5) A douta Decisão em recurso, viola claramente princípio da estabilidade processual, senão mesmo e desde logo, nos termos do art. 260º do NCPC (art. 268º do CPC). É com esses requisitos, documentos e títulos executivos que a instância se deve manter até final, tendo-se consolidado em ultima ratio com a junção dos originais dos títulos de crédito, quando exigidos pelo Tribunal, que ocorreu em 6 de Junho de 2014.
6) De todo o modo, e sem prescindir: A douta Decisão de que se recorre, é ela mesma nula por falta de fundamentação de facto e de Direito. Como demonstrado - até pela simples leitura daquela douta Decisão em recurso - a falta absoluta dos fundamentos de direito e de facto é notória.
7) As decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, dispõe o art. 205°, n° 1 da CRP. Não se trata notoriamente de uma decisão de mero expediente e a falta de fundamentação é patente. "Conforme se expôs já, verifica-se que se mostra impedida a signatária de proferir decisão final nos presentes autos porquanto na resposta à matéria de facto se fez referência aos documentos de fls. 63 e 64 como se fossem título executivo, quando efectivamente, tais documentos não constituem o título executivo dado à execução.

Por outro lado, caberia à Mmo Juíza que presidiu à audiência pronunciar-se sobre tal discrepância.

Todavia, encontrando-se a mesma de baixa por gravidez de risco, não se prevendo a data em que regresse ao serviço, considerando, por outro lado, a antiguidade dos autos, ... ". Refere a douta Decisão em crise e concluindo, sem mais: " ... entende o tribunal ser de determinar o prosseguimento dos autos com o conhecimento da nulidade em causa.”

Não refere nenhuma nulidade processual, nem explicita qual a que deve ser aplicada àquela suposta discrepância.

8) Não há dúvida que a douta Decisão de recurso é nula por falta de fundamentação, uma vez que a mesma não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão - artigo 615°, nº 1, alínea b) do CPC.
9) O douto Tribunal 'a quo' tomou oficiosamente uma suposta contradição em um ponto de uma decisão anterior - transitada em Julgado - intitulando-a conclusivamente de “nulidade” sem demonstrar as razões de facto, nem apontar, enunciar uma qualquer norma jurídica que a sustentasse ou justificasse, ao menos sucintamente, antes totalmente infundamentada. Pelo que, violados que se mostram os normativos dos arts. 154º, 156º n° 1, al. a) e 158° do CPC e ainda os arts. 2015 e 2018º,1 CRP, a mesma deve ser declarada nula por este Venerando Tribunal superior, com as legais consequências.
10) Pugna ainda, aquela douta Decisão do Tribunal “a quo” pelo prosseguimento dos autos, aceitando agora a junção dos títulos de crédito efectuada pela Recorrida, decidindo pela sua remessa ao Laboratório de Polícia Científica da Policia Judiciária para novos exames periciais.
Com todo o respeito que nos merece a opinião contrária, tal não tem qualquer cabimento, porque o que o Tribunal “a quo” está a fazer é substituir-se aos deveres da Exequente/Recorrido, aceitando agora a junção de 4 letras prescritas, que deveriam ter sido juntas por aquele com o RE, ou nos 10 dias subsequentes, logo,
11) Está a iniciar, de novo o Processo Executivo e não a prosseguir os autos, ou seja: - aceitando o douto Tribunal 'a quo' apenas agora a junção das letras, dos 'títulos executivos dados à execução', o Recorrente porque só agora foi notificado da sua junção e aceitação pelo douto Tribunal a quo da rectificação do pretenso erro da Recorrida - mesmo que de forma encapotada pela inexistente nulidade plasmada na decisão da Mma. Sra. Juíza do Processo - teria e deve ser de novo citado para exercer o seu direito de oposição por embargos, pelo que,
12) Se assim se verificar, invoca o Recorrente expressamente a nulidade do requerimento executivo, por ter sido apresentado sem título executivo e sem prescindir.
13) Invoca expressamente a prescrição -pela apresentação agora- dos títulos executivos com datas de 24.07.2012, 24.08.2012, 24.9.2102 e 24.10.2012, nos termos do art. 70° da LULL, com a legal consequência de extinção da instância executiva!
14) Sempre a douta Decisão da Mma Sra. Juíza terá de ser considerada nula e de nulo efeito, por violação do disposto nos arts. 605° e 611º,1 do CPC. Refere este último normativo: "1. Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão".

A decisão que corresponde à situação existente no momento do encerramento da discussão, é a de que “efectivamente tais documentos não constituem o título executivo dado à execução", logo, naqueles termos legais a douta Sentença deve ser proferida tendo em conta essa conclusão, declarando extinta a execução por falta de título executivo.
15) Estamos aqui também perante uma extensão do Princípio da Estabilidade da lnstância, que é notoriamente violada. Além de que, nos termos do art. 605º do CPC, sempre a Mm. Sra. Juíza que proferiu a douta Decisão em crise, nunca o poderia fazer pelas razões que ali alude pois violam aquele normativo legal, ou como esclarecem as Conclusões das Jornadas de Processo Civil do CEJ de 19 de Abril de 2013: ''Atento o espírito da lei, deve entender-se que, fora dos casos de incapacidade física, moral ou profissional para o exercício do cargo, está integrado no conceito de julgamento e elaboração da respectiva sentença, ainda que esta venha a ser proferida posteriormente à data da aposentação, por fazer parte intrínseca do conceito de julgamento".
16) Ora, a Mma Sra. Juíza do Processo e Julgamento, como refere a douta Decisão em recurso, encontra-se de baixa por gravidez de risco', logo, sempre seria, como é NULA a douta Decisão em causa, devendo declarar-se extinta a execução com as legais consequências.

Não houve contra-alegações

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:

-a decisão recorrida é nula porque não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (art. 615°,1,b do CPC);
-a decisão recorrida viola o princípio da estabilidade processual, nos termos do art. 260º do NCPC;
- a decisão recorrida viola o disposto no art. 605º do CPC, por a Mm. Sra. Juíza que proferiu a decisão em crise não o poder fazer;

III
Conhecendo do recurso.

Vamos começar por dizer que este recurso em separado incide sobre um despacho que resolveu uma mera questão processual. Não está aqui em causa a decisão sobre a substância dos embargos de executado, pelo que as referências nesse sentido feitas nas alegações, bem como as referências à falta de título executivo são descabidas e como tal serão ignoradas.

Serão igualmente ignoradas as referências feitas pelo recorrente de que a decisão recorrida está a iniciar de novo o processo executivo e não a prosseguir os autos, e que ele teria de ser novamente citado para exercer o seu direito de oposição por embargos, bem como a referência à prescrição, pela apresentação agora dos títulos executivos, porque sobre essa matéria já se pronunciou o Tribunal recorrido por despacho de 5/12/2017. E não é esse o despacho que está a ser objecto de recurso neste momento.

Está em causa aqui, tão só, a decisão do Tribunal recorrido que considerou que se mostrava impedido de proferir decisão final nos autos, porquanto considerou nula a resposta ao quesito 1º, por existir uma discrepância entre aquilo que constituía o objecto sujeito à apreciação do Tribunal, a assinatura aposta nos documentos juntos com o requerimento executivo, e aquela que foi a pronúncia do Tribunal, a assinatura aposta nos documentos de fls. 63 e 64 que, como se explicou já não constituíam o título executivo. E, consequentemente, determinou a repetição da diligência de perícia às letras agora juntas aos autos, nos mesmos termos já determinados, a realizar pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária.

Não vemos como criticar esta decisão. Ela é a única possível face à situação a que se chegou nestes autos.

Vamos assentar, em primeiro lugar, que o processo civil é um conjunto ordenado e estruturado de actos processuais que tem como objectivo apurar aquilo que se chama a “verdade material”, ou que também se pode chamar de “verdade histórica”: ou seja: o que realmente sucedeu. Se perdermos de vista esta luz orientadora as sentenças dos Tribunais correm o risco de se transformarem em inutilidades pomposas.

Assim, nos termos do art. 411º CPC “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.

O que fez o despacho recorrido mais não foi do que isso mesmo: a essência do litígio era saber se foi o embargante que assinou pelo seu punho no verso das letras dadas à execução, no lugar do avalista. O Tribunal determinou que se recorresse à prova pericial para poder julgar esse facto. E veio a constatar-se que a perícia incidiu sobre assinaturas apostas pelo embargante noutros documentos que não os títulos executivos.

Daí, a determinação que fosse efectuada nova perícia, desta feita recaindo sobre os documentos correctos.

Dizendo de outra forma: a prova pericial realizada não foi aquela que foi ordenada, porque devido ao lapso referido, recaiu não sobre os títulos dados à execução, mas sim sobre outros, irrelevantes. E assim, era essencial corrigir esse lapso. Foi o que fez a decisão recorrida. Até temos dificuldades em entender por que razão o embargante combate tão aguerridamente essa decisão, porque ela também o protege a ele: recordemos que o Tribunal tinha considerado provado, com base nessa prova errada, que tinha sido o embargante a apor pelo seu punho a respectiva assinatura no título, no lugar do avalista.

Dito isto, vejamos o que pode o executado ter contra esta opção do Tribunal recorrido.

Começou por dizer que a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação, uma vez que a mesma não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (art. 615°,1,b do CPC).

Ora, dispõe o art. 615º,1,b do CPC: “É nula a sentença quando: (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; (…)”.

Nos termos do art. 154º CPC as decisões são sempre fundamentadas sendo que esta não pode, em princípio, consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou oposição. É dever constitucionalmente imposto (art. 205º,1 da CRP).
Como se pode ler no Ac. do STJ de 09/12/1987, relatado pelo Cons. Manso Preto, in www.dgsi.pt “I - A motivação da sentença impõe-se por duas razões: uma substancial, pois cumpre ao juiz demonstrar que da norma abstracta formulada pelo legislador soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto; e outra de ordem prática, uma vez que as partes precisam de ser elucidadas a respeito dos motivos da decisão. II - Sobretudo a parte vencida tem o direito de saber por que razão lhe foi desfavorável a sentença; e tem mesmo necessidade de o saber para impugnar, quando seja admissível recurso, o fundamento ou fundamentos perante o tribunal superior, que carece também de conhecer as razões determinantes da decisão para as poder apreciar no julgamento do recurso. (…)”.

Não pode, porém, confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a primeira constitui a causa de nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 615º citado. Neste mesmo sentido, A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., 1985, p. 670/672, que escrevem: “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.

No caso em apreço parece-nos meridianamente óbvio que a decisão não padece desta nulidade, porque a mesma vem na sequência do processado imediatamente anterior, e quem o conheça bem, como sucede com as partes, não tem a menor dificuldade em perceber a razão pela qual se decidiu como decidiu.

A decisão não cita nenhuma disposição legal -é certo-, mas também não é por aí que as partes ficam impossibilitadas de a perceber e de perceber o seu fundamento. Basta ler a decisão para perceber que a mesma é inteiramente lógica, explica qual a situação com que o Tribunal se deparou, e explica o caminho considerado certo para resolver tal situação. Podemos considerar que a necessidade de citar disposições legais varia na mesma proporção da complexidade da questão em apreciação. Como no caso sub judice a questão é de extrema simplicidade -a falta de um meio de prova essencial para a decisão, que foi ordenado mas não produzido- a necessidade de citar normas legais para fundamentar a decisão era mínima, e consideramos que a sua falta não acarreta qualquer nulidade, porque a decisão é em si mesma totalmente perceptível. Não é difícil localizar no Código de Processo Civil normas que pudessem sustentar esta decisão, desde as normas sobre nulidades processuais até ao art. 607º,1 CPC, que dispõe que “encerrada a audiência final, o processo é concluso ao juiz, para ser proferida sentença no prazo de 30 dias; se não se julgar suficientemente esclarecido, o juiz pode ordenar a reabertura da audiência, ouvindo as pessoas que entender e ordenando as demais diligências necessárias”.

Como tal, a decisão não padece de qualquer nulidade.

De seguida, afirma o recorrente que a decisão recorrida viola o princípio da estabilidade processual, nos termos do art. 260º do NCPC.

O art. 260º CPC consagra o princípio da estabilidade da instância: “citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”.

Desconhecemos porque razão o recorrente veio invocar esta regra como tendo sido violada, porque a decisão proferida não operou uma qualquer modificação subjectiva da instância, não operou uma qualquer modificação do pedido e não operou uma qualquer modificação da causa de pedir. Limitou-se a ordenar nova perícia, desta feita aos documentos certos, porque a anterior fora feita a outros documentos fora do objecto do processo. Não sabemos se o entendimento do recorrente é o de que a junção dos originais de documentos que já constavam sob a forma de meras fotocópias no processo é uma alteração da causa de pedir, mas se é, o recorrente está isolado e não tem qualquer razão, pois a junção dos documentos originais, como é óbvio, não altera a obrigação cujo cumprimento se está a pretender obter.
Logo, também aqui falece razão ao recorrente.

E, finalmente, alega ainda o recorrente que a decisão viola o disposto no art. 605º do CPC, já que a Mm. Sra. Juíza que proferiu a douta decisão em crise, nunca o poderia fazer pelas razões que ali alude pois violam aquele normativo legal.

Vejamos o que está aqui em causa.

Dispõe o art. 605º CPC:

Artigo 605.º
Princípio da plenitude da assistência do juiz

1 - Se durante a audiência final falecer ou se impossibilitar permanentemente o juiz, repetem-se os actos já praticados; sendo temporária a impossibilidade, interrompe-se a audiência pelo tempo indispensável, a não ser que as circunstâncias aconselhem a repetição dos actos já praticados, o que é decidido sem recurso, mas em despacho fundamentado, pelo juiz substituto.
2 - O juiz substituto continua a intervir, não obstante o regresso ao serviço do juiz efectivo.
3 - O juiz que for transferido, promovido ou aposentado conclui o julgamento, excepto se a aposentação tiver por fundamento a incapacidade física, moral ou profissional para o exercício do cargo ou se for preferível a repetição dos actos já praticados em julgamento.
4 - Nos casos de transferência ou promoção, o juiz elabora também a sentença.

Basta a leitura do nº 1 desta norma para perceber que ela não se aplica ao caso destes autos, porque rege para os casos em que o juiz fica incapacitado durante a audiência final.

Este princípio da plenitude da assistência do Juiz, como escrevem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre em anotação ao respectivo artigo, é um corolário dos princípios da oralidade e da livre apreciação da prova: para a formação da livre convicção do julgador, este terá de ser o mesmo ao longo de todos os actos de instrução e discussão da causa realizados em audiência.

Ora, no caso dos autos, a audiência decorreu com completa observância deste princípio, como se pode ver da acta de fls. 22 a 24 deste apenso de recurso. E após julgamento da matéria de facto, foi declarada encerrada pela Juiz que à mesma presidiu.

Ainda se poderia pretender que o nº 4 do mesmo artigo implicaria que fosse o mesmo Juiz a proferir a sentença. Porém, não podemos sufragar tal entendimento por duas razões: uma de ordem literal e outra pragmática. A primeira é que o próprio texto da lei, que estende o princípio da plenitude da assistência do juiz também à sentença, afirma expressamente que isso só sucede nos casos de transferência ou promoção, que não é a situação dos autos. E a segunda é que o juiz substituto está integralmente preparado para proferir a sentença, nos mesmos termos em que o juiz que presidiu à audiência estaria. Pretender defender o contrário seria o mesmo que dizer que os Juízes dos Tribunais superiores não estão em condições de, em sede de recurso, aplicar o direito aos factos provados porque não assistiram à produção da prova.

E, sendo assim, a celeridade processual obriga que não se desperdice tempo inutilmente, e daí o não se ter esperado o regresso da Senhora Juíza que se ausentou do serviço por gravidez de risco.

Falece também esta linha de argumentação do recorrente.

E assim o recurso não merece provimento.

IV- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando na íntegra o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 22/11/2018

Relator (Afonso Cabral de Andrade)

1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)