Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
175/17.0T8TMC-A.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: PROCEDIMENTO JUDICIAL DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
COMPETÊNCIA POR CONEXÃO
APENSAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator)

I - As disposições constantes dos artigos 79.º, 80.º e 81.º da LPCJP e dos arts. 154.º e 155.º da OTM, que prevêem a competência por conexão constitui um desvio à regra da competência territorial, com o objectivo de concentrar num só e mesmo processo, a apreciação em conjunto e globalmente de todas as situações que justificaram a sua instauração, e permitir uma decisão harmonizada e adequada ao momento e necessidades actuais da criança ou jovem em perigo.

II- Essas mesmas razões de utilidade e necessidade colocam-se com a mesma acuidade, relativamente à interdependência entre processos novos e processos findos, pois se nem sempre e em qualquer caso, os processos pendentes ou findos, possuirão elementos úteis para as finalidades do processo, o certo é que o legislador não tornou disso dependente a competência por conexão.

III – E assim sendo, o procedimento judicial de promoção e protecção deve seguir os seus termos por apenso a um processo de regulação das responsabilidades parentais existente anteriormente, relativo ao mesmo menor, quer o mesmo ainda esteja ainda pendente, quer quando já esteja findo e, portanto, arquivado.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Os presentes autos referentes à menor B. M. foram apensos ao de regulação de responsabilidades parentais referentes à mesma menor.

Entretanto o Tribunal recorrido determinou que os presentes autos fossem novamente remetidos à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens X.

Inconformados com tal decisão, dela interpôs recurso o Mº Pº, de cujas alegações extraiu as seguintes conclusões:

1 – O presente recurso visa o despacho proferido pelo Tribunal a quo, datado de 20.03.2018, que devolveu o processo de promoção e protecção à CPCJ X, relativo à menor B. M. por considerar que este havia sido apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais, mas como já havia sido declarada extinta a instância em 14.02.2018, por inutilidade superveniente da lide, por que existia a correr na CPCJ já processo de promoção e protecção, ordenou a sua remessa novamente a esta.
2- As razões que determinam a apensação a processos pendentes mantêm-se plenamente válidas para a apensação a processos arquivados, tal como defendido numa Declaração de Princípio, do Exmo. Sr. Procurador da República, R. J., do Tribunal de Família e Menores do Porto
3 - De acordo com o Despacho n.º 3512010, do Exmo. Senhor Procurador-Geral Distrital do Porto, datado de 25.05.2010, ‘Devem assim os Senhores Magistrados do Ministério Público interpretar os artigos 154.°, n.º 1, da Organização Tutelar de Menores e 81.°, n.º 1, da Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, no sentido de que se deve requerer a apensação de um processo de promoção (...) a favor de um menor a qualquer outro processo já arquivado, assim propiciando uma visão de conjunto e uma melhor ponderação dos interesses do menor.”
4 – Entendemos que o legislador visava que todos os processos sucessivamente instaurados quanto à mesma criança fossem apensos ao mais antigo, independentemente do seu estado.
5 – No caso sub Júdice, determinando-se a apensação do processo de promoção e protecção, não poderá o Tribunal a quo determinar a devolução do mesmo à CPCJ, considerando que os autos principais haviam sido declarados extintos e, ainda que assim fosse, devia o mesmo correr no Tribunal, uma vez que solicitados não poderão os mesmos serem devolvidos à CPCJ, mas sim correr judicialmente, e serem determinados os trâmites processuais normais, sendo solicitados os competentes relatórios sociais ao ISS, IP – EMAT, entidade essa que colabora com o Tribunal.
6 - Ademais, não podemos deixar de salientar que a própria Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, na sua redacção actual, nos seus artigos 73.º e 74.º, apenas admite a possibilidade de, após remessa dos processos de promoção e protecção vindos da Comissão, de se pedirem esclarecimentos prévios à abertura do processo judicial ou de o arquivar liminarmente.
7 - Pelo que, não se vislumbra a possibilidade do Tribunal a quo devolver os autos à CPCJ, mas antes deveria proceder à abertura da instrução e averiguar da necessidade ou não de manter a medida de promoção e protecção aplicada, caso o perigo se mantenha.
8 - A decisão recorrida viola o artigo 81.°, n.ºs 1 e 4, da Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II – Delimitação do objecto do recurso.

Sendo certo que, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, podem ser enunciadas as seguintes questões a decidir:

- Analisar da competência para proceder à abertura da instrução e averiguar da necessidade de manter a medida de promoção e protecção aplicada.
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III – FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

Além dos factos que constam do relatório que antecede, e com relevância para a decisão do recurso, consta da fundamentação de direito da decisão recorrida o que a seguir se transcreve:

(…)
Resulta da análise dos autos, que por despacho de fls.18 dos autos principais, foi determinada a remessa, nos termos do artigo 81º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, na versão dada pela Lei 142/2015, de 8 de Setembro.
Efectivamente, dispõe o referido normativo, sob a epígrafe “Apensação de processos de natureza diversa” que “Quando, relativamente à mesma criança ou jovem, forem instaurados sucessivamente ou em separado, processos de promoção e protecção, inclusive na comissão de protecção, tutelar educativo ou relativos a providências tutelares cíveis, devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respectivo estado, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar.”
Ademais, o n.º 4 estipula que: “A apensação a que se reporta o n.º 1 tem lugar independentemente do estado dos processos.”
Nesse desiderato, estes autos foram apensos ao processo principal.
Sucede, porém, que em 14.02.2018, foi aquela instância declarada extinta, por inutilidade superveniente da lide, não se vislumbrando, assim, que estes autos, administrativos de promoção e protecção, continuem a ser tramitados por este Tribunal.
Assim, face aos motivos expostos, determina-se que este processo de promoção e protecção seja, novamente, remetido à CPCJ competente.
Notifique.
Dê a competente baixa.
(…)

Fundamentação de direito.

Como fundamento da sua pretensão recursória alega o Recorrente, em síntese, que o despacho proferido pelo Tribunal a quo, devolveu o processo de promoção e protecção à CPCJ X, relativo à menor B. M. por considerar que este havia sido apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais que já havia sido declarada extinta a instância em 14.02.2018, por inutilidade superveniente da lide, por que existia a correr na CPCJ já processo de promoção e protecção.

Sucede que, em seu entender, as razões que determinam a apensação a processos pendentes mantêm-se plenamente válidas para a apensação a processos arquivados, pois que, deve interpretar-se os artigos 154.°, n.º 1, da Organização Tutelar de Menores e 81.°, n.º 1, da Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, no sentido de que se deve requerer a apensação de um processo de promoção a favor de um menor a qualquer outro processo já arquivado, assim propiciando uma visão de conjunto e uma melhor ponderação dos interesses do menor.”

Mais alega que que o legislador visava que todos os processos sucessivamente instaurados quanto à mesma criança fossem apensos ao mais antigo, independentemente do seu estado, sendo que, no caso sub Júdice, determinando-se a apensação do processo de promoção e protecção, não poderá o Tribunal a quo determinar a devolução do mesmo à CPCJ, considerando que os autos principais haviam sido declarados extintos e, ainda que assim fosse, devia o mesmo correr no Tribunal, uma vez que solicitados não poderão os mesmos serem devolvidos à CPCJ, mas sim correr judicialmente, e serem determinados os trâmites processuais normais, sendo solicitados os competentes relatórios sociais ao ISS, IP – EMAT, entidade essa que colabora com o Tribunal.

Ademais, a própria Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, na sua redacção actual, nos seus artigos 73.º e 74.º, apenas admite a possibilidade de, após remessa dos processos de promoção e protecção vindos da Comissão, de se pedirem esclarecimentos prévios à abertura do processo judicial ou de o arquivar liminarmente, pelo que, não se vislumbra a possibilidade do Tribunal a quo devolver os autos à CPCJ, mas antes deveria proceder à abertura da instrução e averiguar da necessidade ou não de manter a medida de promoção e protecção aplicada, caso o perigo se mantenha.

Analisemos então as questões que se colocam as questões que são suscitadas e que, em nosso entender, basicamente, se subsumem a duas essenciais, a saber:

- Se mesmo quando já arquivado, deve mesmo assim ser o processo de promoção se apensado a esse processo;
- Na hipótese de assim se não entender, como solucionar então a questão.

Relativamente à primeira questão, afigura-se-nos pertinente começar por referir que, sendo certo que existem opiniões divergentes sobre a matéria, em nosso entendimento, seja qual for a solução que se perfilhe, dela não decorrem substanciais e muito relevantes interesses práticos, apresentando qualquer delas, simultaneamente, vantagens e inconvenientes, em algumas situações concretas.

Assim, aqueles que entendem o que não será de proceder a essa apensação em caso de arquivamento do processo principal, baseiam essa sus posição no facto na seguinte argumentação aduzida no acórdão da Relação do Porto, de ***, onde expressamente se refere o seguinte:

(…)
“Estatui o artigo 154.º da Organização Tutelar de Menores (OTM), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro (e na redacção que lhe foi introduzida pelo artigo 1.º da Lei n.º 133/99, de 28 de Agosto), sob a epígrafe de “Competência por conexão” que:

“1 – Se forem instaurados sucessivamente processo tutelar cível e processo de protecção ou tutelar educativo relativamente ao mesmo menor, é competente para conhecer de todos eles o tribunal do processo que tiver sido instaurado em primeiro lugar.
2 – No caso previsto no número anterior os processos correm por apenso.
(…)
5 – A incompetência territorial não impede a observância do disposto nos nºs 1 e 4”.

Por sua vez, dispõe o artigo 81.º, n.º 1, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), aprovada pelo artigo 1.º da Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro e a ela anexa, sob a epígrafe de “Apensação de processos”:
“1 – Quando relativamente à mesma criança ou jovem forem instaurados sucessivamente processos de promoção e protecção, tutelar educativo ou relativos a providências tutelares cíveis, devem os mesmos correr por apenso, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar.

(…)
Face ao estatuído nos presentes normativos, a questão que agora se coloca é saber se a apensação só pode ocorrer relativamente a processos que estejam pendentes ou também deve ser aplicada a processos que já estejam findos e arquivados.
Deve, desde logo, reconhecer-se que a letra de ambos os preceitos não é suficientemente precisa no sentido de, sem qualquer dúvida, resolver a questão colocada.
Cremos, porém, que, ainda assim, a terminologia utilizada nos preceitos em causa, nos leva a concluir que a apensação só deve ocorrer quando os processos estejam pendentes.

Vejamos.

Quer num quer noutro normativo fala-se em processos “instaurados sucessivamente”.

Ora, o vocábulo “sucessivamente” significa “um a seguir ao outro sem interrupção” e também “várias vezes num período de tempo relativamente curto”, isto é, processos que são instaurados entre eles em intervalos de tempo curto, mas sempre de todo modo a pressupor que estejam pendentes, ou seja, activos e não arquivados, sendo pois, esse o sentido que decorre do texto da lei. (1)

No fundo e sem quaisquer rodeios, o que resulta dos preceitos em causa, quando lidos sem procurar que neles caiba uma ideia forçada, é que se forem instaurados simultaneamente ou em tempos relativamente curtos, vários processos em relação ao mesmo menor devem todos correr por apenso ao que for instaurado em primeiro lugar.

Esse é, de facto, o sentido que resulta das citadas normas quando lidas sem qualquer pretensão interpretativa que, de uma forma rebuscada, procure que nelas caiba um outro sentido técnico-jurídico que não esteve na mente do legislador, terreno, aliás, onde de um modo geral somos bastante férteis.

Acresce que, a teleologia dos preceitos em causa, parece-nos, que não comporta que se atribua ao regime de apensação de processos um âmbito de tal modo amplo que também abranja os processos findos e arquivados, com preterição das regras relativas à determinação do tribunal competente e da distribuição de processos.

Com efeito, como decorre das disposições constantes dos arts. 79.º, 80.º e 81.º da LPCJP e dos arts. 154.º e 155.º da OTM, a competência por conexão constitui um desvio à regra da competência territorial e, como excepção que é, o seu âmbito não deve ir além das situações ali expressamente previstas. (2)

Concentrar num só processo e perante o mesmo tribunal ou juízo todos os processos pendentes relativos à mesma criança ou jovem justifica-se neste âmbito, não só ou não tanto por razões de economia processual mas sobretudo por exigência dos princípios do “interesse superior da criança e do jovem” e da “proporcionalidade e actualidade da intervenção” previstos e definidos nas als. a) e e) do art. 4.º da LPCJP, os quais impõem a apreciação em conjunto e de forma harmonizada e actualizada de todas as situações que justificaram a sua instauração.

A norma do art. 80.º (e de algum modo também a norma do art. 81.º) da LPCJP é complementadora do princípio sobre o “processo individual e único” instituído no art. 78.º da LPCJP, segundo o qual deve ser organizado “um único processo para cada criança ou jovem”.

Significa, isto, portanto, que tanto a instauração de processo único, como a apensação de todos os processos que respeitem à mesma criança ou jovem visam, concentrar num só e mesmo processo, a apreciação em conjunto e globalmente de todas as situações que justificaram a sua instauração, e permitir uma decisão harmonizada e adequada ao momento e necessidades actuais da criança ou jovem em perigo.

É neste sentido e contexto que a apensação se configura como um acto aglutinador, necessário e útil às finalidades dos processos de promoção e protecção pendentes, de modo a justificar um desvio às regras de competência territorial e/ou da distribuição entre Juízes do mesmo tribunal territorialmente competente, a que o superior interesse da criança e do jovem que caracteriza e domina este tipo de intervenção judicial terá sempre que sobrepor-se.

Acontece que, pensamos, que as mesmas razões de utilidade e necessidade não se colocam, pelo menos com a mesma acuidade, relativamente à interdependência entre processos novos e processos findos.
Na realidade, nestes casos, a eventual necessidade e/ou utilidade para a decisão a proferir no novo processo de elementos já existentes em processos findos carece sempre de uma pré-avaliação ao seu conteúdo, não se assumindo com o mesmo cariz necessário e automático como ocorre entre processos pendentes.

Efectivamente, o processo findo até pode ter sido arquivado liminarmente ou não conter qualquer elemento relevante sobre a criança ou jovem para as finalidades concretas do novo processo, como sucederá nas situações referidas nos arts. 74.º e 111.º da LPCJP.

Todavia, a verificar-se tal utilidade de alguns dos elementos que constam do processo arquivado, sempre tais elementos podem ser juntos ao novo processo, através de certidão ou por avocação do próprio processo findo.

Resulta, assim, do exposto que não ocorrem relativamente aos processos findos as mesmas razões de utilidade e necessidade que justifiquem o desvio das regras de competência e de distribuição dos processos.

Contra esta ideia, argumenta-se que quando a lei pretendeu, para este efeito da apensação, fazer tal distinção entre processos ainda a correr termos e processos já findos, a mesma O.T.M. – e logo naquele artigo 154.º, mas n.º 4 – veio fazê-lo, prevendo que as providências tutelares cíveis relativas à regulação do exercício do poder paternal, à prestação de alimentos e à inibição-do poder paternal corram por apenso à acção de divórcio ou de separação judicial litigiosos, mas pendente.

Não nos parece que este argumento seja consistente, uma vez que o mesmo se filia, quanto a nós, noutra ordem de razões.

Na verdade, toda a OTM, designadamente a parte atinente à regulação do exercício do poder paternal, tem como princípio enformador supremo, a defesa dos interesses e direitos dos menores. - art. 2.º e 180.º da OTM.

Ora, o Tribunal que mais bem colocado se encontra para a defesa dos direitos dos menores é aquele que tenha ou possa ter maior conhecimento do ambiente familiar em que foram criados os menores, quer pela vivência do drama que os articulados do divórcio já por si são susceptíveis de proporcionar, quer pelos trâmites desse próprio processo, que começa com uma tentativa de conciliação-art. 1407.º do CPC-, que, em caso de êxito, poderá vir a resultar:

- na cessação do processo de Regulação do exercício das responsabilidades parentais, por conciliação dos cônjuges- art. 1407.º-2, 1.ª parte do CPC e 1779.º nº 1 do C.Civil;
- no acordo obrigatório a respeito da regulação do exercício das responsabilidades parentais a que terá de chegar-se no caso de conversão do divórcio litigioso em divórcio por mútuo consentimento – art. 1419.º do CPC e 1779.º nº 2 do CC- , e para cuja tentativa de conversão pode ajudar sobremaneira o conhecimento dos factos já apurados ou as diligências em curso no processo de regulação, evitando duplicidade de processos;
- no conhecimento mais aprofundado das condições do casal, seus problemas, dramas e vicissitudes, que, em caso de sentença a decretar o divórcio, permitirá ao juiz regular com dados mais seguros o respectivo exercício, pois que, mais bem colocado para decidir esse exercício uma vez conhecidas as razões que levaram ao divórcio.

Desta forma, a regulação das responsabilidades parentais, no âmbito de uma acção de divórcio, pode assumir e muitas vezes assume carácter incidental, mas de suprema importância, sendo de trazer à colação-como acima se deixou dito-que se encontra legalmente previsto o seu funcionamento dentro da própria acção de divórcio (ou separação judicial de pessoas e bens) quando haja filhos menores.

Por outro lado, e para além de evitar a repetição de meios e diligências, ajudará, como já se disse, a uma visão mais panorâmica das vicissitudes e problemas do casal, designadamente no seu relacionamento com os filhos menores, podendo assim estabelecer-se uma regulação de exercício muito mais fundamentada e alicerçada em dados concretos que só o entrelaçar de acções permite divisar.

Ora, toda esta panóplia de vantagens apenas se alcança estando ainda pendente, quando as outras acções são instauradas, a acção de divórcio, e por isso, é que, nestes casos, o legislador, e bem, mandou proceder à sua apensação. (3)

De tudo resulta que, para quem defende esta tese a concentração num só processo e perante o mesmo tribunal ou juízo todos os processos pendentes relativos à mesma criança ou jovem justifica-se, essencialmente, por exigência dos princípios do “interesse superior da criança e do jovem” e da “proporcionalidade e actualidade da intervenção, em ordem a possibilitar a apreciação em conjunto e globalmente de todas as situações que justificaram a sua instauração, e permitir uma decisão harmonizada e adequada ao momento e necessidades actuais da criança ou jovem em perigo, sendo neste sentido e contexto que a apensação se configura como um acto aglutinador, necessário e útil às finalidades dos processos de promoção e protecção pendentes, de modo a justificar um desvio às regras de competência territorial e/ou da distribuição entre Juízes do mesmo tribunal territorialmente competente.

Ora, sendo certo tudo o que acaba de expor, e embora se não reconheça um muito acentuado interesse prático à questão, já temos alguma dificuldade em considerar que essas mesmas razões de utilidade e necessidade se não coloquem, senão com a mesma, pelo menos, também com relevante acuidade, na generalidade das situações, relativamente à interdependência entre processos novos e processos findos.

Na verdade, mesmo sendo certo que o legislador não expressou de modo claro a sua intenção em toda e qualquer situação, designadamente, nos casos de processos arquivados, dúvidas não restam de que pretendeu promover a apensação, privilegiando o critério da conexão, obviamente dada a peculiaridade dos interesses em causa, em detrimento do da territorialidade.

E assim sendo, mesmo podendo haver casos em que a apensação não traga elementos úteis ao processo, designadamente, nos casos em que o processo findo foi arquivado e poder até eventualmente nem conter elementos relevantes sobre a criança ou jovem para as finalidades concretas do processo, impondo-se sempre, para o aquilatar desse aspecto, a efectuação de uma prévia análise e avaliação desses elemento, o certo é que dai não decorre que a apensação deixe de assumir um cariz necessário e automático como se reconhece ocorrer entre processos pendentes.

Na verdade, mesmo sendo certo que a verificar-se tal utilidade de alguns dos elementos que constam do processo arquivado, sempre tais elementos podem ser juntos ao novo processo, através de certidão ou por avocação do próprio processo findo, o mesmo assim poderia suceder com relação aos processos pendentes que, como é evidente, nem sempre, invariavelmente e em todas as situações, possuirão elementos úteis para as finalidade do processo, e o legislador não tornou disso dependente a apensação ou competência por conexão.

E assim sendo, como se refere no acórdão desta Relação de 4/07/2018 (4), “A circunstância de, uma vez apensado este, ter sido, entretanto, declarada extinta a instância no de Regulação de Responsabilidades Parentais, não justifica que aquele retorne à Comissão e nesta prossiga.

Por um lado, a própria letra da lei indica que a apensação tem lugar – logo, deve permanecer – independentemente do estado dos processos. Não se distinguiu se tal estado se refere apenas ao seu maior ou menor avanço ou se contempla também os já terminados. E onde a Lei não distingue…

Por outro, representando ela uma alteração no desenvolvimento da instância do processo receptor, a extinção desta no mesmo não pode reflectir-se naquele outro.

Sobretudo, provocar, por isso, uma alteração de sentido inverso e, em especial, na competência por conexão antes gerada e efectivada e que deve subsistir incólume apesar do desfecho do processo principal.

Por efeito daquela, o Processo de Promoção deixou de ter natureza e administrativa e, por isso e porque ele próprio já pendente em instância judicial, nesta deve continuar a ser tramitado, obstando a que um processo judicial retroceda a administrativo.

De resto, é claro que o desígnio do legislador prende-se com a necessidade e conveniência de manter, mesmo que algum dos processos apensados finde, uma visão de conjunto e de permitir uma mais adequada, eficaz e justa compreensão, ponderação e regulação dos interesses da criança visada, mesmo os porventura salientes de processos entretanto já findos mas que, nem por isso, deixam de retractar o seu percurso de vida recente e de historiar a intervenção institucional a propósito ocorrida e respectivos resultados”.

Destarte, na procedência da apelação, revoga-se a decisão recorrida e, em consequência, julga-se competente para a legal tramitação subsequente do Processo de Promoção apensado o Tribunal que proferiu a decisão recorrida.

IV- DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, em consequência, decide-se revogar o despacho recorrido, julgando-se competente para a legal tramitação subsequente do Processo de Promoção apensado o Tribunal de Torre de Moncorvo.

Sem custas.
Guimarães, 17/ 12/ 2018.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.

Jorge Alberto Martins Teixeira
José Fernando Cardoso Amaral.
Helena Gomes de Melo.


1. “O texto da lei é o ponto de partida da interpretação, sendo que, quando as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então a função positiva traduz-se em dar mais forte apoio ou a sugerir mais fortemente, um dos sentidos possíveis. É que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita. Ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento-Baptista Machado in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina pág. 182”.
2. Cfr. Ac. da Relação de Coimbra de 16-11-2004, em www.dgsi.pt/jtrc.nsf/ proc. n.º 1606/04
3. Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 18/02/2013, proferido no processo nº 2724/12.0TBPVZ-A.P1, in www.dgsi.pt
4. Cfr, Acórdão da Relação de Guimarães de 4/07/2018, proferido no processo 175/17.0T8TMC-B.G1.