Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5416/18.3T8VNF.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: CONCEITO DE RETRIBUIÇÃO
CÁLCULO DA RETRIBUIÇÃO
DIA DE DESCANSO
ACORDO REMUNERATÓRIO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – A cláusula 74.º n.º 7 e o prémio TIR integram o conceito de retribuição em sentido amplo, consagrado no art.º 258.º do CT., mas por força do disposto no n.º 1 do art.º 262 do CT estão excluídos da base de cálculo das prestações complementares e acessórias, nelas se incluindo o trabalho suplementar
II - Na base de cálculo da retribuição do trabalho prestado em dia de descanso/feriado deve atender-se apenas à retribuição base e às diuturnidades, quando devidas.
III – O valor do trabalho prestado em dias de descanso/feriado é remunerado com o acréscimo de 200% e não a 200%.
IV - É admissível a adopção de um sistema retributivo diferente daquele consagrado no CCT aplicável, se o mesmo for mais vantajoso para o trabalhador. Tal decorre desde logo do preceituado nos arts. 3.º, 129.º, n.º 1 alínea d) e 476.º do CT.
V - Por se tratar de matéria modificativa do direito invocado pelo autor, cabe ao empregador, nos termos do n.º 2 do art.º 342.º do C.C., o ónus da prova da existência do acordo de um esquema remuneratório especial, em substituição do regime retributivo estabelecido no CCT, bem como a prova de que o regime remuneratório estabelecido é mais vantajoso para o trabalhador em causa.
VI – É nulo o acordo remuneratório em causa por se revelar globalmente mais desfavorável ao Autor do que o sistema remuneratório previsto no CCT.
VII - Sendo nulo o acordo remuneratório, tal confere o direito ao autor/trabalhador de reclamar do empregador as quantias devidas por força do previsto no CCT aplicável (no caso cl.ª 74.ª n.º 7, 41.ª e prémio TIR), contudo por força do estatuído no citado art.º 289.º do C.C. incumbe também ao autor/trabalhador o dever de restituir as importâncias que recebeu do seu empregador, em consequência do regime remuneratório acordado.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: X – CARGOS TRANSPORTES, S.A.
APELADO: J. S.

Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Famalicão

I – RELATÓRIO

J. S., instaurou ação declarativa de condenação, emergente de contrato de trabalho, com processo comum contra X – CARGOS TRANSPORTES, S.A. pedindo a condenação da Ré nos seguintes pagamentos:

a) 22.836,00€ a título de retribuição nos termos da cláusula 47º do CCT;
b) 20.966,40€, relativa a retribuição nos termos da cláusula 74º do CCT; e
c) 5.076,00€ de prémio TIR,

tudo acrescido de juros de mora a contar do vencimento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento.
A Ré contestou, aceitando o contrato celebrado entre o Autor e a Transportes X, Lda., bem como a transmissão do contrato para si, negando ser devedora dos valores reclamados pelo autor. Por um lado, diz que não aceita os dias alegados como sendo de trabalho prestado em dia de descanso. E por outro lado, no que respeita à cláusula 74ª e ao prémio TIR alega que Autor e a Transportes X, Lda. acordaram que, independentemente da prestação de trabalho suplementar, o autor receberia todos os dias o valor de duas horas de trabalho suplementar e o prémio TIR, acordo que se manteve com a ré, sendo tais valores normalmente incluídos nos recibos de vencimento sob a forma de trabalho suplementar.
Subsidiariamente, invoca ainda o abuso de direito por parte do autor, já que a situação de processamento salarial do autor foi estabelecida com o acordo do autor.
O Autor apresentou resposta à contestação, mantendo a posição defendida na petição inicial.
Findos os articulados, foi proferido despacho saneador tabelar, com dispensa da fixação do objecto do processo e dos temas da prova.

Por fim, realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença, pelo Mmª. Juiz a quo, que terminou com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente o pedido formulado e, consequentemente,
I) Declaro nulo o acordo remuneratório descrito em H) a O) e Q) dos factos provados e, consequentemente, condeno a ré a pagar ao autor a quantia de 12.818,61€, a título de diferenças entre a cl. 74ª, prémio TIR e trabalho prestado em dia de descanso entre Janeiro de 2014 e Agosto de 2017, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, a contar da data do respectivo vencimento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento (artigo 559.º, 804.º, 805.º e 806.º do Código Civil); e
II) No mais, absolvo a ré do pedido.
Custas da acção na proporção do respectivo decaimento.
Notifique.”

Inconformada com o assim decidido apelou a Ré formulando as seguintes conclusões:

“I. Quanto a matéria de facto, o presente recurso visa apenas a alteração do facto julgado provado P), no sentido do aditamento, à lista de pagamentos mensais inclusa nesse facto, dos meses de dezembro de 2015 e dezembro de 2016.
II. A douta sentença recorrida não contempla os referidos meses porque não foram juntos aos autos os recibos corretos relativos a esses meses; nos meses de dezembros, a Ré emite dois recibos (um para o subsídio de natal e outro para a retribuição mensal) e, ao reunir a documentação a juntar à presente ação, por lapso, incluiu os recibos relativos ao pagamento do subsídio de natal e não os outros, onde constam os valores que realmente interessam.
III. O lapso – pelo qual a Ré e o mandatário se penitenciam – é notório e, tendo em vista a justa composição do litígio e aplicando o princípio da cooperação (art. 7.º do Código do Processo Civil), o dever de gestão processual (art. 27.º do Código do Processo do Trabalho) e o princípio do inquisitório (art. 411.º do Código do Processo Civil), deveria o tribunal recorrido ter convidado a Ré a suprir tão evidente falha probatória.
IV. Considerando que só agora se dá conta do lapso, apontado na fundamentação da decisão de facto da sentença recorrida, a Ré requer a junção dos dois recibos de vencimento nesta fase processual, atenta a circunstância de que, também como refere a sentença recorrida, os recibos de vencimento não terem sido objeto de impugnação por parte do Autor.
V. Em face da junção dos documentos, o facto P) julgado provado deve passar a ter a seguinte redação:
“P) No âmbito deste acordo, a ré pagou ao autor as seguintes quantias a título de cl. 74º, prémio TIR e trabalho prestado em dias de descanso:
- Em 2014:
Fevereiro: 737,51€,
Março: 845,20€,
Maio: 1.525€,
Junho: 987,50€,
Julho: 837,50€,
Agosto: 1.487,50€,
Setembro: 687,51€,
Outubro: 924,98€,
- Em 2015:
Fevereiro: 824,99€,
Março: 1.087,52€,
Abril: 1.625€,
Maio: 87,99€,
Junho: 1.179,90€,
Julho: 1.050,01€,
Agosto: 1.087,50€,
Setembro: 548,03€,
Outubro: 587,49€,
Novembro: 1.375,02€,
Dezembro: 762,49€
- Em 2016:
Janeiro: 1.162,51€
Fevereiro: 900€,
Março: 899,99€,
Abril: 974,99€,
Maio: 850,01€,
Junho: 408,50€,
Julho: 1.123,81€,
Agosto: 1.350,01€,
Setembro: 58,51€,
Outubro: 612,51€,
Novembro: 1.320,98€,
Dezembro: 844,32€,
- Em 2017:
Janeiro: 691,27€,
Fevereiro: 1041,70€,
Março: 1.066,24€,
Abril: 578,14€,
Maio: 677,79€,
Junho: 1.291,18€,
Julho: 621,62€,
Agosto: 1.207,27€.
VI. Em face da alteração deste facto, impõe-se a alteração dos cálculos expressos na tabela da página 23 da sentença recorrida, conforme abaixo se demonstrará.
VII. Subsidiariamente, se não for admitida a junção dos referidos documentos nesta fase processual, deve a sentença ser revogada por omissão de ato essencial à descoberta da verdade e remetidos os autos ao tribunal de primeira instância, a fim de convidar a Ré à junção destes documentos e elaborar nova sentença que os tenha em consideração.

Do Direito:
VIII. Para cálculo do valor devido ao Autor por cada dia de trabalho em dia de descanso, a sentença recorrida toma como base para aplicação da cláusula 41.ª do CCT à data em vigor, não só a retribuição base e diuturnidades, mas também os complementos remuneratórios, como o previsto na cláusula 74.ª e o “prémio TIR” – o que viola o disposto no art. 262.º do Código do Trabalho.
IX. Salvo o devido respeito, não é procedente a invocação do disposto no art. 82.º da já revogada LCT no sentido de defender que, à data da celebração do CCT, aqueles complementos remuneratórios faziam parte do conceito de retribuição, porque o conceito de retribuição não deve ser confundido com o modo de cálculo dos complementos remuneratórios.
X. Com efeito, o atual Código do Trabalho mantém uma norma muito semelhante à citada LCT (vd. art. 258.º do Código do Trabalho) e o tribunal reconhece que, à luz do atual Código, faria uma aplicação diferente.
XI. Como se pode ver, por exemplo, nos acórdãos do STJ, de 12.03.2009 e de 25.09.2002, supra citados, é perfeitamente compatível com o art. 82.º da LCT a interpretação segundo a qual os complementos remuneratórios não servem de base para cálculo uns dos outros.
XII. Assim, o conceito de “remuneração normal” previsto na cláusula 41.ª do CCT compreende apenas retribuição base e diuturnidades, devendo os cálculos ser corrigidos em conformidade com esta conclusão.
XIII. Ainda quanto ao cálculo do valor por cada dia de trabalho em dia de descanso, a sentença recorrida viola o disposto na cláusula 41.ª do CCT à data em vigor, pois, soma o valor de um dia “normal” ao valor de 200%; mas, no termos do CCT, o valor a pagar por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso é unicamente o valor de 200% do dia “normal”.
XIV. Com efeito, a redação da cláusula 41.ª que vigorou durante todo o período em causa nos presentes autos foi a resultante da alteração publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 16, de 29 de abril de 1982 (acessível no seguinte link: http://bte.gep.msess.gov.pt/completos/1982/bte16_1982.pdf) onde consta uma explicação exemplificativa no seu § único que não deixa margem para dúvidas sobre a respetiva interpretação.
XV. Em face do que se alegou nas conclusões antecedentes, o valor de cada dia de trabalho prestado em dia de descanso é o seguinte:
a) de janeiro a março de 2014: € 40,17;
b) de abril a dezembro de 2014: € 40,86;
c) de janeiro de 2015 a março de 2017: € 54,48;
d) de abril de 2017 a agosto de 2017: € 55,40.
XVI. Isto posto, fazendo-se novamente os cálculos em moldes semelhantes aos da sentença recorrida na respetiva página 23, conclui-se que, afinal o Autor auferiu um valor superior àquele que receberia segundo uma aplicação estrita do CCT então em vigor (vd. tabela no ponto II.3 das alegações).
XVII. A sentença recorrida condena a Ré no pressuposto de que o acordo remuneratório descrito nos factos provados I), J), L), M), N) e O) é nulo, por não ser mais favorável ao trabalhador. No entanto, fazendo-se uma correta aplicação da cláusula 41.ª do CCT aplicável, é forçoso concluir em sentido contrário, pelo que o acordo ali descrito é, afinal válido.
XVIII. Subsidiariamente, para o caso de algum das conclusões acima aduzidas não ser julgada procedente e o cálculo a realizar continuar a indicar uma situação desfavorável para o Autor, então há ainda que ter em conta a forma como a sentença recorrida apurou o valor de € 12.819,61 em que condena a Ré (vd. tabela na página 23 da sentença recorrida).
XIX. Aquele valor resulta de apenas se terem somado os valores negativos da coluna “Diferença entre o devido e o recebido”, simplesmente se desconsiderando os valores positivos (os valores positivos resultam de meses em que o Autor auferiu mais do que aquilo que lhe seria devido pela aplicação estrita do CCT).
XX. Salvo o devido respeito, não se compreende esta opção do tribunal recorrido, contrária à matemática, mas também ao disposto no art. 289.º do Código Civil, pois, nos termos desta norma, sendo um negócio jurídico nulo, deve ser restituído tudo o que no cumprimento do mesmo tenha sido prestado.
XXI. Pelo exposto, se houver que condenar a Ré – o que apenas se admite como hipótese de raciocínio – o valor a pagar deve ser o que resulte da soma de todos os valores da coluna “Diferença entre o devido e o recebido”, incluindo valores negativos e positivos, e não apenas dos valores negativos.

Termos em que se requer que seja julgado o recurso procedente, e, em consequência, seja a decisão proferida nestes autos substituída por outra que absolva a do pedido.
Subsidiariamente, caso V. Exas. entendam ser de manter a condenação da Ré, deve o valor dessa condenação ser corrigido de acordo com os argumentos supra expostos que sejam julgados procedentes.
Assim se fazendo JUSTIÇA.
O Autor não apresentou contra alegação.
O recurso foi admitido na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito suspensivo por ter sido prestada caução.
*
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Mostram-se colhidos os vistos dos senhores juízes adjuntos e cumpre decidir.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente – art.ºs 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC -, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

1 – Da impugnação da decisão da matéria de facto;
2 – Da inclusão da retribuição prevista na cláusula 74.ª e prémio TIR para efeitos de cálculo do valor/hora do trabalho prestado em dia de descanso;
3 – Do cálculo do acréscimo remuneratório de 200% previsto na cláusula 41.ª do CCT aplicável para remuneração do trabalho prestado em dia de descanso;
4 - Validade do acordo remuneratório celebrado por ser mais favorável ao trabalhador;

Subsidiariamente
5 - Cálculo da diferença entre as remunerações devidas e as recebidas pelo autor

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos provados são os seguintes:
A) A ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à actividade de transportes nacionais e internacionais de mercadorias.
B) O autor foi admitido ao serviço de Transportes X, Lda., tendo outorgado um contrato de trabalho individual por tempo indeterminado.
C) No seguimento de um processo de reestruturação e reorganização interna daquela sociedade, foi criada a sociedade ré, a qual prosseguiu com a actividade da sua antecessora.
D) No dia 1 de Dezembro de 2013, o autor foi transferido para a sociedade ré, a qual assumiu todos os seus direitos adquiridos, nomeadamente os da antiguidade, onde desempenhou as funções inerentes à categoria profissional de motorista de pesados no estrangeiro, ininterruptamente por conta, direcção e fiscalização da ré, cumprindo um horário de trabalho de 8 horas diárias num total de 40 horas semanais, mediante a retribuição base de 776€, acrescida da quantia de 54,88€ de diuturnidades e das refeições.
E) O contrato de trabalho veio a ser cessado por iniciativa do autor no dia 31 de Agosto de 2017.
F) O autor estava obrigado a trabalhar 40 horas semanais, distribuídas por 5 dias na semana, sendo o dia de descanso semanal obrigatório o domingo e o dia de descanso semanal complementar o sábado.
G) O autor, esteve deslocado em viagens, ao serviço da Ré no estrangeiro e/ ou impossibilitado de vir a casa, nos seguintes dias, pelo menos 8 horas/dia:
- Janeiro de 2014: 11 Sábado, 12 Domingo, 18 Sábado, 19 Domingo
- Fevereiro de 2014: 9 Domingo, 23 Domingo
- Março de 2014: 8 Sábado, 9 Domingo, 16 Domingo, 23 Domingo, 29 Sábado, 30 Domingo
- Abril de 2014: 5 Sábado, 6 Domingo, 12 Sábado, 13 Domingo
- Maio de 2014: 10 Sábado, 11 Domingo, 17 Sábado, 18 Domingo, 24 Sábado, 25 Domingo
- Junho de 2014: 10 Feriado, 14 Sábado, 21 Sábado, 28 Sábado, 29 Domingo
- Julho de 2014: 6 Domingo, 12 Sábado, 13 Domingo, 19 Sábado, 26 Sábado, 27 Domingo
- Agosto de 2014: 2 Sábado, 3 Domingo, 24 Domingo
- Setembro de 2014: 14 Domingo, 27 Sábado, 28 Domingo
- Janeiro de 2015: 17 Sábado, 18 Domingo
- Fevereiro de 2015: 7 Sábado, 14 Sábado, 15 Domingo, 17 Feriado, 22 Domingo, 28 Sábado
- Março de 2015: 7 Sábado, 8 Domingo, 22 Domingo, 28 Sábado, 29 Domingo
- Abril de 2015: 3 Feriado, 4 Sábado, 5 Domingo
- Maio de 2015: 9 Sábado, 10 Domingo, 17 Domingo
- Junho de 2015: 6 Sábado, 7 Domingo, 10 Feriado, 20 Sábado, 21 Domingo
- Julho de 2015: 4 Sábado, 5 Domingo, 19 Domingo, 25 Sábado
- Setembro de 2015: 6 Domingo, 12 Sábado, 13 Domingo, 27 Domingo,
- Outubro de 2015: 3 Sábado, 4 Domingo, 17 Sábado, 18 Domingo, 25 Domingo, 31 Sábado
- Novembro de 2015: 14 Sábado, 15 Domingo, 28 Sábado, 29 Domingo
- Dezembro de 2015: 5 Sábado, 6 Domingo, 8 Feriado
- Janeiro de 2016: 23 Sábado, 24 Domingo, 31 Domingo
- Fevereiro de 2016: 7 Domingo, 13 Sábado, 14 Domingo, 20 Sábado, 21 Domingo, 27 Sábado, 28 Domingo
- Março de 2016: 5 Sábado, 6 Domingo, 19 Sábado, 20 Domingo, 25 Feriado, 26 Sábado
- Abril de 2016: 2 Sábado, 3 Domingo, 16 Sábado, 17 Domingo, 24 Domingo
- Maio de 2016: 28 Sábado, 29 Domingo
- Junho de 2016: 4 Sábado, 5 Domingo, 10 Feriado, 12 Domingo, 19 Domingo
- Julho de 2016: 9 Sábado, 10 Domingo
- Setembro de 2016: 10 Sábado, 11 Domingo, 17 Sábado, 18 Domingo
- Outubro de 2016: 1 Sábado, 2 Domingo, 5 Feriado, 15 Sábado, 16 Domingo
- Novembro de 2016: 12 Sábado, 13 Domingo
- Dezembro de 2016: 8 Feriado, 10 Sábado
- Janeiro de 2017: 7 Sábado, 8 Domingo, 21 Sábado, 22 Domingo
- Fevereiro de 2017: 4 Sábado, 5 Domingo, 18 Sábado, 19 Domingo
- Março de 2017: 4 Sábado, 5 Domingo
- Abril de 2017: 25 Feriado, 29 Sábado, 30 Domingo
- Maio de 2017: 13 Sábado, 14 Domingo
- Junho de 2017: 10 Feriado/Sábado, 11 Domingo
- Julho de 2017: 8 Sábado, 9 Domingo, 22 Sábado, 23 Domingo
- Agosto de 2017: 5 Sábado, 6 Domingo.
H) O autor foi contratado pela sociedade Transportes X, Lda. para prestar trabalho no âmbito do transporte de combustíveis em território nacional, passando depois, por acordo, a realizar transportes internacionais (TIR).
I) O autor acordou com a Transportes X, Lda. um esquema de pagamentos diferente do da generalidade dos motoristas TIR, sendo o seu salário processado como motorista nacional, mas auferindo como motorista deslocado no estrangeiro.
J) Após conhecer tal acordo e em comum acordo com o autor, a ré manteve a prática descrita, e nesse contexto, com o acordo do autor, pagou-lhe 50 € (cinquenta euros) por cada dia de trabalho no estrangeiro, quantia era processada nos recibos de vencimento sob a forma de ajudas de custo.
L) Os motoristas TIR da ré auferiam um valor de ajuda de custo, variável em função dos quilómetros percorridos que oscilava consideravelmente consoante os tipos de viagem realizados, podendo-se balizar, em média, entre os 20 € (vinte euros) e os 30 € (trinta euros), por dia, acrescido, em dias de descanso ou feriados, de um acréscimo por cada hora de trabalho.
M) O autor, em vez de receber estas duas parcelas individualizadamente, auferia 50€ por cada dia de trabalho, quer fosse útil, de descanso ou feriado, para além do seu vencimento base, diuturnidades.
N) Este valor de 50€ também era pago quando o motorista, no estrangeiro, não fizesse condução.
O) Caso fizesse transporte nacional, o autor auferia a título de ajudas de custo um valor fixo de 12,50 € ou 25 € caso a jornada excedesse as 10 horas de trabalho.
P) No âmbito deste acordo, a ré pagou ao autor as seguintes quantias a título de cl. 74º, prémio TIR e trabalho prestado em dias de descanso:
- Em 2014:
Fevereiro: 737,51€,
Março: 845,20€,
Maio: 1.525€,
Junho: 987,50€,
Julho: 837,50€,
Agosto: 1.487,50€,
Setembro: 687,51€,
Outubro: 924,98€,
- Em 2015:
Fevereiro: 824,99€,
Março: 1.087,52€,
Abril: 1.625€,
Maio: 87,99€,
Junho: 1.179,90€,
Julho: 1.050,01€,
Agosto: 1.087,50€,
Setembro: 548,03€,
Outubro: 587,49€,
Novembro: 1.375,02€,
- Em 2016:
Janeiro: 1.162,51€
Fevereiro: 900€,
Março: 899,99€,
Abril: 974,99€,
Maio: 850,01€,
Junho: 408,50€,
Julho: 1.123,81€,
Agosto: 1.350,01€,
Setembro: 58,51€,
Outubro: 612,51€,
Novembro: 1.320,98€,
- Em 2017:
Janeiro: 691,27€,
Fevereiro: 1041,70€,
Março: 1.066,24€,
Abril: 578,14€,
Maio: 677,79€,
Junho: 1.291,18€,
Julho: 621,62€,
Agosto: 1.207,27€.
- Mais se provou (factos que se aditam ao abrigo do desposto no artigo 72.º do CPT):
Q) A quantia referida em M) destinava-se também a pagar o valor da cl. 74 da CCT.
R) O autor auferiu de Janeiro a Março de 2014 uma diuturnidade mensal de 27,44€, de Abril de 2014 a Março de 2017 uma diuturnidade no valor de 41,16€ e a partir de Abril de 2017, uma diuturnidade no valor de 54,88€, auferindo ao longo dos anos os valores constantes nos recibos de vencimento juntos aos autos a fls. 27 47, cujo conteúdo se dá aqui como reproduzido para todos os efeitos legais.
S) O autor esteve de baixa médica nos seguintes períodos:
- de 21/01/14 a 26/01/14,
- de 5/10/14 a 4/01/15;
- de 26/04/16 a 22/05/16;
- de 15/03/17 a 16/04/17;
- de 25/06/15 a 6/07/17.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

1 – Da impugnação da matéria de facto

O Recorrente/Apelante pretende que seja alterado o facto julgado provado sob a alínea P, acrescentando-se ao mesmo a menção dos valores auferidos pelo autor nos meses de Dezembro de 2015 e de Dezembro de 2016, ou seja apenas requer a reapreciação da prova documental.
É entendimento reiterado e unânime, quer da doutrina, quer da jurisprudência, que o Tribunal da Relação pode modificar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto sempre que se verifique qualquer uma das situações previstas no n.º 1 do art.º 662.º do CPC.
Dispõe o artigo 662.º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Pretende o recorrente a alteração da decisão da matéria de facto no que respeita ao facto provado em “P”, devendo acrescentar-se ao mesmo a menção de valores auferidos pelo autor nos meses de Dezembro de 2015 e Dezembro de 2016, dizendo que só por lapso não foram juntos tais documentos tendo apenas junto os recibos com o subsídio de Natal, sendo certo que a Ré em Dezembro emitia sempre dois recibos, um com o subsídio e outro com remuneração normal. Mais defende que por se tratar de um lapso que surge evidente da documentação junta aos autos referente à remuneração do autor, o tribunal recorrido se terá apercebido do mesmo aquando da redacção da sentença e por isso devia ter convidado a Ré a corrigi-lo.
Assim, requer a junção dos documentos (recibos de vencimento), para que se altere em conformidade a redacção do ponto P da factualidade provada ou se assim não se entender que se revogue a sentença e remetam os autos à 1ª instância a fim de se convidar a Ré a juntar estes documentos, elaborando-se nova sentença que os tenha em consideração.
Desde já teremos de referir que apesar de a recorrente requerer a título excepcional a junção de dois documentos, o certo é que não os juntou aos autos, pelo que desde logo improcede nesta parte a sua alegação, pois não vislumbramos como a mesma poderá ser deferida sem acedermos a tais documentos.
Contudo ainda que assim não entendêssemos, cumpre-nos dizer o seguinte sobre a admissão de documentos com as alegações de recurso.
Prescreve o n.º 1 do art.º 651.º do CPC que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º, do CPC., ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. Mais decorre do prescrito no art.º 425.º do CPC. que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”
Como refere António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, 4ª edição, pág. 229, “em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva e subjetiva).
Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, máxime quando este seja de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.”
A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.”
A propósito da necessidade de junção de documento, pela surpresa do desfecho da acção referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 2ª edição, págs. 533 e 534, que “a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da ação (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida.
Daí que defenda Antunes Varela em anotação ao Ac. STJ de 09.12.1980, RLJ, Ano 115º, pág. 89. queo documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperado junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado”. No mesmo sentido, se pronunciaram Ac. STJ de 18.02.2003, CJASTJ, 2003, Tomo I, pág. 106; Ac. STJ de 27.06.2000, CJASTJ, 2000, Tomo II, pág. 130; Ac. STJ de 26.09.2012, proc. n.º 174/08.2TTVFX.L1.S1 relator Gonçalves Rocha; Ac. STJ de 21.01.2014, proc. n.º 9897/99.4TVLSB.L1.S1, relatora Maria Clara Sottomayor e Ac. STJ de 06.11.2019, proc. n.º 1130/18.8T8FNC.L1.S1, relator Chambel Mourisco (disponíveis em www.dgsi.pt.) este último com o seguinte sumário:
I - Os casos em que a junção de documentos se torna necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância são apenas aqueles em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ter sido proferida.”
De tudo isto resulta que só excepcionalmente se justifica a admissão de documentos na fase de recurso e tal resume-se às situações em que os documentos não puderam ser apresentados até ao encerramento da audiência de julgamento ou no caso em que a sua junção se tornou necessária em virtude do julgamento.
No caso em apreço a recorrente veio requerer a junção de dois documentos que há muito que se encontravam na sua posse e que por lapso seu não os juntou no momento próprio, não se verificando assim qualquer impossibilidade de terem sido apresentados tempestivamente.
Ora, não vislumbramos razão para nos desviarmos do que tem sido defendido quer pela jurisprudência, quer pela doutrina no que respeita à recusa da junção de documentos que serviam para provar factos que a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto os lapsos que a parte só se apercebe com a prolação da sentença.
Assim sendo, sempre seria de recusar a junção dos referidos documentos, caso os mesmos tivessem sido juntos aos autos.
Por outro lado, no que respeita à violação dos princípios da cooperação, da gestão processual e do inquisitório invocados pela recorrente, como bem refere o Procurador Geral-Adjunto, no parecer junto aos autos “face às posições das partes nos articulados e ao resultado da discussão da causa, não se apresentava como óbvio ao tribunal ter havido lapso manifesto da ré - como agora alega - ao não apresentar os documentos (recibos) cuja junção pretende, até por que a ré também não juntou, relativamente aos demais anos, os recibos de todos os meses de calendário.”
Nada resulta da decisão recorrida que nos permita concluir que a Mmª Juiz a quo se apercebeu de qualquer lapso cometido pela Ré que importasse correcção, improcedendo assim o pedido de revogação da sentença com a consequente baixa dos autos à 1ª instância com vista a convidar a Ré a juntar os documentos em falta.
Em suma é de manter inalterada a decisão de facto proferida pela 1ª instância, improcedendo consequentemente as conclusão I a VII da alegação de recurso.

2 – Da inclusão da retribuição prevista na cláusula 74.ª e prémio TIR para efeitos de cálculo do valor/hora do trabalho prestado em dia de descanso

Insurge-se a Recorrente quanto ao facto do tribunal a quo ter tomado como base para o cálculo devido pelo trabalho prestado pelo Autor em cada dia de descanso, não só o retribuição base e diuturnidades, mas também os complementos remuneratórios, como o previsto na cláusula 74.ª e o prémio TIR, em violação ao disposto no art.º 262.º do CT.
Impõe-se assim apreciar se as componentes retributivas – cláusula 74ª n.º 7 e prémio TIR se incluem ou não no conceito de remuneração mensal para efeito do cálculo da retribuição devida por trabalho prestado em dia de descanso ou de feriado, tendo presente que a jurisprudência, designadamente o STJ tem seguido orientações diversas acerca desta questão – cfr. Ac. de 22/11/2007, relatado por Vasques Dinis, e Ac. de 17/12/2009, proc. n.º 946/09.7STS.S1, consultáveis www.dgsi.pt, nos quais se defendeu que a retribuição especial prevista na cláusula 74.ª, n.º 7 deve ser considerada no cálculo do trabalho prestado em dias de descanso e feriados. E Ac.11/05/2011, proc. n.º 273/06.5TTABT.S1, no qual se defendeu que o prémio TIR, não obstante a sua natureza retributiva não deve ser considerado no pagamento do trabalho suplementar relativo aos sábados, domingos e feriados e descansos compensatórios.

À relação laboral que vigorou entre as partes, aplica-se o CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª série, n.º 9, de 08.03.1980, com as revisões publicadas no mesmo Boletim, n.º 16 de 29.04.1982, e n.º 18, de 15.05.1981, n.º 20 de 29.05.1996, n.º 22, de 15.06.1996 e n.º 30 de 15.08.1997 (já que é aplicável às entidades patronais do mesmo sector económico e a todos os trabalhadores, mesmo que não inscritos naqueles sindicatos, por força das Portarias de Extensão publicados no BTE, 1º série, n.º 30, de 15.08.1980 e n.º 33 de 08.09.1982 e n.º 45, de 08.12.1997), o qual confere aos motoristas de transportes internacionais de mercadorias, quando deslocados no estrangeiro, além da retribuição base, as seguintes prestações:

- o direito a uma retribuição mensal, que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia (cl.ª 74.ª n.º 7);
- o direito a auferirem uma quantia, denominada “Prémio TIR”, que apesar de ser apelidada de “ajuda de custo”, é paga regularmente aos motoristas deslocados no estrangeiro, independentemente da existência ou não de qualquer despesa.
- o direito a que o trabalho prestado em dias feriados ou de descanso, semanal ou complementar, sejam remunerados com o acréscimo de 200% (cl.ª 41.ª n.º 1);
- o direito ao gozo de igual número de dias de descanso, imediatamente após a chegada, a par com o gozo das 24 horas que antecedam cada viagem ou, em alternativa, o direito a que esses dias remunerados com o acréscimo de 200% (cl.ªs 20.ª e 41.ª n.ºs 5 e 6);
- o direito a que as refeições tomadas em viagem sejam pagas à factura (cl.ª 47.ª-A).

A propósito do conceito de remuneração mensal para efeito do cálculo do pagamento com o acréscimo dos 200% do trabalho prestado em dia descanso ou feriado o Tribunal a quo consignou o seguinte:
“Sob a epígrafe de “retribuição do trabalho em dias de descanso e feriados”, dispõe o nº 1 da cláusula 41ª do CCT aplicável que o trabalho prestado em dias feriados ou dias de descanso, semanal e ou complementar é remunerado com o acréscimo de 200%.
Nos termos do nº 2 daquela cláusula, para efeito de cálculo, o valor do dia será determinado pela seguinte fórmula: Remuneração mensal: 30 = Remuneração diária.
Ora, no seguimento do Acórdão da RG de 24/09/2015 (disponível em www.dgsi.pt), essa remuneração normal deve abarcar não só a remuneração base e diuturnidades, mas também o prémio TIR e as quantias pagas a título de cláusula 74.
De facto, como ali se lê “no ano 2000, o Artº 82º/2 e 3 da LCT dispunha, a propósito do conceito de retribuição, que a mesma compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie, sendo que, até prova em contrário, se presume constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador. Por outro lado, a Clª 41ª não contém qualquer conceito especial de retribuição.
Contém apenas uma fórmula de cálculo e, para ela, necessitamos do conceito de retribuição ou, mais especificamente, do de remuneração mensal. O conceito de retribuição que dali se pode exportar é aquele que vigorava á data.
Assim, em presença daquela presunção, o valor, quer da remuneração específica, quer do prémio TIR – sendo regulares e periódicos-, têm que considerar-se parte da retribuição e, por isso mesmo, devem integrar o valor para efeitos de cálculo da prestação que nos ocupa.
Lembramos que, relativamente à cláusula 74ª/7 o que se fixa é uma remuneração constantemente devida, independentemente do horário executado. O mesmo ocorrendo com o prémio TIR.
E, sendo assim à data de celebração, o conceito, não obstante a entrada em vigor do CT de 2003 e da revisão de 2009 e 2012 não sofre, deste ponto de vista, qualquer alteração, porquanto no Artº 11º/1 da Lei 99/2003 se salvaguarda a impossibilidade de redução da retribuição por força da entrada em vigor do código.
Na verdade, vem sendo jurisprudência constante no STJ a conclusão de que o nº7 da clª74ª do CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE nº9, 1ª série, de 08.03.1980, prevê uma retribuição especial que acresce à retribuição normal devida aos trabalhadores TIR, e que se destina a compensá-los pela sua disponibilidade para desempenhar funções nos transportes internacionais, e em condições de Maior penosidade e isolamento em que são efetivadas.
Tal retribuição, embora seja calculada com referência a duas horas de “trabalho extraordinário” por dia, não pressupõe nem exige a efetiva prestação de qualquer trabalho suplementar, respeitando tal referência apenas ao seu modo de cálculo - Ac. de 24/02/2015, relatado por Gonçalves Rocha, www.dgsi.pt.
Por outro lado, o STJ também decidiu que a retribuição especial prevista na cláusula 74.ª, n.º 7 e as diuturnidades, integram a retribuição normal do trabalhador, sendo devidas relativamente a todos os dias do mês, e devem ser consideradas no cálculo do trabalho prestado em dias de descanso e feriados e, bem assim, no cálculo da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal - Ac. de 22/11/2007, relatado por Vasques Dinis, www.dgsi.pt”.
Assim, em face da natureza destas duas prestações, apesar de ter já tido entendimento diferente, melhor vista a questão, afigura-se-me que as mesmas têm de ser computadas na retribuição normal a considerar para efeitos de pagamento do valor do trabalho em dia de descanso.”

Vejamos:
A actividade objecto do contrato de trabalho em apreço (transporte de mercadorias internacional), implica, que nas deslocações, esteja não só em causa a condução da viatura, mas também a permanente disponibilidade do trabalhador ao serviço do empregador, o que impede que muitas vezes estando no estrangeiro, não possa usufruir dos dias de descanso com a família e os amigos, o que só readquire quando regressa a casa. Tudo isto impõe que os dias de descanso ou de feriado passados no estrangeiro, ao serviço do empregador, tenham de ser considerados como de prestação de trabalho efectivo e remunerados como tal.
Prescreve o disposto no n.º 1 do artigo 262.º do CT, a propósito do cálculo de prestação complementar ou acessória, que quando disposição legal, convencional ou contratual não disponha em contrário, a base de cálculo de tal prestação é constituída pela retribuição base (o que corresponde à actividade do trabalhador no período normal de trabalho) e diuturnidades (o que corresponde a uma prestação em função da antiguidade).
Daqui resulta que se do contrato de trabalho ou do IRCT não resultar qualquer disposição que contrarie a disciplina do art.º 262.º n.º 1 do CT, não há que incluir na retribuição devida por trabalho suplementar outras prestações que não a retribuição base e as diuturnidades.
Não temos qualquer dúvida em afirmar que a cláusula 74.º n.º 7 e o prémio TIR integram o conceito de retribuição em sentido amplo, consagrado no art.º 258.º do CT., mas por força do disposto no n.º 1 do art.º 262 do CT estão excluídos da base de cálculo das prestações complementares e acessórias, nelas se incluindo o trabalho suplementar, já que a noção de retribuição a considerar para o efeito do cálculo do trabalho suplementar corresponde à retribuição base, acrescida de diuturnidades se for o caso.
Tal como refere o recorrente tudo isto tem toda a lógica, “pois, a construção de um esquema remuneratório assente em prestações complementares sobre prestações complementares gera valores desproporcionais”, basta pensarmos que a clausula 74 destina-se a pagar trabalho suplementar em dia normal de trabalho, pelo que considerar tais valores devidos a esse título para proceder ao cálculo do valor do trabalho suplementar prestado em dia de descanso/feriado efectivamente poderia gerar valores desproporcionais.
Na verdade, o CCT aplicável nada adianta, pois não especifica nem ressalva esta matéria, não define o conceito de retribuição para estes efeitos, limita-se a dar-nos a fórmula de cálculo, o que não afasta aplicação do n.º 1 do art.º 262.º do CT.
Assim a cláusula 41.ª do CCT sob a epígrafe de “retribuição do trabalho em dias de descanso e feriados”, não contém qualquer conceito especial de retribuição, apenas estipula que o trabalho prestado em dias feriados ou dias de descanso, semanal e ou complementar é remunerado com o acréscimo de 200%, bem como estipula a fórmula do seu cálculo com referência ao valor do dia: Remuneração mensal: 30 = Remuneração diária.
Resumindo, não decorrendo do CCT o que quer que seja que obste à aplicação da norma supletiva prevista no n.º 1 do art.º 262 do CT, a mesma é aplicável, dai decorrendo que a noção de retribuição/remuneração a considerar, para efeito do cálculo do valor/hora do trabalho suplementar abrange apenas a retribuição base, acrescida de diuturnidades, se a elas houver lugar, não havendo assim de atender às prestações acessórias ou variáveis ainda que elas integrem o conceito de retribuição em sentido amplo.
Neste sentido ver entre outros o Ac. deste Tribunal de 25/06/2020, proc. n.º 1561/18.3T8VNF.G1 (relatora Maria Leonor Barroso) e de 19/06/2019, proc. n.º 3056/17.3T8BCL (relatora Vera Sottomayor); Ac. da Relação de Lisboa de 31/10/2012, proc n.º446/06.0TTSNT.L2-4 (relatora Mara João Romba); Ac. da Relação de Évora de 13/07/2017, proc. n.º 1056/11.6TTSTB.E1 (relator Mário Coelho); Ac. STJ de 11/05/2011, proc. n.º 273/06.5TTABT.S1 (relator Fernandes da Silva) e Ac. STJ de 03.07.2014, proc. 532/12.8TTVNG.P1.S1 (relator Fernandes da Silva), todos disponíveis www.dgsi.pt.
Procedem as conclusões VIII a XII da alegação de recurso, pelo que iremos oportunamente proceder à alteração dos valores apurados a este título pela 1ª instância em conformidade com o agora decidido, uma vez que a prestação prevista na cláusula 74ª n.º 7 e o prémio TIR não relevam no cálculo da valor da prestação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso/feriado.

3 – Do cálculo do acréscimo remuneratório de 200% previsto na cláusula 41.ª do CCT aplicável para remuneração do trabalho prestado em dia de descanso

Defende a Recorrente que o cálculo do valor por cada dia de trabalho em dia de descanso, a sentença recorrida viola o disposto na cláusula 41.ª do CCT à data em vigor, pois, soma o valor de um dia “normal” ao valor de 200% mas, no termos do CCT, o valor a pagar por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso é unicamente o valor de 200% do dia “normal”.
A este propósito consta o seguinte da sentença recorrida
“Assim, de 1/01/14 a 31/12/2014, o valor do trabalho prestado em sábado, domingo ou dia feriado é apurado nos termos prescritos no C. Trabalho, que determina no artigo 268º que “o trabalho suplementar é pago pelo valor da retribuição horária com os seguintes acréscimos:
b) 50 % por cada hora ou fracção, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado”.
A partir de 1/01/2015 até ao final do contrato, o valor o valor do trabalho prestado em sábado, domingo ou dia feriado é igual ao valor de um dia acrescido de 200%.
Como acima disse, entendo que para apuramento do valor do dia a considerar importa considerar o valor da retribuição base, diuturnidades, cl. 74º e prémio TIR.
O valor do prémio TIR é o fixado no ponto 1 do anexo I da CCT - 105,75€.
O valor da retribuição do autor foi sempre a mesma ao longo do contrato (776€).
O autor auferiu até Março de 2014 uma diuturnidade mensal de 27,44€, de Abril de 2014 a Março de 2017 diuturnidades no valor de 41,16€ e a partir de Abril de 2017, diuturnidades no valor de 54,88€.
Quanto à cláusula 74ª, esta corresponde a uma retribuição mensal não inferior a duas horas de trabalho extraordinário por dia (nº 7). Como é entendido unanimemente na jurisprudência, este valor diário é devido em todos os dias do calendário (cfr. o Acórdão do STJ de 9/06/10, disponível em www.dgsi.pt).
Desta forma, o valor desta cl. 74ª ao longo da vigência do contrato com a ré é de:
- 452,40€ até Março de 2014 - (776€ + 27,44€ : 30 + 50%) + (776€ + 27,44€ : 30 + 75%) x 30;
- 459,30€ de Abril de 2014 a Março de 2017 - (776€ + 41,16€ : 30 + 50%) + (776€ + 41,16€ : 30 + 75%) x 30;
- 467,10,40€ até Agosto de 2017 - (776€ + 54,88€ : 30 + 50%) + (776€ + 54,88€ : 30 + 75%) x 30.
A retribuição a considerar para apurar o valor do dia de trabalho é de:
- 1.334,15€ até Março de 2014 - (776€ + 27,44€ + 452,40€ + 105,75€, retribuição base, diuturnidade, cl. 74ª e prémio TIR), sendo o valor do dia de 44,47€ (1.334,15€ : 30);
- 1.341,05€ de Abril de 2014 a Março de 2017 - (776€ + 41,16€ + 459,30€ + 105,75€, retribuição base, diuturnidades, cl. 74ª e prémio TIR), sendo o valor do dia de 44,70€ (1.341,05€ : 30);
- 1.348,85€ até Março de 2014 - (776€ + 54,88€ + 467,10€ + 105,75€, retribuição base, diuturnidades, cl. 74ª e prémio TIR), sendo o valor do dia de 44,96€ (1.348,85€ : 30).
Assim, o valor do trabalho do autor prestado em dia de descanso é o seguinte:
- de Janeiro a Março de 2014: 66,71€ (44,47€ + 50%);
- de Abril a Dezembro de 2014: 67,05€ (44,70€ + 50%);
- de Janeiro de 2015 a Março de 2017: 134,10€ (44,70€ + 200%); e
- de Abril de 2017 a Agosto de 2017: 134,88€ (44,96€ + 200%).”
De acordo com a cláusula 41ª do CCT o trabalho prestado em dia de descanso semanal/complementar ou feriado é remunerado com o acréscimo de 200%, de acordo com a fórmula ali prevista (remuneração mensal:30=retribuição diária).
Nos termos do nº 2 daquela cláusula, para efeito de cálculo, o valor do dia será determinado pela seguinte fórmula: Remuneração mensal: 30 = Remuneração diária.
No que respeita à interpretação da cláusula 41ª do CCT diremos que a decisão recorrida fez a interpretação correcta da cláusula, pois o trabalho em dia de descanso ou feriado é remunerado com o acréscimo de 200% e não a 200% como pretende a recorrente.
Como se refere a este propósito no parecer junto aos autos pelo Ministério Público ”… a cláusula prevê um acréscimo e não todo o valor do trabalho prestado.”
Neste sentido já se pronunciou este Tribunal designadamente no recente Acórdão de 25/06/2020, proc. n.º 1630/18.0T8VCT.G1 (relatora Maria Leonor Barroso), onde a propósito do valor do trabalho prestado em dias de descanso ou feriado se refere o seguinte:
“No período compreendido entre o inicio relação laboral e o dia 31/12/2016 (RB=€530,00) – Fórmula: [530 : 30 = 17,67] e [17,67 x 3 = 53,01] €53,01/dia; valor hora (RB=€530,00) – Fórmula: [53,01: 8 = 6,62625 = 6,63] €6,63/hora;
Entre 01/01/2017 e o fim da relação laboral (RB=€557,00) – Fórmula: [557 : 30 = 18,57] e [17,67 x 3 = 55,71] €55,71/dia; valor hora (RB=€557,00) – Fórmula: [55,71 : 8 = 6,96375 = 6,96] €6,96/hora.
Assim, a decisão recorrida respeitou o CCT. A menção a 100% ficou a dever-se a mero lapso e, no mais, os valores estão correctos porque o trabalho é remunerado com o acréscimo de 200% e não a 200%.”
Improcedem as conclusões XII a XV da apelação, procedendo-se agora a novo cálculo da quantia devida a título de trabalho prestado em dia descanso/feriado

Em conformidade com o acima decidido, o valor de cada dia de trabalho prestado em dia de descanso/feriado é o seguinte:
a) de janeiro a março de 2014: (€776,00 + €27,44) : 30 = €26,78 + 50% = €40,17;
b) de abril a dezembro de 2014: (€ 776 + € 41,16) : 30 = € 27,24 + 50% = €40,86;
c) de janeiro de 2015 a março de 2017: (€ 776 + € 41,16) : 30 = € 27,24 + 200% € 81,72;
d) de abril de 2017 a agosto de 2017: (€ 776 + € 54,88) : 30 = € 27,70 + 200%€ 83,10.
Tendo em atenção os dias de descanso trabalhados pelo autor, em conformidade com o ponto G) dos pontos de factos provados e tendo em atenção que os dias de trabalho de um mês são pagos no mês seguinte, são devidas ao autor as seguintes quantias:
- Fevereiro de 2014: 160,68€,
- Março de 2014: 80,34€,
- Abril de 2014: 241,02€,
- Maio de 2014: 163,44€,
- Junho de 2014: 245,16€,
- Julho de 2014: 204,30€,
- Agosto de 2014: 245,16€,
- Setembro de 2014: 122,58€,
- Outubro de 2014: 122,58€,
- Fevereiro de 2015: 163,44€,
- Março de 2015: 490,32€
- Abril de 2015: 408,60€,
- Maio de 2015: 245,16€,
- Junho de 2015: 245,16€,
- Julho de 2015: 408,60€,
- Agosto de 2015: 326,88€,
- Outubro de 2015: 326,88€,
- Novembro de 2015: 490,32€,
- Dezembro de 2015: 326,88€,
- Janeiro de 2016: 245,16€,
- Fevereiro de 2016: 245,16€,
- Março de 2016: 572,04€,
- Abril de 2016: 490,32€,
- Maio de 2016: 408,60€,
- Junho de 2016: 163,44€,
- Julho de 2016: 408,60€,
- Agosto de 2016: 163,44€,
- Outubro de 2016: 326,88€,
- Novembro de 2016: 408,60€,
- Dezembro de 2016: 163,44€,
- Janeiro de 2017: 163,44€,
- Fevereiro de 2017: 326,88€,
- Março de 2017: 326,88€,
- Abril de 2017: 163,44€,
- Maio de 2017: 249,30€,
- Junho de 2017: 166,20€,
- Julho de 2017: 166,20€,
- Agosto de 2017: 498,60€.
O que perfaz a quantia total de € 10.674,12, a qual importa apurar se foi ou não liquidada pela Ré

4 - Validade do acordo remuneratório celebrado por ser mais favorável ao trabalhador

Da factualidade provada nos pontos I), J), L), M), N) e O), resulta que, por acordo celebrado entre as partes o autor era remunerado de um a forma diferente da resultantes do CCT então em vigor e que se traduzia no seguinte: em vez de receber o valor correspondente à cláusula 74.º n.º 7 e o prémio TIR e ao trabalho prestado em dia de descanso e feriado, recebia diariamente o valor de €50,00 por dia de trabalho no estrangeiro quer fosse dia útil, de descanso ou feriado, quer conduzisse, quer não, quantia essa que era processada nos recibos de vencimento a título de ajudas de custo, para além do seu vencimento base, diuturnidades. Caso fizesse transporte nacional, o autor auferia a título de ajudas de custo um valor fixo de 12,50 € ou 25 € caso a jornada excedesse as 10 horas de trabalho
Como é sobejamente sabido o regime dos motoristas internacionais resultante do CCT traduz-se na retribuição base, que no caso correspondia à quantia de €776,00, na prestação da cláusula n.º 74ª, que correspondente ao pagamento de duas horas de trabalho extraordinário, todos os dias do calendário, o que no caso perfaz 452,40€ até Março de 2014; 459,30€ de Abril de 2014 a Março de 2017 e 467,10€9 até Agosto de 2017 e na ajuda de custo internacional, designada por prémio TIR, no valor de € 105,75, havendo ainda que ter em consideração o direito ao pagamento das refeições (pequeno almoço, almoço e jantar), mediante apresentação de factura (cláusula n.º 47ªA), e o pagamento do trabalho prestado em dias de descanso ou feriado com o acréscimo de 200%, e ainda a circunstância de por cada dia de descanso ou feriado em serviço no estrangeiro o trabalhador ter direito a gozar, imediatamente à chegada, um dia de descanso complementar, que se não for concedido, dará lugar ao pagamento do trabalho nele prestado com o acréscimo de 200% (cláusula n.º 41ª).
Como é sabido, o empregador não pode alterar unilateralmente a estrutura da retribuição, no que respeita aos elementos que derivam da lei ou dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, contudo é admissível a adopção de um sistema retributivo diferente daquele consagrado no CCT aplicável, se o mesmo for mais vantajoso para o trabalhador (cfr. Acs. do STJ de 18-01-2005, de 10-03-2005, de 11-10-2005 e de 27-06-2012). Tal decorre desde logo do preceituado nos arts. 3.º, 129.º, n.º 1 alínea d) e 476.º do CT. Por outro lado, por se tratar de matéria modificativa do direito invocado pelo autor, cabe ao empregador, nos termos do n.º 2 do art.º 342.º do C.C., o ónus da prova da existência do acordo de um esquema remuneratório especial, em substituição do regime retributivo estabelecido no CCT, bem como a prova de que o regime remuneratório estabelecido é mais vantajoso para o trabalhador em causa.
Caso se prove que, o acordo contraria as cláusulas insertas no CCT e não se prove serem mais favoráveis ao trabalhador, tem ser declarada a nulidade da alteração da estrutura remuneratória, por violação de normas legais.

Como se refere a este propósito no sumário do Ac. do STJ de 27-06-2012, proc. n.º 248/07.7TTVIS.C1.S1, (relator Fernandes da Silva), disponível em www.dgsi.pt,:
«(…)
V - É nula, por afrontar norma imperativa, a alteração de alguma das componentes remuneratórias convencionalmente acordadas e previstas em CCT, seja por acordo entre os outorgantes, seja unilateralmente pelo empregador, a não ser que este prove que o sistema praticado resulta, a final, mais favorável ou vantajoso para o trabalhador.
VI - Essa nulidade pode ser conhecida e oficiosamente declarada pelo tribunal, e tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, não estando essa declaração de nulidade condicionada à formulação, para esse efeito, de pedido reconvencional.
VII - Decretada oficiosamente a nulidade, com a reposição integral do regime remuneratório do CCT, e não sendo possível quantificar as despesas efectuadas pelo trabalhador, por falta de elementos, há que proferir condenação no que vier a ser posteriormente liquidado (art. 661.º, n.º 2 do CPC)».

Resultando da factualidade apurada a existência do acordo quanto ao regime remuneratório, incumbe agora apurar se o mesmo é ou não mais vantajoso para o Autor, uma vez que o Tribunal a quo conclui em sentido negativo, insurgindo-se a Recorrente contra tal entendimento.
Impõe-se assim refazer todos os cálculos atenta a posição acima assumida no que respeita ao cálculo do valor liquidado em dia de descanso/feriado, aproveitando quer os pressupostos que foram tidos em conta pelo tribunal a quo e constam de fls. 21 e 22 da decisão recorrida (que não foram postos em causa pela recorrente), quer a tabela que consta da sentença recorrida dela se fazendo constar os valores agora apurados.
O que recebeu a título de Cl. 74, prémio TIR e trabalho em dia de descansoO que devia ter recebido de Cl. 74e prémio TIRO que devia ter recebido de trabalho em dia de descansoDiferença entre o devido e o recebidoNotas
jan-140,00446,52€0,00-446,52€Baixa durante 6dias
fev-14737,51€558,15€160,68€, 18,68€4dias de descanso trabalhados do mês anterior
mar-14845,20558,15€80,34€206,71€2dias de descanso trabalhados do mês anterior
abr-140,00558,15€241,02€-799,176dias de descanso trabalhados do mês anterior
mai-141525,00565,05€163,44€796,51€4dias de descanso trabalhados do mês anterior
jun-14987,50565,05€245,16€177,29€6dias de descanso trabalhados do mês anterior
jul-14837,501130,10204,30€-496,8€5dias de descanso trabalhados do mês anterior mais Cl. 74e TIR no subsídio de férias
ago-141487,501130,10245€16112,24€6dias de descanso trabalhados do mês anterior mais Cl. 74e TIR nas férias
set-14687,51€565,05€122,58€-0,12€3dias de descanso trabalhados do mês anterior
out-14924,98€43,37€122,58€759,03€Baixa durante 20dias e 3dias de descanso trabalhados do mês anterior
nov-140,000,000,000,00Baixa
dez-140,000,000,000,00Baixa
jan-150,00538,98€0,00-538,98€Baixa durante 1dia
fev-15824,99€565,05€163,44€96,50€2dias de descanso trabalhados do mês anterior
mar-151087,52€565,05€490,32€32,15€6dias de descanso trabalhados do mês anterior
abr-151625,00565,05€408,60€651,35€5dias de descanso trabalhados do mês anterior
mai-1587,99€565,05€245,16€-722,22€3dias de descanso trabalhados do mês anterior
jun-151179,90565,05€245,16€369,69€3dias de descanso trabalhados do mês anterior
jul-151050,01€1130,10408,60€-488,69€5dias de descanso trabalhados do mês anterior mais Cl. 74e TIR no subsídio de férias
ago-151087,501130,10326,88€-369,48€4dias de descanso trabalhados do mês anterior mais Cl. 74e TIR nas férias
set-15548,03€565,05€0,00-17,02€
out-15587,49€565,05€326,88€-304,44€4dias de descanso trabalhados do mês anterior
nov-151375,02€565,05€490,32€319,65€6dias de descanso trabalhados do mês anterior
dez-150,00565,05€326,88€-891,93€4dias de descanso trabalhados do mês anterior
jan-161162,51€565,05€245,16€352,00€3dias de descanso trabalhados do mês anterior
fev-16900,00565,05€245,16€89,79€3dias de descanso trabalhados do mês anterior
mar-16899,99€565,05€572,04€-237,10€7dias de descanso trabalhados do mês anterior
abr-16974,99€460,71€490,32€23,86€Baixa durante 4dias e 6dias de descanso trabalhados do mês anterior
mai-16850,01€173,79€408,60€267,62€Baixa durante 15dias e 5dias de descanso trabalhados do mês anterior
jun-16408,50565,05€163,44€-319,99€2dias de descanso trabalhados do mês anterior
jul-161123,81€1130,10 408,60€-414,89€5dias de descanso trabalhados do mês anterior mais Cl. 74e TIR no subsídio de férias
ago-161350,01€1130,10163,44€56,47€2dias de descanso trabalhados do mês anterior mais Cl. 74e TIR nas férias
set-1658,51€565,05€0,00-506,54€
out-16612,51€565,05€326,88€-279,42€4dias de descanso trabalhados do mês anterior
nov-161320,98€565,05€408,60€347,33€5dias de descanso trabalhados do mês anterior
dez-160,00565,05€163,44€-728,49€2dias de descanso trabalhados do mês anterior
jan-17691,27€565,05€163,44€-37,22€2dias de descanso trabalhados do mês anterior
fev-171041,70565,05€326,88€149,774dias de descanso trabalhados do mês anterior
mar-171066,24€225,95€326,88€513,41€Baixa durante 13dias e 4dias de descanso trabalhados do mês anterior
abr-17578,14€334,85€163,44€79,85€Baixa durante 9dias e 2dias de descanso trabalhados do mês anterior
mai-17677,79€572,85€249,30€-144,36€3dias de descanso trabalhados do mês anterior
jun-171291,18€440,63€166,20€684,35€Baixa durante 5dias e 2dias de descanso trabalhados do mês anterior
jul-17621,62€1039,92€166,20€-584,50€Baixa durante 4dias e 2dias de descanso trabalhados do mês anterior mais Cl. 74e TIR no subsídio de férias
ago-171207,27€1145,70498,60€-437,03€6dias de descanso trabalhados em julho e agosto mais Cl. 74e TIR nas férias
34.323,18€26.309,6210.674,22- 2.660,66€
Refeitos os cálculos e comparando o que foi pago pela recorrente e o que deveria ter sido, resulta claro que houve meses em que o autor terá auferido quantia superior àquela que resultaria da aplicação do CCT em matéria de retribuição e outros, em que o Autor auferiu quantia inferior aquela que resultaria da aplicação do regime previsto no CCT.
Na verdade nos meses de Janeiro, Abril, Julho e Setembro de 2014; Janeiro, Maio, Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Dezembro de 2015; Março, Junho, Julho, Setembro, Outubro e Dezembro de 2016 e Janeiro, Maio, Julho e Agosto de 2017 o regime convencionado entre as partes não foi mais favorável, ou seja num universo de 42 dois meses, apuramos 21 em que os valores liquidados foram inferiores aos devidos.
Contas feitas delas resulta que no cômputo dos meses em que o autor auferiu quantia inferior à resultante da aplicação do CCT deixou de receber o montante global de €8.764,91 e no cômputo dos meses em que o autor auferiu quantia superior aquela que resultaria da aplicação do CTT recebeu para além do que resultaria da aplicação do CCT o montante global €6.104,25. Ou seja dos cálculos resulta um valor negativo a favor do autor -€8.764,91 (valor que deixou de receber) - €6.104,25 (valor que não receberia com a aplicação do CCT) = €2.660,66, tal significa que o autor recebeu menor rendimento do que receberia com a aplicação do CCT, sendo assim forçoso concluir que a Ré não logrou provar que o acordo remuneratório instituído era mais vantajoso para o Autor.
Do exposto teremos necessariamente de concluir que o sistema retributivo aplicável ao autor não se revelou mais favorável do que a aplicação do CCT, razão pela qual esta regulamentação não poderia ser afastada pelo contrato individual de trabalho, por se tratar de uma alteração contrária à lei, estando por isso o mesmo ferido de nulidade.
Improcedem as conclusões XVI e XVII da apelação.

5 - Cálculo da diferença entre as remunerações devidas e as recebidas pelo autor

Insurge-se o recorrente quanto ao facto do Tribunal recorrido ter considerado o acordo remuneratório diferente do previsto no CCT nulo apenas nos meses em que o autor auferiu menos do que auferiria caso tivesse sido aplicado o regime remuneratório previsto na CCT.
Tal como resulta da posição acima assumida também entendemos que o acordo remuneratório em causa é nulo, porque a factualidade provada nos permite concluir que o sistema remuneratório acordado se revelou globalmente mais desfavorável ao Autor do que o sistema remuneratório previsto no CCT.
Contudo o Tribunal a quo entendeu que sendo o acordo nulo, o Autor tinha que restituir à Ré as importâncias recebidas ao abrigo do referido acordo, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do C.C. e, com esse fundamento, condenou da ré no pagamento da quantia de 12.818,61€, a título de diferenças entre a cl. 74ª, prémio TIR e trabalho prestado em dia de descanso entre Janeiro de 2014 e Agosto de 2017, sem ter procedido à restituição das quantias que a estes títulos foram liquidadas ao autor em montante superior àquele que resultaria da aplicação do regime remuneratório do CCT.
Resulta do disposto no n.º 1 do artigo 289.º do C.C. que a declaração de nulidade dos negócios jurídicos tem efeitos retroactivos, devendo ser por via desse efeito, restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, afigura-se-nos assistir razão ao recorrente.
Com efeito, sendo nulo o acordo, tal confere o direito ao autor/trabalhador de reclamar do empregador as quantias devidas por força do previsto no CCT aplicável (no caso cl.ª 74ª n.º 7, 41ª e prémio TIR), contudo por força do estatuído no citado art.º 289.º do C.C. incumbe também ao autor/trabalhador o dever de restituir as importâncias que recebeu do seu empregador, em consequência do regime remuneratório acordado.
Tal significa que a declaração de nulidade implica não apenas a aplicação do regime convencional indevidamente preterido, como também a restituição de tudo o que tiver sido prestado – cfr. Acs. STJ de 14-3-2006, Rec. n.º 1377/05 e de 23-01-2008, Proc. 07S2186, disponível in www.dgsi.pt.
De outra forma, ou seja não havendo lugar a tal restituição, estaríamos perante um enriquecimento do trabalhador sem causa justificativa - (cfr. Ac. do STJ de 15-11-2006, proc. 06S2706 disponível in www.dgsi.pt).
Decretada a nulidade do acordo, impõe-se dela extrair como consequência, o reconhecimento do direito do Autor ao recebimento das quantias devidas a título de cl.ª 74.ª n.º 7, prémio TIR e cl.ª 41.ª em conformidade com o regime remuneratório resultante do CCT, com a restituição das quantias já recebidas pelo autor a esse título.
Em suma, tendo a declaração de nulidade do acordo efeitos retroactivos deve ser restituído tudo o que tiver sido recebido pelo autor por essa via de pagamento, em concreto €34.323,18. Mas de outro lado, cabe reconhecer o direito ao pagamento das quantias devidas a título de cláusula 74.ª n.º7, cláusula 41.ª e prémio TIR e que se apurou terem o valor global de €36,983,84.
Estando devidamente determinados os valores a restituir pelo autor e a serem-lhe pagos pela Ré, mais não resta do que apurar o valor devido ao autor. Feito o encontro entre ambos os valores, assiste ao autor o direito a receber, a quantia global de €2.660,66 (€36.983,84 - €34.323,18).
Resumindo procede parcialmente o recurso, com a consequente alteração da decisão recorrida.

V – DECISÃO

Nestes termos, acorda-se neste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar o recurso parcialmente procedente e consequentemente condena-se a Ré a pagar ao autor a quantia €2.660,66, a título de diferenças do pagamento da clª. 74ª n.º 7, prémio TIR e trabalho prestado em dia de descanso entre Janeiro de 2014 e Agosto de 2017, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, a contar da data do respectivo vencimento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento.
Custas a cargo das partes na proporção do decaimento.
17 de Dezembro de 2020

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga