Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
14/17.1JAPRT.G1
Relator: TERESA COIMBRA
Descritores: FURTO
CRIME CONTINUADO
ACTOS DE EXECUÇÃO
DESISTÊNCIA DO CRIME
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/29/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1.Invocar a errada apreciação da prova não é o mesmo que invocar a existência de erro notório na apreciação da prova ( art. 410 nº 2 c) do CPP). Enquanto aquela pressupõe, além do mais, a análise da prova documentada obrigando ao acatamento das exigências do art. 412 nº 3 do CPP, este resulta evidente, sem mais, do texto da decisão recorrida, sendo constatável por um observador médio, mesmo não jurista.

2.O mais decisivo dos pressupostos para que se possa afirmar - no caso de repetição por um arguido de condutas ilícitas - que se está perante a prática de um crime continuado é a constatação de que, por força de circunstâncias que atraíram o arguido para a prática dos crimes, o repetido comportamento ilícito se configura cada vez menos censurável.

3.Tal constatação não ocorre quando os atos ilícitos são repetidos em circunstâncias que o arguido procurou ou provocou em cumprimento de um projeto criminoso anteriormente traçado.

4.O iter criminis é um caminho que, em regra, se percorre em crescendo: inicia-se com uma ideia ( não punível), passa pela preparação do crime ( em regra também ainda não punível, mas já comportando exceções), continua pelos atos de execução, até chegar à consumação do crime.

5.Comete atos de execução de um crime de furto qualificado p.p. art. 203 e 204 nº 2 e) do CP e não apenas atos preparatórios, o arguido que, com intenção de furtar de uma residência uma quantia de dinheiro, se introduz no pátio dessa residência depois de abrir o portão exterior e, usando a força, abre uma portada de acesso a uma das dependências da habitação para nela entrar, não o chegando a fazer por ter sido visto por um vizinho.

6.A desistência da prática de um crime para ser relevante tem de ser espontânea, voluntária e motivada por razões que projetem uma atuação meritória com impacto na intenção criminosa do agente. Não apresenta estas características a desistência por parte de um arguido que abandona o seu propósito de entrar na residência que intentava furtar, quando se apercebe que está a ser visto por um vizinho daquela residência.

7.Não viola o princípio da vinculação temática, nem constitui alteração substancial de factos, a comunicação feita durante o julgamento pelo tribunal a quo de factos novos que concretizam - mesmo aumentando - os que constavam da acusação, que se mantêm dentro do pedaço de vida levado a julgamento e que não importam alteração da qualificação penal.
Decisão Texto Integral:
Juiz Desembargadora Relatora: Maria Teresa Coimbra.
Juiz Desembargadora Adjunta: Cândida Martinho.

I.
Acordam, em conferência, os Juízes de Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

No processo 14/17.1JAPRT que corre termos no Juízo Central Criminal de Guimarães foi decidido, além do mais (transcrição):

- Julgar parcialmente procedente a acusação, nos termos descritos e, em consequência,
- Quanto ao arguido A. M.:

Absolvê-lo da prática de
- um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 204.º, n.º 1, alínea b) e 30.º, n.º1, ambos do Código Penal (ponto 14 dos factos provados)
- um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º1, do Código Penal (ponto 8 dos factos provados),
- seis crimes de condução ilegal, previstos e punidos pelo artigo 3.º, n.º 1 e n.º 2, do Decreto Lei 2/98 de 03 de Janeiro, com referência ao artigo 121.º, n.º 1, do Código da Estrada.
- Condená-lo pela prática de:
- 8 crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelos artigos 204º, n.° 1, alínea b) e 30º, nº1, ambos do Código Penal, nas seguintes penas:
- 1 ano de prisão (ponto 1 dos factos provados)
- 1 ano e 3 meses de prisão (ponto 2 dos factos provados)
- 1 ano e 9 meses de prisão (ponto 5 dos factos provados)
- 9 meses de prisão (ponto 9 dos factos provados)
- 9 meses de prisão (ponto 13 dos factos provados)
- 1 ano de prisão (ponto 15 dos factos provados)
- 1 ano de prisão (ponto 16 dos factos provados)
- 1 ano de prisão (ponto 17 dos factos provados)
- um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210º, n1º e nº2, alínea b), do Código Penal (pontos 19 a 40 dos factos provados), na pena de 3 anos e 9 meses de prisão;
- três crimes de falsificação ou contrafacção de documentos agravado, previsto e punido pelos artigos 256º, nº3 e 30º, nº1, ambos do Código Penal, nas seguintes penas:
- 1 ano de prisão (ponto 3 dos factos provados)
- 1 ano de prisão (ponto 6 dos factos provados)
- 1 ano de prisão (ponto 42 dos factos provados)
- um crime de condução ilegal, previsto e punido pelo artigo 3º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei 2/98 de 03 de Janeiro, com referencia ao artigo 121º, nº1, do Código da Estrada (pontos 68 a 74 dos factos provados), na pena de 1 ano e 3 meses de prisão;
- um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 204º, n.° 1, alínea f) e 22.º e 23º, todos do Código Penal (pontos 47 a 67 dos factos provados), na pena de 1 ano de prisão;

Em cúmulo jurídico, condená-lo na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão.
(…)
- Quanto ao arguido A. C.:
-Condená-lo pela prática de um crime de recetação p.p. artigo 231º, nº 1 do Código Penal (ponto 41 dos factos provados) na pena de 6 meses de prisão.
-Suspender a execução da pena de prisão aplicada (…) pelo período de 1 ano.
-Subordinar a suspensão da execução da pena a regime de prova.
(…)
*
Inconformados com a condenação recorreram para este Tribunal da Relação ambos os referidos arguidos, concluindo os respetivos recursos do seguinte modo (transcrição das conclusões de recurso do arguido A. M.):

1. O Arguido interpõe recurso da decisão condenatória de 8 de novembro de 2018 limitada à condenação por 3 crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelos artigos 204.º, n.º 1, alínea b) e 30.º, n.º1, ambos do Código Penal, relativos aos pontos 15, 16 e 17 dos factos provados, e ao crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 204.º, n.º 1, alínea f) e 22.º e 23.º, todos do Código Penal, relativo aos pontos 47 a 67 dos factos provados)
2. O presente recurso abrange não só a matéria de direito, mas também a matéria de facto (artigos 410º, 411º e 412º do Código de Processo Penal).
3. O Arguido, inconformado com a decisão, entende que, o Tribunal «a quo» deu como provados factos que realmente não o foram em sede de audiência de julgamento,
4. julgando incorretamente os pontos 15 a 17 da acusação.
5. Por outro lado, o Arguido entende que o tribunal «a quo» fez uma aplicação incorreta de algumas normas de direito aos factos dados como provados.
6. Conforme o tribunal «a quo» indica na Motivação da decisão recorrida, relativamente aos pontos 15. a 17. o arguido A. M. referiu que tais factos coincidiram com um concerto ocorrido nas imediações do local; que não esteve perto dos veículos em causa, razão por que não viu o arguido J. C. a furtá-los; que permaneceu sempre nas proximidades, desconhecendo com exactidão o que foi retirado de cada um dos veículos, já que se tratou de atuação levada a cabo apenas pelo arguido J. C..
7. Das declarações do arguido A. M., assim como das do arguido J. C., não pode ser retirada a conclusão de que os dois arguidos agiram em conjugação de esforços e vontades entre si ou com os demais arguidos relativamente aos alegados 3 crimes de furto qualificado.
8. Apenas ficou demonstrado em audiência de julgamento que o arguido A. M. se encontrava nas proximidades do Multiusos, pontos 15 a 17, e que não saiu do carro que conduzia, não tendo previamente combinado com o arguido J. C. o assalto de 3 veículos, tendo antes sido o arguido J. C. que decidiu, por si próprio, furtar os objectos contidos no interior desses mesmos veículos.
9. Não foi assim produzida prova bastante em audiência de julgamento, nem nos autos existe prova documental de que os arguidos A. M., J. C. e M. P. tenham agido em conjugação de esforços e vontades e de acordo com um plano previamente delineado relativamente aos factos 15 a 17 da acusação.
10. Nenhum dos restantes arguidos, com excepção dos três mencionados, e nenhuma das testemunhas que prestaram depoimento em sede de audiência de julgamento, presenciaram os factos indicados nos pontos 15 a 17 da acusação e julgados provados pelo tribunal.
11. Nessa medida, a decisão recorrida está ferida do vício de erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal no que se refere ao julgamento dos factos 15 a 17 da acusação.
12. Terá consequentemente de ser julgado como Não Provado que os arguidos A. M., J. C. e M. P. tenham agido em conjugação de esforços e vontades e de acordo com um plano previamente delineado relativamente aos factos 15 a 17 da acusação - alteração que se requer.
13. De qualquer modo, ainda que assim não se entenda, o que apenas se equaciona por cautela e mero exercício de patrocínio mas que não se admite, o arguido A. M. poderia ter consciência que o arguido J. C. iria praticar um ilícito mas não tinha consciência que iria praticar três ilícitos criminais, pois não sabia o que o arguido J. C. iria fazer em concreto nem quantos carros o mesmo efectivamente furtou, nem os objectos que deles retirou.
14. Nessa medida o arguido A. M. não concorda com a condenação pela prática de 3 crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelos artigos 204.º, n.º 1, alínea b) e 30.º, n.º1, ambos do Código Penal (pontos 15, 16 e 17 dos factos provados).
15. Na pior das hipóteses, o que só por mero exercício de patrocínio se equaciona mas não se admite, existiria apenas, por parte do arguido A. M., uma resolução criminosa e não três, sendo que consequentemente só poderia ser condenado pela prática de um crime de furto qualificado.
16. O Arguido A. M. não ponderou três vezes o valor e o desvalor do resultado, os prós e os contras do projecto concebido, nem sequer efectuou três projectos de ilícitos criminais, não realizou três deliberações, pelo que, não deverá ser condenado por três crimes de furto qualificado.
17. Os factos ilícitos criminais descritos nos pontos 15 a 17 da acusação poderão constituir um só crime continuado porque preenchem os pressupostos da prática de crime continuado previstos no n.º 2 do art.º 30.º do Código Penal.
18. Por tudo o exposto e ainda pelo princípio «in dubio pro reo» deviam ter sido considerados Não provados os factos 15 a 17 da acusação relativamente ao arguido A. M., pois que o mesmo não agiu em conjugação de esforços e vontades e de acordo com um plano previamente delineado relativamente aos factos 15 a 17 da acusação,
19. o que implicará consequentemente a absolvição do arguido de três ou, pelo menos, dois dos crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelos artigos 204.º, n.º 1, alínea b) e 30.º, n.º1, ambos do Código Penal, relativamente aos pontos 15.º a 17.º da acusação.
20. Sem prescindir, relativamente aos pontos 47 a 67 da acusação, ficou demonstrado em audiência de julgamento que nenhum dos arguidos mencionados na acusação entrou na habitação do Sr. L. F., nem furtaram nenhum objecto, apesar dos arguidos envolvidos terem admitido que tinham planeado tal ação.
21. Conforme bem julgou provado o tribunal «a quo», os arguidos aperceberam-se de um vizinho nas imediações quando procuravam penetrar no interior daquela habitação, motivo pelo qual desistiram, abandonaram, de imediato, aquele local.
22. Considera-se que as acções dos arguidos descritas nos pontos 47 a 67 dos factos julgados provados apenas constituem actos preparatórios, fase anterior à consumação e que não chegam a constituir actos de execução para efeitos da previsão do n.º 2 do art.º 22.º do Código Penal.
23. Os actos preparatórios, em regra, não são puníveis – art.º 21.º do Código Penal.
24. Consideramos que o facto dos arguidos terem planeado vários pormenores do assalto à casa do Sr. L. F., de alguns dos arguidos se terem dirigido à mesma casa, terem entrado no pátio ou jardim da habitação, por o portão exterior não se encontrar fechado com trinco e dessa forma ser acessível a qualquer pessoa que o quisesse abrir, e ainda terem rondado a habitação com o objectivo de procurarem uma forma de aceder à mesma, não constituem actos de execução para os efeitos previstos no art.º 22.º do Código Penal mas constituem, antes e apenas, actos preparatórios (art.º 21.º do Código Penal), que não deverão ser puníveis.
25. Ainda que se considerassem os factos praticados pelos arguidos como sendo actos de execução, de acordo com o n.º 2 do art.º 22.º do Código Penal, os arguidos desistiram dos seus intentos assim que se aperceberam da presença de um vizinho nas imediações (facto 67 julgado provado), não tendo entrado no interior da residência do Sr. L. F., nem muito menos no quarto da mesma habitação e não subtraindo qualquer bem da mesma habitação, tendo abandonado de imediato aquele local.
26. Pelo que, os arguidos desistiram voluntariamente da execução dos seus intentos, não tendo praticado qualquer crime, muito menos furto qualificado.
27. Efectivamente ficou provado que os arguidos desistiram de levar a cabo os seus intentos por receio de serem descobertos, uma vez que se aperceberam da presença de um vizinho nas imediações (factos 67 julgado provado), não tendo sido interceptados ou impedidos por ninguém.
28. Os arguidos desistiram voluntariamente, sem interferência de ninguém, pois ninguém os interceptou, devendo ser considerada válida e eficaz tal desistência e consequentemente a tentativa do crime de furto qualificado não ser punível, nos termos do n.º 1 do art.º 24.º do Código Penal.
29. Procedendo os entendimentos supra expostos dever-se-á absolver o Arguido A. M. do crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 204.º, n.º1, al. f) e 22.º e 23.º, todos do Código Penal (pontos 47 a 67 dos factos provados), ou pelo menos, caso assim não se entenda, julgar-se não punível a tentativa, nos termos do art.º 24.º do Código Penal.

Nestes termos, conferindo-se provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão recorrido quanto aos pontos mencionados especificamente e, em consequência, absolvendo-se o arguido, A. M., dos 3 crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelos artigos 204.º, n.º 1, alínea b) e 30.º, n.º1, ambos do Código Penal (pontos 15, 16 e 17 dos factos provados) e do crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 204.º, n.º 1, alínea f) e 22.º e 23.º, todos do Código Penal (pontos 47 a 67 dos factos provados), farão Vossas Excelências, como sempre Inteira e Sã Justiça!
*
Conclusões apresentadas pelo arguido A. C. (transcrição):

1 A. C., arguido/recorrente entende que carece de fundamento de facto e de direito o douto Acórdão condenatório, no qual foi o mesmo condenado, pela praìtica de um crime de receptaçaÞo, p. e p. pelo artigo 231.º, n.º1, do Coìdigo Penal, na pena de 6 meses de prisaÞo, suspensa na sua execuçaÞo pelo período de 1 (um) ano;
2.Conforme dispõe o n.º 5 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, o nosso processo penal tem estrutura acusatória;
3.Acontece que, nestes autos, este principio do acusatório e da vinculação temática (para além dos princípios da verdade material e da presunção da inocência, entre outros), foram manifestamente violados pelo Tribunal a quo;
4.No douto libelo acusatório foram imputados ao arguido/recorrente A. C. os seguintes factos que, no entender do Digníssimo Magistrado do Ministério Público, consubstanciaram a prática, por aquele, de um crime de receptação p. e p. pelo artigo 231º do Código Penal:
5.(artigo 41º) Em data não concretamente apurada mas posterior ao dia 01 de dezembro de 2017, o arguido A. C. adquiriu a um indivíduo de identidade não concretamente apurada, pelo valor de € 1000,00 (mil euros), diversos maços de tabaco, em quantidade não concretamente apurada;
6.O arguido A. C. quis ficar com tais objetos, apesar de, alegadamente, desconhecer a identidade de quem os vendia e, bem sabendo, que o preço que estava a pagar pelos mesmos era muito inferior ao seu valor real, o que indiciava que o mesmo poderia provir de facto ilícito típico contra o património.
7.(artigo 82º) Da mesma forma, o arguido, A. C., perfeitamente ciente da proveniência ilícita dos bens que recebeu livre e voluntariamente, actuou da forma supra descrita, com intenção de obter vantagem patrimonial a que sabia não ter direito;
8.(artigo 86º) Actuaram, ainda, os arguidos bem sabendo ser as suas condutas proibidas e punidas por lei penal.";
9. Sucede que, perante esta acusação - que tinha uma redaçaÞo geneìrica, factualmente insuficiente e conclusiva, e que era insuscetiìvel de vir a sustentar uma condenaçaÞo penal, a qual inclusivamente deveria ter sido, em sede de saneamento do processo, ao abrigo do disposto no artigo 311º, n.º 1 e 2, aliìnea a) do C.P.P., rejeitada - o Tribunal a quo, em violação do dos supra identificado principio da acusação e também dos princípios da vinculação temática e verdade material, decidiu, encetar oficiosamente, no decurso do julgamento, uma investigação da responsabilidade penal do arguido/recorrente, procurando completar e salvar aquela (acusação), tendo, com esse desiderato, a final, finda a produção de prova, comunicado uma alteração substancial dos factos (que infra se transcreve), quanto ao aqui recorrente - comunicação essa que o Tribunal a quo entendeu ser não substancial - tomando esta em conta para o efeito de condenação do recorrente no processo em curso, apesar da oposição daquele para que o Tribunal a quo assim procedesse.
10.Assim, na prossecução desse desiderato, o Tribunal a quo, na audiência discussão e julgamento que teve lugar no dia 10 de Outubro de 2018, proferiu o despacho supra transcrito e que aqui se dá por transcrito - cfr. ata de audiência de discussão e julgamento de 10 de Outubro de 2018;
11.No prazo que lhe foi concedido para se pronunciar e apresentar a sua defesa, o recorrente A. C. pronunciou-se por requerimento de fls.. .. dos autos, que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, no qual defendeu que a factualidade vertida na douta acusaçaÞo puìblica, nomeadamente do seu artigo 41º, tinha uma redaçaÞo geneìrica e conclusiva, insuscetiìvel de vir a sustentar uma condenaçaÞo penal, o que devia inclusivamente ter conduzido, ao abrigo do disposto no artigo 311º, n.º 1 e 2, aliìnea a) do C.P.P., à rejeição da acusação, nessa parte;
12.Esse viìcio estrutural grave, naÞo podia agora, nesta fase do julgamento, e depois de estar absolutamente fixado o objeto do processo, ser suprido ou sanado, nomeadamente por recurso aÌ alteraçaÞo naÞo substancial dos factos, nos termos do disposto no artigo 358º, n.º 1 e 3 do C.P.P.. E ao fazê-lo o Tribunal, no douto despacho prolatado em 10.10.2018, violou as garantias de defesa, constitucionalmente consagradas no artigo 32º da CRP, e tomou conhecimento e apreciou factos dos quais naÞo podia conhecer, o que consubstanciaraì, caso aqueles venham a ser dados como provados, a nulidade do douto acoìrdaÞo, nos termos do disposto no artigo 379º, n.º 1, aliìnea c) do C.P.P.;
13.A atividade decisoìria do Tribunal tinha de se confinar ao objeto da acusaçaÞo, naÞo podendo, nem devendo, os arguidos ou as testemunhas serem interrogados ou inquiridos sobres factos que naÞo se encontravam vertidos na acusaçaÞo, naÞo podendo, nem devendo as respetivas declaraçoÞes, ou depoimentos, ser valorados nessa parte, porque extravasaram o objeto do processo.
14.A definiçaÞo do objeto do julgamento delimita a decisaÞo do Tribunal e delimita em dois sentidos: A) Sentido positivo, obriga o Tribunal a decidir sobre todas as questoÞes que se encontrem na acusaçaÞo e na contestaçaÞo e que emerjam na audiência de julgamento; B) Sentido negativo, proiìbe o Tribunal de conhecer questoÞes de facto, que naÞo constem do objeto do processo, que naÞo tenham sido suscitadas na acusaçaÞo, na contestaçaÞo ou pela defesa;
15.Acresce que, era e eì entendimento do recorrente que a alteraçaÞo comunicada era e eì substancial, tendo expressamente declarado que o recorrente A. C. se opunha à continuaçaÞo do julgamento por esses novos factos, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 359º do C.P.P.;
16.Na audiência de discussão de julgamento que teve lugar no dia 18 de outubro de 2018, o Tribunal a quo, pronunciou-se sobre o requerimento, do arguido/recorrente A. C., vindo de transcrever, nos seguintes termos: “Sem embargo da posição expressa pelo arguido A. C. que manifestou a sua oposição à continuação do julgamento pelos factos que lhe foram comunicados na anterior sessão, posição essa que fundamentou nos termos do disposto no art.º 359º, n.º 3 do CPP, o Tribunal, como de resto já deixou expresso, entende que a alteração comunicada consubstancia uma alteração não substancial dos factos. Neste contexto tem-se como não relevante a oposição do arguido à continuação do julgamento. O qual prosseguira com a inquirição das testemunhas por si indicadas, devendo a questão suscitada no requerimento em apreço ser levantada, se for o caso, em sede de recurso”;
17.Ora, conforme já referido pelo aqui recorrente, no requerimento em que se pronunciou sobre a alteração comunicada, bastava uma simples anaìlise da factualidade vertida na douta acusaçaÞo puìblica, nomeadamente do seu artigo 41º, para concluir que esta tinha uma redaçaÞo geneìrica, factualmente insuficiente e conclusiva, insuscetiìvel de vir a sustentar uma condenaçaÞo penal.
18.
19.É a acusação que fixa os limites da atividade cognitiva e decisoìria do Tribunal, ou, noutros termos, o thema probandum e o thema decidendum. Nesse sentido a atividade do Tribunal, naÞo pode sair fora dos limites traçados pela acusaçaÞo, sob pena de nulidade, salvo em casos permitidos por lei em que, respeitadas certas condiçoÞes, se pode proceder a uma alteraçaÞo dos factos - artigos 303º, 309º, 358º e 359º, entre outros, do CPP -, o que naÞo era o caso dos autos;
20.Pelo exposto, eì nosso entendimento que a alteraçaÞo comunicada pelo Tribunal a quo eì substancial, sem prescindir naÞo importar a agravaçaÞo da pena a aplicar, nem uma alteração da qualificação jurídica do crime, uma vez que, com esta, o Tribunal pretende sanar uma acusação nula, factualmente insuficiente, fundada em factos geneìricos e conclusivos, pretendendo por essa via integrar e concretizar factos que são por sua vez integradores do tipo legal de um crime em apreço, e que apesar de este - o crime - estar imputado ao arguido, aqueles factos integradores do tipo legal naÞo se encontravam narrados e concretizados na acusaçaÞo. E mesmo que assim não se entenda, acompanhando Pinto de Albuquerque, o instituto da alteração substancial dos factos não constitui um instrumento para viabilizar uma acusação fundada em "factos conclusivos", que omite os concretos factos ilícitos e apenas imputa aqueles vagamente e de forma conclusiva;
21.O recorrente estava acusado de (cfr. artigo 41º da acusação) em "data não concretamente apurada mas posterior ao dia 01 de dezembro de 2017, o arguido A. C. adquiriu a um indivíduo de identidade não concretamente apurada, pelo valor de € 1000,00 (mil euros), diversos maços de tabaco, em quantidade não concretamente apurada". Mais constava dessa acusação, e do mesmo artigo, que o "arguido A. C. quis ficar com tais objetos, apesar de, alegadamente, desconhecer a identidade de quem os vendia e, bem sabendo, que o preço que estava a pagar pelos mesmos era muito inferior ao seu valor real, o que indiciava que o mesmo poderia provir de facto ilícito típico contra o património;
22.Ora, conforme resulta do trecho da acusação supra transcrito, nenhum dos co-arguidos era identificado como tendo sido a pessoa que vendeu ao recorrente diversos maços de tabaco, nem desta narrativa constava o número preciso de maços que aquele adquirira, o período e concretas circunstâncias de tempo, modo e lugar em que aquela aquisição tivera lugar, e porque preço fora adquirido cada maço de tabaco, a não ser o alegado preço global que o recorrente alegadamente pagara, realidade/factualidade essa que nem sequer deveria ter permitido a imputação - e muito menos a posterior condenação - do crime em causa ao recorrente, e em circunstância alguma permitiria ao Tribunal a quo dar por assente que o preço alegadamente pago pelo arguido, era inferior ao respetivo valor real do tabaco adquirido, e que, com essa conduta, aquele pretendia obter vantagem patrimonial;
23. Apesar da inserção desta factualidade, no libelo acusatório, na sequência do roubo ocorrido na tabacaria, descrito nos artigos antecedentes, o certo é que estes factos estavam absolutamente autonomizados, não existindo qualquer relação entre os mesmos e os factos que consubstanciaram a prática de um crime de roubo, descritos nos artigos 19º a 40º da acusação, e entre os factos alegadamente praticados pelo arguido/recorrente A. C. e os factos praticados posteriormente pelos co-arguidos A. M., C. L., V. A e M. P., nomeadamente no que diz respeito ao destino que deram aos bens de que se apropriaram, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar dadas por assente nos pontos 19º a 40 dos factos provados;
24.Acresce que, reitere-se, desconhecendo-se o número de maços de tabaco, o preço unitário efetivamente pago, e as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que aquela aquisição pelo recorrente teve lugar, de nenhuma forma era possível concluir pela pratica do crime e que o preço alegadamente pago pelo arguido A. C., em circunstâncias absolutamente desconhecidas e indeterminadas, pelos maços de tabaco, era "inferior ao seu valor real, o que indicava que o mesmo poderia provir de facto ilícito típico contra o património", e que, com a sua conduta, o arguido/recorrente pretendia obter vantagem patrimonial a que não tinha direito;
25.Ora, esta factualidade, mesmo que dada como provada, nunca seria suficiente para proferir uma condenação. E o Tribunal a quo consciente disso, não só tomou declarações aos co-arguidos A. M., V. A e M. P. sobre estes factos - em violação do disposto no artigo 343º, n.º 1 do C.P.P., extravasando aí o objeto do processo, como as ouviu, porque sobre esse factos, como se verdadeiras testemunhas se tratassem, em violação do disposto no artigo 133º, n.º 1, alínea a) do C.P.P. -, sendo certo que, em nenhum momento, da narração vertida na acusação, aqueles estavam identificados com sendo um ou os vendedores do tabaco em causa - venda essa que teria tido lugar em data absolutamente distinta daquela em que o roubo descrito nos artigos 19º a 40º tivera lugar -, como valorou as suas declarações para proceder à integração de uma narrativa alternativa dos factos aqui em julgamento, não correspondente com aquela que resultava do libelo acusatório, e que claramente foi muito para além de mera precisão ou concretização dos factos vertidos na acusação. Tudo de forma a poder proferir, nestes autos, a uma condenação do recorrente pelo crime de receptação;
26.O instituto da alteração não substancial dos factos ou o instituto da alteração substancial dos factos, não constitui, nem pode constituir, um instrumento para sanar e viabilizar uma acusação fundada em factos insuficientes, genéricos e conclusivos. Não está em causa apenas esta condenação do recorrente A. C. nestas circunstâncias, mas todo o nosso ordenamento jurídico, que constitucionalmente consagra, em termos de processo criminal, uma estrutura acusatória, com vinculação temática e em que a prova valorável é aquela que validamente pode ser produzida dentro dos limites da lei e do objeto do processo. Ora o Tribunal a quo não só postergou claramente essa estrutura acusatória e o principio da vinculação temática, como violou os limites definidos pela lei e pelo objeto do processo, o que tudo fere de nulidade o douto Acórdão condenatório, o que aqui se alega e suscita para os devidos e legais efeitos - artigos 283º, n.º 3, 311º, n.º 2, 340º, 343º, n.º 1, 358º, 359º, 374º e 379º, n.º 1, alínea c), todos do C.P.P. e artigo 32º, n.º 1 e 5 da C.R.P.;
27.A interpretação feita pelo Tribunal a quo do disposto no artigo 358º do do CPP, entendendo que o instituto da alteração não substancial permite ao Tribunal sanar uma acusação nula, factualmente insuficiente, fundada em factos geneìricos e conclusivos, é inconstitucional por violação do n.º 1 e 5 do artigo 32º da C.R.P.;
28.Encontra-se errada e incorrectamente julgada a matéria de facto dada como provada nos pontos 41, 82 e 86 dos factos provados, os quais (factos) deveriam antes ter sido dados como não provados;
29.Na formação da convicção, o Tribunal a quo deveria ter sempre como presente - o que não teve - que, tal como preceitua o artigo 32°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa, "[t]odo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (...)", e que deste princípio da presunção de inocência decorre, como salienta JOSÉ M. ZUGALDÍÁ ESPINAR, que "partindo ele da ideia que o acusado é, em princípio, inocente (...),a sentença condenatória contra o mesmo só pode pronunciar-se se da audiência de julgamento resultar a existência de prova que racionalmente possa considerar-se suficiente para desvirtuar tal ponto de partida" JOSÉ M. ZUGALDÍA ESPINAR (Derecho Penal, Parte General, 2002, pás. 231);
30.Ora, tal só sucederá quando, por um lado, a prova produzida em audiência permita logicamente (no sentido de racionalmente, coerentemente, etc.) afirmar a presença, no caso concreto, de todos os elementos (objectivos e subjectivos) do crime trazido a Juízo, e, por outro lado, conduza, nos mesmos moldes, à conclusão de que foi o arguido o responsável pela sua ocorrência;
31.No fundo, do que se trata é de que só se pode condenar alguém se for possível imputar-lhe a realização de todos os pressupostos e condições legais exigidos para o efeito, devendo ditar-se uma absolvição se se provarem factos que neguem a possibilidade dessa imputação, ou se aqueles pressupostos e condições se não se verificarem no caso concreto;
32.Este princípio, de alguma maneira, confunde-se com o princípio do in dubio pro reo;
33.O Tribunal a quo, apesar da dúvida, e consciente dos vícios existentes na acusação pública, optou por dar como provado os factos, que aqui se impugnam, decidindo contra o arguido e formando a convicção, quanto à ocorrência destes, arbitrariamente, uma vez que não só as declarações dos co-arguidos, com base nas quais pretendeu ultrapassar a dúvida e formar a sua convicção, não eram credíveis, como estas não poderiam ter sido valoradas, nos termos supra referidos, e sendo certo que estas declarações de qualquer forma não se encontravam corroboradas por um único meio de prova;
34.Nestes autos claramente deveria ter sido ditada a absolvição quanto ao aqui recorrente A. C. quanto aos crime de um crime de receptação, uma vez que, de forma alguma, racional e logicamente, se poderia ter dado como provada a pratica pelo mesmo dos factos integradores do tipo legal desse crime, como veio a acontecer.
35.O Tribunal a quo deu erradamente como provada a factualidade vertida nos pontos 41, 82 e 86, que supra se transcreveram e que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais;
36.Ora, salvo o devido respeito, não foi produzida prova segura e inequívoca que o arguido, ora Recorrente A. C., praticou os factos dados por assentes ou teve intervenção nos mesmos, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar vertidas na factualidade dada como provada.
37.Estes concretos pontos da matéria de facto que aqui impugnamos por se encontrarem incorretamente julgados, e que impugnaremos especificadamente mas conjugadamente uma vez que estão concatenados, nomeadamente os 41, 82 e 86 dos factos provados, deveriam ter sido antes dados respetivamente como não provados, nos termos e pelas razões que infra elencaremos e porque a prova infra transcrita e a prova produzida validamente assim o impunha e também a ausência de prova em sentido contrário;
38.Nenhuma prova produzida permitia, com o mínima segurança e grau de certeza necessário, dar como provada esta factualidade. Antes pelo contrário, toda a prova validamente produzida impunha decisão diversa, nomeadamente as declarações do aqui recorrente A. C. e mesmo as declarações dos co-arguidos A. M., M. A. e V. A. - sem prescindir não poderem ser valorados nos termos e pelas razões supra referidas, nomeadamente porque tomadas em violação do disposto no artigo 343º, n.º 1 do C.P.P., extravasando aí o objeto do processo, como também porque foram aqueles ouvidos sobre os factos, como se de verdadeiras testemunhas se tratassem, em violação do disposto no artigo 133º, n.º 1, alínea a) do C.P.P., o que aqui se suscita para os devidos e legais efeitos - que infra serão parcialmente transcritos e que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais: 1- Declarações do arguido A. C., gravado em cd através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal desde o minuto 00:00m ao 07:42m, ficheiro nº 20180920122833_5582057_2870533, conforme acta de audiência de julgamento do dia 20 de Setembro de 2016, declarações que supra se transcreveram e aqui se dão por reproduzidas; 2 - Declarações do arguido A. M., gravado em cd através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal desde o minuto 00:00m ao 102:05m, ficheiro nº 20180906102940_5582057_2870533, conforme acta de audiência de julgamento do dia 6 de Setembro de 2016, declarações que supra se transcreveram e aqui se dão por reproduzidas; 3 - Declarações da arguida M. P., gravado em cd através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal desde o minuto 00:00m ao 40:55m, ficheiro nº 20180919141355_5582057_2870533, conforme acta de audiência de julgamento do dia 19 de Setembro de 2016, declarações que supra se transcreveram e aqui se dão por reproduzidas; 4 - Declarações do arguido V. A., gravado em cd através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste tribunal desde o minuto 00:00m ao 17:30m, ficheiro nº 20180906121725_5582057_2870533, conforme acta de audiência de julgamento do dia 6 de Setembro de 2016, declarações que supra se transcreveram e aqui se dão por reproduzidas;
39.O arguido/recorrente A. C. negou perentoriamente a prática do crime.
40.Por sua vez, os co-arguidos A. M. e M. P., em posição concertada entre si (eram companheiros à data dos factos e são atualmente marido e mulher), e com claro intuito de prejudicar o recorrente e imputar ao mesmo o crime de receptação, de forma contraditória e inverosímil, afirmaram ter o primeiro vendido àquele tabaco, em quantidade que não sabiam precisar, isqueiros, filtros, mortalhas e onças de tabaco, tudo por preço que também não concretizaram mas que seria, no caso dos maços de tabaco, cerca de € 1,5 mais barato que o seu valor real. Mais afirmaram aqueles coarguidos que os arguidos V. A. e o C. L. já tinha também vendido ao A. C., em momento anterior, parte ou a totalidade do tabaco que lhes coubera enquanto produto do roubo que perpetraram e que visou a tabacaria melhor identificada nos pontos 19 a 40 dos factos provados, o que aqueles, particularmente o coarguido V. A. (porque o C. L. se limitou em declarações a confirmar a versão do V. A., conforme refere o Tribunal a quo na sua douta fundamentação), por sua vez, negou perentoriamente;
41.Mais afirmaram aqueles A. M. e M. P. que aquele produto de roubo tinha sido dividido de forma igual entre estes e os coarguidos V. A e C. L., tendo pelo menos cada um daqueles recebido 10 volumes de tabaco, afirmação essa que foi negada pelos coarguidos V. A e C. L. que afirmaram só terem recebido 3 a 4 volumes. A versão do arguido V. A e C. L. foi a versão que, nesta matéria, teve acolhimento por parte do Tribunal a quo, o qual deu por assente, no ponto 40 dos factos provados "dois ou três volumes de tabaco". Ora, aquele V. A., apesar de referir ter presenciado uma conversa entre os coarguidos A. M. e M. P. com o recorrente A. C., que ele admite possa ter sido sobre a venda do tabaco, não ouviu a mesma, desconhece o conteúdo e não sabe se de facto aquela conversa versou sobre a venda de tabaco;
42. Todos os supra identificados arguidos, admitiram que o recorrente desconhecia que o tabaco tinha sido furtado, mas com ironia, o coarguido A. M. afirmou que o recorrente A. C. "sabia que não era nenhuma carrinha da tabacaria que ia parar ali à porta", sendo certo, que como é do conhecimento público, o tabaco não é transportado em "carrinhas de tabacarias" ou "carrinhas de valores", mas em carros ou carrinhas absolutamente normais, podendo qualquer cidadão vender tabaco - desde que naturalmente sejam pagos os impostos que sobre o tabaco incidem;
43.Ora, para além das contradições que resultam das declarações dos coarguidos que infra transcrevemos para melhor perceção das inúmeras discrepâncias sobre as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que a venda do tabaco em causa ocorreu, é certo que aquela alegada venda não se encontra corroborada por nenhum meio de prova produzido no decurso do julgamento. Nesse sentido conferir a douta fundamentação, para além das declarações em causa dos coarguidos, nenhuma prova identifica que tenha permitido a formação da convicção do julgador quanto à ocorrência desta venda de tabaco nas circunstâncias que vieram a ser dadas como provadas nos pontos 41, 82 e 86 dos factos provados;
44.Reitere-se que, para além das declarações dos coarguidos A. M., M. P. e, mesmo do V. A, serem contraditórias - veja-se, a título de exemplo, as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que terá sido contactado o arguido A. C. para lhe ser proposta a compra do tabaco, que é absolutamente díspar nas três versões dos co-arguidos, e ainda, e também por exemplo, a quantidade de maços de tabaco que foram repartidas entre esses mesmos arguidos, e as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que esse tabaco foi entregue ao recorrente, sendo que nas três versões também foi entregue em díspares circunstâncias, tendo inclusivamente sido, a entrega pelo A. M., precedida pela entrega de tabaco efectuada pelo V. A. e pelo C. L., entrega essa que aqueles afirmam nunca ter ocorrido - , inverosímeis e absolutamente genéricas quanto às circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os factos relacionados com a alegada venda terão alegadamente ocorrido - note-se que, conforme resulta da factualidade assente, neste período temporal, os coarguidos A. M., M. P., V. A. e C. L. encontravam-se no "Café ..." e não no "Café do A. C." de propriedade do aqui recorrente - também aquela venda de tabaco e outros materiais como isqueiros, filtros, mortalhas e onças de tabaco, não se encontra corroborada por nenhum meio de prova produzido no decurso do julgamento;
45.Ora, se é certo as declarações de coarguido constituem um meio de prova válido, a ser livremente apreciado pelo Tribunal, também é certo que essa apreciação será que ser sujeita especiais cautelas a um crivo mais exigente. Mais a mais quando não corroboradas por qualquer outro meio de prova, como é o caso dos autos;
46.E sujeitando-se essas declarações a um crivo mais exigente resulta quanto a nós manifesto que para além da falta de fiabilidade, aquelas declarações, de todo, não permitiam dar como provada a factualidade tida por assente, uma vez que eram genéricas, indeterminadas, descreviam circunstâncias factuais díspares, contraditórias, que não permitiam, sem a menor dúvida razoável dar como provada a realidade dada por assente, nem esta factualidade era susceptível de preencher o tipo legal do crime em apreço, quer em termos de elementos subjetivos, quer em termos de elementos objetivos;
47.Pelo exposto, estas declarações que vimos de transcrever, com as vicissitudes supra referidas em sede de questão prévia, não permitiam dar como provada a factualidade assente nos pontos 41, 82 e 86 dos factos provados, nem permitiam a condenaçaÞo do aqui recorrente A. C., pela praìtica do crime de receptação, pelo este veio a ser condenado, pois naÞo soì as declarações dos coarguidos são vagas, imprecisas, genéricas e contraditórias, como também não existe qualquer outro meio de prova material que as corrobore ou permita afirmar e dar por assente a prática por este último do crime de receptação;
48.Acresce que, conforme resulta dos depoimentos das testemunhas M. D., C. X., L .F. e L. J., cujos depoimentos se encontram, por sumula descritos na "Motivação" do douto acórdão condenatório (sumula essa que aqui se dá por reproduzida e integrada para todos os efeitos legais), todos os maços de tabaco vendidos no estabelecimento comercial "Café do A. C.", de propriedade do recorrente, é vendido através de uma máquina de tabaco, à qual o recorrente não tem acesso, mas sim e apenas a testemunha L. J., o qual tem com o recorrente o acordo de exclusividade para "venda de tabaco". Poderia o recorrente ter comprado o tabaco para seu consumo ou de terceiros, ou para venda fora do estabelecimento comercial, contudo nenhuma prova foi produzida nesse sentido;
49.Assim foi erradamente dada como provada a factualidade vertida nos pontos 41, 82 e 86, que deveria toda ela ter sido dada como não provada, nos termos e pelos fundamentos supra aduzidos, e nos termos da prova supra indicada e ainda de acordo com ausência de prova, segura e inequívoca, que permitisse dar aquela factualidade por assente.
50.Nos termos do disposto no art.º 231º, n.º 1 do CP, “Quem, com intençaÞo de obter, para si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial, dissimular coisa ou animal que foi obtido por outrem mediante facto iliìcito tiìpico contra o patrimoìnio, a receber em penhor, a adquirir por qualquer tiìtulo, a detiver, conservar, transmitir ou contribuir para a transmitir, ou de qualquer forma assegurar, para si ou para outra pessoa, a sua posse, eì punido com pena de prisaÞo ateì 5 anos ou com pena de multa ateì 600 dias.”.
51.A norma imposta no nº 1 conteìm o tipo fundamental da recetaçaÞo, que consiste em o agente estabelecer, atraveìs das vaìrias modalidades de açaÞo descritas, uma relaçaÞo patrimonial com uma coisa obtida por outrem mediante um facto criminalmente iliìcito contra o patrimoìnio, sendo a conduta guiada pela intençaÞo de alcançar, para si ou para terceiro, uma vantagem patrimonial. O conteuìdo do iliìcito reside, pois, na perpetuaçaÞo de uma situaçaÞo patrimonial antijuriìdica” – Pedro Caeiro, in Comentaìrio Conimbricense do Coìdigo Penal, Tomo II, p. 475;
52.Quanto ao n.º 2, o legislador visou aqui punir “aquele que adquire ou recebe uma coisa que, por força de certas caracteriìsticas (qualidade, preço ou condiçaÞo do transmitente), faz razoavelmente suspeitar de que proveìm de facto iliìcito tiìpico contra o patrimoìnio, sempre que o agente, nessas circunstâncias, naÞo se tenha assegurado da legiìtima proveniência da coisa” – autor e obra citados, paìg. 486;
53.A niìvel subjetivo, ambos os dispositivos exigem o dolo do agente, mas enquanto o nº 1 do arto 231º exige um dolo especiìfico relativamente aÌ proveniência da coisa, no sentido de o agente saber que a coisa proveìm de um facto iliìcito contra o patrimoìnio, e aÌ intençaÞo de obter uma vantagem patrimonial para si ou para terceiros, no nº 2 o agente admite a possibilidade de a coisa ter origem num iliìcito tiìpico contra o patrimoìnio, atento em concreto o preço, qualidade da coisa, condiçaÞo do disponente e conforma-se com ela, naÞo se assegurando da sua proveniência legiìtima (negrito e sublinhado nosso);
54.Neste crime “exige-se um dolo especiìfico relativamente aÌ proveniência da coisa: eì necessaìrio que o agente saiba efectivamente que a coisa proveìm de um facto iliìcito tiìpico contra o patrimoìnio, pelo que a simples admissaÞo dessa possibilidade, a tiìtulo de dolo eventual, naÞo eì suficiente para o preenchimento do tipo subjectivo (podendo embora cair na previsaÞo do n.º 2)” – Conimbricense tomo II, pag. 494;
55.Compulsada toda a prova, nomeadamente as declarações dos co-arguidos A. M., M. P. e V. A., supra transcritas e que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais, e sem prescindir entendermos que estas não poderiam, nem deveria ter sido valoradas, e sem prescindir entendermos que não se encontram corroboradas por qualquer meio de prova, é nosso entendimento que, e ao contrário do referido no douto Acórdão, e ao contrário da factualidade dada por assente, que supra se impugnou, mesmo admitindo-se para efeito de raciocínio a compra daquele tabaco pelo arguido/recorrente A. C., este manifestamente, como os coarguidos afirmaram, desconhecia a proveniência ilícita do mesmo, podendo apenas desconfiar da respetiva origem, pelo que a sua conduta, salvo devido respeito, não se subsumia a previsão legal do crime em apreço prevista e punida nos termos do n.º 1 do artigo 231º do Código Penal, mas antes subsumia-se, quanto muito, à previsão legal prevista e punida nos termos do n.º 2 do artigo 231º do Código Penal, sem prescindir tudo quanto se referiu quanto absolvição do arguido, o que, reitere-se, e também só se refere para mero efeito de raciocínio, poderia conduzir a condenação deste nos termos do n.º 2 do artigo 231º do CP, porque assim o impunha as declarações dos coarguidos;
56.A escolha da pena reconduz-se, numa perspetiva politico-criminal a um movimento de luta contra a pena de prisão. A este propósito dispõe o art.º 70º do Código Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. Assim exprime, o legislador, a preferência pelas penas não privativas da liberdade;
57.É certo que a única vantagem que a pena de prisão pode apresentar face a qualquer outra pena não privativa da liberdade, reside precisamente na circunstância de corresponder ainda hoje ao sentimento generalizado da comunidade a convicção de que, em muitos casos criminais, a privação de liberdade é o único meio adequado de estabilização contrafáctica das suas expectativas, abaladas pelo crime, na vigência da norma violada, podendo ao mesmo tempo servir a socialização do transgressor;
58.Todavia não se poderá corresponder a tal sentimento generalizado da comunidade, se no caso concreto não se justificar de acordo com as específicas necessidades de prevenção geral e especial apuradas. Antes de mais há que atender às constatações da moderna criminologia tendentes à afirmação de que “aquele que cumpre uma pena de prisão é desinvestido profissional e familiarmente, sofre o contágio prisional, fica estigmatizado com o labéu de ter estado na prisão e não é compensado, muitas vezes, com uma efetiva socialização”. Para além de que a privação da liberdade pode representar um peso diferente consoante a personalidade de quem a sofre sem que essa diferente “sensibilidade à privação da liberdade” possa ser adequadamente levada em conta na medida da pena. Não se olvidem, por fim, embora num plano diferente, os elevadíssimos custos financeiros públicos do sistema prisional;
59.Por conseguinte, a opção pela pena de prisão só se justificará quando tal for imposto especificamente pelos fins das penas – previstos no art.º 40º, n.º 1 do Código Penal: “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (sublinhado nosso).
60.No caso em concreto, no que respeita ao recorrente A. C., de acordo com a douta motivação, na determinação da medida concreta da pena, apenas depuseram circunstâncias contra o mesmo, não tendo o Tribunal a quo considerado qualquer circunstância que depusesse a seu favor em termos das exigências concretas da culpa e da prevenção;
61.O Tribunal a quo andou mal porque, mesmo admitindo-se a pratica do crime para mero efeito de raciocínio, sempre e de acordo com a prova dada por assente, depunham a favor, para além das circunstâncias supra referidas pelo Tribunal a quo, as seguintes circunstâncias, que resultam da factualidade dada com provada no ponto 69.5 dos factos provados, que supra transcrevemos e aqui damos por reproduzidas, que não foram devidamente valoradas na escolha e determinação da medida da pena;
62.O Tribunal a quo ao dar por assente a supra transcrita factualidade, e ao verter nos factos provados as conclusões constantes do relatório social, teve aquelas por assentes, não tendo contudo, valorado essa factualidade em termos de determinação da pena, nomeadamente ao nível das concretas necessidades de prevenção especial e geral. Andou mal o Tribunal a quo porque, não só aquelas circunstâncias e factos permitem permitiam um juízo de prognose positivo, como Tribunal a quo acabou por fazer quando considerou as penas de substituição, quanto ao recorrente A. C., como depunham a favor do arguido e deveriam ter sido consideradas na escolha e determinação da pena. Contudo o Tribunal ignorar as mesmas, como resulta do douto Acórdão condenatório;
63.Ora, tendo em conta a matéria dada como provada pelo Tribunal a quo no seu douto Acórdão, e tendo em conta as circunstâncias que depunham particularmente a favor do arguido, e tendo em conta as concretas necessidades de prevenção especial, é nosso entendimento que decisão concretamente proferida contraria o objetivo da política criminal que a lei perspetiva e que a justiça não pode subtrair-se, que é, para além do afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, da primazia e preferência da lei pelas penas não privativas da liberdade, uma vez que condenou o arguido, pela prática do supra identificado crime na pena de 6 meses de prisão, p. e p. artigo 231º do Código Penal, quando poderia e deveria, tendo em conta, conforme supra referido, a factualidade dada como provado, sem prescindir, reitere-se tudo quanto se disse quanto à absolvição do arguido, aqui recorrente, as concretas necessidades de prevenção geral e especial, e as circunstâncias que depunha a favor e contra a recorrente, condenar aquele em pena de multa não superior a 200 dias, ou, se se entendesse ser subsumível a sua conduta nos termos do artigo 231º., n.º 2 do Código Penal, em pena de multa não superior a 60 dias, e ser a mesma substituída por trabalho a favor da comunidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 58º do Código Penal;
64.Disposições violadas: Foram violados os art.ºs, 20º, 70º, 71º, 72º e ss, 77º, 78º, 231º todos do Código Penal e o artigo 32º, n.º 1 e 5 do Constituição da República Portuguesa e ainda os artigos 119º, 127º, 133º, 283º, 340º, 343º, 358º, 359º, 374º e 379º, 410º do C.P.P., e as demais disposições que V. Exias suprirão.

Termos em que, se deverá revogar o douto Acórdão nos termos, com os efeitos e pelas razões supra expendidas, absolvendo-se o recorrente A. C. da prática de um crime de receptação, p. e p. pelo artigo 321º, n.º 1 do Código Penal, ou se assim não se entender, deverá este ser quanto muito condenado pela prática de um crime de receptação p. e p. pelo artigo 321º, n.º 2 do Código Penal, nos termos propugnados, devendo ser condenado em pena de multa, no quantitativo supra indicado, substituindo-se a mesma por trabalho a favor da comunidade.
Assim se fazendo, uma vez mais, JUSTIÇA!
*
O Ministério Público respondeu aos recursos interpostos pelos arguidos, pugnando pela sua improcedência.
*
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, de novo o Ministério Público defendeu a justeza do acórdão recorrido.
*
Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do CPP.
*
Após os vistos, prosseguiram os autos para conferência.
*
II.
Cumpre agora apreciar e decidir tendo em conta que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (artigo 412º do CPP), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Analisando a síntese conclusiva dos recursos interpostos temos que o arguido A. M. pretende que este Tribunal da Relação aprecie:

a) o erro do julgamento dos pontos 15 a 17 da acusação na medida em que entende:

- a).1 ter o Tribunal a quo incorrido em erro notório na apreciação da prova dos concretos factos;
- a).2 – dever ser julgado não provado que os arguidos A. M., J. C. e M. P. tenham agido em conjugação de esforços e vontades e de acordo com um plano previamente delineado relativamente aos referidos factos 15 a 17;
a.3)- que, na pior das hipóteses, deveria o arguido ser condenado não por três, mas por um único crime continuado, caso não fosse absolvido ao abrigo do princípio in dubio pro reo por todos ou, pelo menos, por dois dos três crimes.

b) Os pontos 47 a 67 dos factos julgados provados, por entender que:

- b1) os mesmos constituem apenas atos preparatórios – e não atos de execução – não puníveis e, subsidiariamente,
- b2) porque os arguidos (e portanto também o recorrente) desistiram de levar a cabo os seus intentos sem terem sido intercetados ou impedidos por alguém, a desistência, nos termos do artigo 24º do Código Penal, determinaria a não punição da tentativa.

O arguido A. C. requer que este Tribunal da Relação que aprecie:

a) A violação pelo tribunal a quo dos princípios do acusatório e da vinculação temática, relativamente aos factos 41, 82 e 86 da acusação, ao conhecer de novos factos, o que, entende, lhe estava vedado, determinando a nulidade do acórdão (artigo 379º, nº 1 alínea c) do CPP).
b) A alteração dos factos, considerada não substancial pelo tribunal a quo, que o recorrente entende ser alteração substancial, nos termos do artigo 359º do Código de Processo Penal, o que, no seu entendimento, viola o artigo 32º, nºs 1 e 5 da CRP;
c) A violação do princípio in dubio pro reo.
d) A inexistência de prova que permita julgar provados os pontos 41, 82, 86, os quais deviam por essa razão ter sido julgados não provados, com a consequente absolvição do arguido.
e) – Subsidiariamente, a errada subsunção da conduta ao nº 1 do artigo 231 do Código Penal, devendo sê-lo ao nº 2 do mesmo preceito e
f) a pretendida opção por pena de multa, substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade
*
É a seguinte a matéria de facto fixada em primeira instância e respetiva motivação (apenas os factos atinentes aos arguidos recorrentes).

1. Entre as 03h30 do dia 31 de Maio de 2015 e as 05h20 do dia 31 de Maio de 2015, os arguidos A. M. e J. C., em conjugação de esforços e vontades, aproximaram-se do veículo automóvel de marca ‘Renault’, de matrícula JA, propriedade de T. M., que se encontrava fechado e estacionado na rua …, Braga, Guimarães.
Por meio não concretamente apurado, um dos arguidos partiu o vidro da porta traseira do lado direito e, do seu interior retirou um carregador de telemóvel, um par de auriculares, um cachecol com as insígnias do Vitória de Guimarães, pertencentes a T. M., no valor de €50,00 (cinquenta euros) e, bem assim, um saco de senhora, da marca ‘Parfois’, contendo diversos documentos, designadamente, uma carta de condução, um cartão de cidadão, um cartão de débito, um documento único da sua viatura particular, de marca ‘Audi’, modelo ‘A3’, de matrícula LG, as chaves deste veículo automóvel, chaves da sua residência e da respectiva garagem, um par de óculos da marca ‘Rayban’, um Iphone 5, de cor branca), propriedade de I .S. tudo no valor de €800,00 (oitocentos euros);
Na posse dos objectos os arguidos abandonaram aquele local apropriando-se dos mesmos;
2. Entre as 20h00 do dia 30 de Maio de 2015 e as 12h00 do dia 31 de Maio de 2015, os arguidos A. M. e J. C., em conjugação de esforços e vontade e de acordo com um plano previamente delineado, na posse da chave da garagem colectiva do prédio sito na Praça …, União das Freguesias de …, … e …, Guimarães e bem assim, da chave do veículo da marca ‘audi’, modelo ‘A3’, de matrícula LG, no valor de €3000,00 (três mil euros), propriedade de I .S. – anteriormente subtraídas do veiculo JA - dirigiram-se aquele local colocaram a chave na ignição e o veiculo em funcionamento e dali saíram, apoderando-se do mesmo;
3. Após, os arguidos A. M. e J. C., em conjugação de esforços e vontades, em data não concretamente apurada mas, certamente posterior às 12h00 do dia 31 de Maio de 2015 procederam a substituição da chapa de matricula LG, colocando no seu lugar outra matricula cuja identificação ainda não se logrou apurar.
4. A partir daquele momento o referido veículo ficou na posse e à livre disposição dos arguidos A. M. e J. C.;
5. No período compreendido entre as 03h00 e as 03h30 do dia 30 de Novembro de 2016 o arguido A. M., a arguida M. P. e o arguido V. A., em conjugação de esforços e de vontades e de acordo com um plano previamente delineado dirigiram-se, no veiculo de marca Audi, modelo A3, matricula LG, à residência de D. F., sita na Rua …, Ronfe e, na posse da chave do veiculo da marca ‘BMW’, modelo ‘320DX’, de matrícula ‘..., colocaram a chave na ignição e o veiculo em funcionamento e saíram daquele local, apoderando-se do mesmo, no valor de €15 000,00 (quinze mil euros);
6. Imediatamente após, os arguidos A. M., J. C. e M. P., em conjugação de esforços e vontades, em data não concretamente apurada mas, seguramente, após 03h30 do dia 30-11-2016 procederam a substituição da chapa de matricula com o número “GR ...”, correspondente ao numero de quadro ... que o veículo ostentava e, colocaram no seu lugar a chapa da matricula MR, sendo certo que esta matricula se encontra atribuída a outro veículo;
7. A partir daquele momento o referido veículo ficou na posse e à livre disposição dos arguidos A. M., J. C. e M. P., sendo o primeiro o seu habitual condutor;
8. No dia 07 de Fevereiro de 2017, os arguidos A. M. e J. C., em conjugação de esforços e vontades, conduziram o referido veículo de marca Audi até ao Monte …, freguesia de …, S. Clemente, área desta comarca e, utilizando gasolina, deflagraram um incêndio no veículo, destruindo-o;
9. Entre as 23h00 do dia 29 de Novembro de 2016 e as 03h15 do dia 30 de Novembro de 2016 o arguido A. M., a arguida M. P. e o arguido V. A., em conjugação de esforços e de vontades e de acordo com um plano previamente delineado, aproximaram-se do veículo de marca Skoda’, modelo ‘Yeti’, de matrícula ..., propriedade de E. M., que se encontrava estacionado na Rua …, Braga (na zona do parque de estacionamento, nas proximidades do Bowwling) e, retiraram do seu interior diversos objectos, designadamente, uma bolsa, em pele, de cor beije, no valor de €20,00, contendo no interior uma carteira em pele, de cor castanha, no valor de €15,00 que tinha no seu interior o cartão de cidadão nacional; um cartão de débito da Caixa ..., dois cartões de débito do banco suíço …, cartão de seguro Suíço; cartão de identificação Suíço, duas agendas, chaves do veículo de matrícula ‘..., marca ‘BMW’, modelo ‘320DX”, €10,00 (dez euros) em numerário, e duzentos francos suíços, um relógio de ponteiros dourado, marca “fóssil”, com pulseira em metal, no valor de cento e cinquenta francos suíços da propriedade de C. F.;
Na posse dos objectos e valores os arguidos abandonaram aquele local apropriando-se dos mesmos;
(...)
13. Entre as 04h00 e as 06h30 do dia 05 de Fevereiro de 2017 o arguido A. M., a arguida M. P. e o arguido J. C., em conjugação de esforços e vontades e de acordo com um plano previamente delineado, aproximaram-se do veículo automóvel de marca ‘Citroen’, modelo ‘C4’, de matrícula HE, propriedade de M. F. e conduzido por P. M., que se encontrava fechado e estacionado na Rua …, Paços de Ferreira.

Por modo não concretamente apurado, um dos arguidos partiu o vidro triangular, da lateral direita e do seu interior retirou diversos objectos de P. M. designadamente, uma casaca comprida de marca ‘...”, de cor beije; três canas de pesca e um saco com roupa e, bem assim, uma carteira que continha no seu interior um cartão de cidadão, uma carta de condução, um cartão de crédito do banco ..., uma cédula militar e sessenta euros em dinheiro, estes da propriedade de A. S..

Na posse dos referidos objectos – de valor não concretamente apurado mas superior a €105,00 (cento e cinco euros) – e valores, os arguidos abandonaram aquele local apropriando-se dos mesmos.
(...)
15. Entre as 21h00 do dia 25 de Fevereiro de 2017 e as 02h00 do dia 26 de Fevereiro de 2017 o arguido A. M. a arguida M. P. e o arguido J. C., em conjugação de esforços e vontades e de acordo com um plano previamente delineado aproximaram-se do veículo de marca ‘Renault’, modelo ‘Z’, de matrícula OL, propriedade de C. M., que se encontrava fechado e estacionado na Alameda …, Guimarães.
Por modo não concretamente apurado, um dos arguidos A. M. ou J. C. partiu o vidro triangular da porta traseira, do lado direito e, retirou do seu interior, uma bolsa de senhora da marca ‘Parfois’, de cor castanha, propriedade de A. P. que continha no seu interior um bilhete de identidade e uma carta de condução; um cartão de débito e um cartão de crédito do banco Caixa ..., um cartão de utente e um número de contribuinte; diversos cartões não concretamente identificados, um telemóvel da marca ‘Nokia’, de cor preta, no valor de €50,00, um par de óculos de sol, da marca ‘Vogue’ no valor de €150,00 (cento e cinquenta euros).
Na posse dos referidos objectos, os arguidos abandonaram aquele local apropriando-se dos mesmos.
16. Entre as 22h00 do dia 25 de Fevereiro de 2017 e as 01h30 do dia 26 de Fevereiro de 2017 o arguido A. M., a arguida M. P. e o arguido J. C., em conjugação de esforços e vontades e de acordo com um plano previamente delineado, aproximaram-se do veículo de marca ‘Renault’, de matrícula IZ, propriedade de S. M., que se encontrava fechado e estacionado na Praceta …, Guimarães e, enquanto a arguida M. P. exercia vigilância ao local a poucos metros de distância, um dos outros arguidos, por modo não concretamente apurado, partiu o vidro da porta traseira do lado esquerdo, e retirou do seu interior diversos objectos, designadamente, um carrinho de bebé, de marca ‘Mini Cooper’, modelo ‘Easywalker’, de cor beije e preto, com oito rodas, fecho em bengala, com capa de chuva e bolsa lateral, com a bandeira do Reino Unido representada na zona da ‘capa de sol’; 1 (uma) ‘mala de maternidade’, marca ‘Pasito a Pasito’, de cor castanho ‘acinzentado’, de verniz, com três alças, sendo uma delas à ’tira colo’, com um fecho de correr ao centro, com um valor comercial, aproximado, de cerca de €80,00, um capacete de mota, de marca ‘NEXX - Helmets’, de cor amarelo/castanho, com viseira integrada, do ‘tipo aviador’, tudo no valor global de €330,00 (trezentos e trinta euros).
Na posse dos referidos objectos, os arguidos abandonaram aquele local apropriando-se dos mesmos.
17. A hora não concretamente apurada mas que se situa entre as 20h45 do dia 25 de Novembro de 2017 e as 00h30 do dia 26 de Fevereiro de 2017, o arguido A. M., a arguida M. P. e o arguido J. C., em conjugação de esforços e vontades e de acordo com um plano previamente delineado por ambos, aproximaram-se do veiculo automóvel de marca ‘Ford’, modelo ‘Focus’, de matrícula FP, propriedade de M. C., que se encontrava fechado e estacionado na Avenida …, Guimarães e, enquanto a arguida M. P. exercia vigilância ao local a poucos metros de distancia, um dos outros arguidos, por modo não concretamente apurado, partiu o vidro ventilador, do lado direito, traseiro do veículo e retirou do seu interior diversos objectos, designadamente, uma pasta em pele de cor castanha, no valor de €150,00 (cento e cinquenta euros), contendo no seu interior vários portefólios e livros escolares no valor de €60,00 (sessenta euros).
Na posse dos referidos objectos os arguidos abandonaram aquele local apropriando-se dos mesmos.
(…)
19. Em finais de Dezembro de 2016, os arguidos, A. M., M. P., C. L. e V. A., em conjugação de esforços e vontades, quando se encontravam no Café “…”, sito em …, Guimarães, elaboraram um plano para, através da força e com recurso a armas de fogo obrigarem o proprietário do estabelecimento de venda de fruta, tabacaria (vendas de revistas e tabaco) e jogos da Santa Casa da Misericórdia (totoloto, euromilhões, raspadinhas) e de cobranças postais, sito na Avenida …, 316, Vila Nova de Famalicão, a entregar lhes os bens e valores que aí encontrassem.
20. Para o efeito, a hora não concretamente apurada, do dia 2 de Dezembro de 2017, os arguidos A. M. e M. P., juntamente com os arguidos V. A. e C. L., saíram da sua residência, sita no Largo …, Guimarães, fazendo-se transportar no supra mencionado veículo de marca “BMW”, modelo “320DX” com a matrícula MR.
21. O arguido C. L. encontrava-se munido de uma arma de fogo, do tipo espingarda caçadeira, com a coronha em madeira gasta de cor amarelada, com cerca de 30 cm de comprimento, incluindo o fuste, de cano único, enferrujado, de cor preta.
22.Os arguidos A. M., V. A. e C. L. encontravam-se munidos de gorros de malha de cor escura/preta, do tipo passa-montanhas, com abertura ao nível dos olhos e boca, luvas escuras/pretas, para poderem ocultar a cabeça e o rosto, de forma a não serem reconhecidos e identificados pelo ofendido e eventuais testemunhas dos factos, e também de forma a não deixarem no local impressões digitais que permitissem serem identificados pelas autoridades policiais.
23. Persistindo nas referidas intenções e com vista à sua concretização, entraram todos para a referida viatura BMW, modelo “320DX”, com chapa de matrícula falsa MR.
24. O arguido A. M. entrou para o lugar do condutor, a arguida M. P. para o lugar do passageiro da frente e os arguidos V. A. e C. L. ocuparam o banco traseiro da viatura, seguindo, então em direcção a …, Famalicão.
25. Ali chegados, já depois das 23h15, circularam por várias ruas até à Avenida …, onde constataram que a viatura ligeira de mercadorias da marca Ford Transit Connect, de matrícula ZZ estava estacionada na via pública, mesmo em frente à porta de entrada do estabelecimento comercial do ofendido, A. P., sito no nº .. daquela avenida, tendo igualmente constatado que as luzes do estabelecimento estavam acesas, presumindo que aquele estivesse no interior.
26. Decidiram, então, ficar a vigiar a curta distância o estabelecimento com objectivo de controlarem os movimentos do referido A. P. a partir do salão da paróquia, que dista cerca de 40 metros do estabelecimento comercial em apreço, onde estacionaram o BMW.
27. Pelas 00h45, do dia 3 de Janeiro de 2017, os arguidos viram o ofendido a retirar do interior da sua viatura, da marca Ford Transit Connect e a transportar para o interior do estabelecimento diversas caixas com as mercadorias, designadamente, frutas e legumes.
28. Mediante o plano por todos previamente gizado, executando, concertadamente, para lograrem o êxito do plano previamente delineado, as tarefas distribuídas e executadas por cada um dos arguidos decidiram então abordar o ofendido, sendo que a arguida M. P. ficou de vigia junto ao salão da paróquia.
29. Os arguidos entraram no estabelecimento quase em simultâneo, tendo sido proferidas as seguintes expressões, dirigidas ao ofendido, em tom ameaçador: “ISTO É UM ASSALTO, ONDE ESTÁ O DINHEIRO, QUEREMOS O DINHEIRO”;
30. Acto contínuo, o ofendido foi conduzido, contra a sua vontade para a dependência do fundo, que funciona como escritório, onde foi obrigado a sentar-se numa cadeira que ali se encontra.
31. De seguida, o ofendido foi obrigado a permanecer sentado na cadeira, enquanto lhe eram dirigidas as seguintes palavras intimidatórias “TÁ QUIETO, SENÃO DOU-TE UM TIRO, MATO-TE, ONDE ESTÁ O DINHEIRO”;
32. Seguidamente, o arguido A. M., que se tinha deslocado para a área de venda, regressou e atou as mãos do ofendido à frente do abdómen, com recurso a um cabo de alimentação do scanner do sistema informático dos Correios, que tinha cortado do próprio sistema, utilizado para cobranças postais.
33. Após, o arguido A. M. percorreu o interior do balcão (área de venda) e carregou para o interior de sacos de plástico de cor lilás, que eles próprios traziam, os seguintes objectos, bens e valores: 330,00€ (trezentos e trinta euros) em notas do BCE, de 10 e de 5 euros, que se encontravam dentro de uma pequena caixa de cartão escondida numa prateleira junto da máquina de fotocópias instalada no escritório; 170,00€ (cento e setenta euros) em moedas de vários valores faciais que se encontravam no interior da caixa registadora, instalada no balcão de atendimento ao público; 520 Maços de tabaco de várias marcas; 28 Latas de tabaco de enrolar de várias marcas; 132 Onças de tabaco de enrolar; 2 Sacos de tabaco; 8 Caixas de mortalhas (para fazer o tabaco de enrolar); 2 (duas) caixas com cerca de 60 embalagens de filtros; 1.200,00€ (mil e duzentos euros) de raspadinhas; 3 (três) expositores de isqueiros contendo 61 isqueiros (tudo num valor total de 2.485,00€).
34. De imediato, o arguido A. M. regressou à área de venda e, depois de subtrair um IPHONE 5S, com o IMEI nº …, no valor de 319,98€ - trezentos e dezanove euros e noventa e oito cêntimos no valor de 319,98€ (trezentos e dezanove euros e noventa e oito cêntimos), que estava a carregar numa prateleira existente por baixo da máquina registadora instalada no balcão de atendimento ao público, dirigiu-se ao ofendido e questionou-o sobre o PIN do mesmo.
35. O ofendido tentou levantar-se para lhes indicar onde se encontrava a embalagem do telemóvel, ao que o arguido V. A., de imediato, o impediu, ordenando-lhe para estar quieto.
36. O ofendido, depois de lhes dizer que ia levantar-se para lhes indicar o local onde estava a embalagem do telemóvel, foi autorizado a levantar-se da cadeira e, mesmo com as mãos atadas, conseguiu retirá-la de dentro de uma prateleira do móvel da fotocopiadora, entregando-a de seguida ao arguido A. M..
37. De seguida, na posse dos mencionados objectos, bens e valores, apropriando-se dos mesmos, os arguidos saíram do estabelecimento, tendo o arguido A. M. subtraído as chaves da referida viatura do ofendido, que estavam colocadas em cima de uma prateleira existente junto à parede do lado esquerdo, junto à porta de entrada do estabelecimento.
38. Já no exterior do estabelecimento, os arguidos A. M. e V. A. entraram para a viatura FORD CONNECT, de matrícula ZZ, do ofendido (carregada com 1 caixa com dois quilos de morangos, 1 caixa com três quilos de anonas, 1 caixa com cinco quilos de figos secos, 10 sacos, cada um com 5 quilos de batatas vermelhas, 1 caixa com 8 quilos de alface fresca, 2 caixas, cada uma com 10 quilos de pera rocha e 1 caixa com 3 quilos de tâmaras), introduziram a chave respectiva previamente subtraída na ignição e colocaram-na a trabalhar, abandonando, de imediato aquele local, apropriando-se de tais bens e objectos.
39. Por seu turno, os arguidos M. P. e C. L. dirigiram-se na viatura BMW para casa dos arguidos A. M. e M. P.;
40. Algum tempo depois, o arguido A. M. entregou ao arguido V. A., pelo menos, dois ou três volumes de tabaco, embalagens de filtros de tabaco e mortalhas de tabaco, um saco de batatas e cerca de 200,00€ em numerário e ao arguido C. L. cerca de 200,00€ em numerário, dois ou três volumes de tabaco e um saco de batatas, bens e valores que haviam subtraído nas circunstâncias atrás descritas.
41. Em data posterior a 02 de janeiro de 2017, o arguido A. C. adquiriu ao arguido A. M. pelo menos 10 volumes de tabaco, para além de uma quantidade não apurada de isqueiros, filtros, mortalhas e onças de tabaco, por um preço que concretamente não foi possível determinar mas que, quanto ao tabaco, ficou cerca de 1,5€ mais barato em cada maço do que o preço normal de venda.
Nessa sequência, durante aproximadamente uma ou duas semanas, o arguido A. C. entregou ao arguido A. M., pelo menos, a quantia de 600€.
42. Em data não concretamente apurada mas seguramente posterior a 3 de Janeiro de 2017, os arguidos A. M. em conjugação de esforços e vontades com a arguida M. P., procedeu à substituição das chapas de matrícula com o número ZZ correspondente ao número de quadro … que o veículo automóvel ligeiro de mercadorias da marca e modelo FORD CONECT, de cor cinzenta, da propriedade do ofendido A. P., ostentava e colocaram no seu lugar ZU, sendo certo que esta matricula se encontra atribuída a outro veículo.
43. A partir daquele momento o referido ligeiro de mercadorias ficou na posse e à livre disposição dos arguidos A. M. e M. P., sendo o primeiro o seu habitual condutor.
(...)
47. Os arguidos A. B. e F. G., em data não concretamente apurada, transmitiram ao arguido A. M. que o ofendido L. F. guardava no interior da sua residência, sita na Rua …, Valongo, no cofre existente num roupeiro do quarto voltado para a Rua a quantia de €10,000 (dez mil euros).
48. Assim, os arguidos A. M., M. P., J. C., A. B., F. R. e F. G. em conjugação de esforços e vontades, elaboraram um plano para subtrair a referida quantia a L. F..
49. Para o efeito, em execução do referido plano, no dia 05 de Março de 2017 cerca das 6h15 o arguido A. M. e a arguida M. P., saíram da sua residência, sita no Largo …, Guimarães, no veículo de marca “BMW”, modelo “320DX, matricula falsa MR conduzido pelo primeiro e a segunda no banco de passageiro á frente, em direcção a residência do arguido J. C. sita na Rua …, onde o recolheram, por volta das 06h30, seguindo este no banco traseiro, em direcção a Valongo.
50. Chegados a Valongo, cerca das 07h30, entraram na confeitaria/padaria “…”, sita na Avª …, Valongo onde se encontraram com o arguido F. G..
51. Após terem ultimado os pormenores relativos à forma de concretizarem o plano por eles elaborado dali saíram os arguidos A. M., M. P. e J. C. no veículo mencionando BMW em direcção á residência do ofendido L. F. e o arguido F. G. no veículo de marca “audi” seguiu em direcção á residência do arguido F. S. para o recolher.
52. Cerca das 08h15 arguidos A. M., M. P. e J. C. estacionaram o veículo BMW perto do final da rua …, do lado esquerdo, junto ao nº 91, tendo ficado com controlo directo para a residência do ofendido.
53. Por seu turno por volta das 08h30/08h40 o arguido F. G. e F. R. estacionaram o veículo “audi” junto ao nº 213, da Rua …, do lado direito e sentido ascendente (sentido único), onde exerceram vigilância à residência do ofendido.
54. Quando eram cerca das 10h30, todos os arguidos abandonaram aquele local em direcção á barbearia do arguido A. B. e, uma vez aí este transmitiu-lhes que o ofendido L. F. todos os domingos almoça fora de casa na companhia da sua esposa e que da parte da tarde leva-a sempre para casa de uma irmã que mora ali perto e que depois vai para o café “…”, sito na Rua …, jogar às cartas com amigos altura em que os arguidos podiam executar o plano por todos elaborado.
55. Por volta das 11h00, os arguidos A. M., J. C., F. R. e M. P. dirigiram-se no veículo BMW em direcção ao apeadeiro de … da …, Valongo, local onde a arguida M. A. ficou a aguardar a execução do plano.
56. Por seu turno, o arguido F. G., dirigiu se para o cruzamento entre as ruas do …, das … e … onde se estacionou o veículo Audi ali ficando em para alertar os demais arguidos caso visse alguém, designadamente, elementos das forças de segurança.
57. Sucede que, todos os arguidos decidiram abandonar aquele local por pensarem que um vizinho residente mais em baixo, proprietário de um BMW verde-escuro tinha-se apercebido da presença daqueles dirigindo-se, em direcção á barbearia do arguido A. B..
58. Nesta altura, o arguido A. B. deslocou-se, apeado até junto a residência do ofendido L. F. e, mediante contacto telefónico transmitiu ao arguido F. G. que os proprietários do veículo BMW verde tinham saído de casa, motivo pelo qual podiam aqueles voltar á residência do ofendido L. F..
59. Assim, a arguida M. P. regressou apeada até ao apeadeiro de … da .., Valongo.
60. O arguido F. G. seguiu ao volante da veiculo audi até ao para o cruzamento entre as ruas do .., das .. e … onde se estacionou ali ficando para alertar os demais arguidos caso visse alguém, designadamente, elementos das forças de segurança.
61. E, por seu turno os arguidos A. M., J. C. e F. R., seguiram no veículo de marca “BMW” até á residência do ofendido L. F..
62. Sucede que, nesta altura, os arguidos viram o ofendido L. F. a regressar aquele local, motivo pelo qual todos dali saíram até ao apeadeiro de ....
63. Cerca das 15h30, o arguido F. G. e a arguida M. P., no veículo Audi dirigiram-se para junto do nº .. da Rua …, onde estacionaram o veículo, ali aguardando para alertarem os demais arguidos.
64. Por seu turno, os arguidos A. M., J. C. e F. R. seguiram no veículo BMW até á barbearia do arguido A. B., onde aguardaram indicações dos arguidos F. G. e M. P..
65. Cerca das 16h00, porque o ofendido L. F. saiu da sua residência o arguido F. G. transportou a arguida M. P. até ao apeadeiro de ..., onde esta ficou a aguardar e regressou, imediatamente, ao local onde se encontrava anteriormente para alertar os demais arguidos.
66. Assim, os arguidos A. M., J. C. e F. R. seguiram no veiculo BMW até a residência do ofendido L. F. e, enquanto o arguido J. C. ficou no interior deste para vigiar a eventual aproximação de terceiros e assegurar a fuga mal a apropriação se consumasse, os arguidos A. M. e F. R. abriram o portão exterior, que se encontrava fechado, apenas com o trinque, acedendo desta forma a um pátio ali existente e, de imediato, usando a força das suas mãos, lograram abrir uma portada do lado direito da porta/janela de acesso a uma dependência da habitação.
67. Sucede que os arguidos se aperceberam da presença de um vizinho nas imediações, pela forma descrita, procuravam penetrar no interior daquela habitação, motivo pelo qual abandonaram, de imediato aquele local.
68. Pelo menos a partir do dia 13 de fevereiro de 2017 até ao dia 12 de março de 2017, o arguido A. M. decidiu conduzir veículos automóveis, o que fez nas circunstâncias que seguir se descrevem:

No dia 13 de Fevereiro de 2017, no período compreendido entre as 13h00 e as 16h10, o ora arguido A. M. conduziu o veículo automóvel da marca BMW tendo apostas as chapas de matrícula falsas MR, na sua posse e à sua inteira e livre disposição, nas ruas …, localidade de Figueiredo, freguesias de ... e ... (Guimarães), sem que fosse possuidor de carta de condução ou outro documento com força legal equivalente que o habilitasse a conduzir aquele tipo de veículo a motor ou outro.
69. No dia 05 de Março de 2017, no período da noite, o arguido A. M. conduziu o veículo automóvel da marca BMW tendo apostas as chapas de matrícula falsas MR, na sua posse e à sua inteira e livre disposição, nas ruas da localidade de Valongo, sem que fosse possuidor de carta de condução ou outro documento com força legal equivalente que o habilitasse a conduzir aquele tipo de veículo a motor ou outro.
70. No dia 09 de Março de 2017, no período da manhã, o arguido A. M. conduziu o veículo automóvel da marca BMW tendo apostas as chapas de matrícula falsas MR, na sua posse e à sua inteira e livre disposição, nas ruas da localidade de ..., em Santo Tirso, sem que fosse possuidor de carta de condução ou outro documento com força legal equivalente que o habilitasse a conduzir aquele tipo de veículo a motor ou outro.
71. No dia 10 de Março de 2017, no período da manhã, o arguido A. M. conduziu o veículo automóvel da marca BMW tendo apostas as chapas de matrícula falsas MR, na sua posse e à sua inteira e livre disposição, nas ruas da localidade de ..., em Santo Tirso, sem que fosse possuidor de carta de condução ou outro documento com força legal equivalente que o habilitasse a conduzir aquele tipo de veículo a motor ou outro.
72. No período da tarde do mesmo dia 10 de Março de 2017, o arguido A. M., conduziu o veículo automóvel da marca BMW tendo apostas as chapas de matrícula falsas MR, na sua posse e à sua inteira e livre disposição, nas ruas da localidade de ..., em Santo Tirso, sem que fosse possuidor de carta de condução ou outro documento com força legal equivalente que o habilitasse a conduzir aquele tipo de veículo a motor ou outro.
73. No dia 12 de Março de 2017, no período da noite, o arguido A. M., conduziu o veículo automóvel ligeiro de mercadorias da marca e modelo FORD CONECT, de cor cinzenta, tendo apostas as chapas de matrícula falsas ZU, na sua posse e à sua inteira e livre disposição, nas ruas das localidades de ... e Guimarães, sem que fosse possuidor de carta de condução ou outro documento com força legal equivalente que o habilitasse a conduzir aquele tipo de veículo a motor ou outro.
(...)

76. Os arguidos, A. M., M. P., J. C. e V. A. agiram livre, voluntária e conscientemente, com o propósito conseguido de fazerem seus os bens e objectos que se encontravam no interior dos supra mencionados veículos automóveis bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade dos respectivos donos.
77. De igual modo aqueles arguidos bem sabiam que os veículos de marca BMW de matrícula GR..., Audi de matrícula LG e Ford Connect de matrícula ZZ não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do respectivo dono e, ainda assim, não se inibiram de o fazer seus.
78. Os arguidos, A. M., M. P., C. L. e V. A., agiram livre, deliberada, conscientemente e em conjunção de esforços com o propósito de intimidar o proprietário do estabelecimento/frutaria levando-o a crer que, caso resistisse, estavam dispostos a utilizar a arma que lhes apontaram para lhe retirar qualquer capacidade de resistência, com o propósito de, contra a sua vontade, lhes retirar os bens, valores e o veiculo ai existentes e os integrar nos respectivos patrimónios, apesar de estarem cientes que não lhes pertenciam.
79. Os arguidos A. M., M. P. e J. C. ao procederem à alteração das chapas das matrículas da forma acima descrita e, ao circular com os veículos com as chapas de matrículas MR, ZU, e outra não concretamente apurada, agiram livre, deliberada e conscientemente, com a intenção de criar a aparência de que as referidas matriculas pertenciam aqueles veículos, bem sabendo que tal não correspondia à verdade e que desta forma faltando à verdade lesavam a segurança e confiança no tráfico jurídico.
(...)

81. Os arguidos V. A., M. P., J. C., A. B., F. R., F. G. agiram em conjugação de esforços e vontade e de acordo com o plano previamente delineado por todos, sempre livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de fazer seus os valores que encontrassem na residência de L. F., sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que actuavam contra a vontade do respectivo dono, só não o tendo logrado por motivos alheios as suas vontades.
82. Da mesma forma, o arguido A. C., perfeitamente ciente da proveniência ilícita dos bens que recebeu livre e voluntariamente, actuou da forma supra descrita, com intenção de obter vantagem patrimonial a que sabia não ter direito.
(...)

85.Ao actuar da forma descrita, o arguido A. M. agiu livre e voluntariamente, com plena consciência de que não podia conduzir os referidos veículos automóveis sem para tal estar habilitado.
86. Actuaram ainda os arguidos bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei penal.
(...)
88. O arguido A. M. foi condenado:
- por decisão transitada em julgado no ano 2000, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução, pela prática de um crime de furto simples;
- por decisão transitada em julgado em 29.05.2000, na pena de 150 dias de multa pela prática de um crime de recetação;
- por decisão transitada em julgado em 24.03.2003, na pena de 5 meses de prisão, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal;
- por decisão transitada em julgado em 21.12.2001, na pena única de 3 anos e 1 mês de presídio militar, pela prática de um crime de deserção;
- por decisão transitada em julgado, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, pela prática de um crime de furto qualificado;
- por decisão transitada em julgado em 27.10.2000, na pena de 60 dias de multa, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal;
- por decisão transitada em julgado em 03.11.2000, na pena de 120 dias de multa, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal;
- por decisão transitada em julgado no ano de 2000, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, pela prática de um crime de furto;
- por decisão transitada em julgado, na pena de 50 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal;
- por decisão transitada em julgado em 13.01.2001, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, pela prática de um crime de furto;
- por decisão transitada em julgado em 28.02.2001, na pena de 55 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal;
- por decisão transitada em julgado em 02.03.2001, na pena de 160 dias de multa, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal;
- por decisão transitada em julgado, na pena de 65 dias de prisão, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal;
- por decisão transitada em julgado em 23.03.2001, na pena única de 400 dias de multa, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de condução perigosa;
- por decisão transitada em julgado em 01.06.2001, na pena de 100 dias de multa, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal;
- por decisão transitada em julgado em 06.06.2001, na pena única de 14 meses de prisão, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de recetação;
- por decisão transitada em julgado em 18.03.2002, na pena de 80 dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal;
- por decisão transitada em julgado em 23.05.2003, na pena de 10 meses de prisão, pela prática de um crime de furto;
- por decisão transitada em julgado em 21.05.2004, na pena de 9 meses de prisão, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal;
- por decisão transitada em julgado em 19.01.2011, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática de um crime de violência doméstica;
- por decisão transitada em julgado em 04.04.2014, na pena de 26 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática de um crime de furto qualificado;
- por decisão transitada em julgado em 09.01.2018, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado e de um crime de burla informática;
- por decisão transitada em julgado em 11.12.2017, na pena de 25 dias de multa, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes
(…).
93. O arguido A. C. foi condenado:
- por decisão transitada em julgado em 28.10.2013, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática de dois crimes de furto qualificado;
- por decisão transitada em julgado em 11.09.2017, na pena única de 5 anos, suspensa na sua execução por igual período, pela prática de seis crimes de furto qualificado e um crime de detenção de arma proibida;
- por decisão transitada em julgado em 06.01 .2014, na pena única de 25 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática de um crime de furto qualificado;
- por decisão transitada em julgado em 04,04.2016, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática de dois crimes de furto qualificado;
94. Dos relatórios sociais juntos aos autos consta (transcrição):
- quanto ao arguido A. M.,
- Dados relevantes do processo de socialização

O processo de socialização do arguido decorreu num contexto familiar cuja dinâmica apresentava várias disfuncionalidades, designadamente, o alcoolismo paterno, violência deste para com o cônjuge, desemprego e ociosidade de alguns elementos do agregado, instabilidade relacional e ainda toxicodependência da irmã de A. M..
A. M. realizou um percurso escolar com registo de várias retenções, problemas de comportamento, absentismo e desinvestimento no processo de aprendizagem. Aos 16 anos, após a conclusão do 60 ano, abandonou definitivamente o ensino. Já em idade adulta frequentou um curso de formação profissional (canalizador) promovido pelo IEFP que lhe facultou a equivalência ao 91 ano de escolaridade,

Iniciou-se então no mercado de trabalho, desenvolvendo atividade como servente na construção civil, que abandonou após 4 meses. Posteriormente, trabalhou cerca de 1 ano como auxiliar de pasteleiro numa panificadora, a que se seguiu um período de inatividade. Ao nível profissional apresentava um trajeto inconsistente e com manifesta falta de hábitos de trabalho.
O arguido foi descrito como tendo sido um jovem problemático devido aos comportamentos precoces de rebeldia e constante desafio das regras e normas sociais, com relatos de inadaptação a diversos contextos, Entre Novembro/98 e Março/99, período de grande instabilidade pessoal e familiar, o arguido protagonizou um comportamento pouco adequado às normas sociais, consubstanciando-se nas ausências prolongadas de casa, ociosidade e integração em grupo de pares conotados com condutas desviantes. Neste contexto surgem diversos confrontos com o sistema de administração da justiça, designadamente pela prática de crimes de condução sem habilitação legal e furto, de que resultaram condenações em penas de multa e de prisão suspensas na sua execução.

Durante o cumprimento do serviço militar obrigatório, A. M. ausentou-se ilegitimamente por duas vezes, tendo sido condenado, em cúmulo jurídico, na pena de 2 anos e 11 meses de presídio militar pelo crime de deserção. Após ter cumprido 2 anos e 6 meses, foi colocado em liberdade, tendo regressado a casa dos pais. Durante este período não voltou a exercer atividade profissional, agravando-se os problemas anteriormente observados, designadamente envolvimento em grupos de pares conotados com a marginalidade, frequência de bairros problemáticos da cidade do Porto, e em 2001, iniciou o consumo de estupefacientes (haxixe, heroína e cocaína), que se mantiveram até 24.08.2003, data da entrada do arguido no Estabelecimento Prisional do Porto para o cumprimento de uma pena de prisão de 6 anos e 2 meses, após realização de um cúmulo jurídico que englobou vários crimes.

Apresentou uma trajetória institucional instável, tendo sido colocado em liberdade condicional em 30.07.2008, aos 516 da pena (liberdade condicional obrigatória).

Nessa altura integrou o agregado familiar dos tios residentes em Matosinhos (o pai tinha falecido em Abril 2008), mas poucos meses depois foi residir para Fão - Esposende com a progenitora e companheiro desta, onde exerceu funções numa pastelaria, Neste período, e desde há longa data, A. M. mantinha uma relação de namoro com T. H. (com quem viveu maritalmente cerca de um ano, até 2009, em Fão) de quem beneficiou de apoio durante a reclusão e em meio livre. A relação viria a terminar em 2009 depois da prática de um crime de violência doméstica, pelo qual o arguido veio a ser condenado no âmbito do proc. Nº627/09.5GAEPS - 211 Juízo do Tribunal Judicial de Esposende, a 3 anos de prisão, suspensa por igual período de tempo.
Em 2010 A. M. iniciou uma relação de namoro (através das redes sociais), com posterior vivência marital, com M. P., durante a qual nasceu a filha do casal, atualmente com 8 anos de idade, alterando a sua residência para …, Guimarães.
Manteve intermitência laboral, em que o exercício de atividades indiferenciadas e pontuais, eram intercaladas com longos períodos de inatividade, sendo que a última colocação profissional ocorreu entre Agosto 2015 e Março 2016 numa empresa têxtil - "…." em …, Guimarães. Durante este período o arguido e companheira decidiram arrendar uma casa nas …, Guimarães, alegadamente por ser mais perto do seu local de trabalho. Findo o contrato de trabalho e por insuficiência económica, o casal decidiu regressar à casa dos pais da companheira, onde a filha de ambos continuou a residir.
Com antecedentes criminais que remontam a 1998 e dos quais resultaram em várias condenações, quer em penas de prisão, quer em medidas não privativas de liberdade, A. M. regista a prática de variada tipologia de crimes, nomeadamente de furto simples, furto qualificado, deserção, recetação, violência doméstica, condução perigosa e crimes de condução ilegal, consubstanciados em 21 processos judiciais.
No âmbito do processo n° 844/11.8PBGMR, Comarca de Braga - Inst. Local de Guimarães - Secção criminal - J3, A. M. foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 26 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova. A sentença transitou em julgado em 04.04.2014 e o termo a 04.06.2016.
No âmbito do proc.nº 547/16.7GBVVD do Tribunal de Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Braga - Juiz 4, A. M. foi condenado na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão (cúmulo jurídico) pela prática de um crime de furto qualificado e um crime de burla informática, cujo trânsito em julgado ocorreu a 09.01.2018, pena que atualmente cumpre no Estabelecimento Prisional de Braga.

II- Condições sociais e pessoais

A. M. à data dos factos descritos na acusação, e desde há cerca de oito anos, residia em casa dos pais da companheira, integrando este agregado, composto pelos progenitores daquela - o pai, operário fabril, 57 anos de idade, reformado, e a mãe de 53 anos, doméstica, a companheira do arguido, e a filha do casal com 8 anos de idade e integrada no ensino básico.

A dinâmica relacional do agregado foi-nos caracterizada como sendo funcional, mas registavam-se focos de instabilidade/conflituosidade na relação entre A. M. e M. P. associados a ciúmes, às condições de vida precárias, desemprego, entre outras dificuldades. No entanto, os pais da companheira mantinham com o arguido uma boa relação, considerando-o uma pessoa educada e um pai afetuoso e preocupado com a filha, pelo que continuam a disponíveis para o receber e apoiar, caso seja esta a sua vontade.

O agregado que o arguido integrava mantém uma condição económica modesta mas estável, alicerçada na reforma do progenitor de M. P. (500,00€) e no valor da baixa médica da progenitora daquela (408,00€). Sem encargos com a habitação e com um valor de cerca de 100,00€ mensais como despesas básicas fixas (água, luz ou gás), o agregado considera que a gestão cuidada destes valores permitem assegurar as despesas prementes da família.

O agregado reside em apartamento de tipologia T3, próprio, com boas condições de habitabilidade e situado no centro urbano de Guimarães, local sem problemáticas sociais relevantes, No meio onde reside, o arguido não é muito conhecido, e aparentemente sem indicadores de rejeição à sua presença no local.

À data dos factos, A. M. encontrava-se profissionalmente inativo desde Março de 2016. Com um quotidiano ocioso, deambulava pela cidade e convivia com um grupo de pares conotados com comportamentos desviantes, e cujo relacionamento caracteriza como circunstancial.

O arguido apresenta abstinência ao consumo de estupefacientes, problemática aditiva que refere ter ultrapassado durante a última pena de prisão sem recurso a tratamento especializado.

O arguido, apesar de em meio livre pontualmente ter realizado algumas tarefas remuneradas, não dispunha de condições económicas que lhe permitissem assegurar a sua subsistência sem o apoio dos familiares da companheira, situação que deverá manter-se, dado que não tem perspetivas concretas de inserção ao nível profissional.

A relação com a companheira foi retomada, pelo que neste momento tem retaguarda familiar.

III - Impacto da situação jurídico-penal

Com os antecedentes criminais supra referidos, o arguido encontra-se em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional de Braga à ordem do processo 547/16.7GBVVD do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Central Criminal de Braga - Juiz 4.

Para além do impacto pessoal e familiar resultante da presente situação jurídica, consubstanciado na perda da liberdade, as repercussões ao nível profissional não se verificaram dada a sua situação de inatividade.

O arguido ao longo da entrevista manifestou um limitado sentido crítico (sem no entanto demonstrar dificuldade na distinção entre o bem e o mal) e uma postura autocentrada e focalizada nos seus problemas financeiros esgrimidos como legitimadores de comportamentos associais.

Apesar dos vários contactos com o sistema judicial, nomeadamente com cumprimento de penas de prisão e a aplicação de medidas de conteúdo probatório, A. M. tem manifestado dificuldades em reorientar o seu percurso de vida normativamente.
A. M. perante a problemática criminal em causa, demonstra diminutas capacidades para formular juízos críticos adequados, de se expressar adequadamente quanto à ilicitude e existência de vítimas.
No EP de Braga assume um comportamento adaptado e discreto.

IV-Conclusão

A. M. cresceu num contexto familiar disfuncional e desde cedo exibiu grandes dificuldades adaptativas, com manifestação de comportamentos de rebeldia e de desafio das regras, não sendo a intervenção educativa de que foi alvo minimamente eficaz na contenção ou modelação da sua conduta.
O arguido tem um nível de escolarização baixo, não tem um trajeto laboral consistente e não apresenta perspetivas de futuro ao nível da integração profissional.
Com o reatamento da relação com a companheira, detém no momento retaguarda familiar, mas não tem desde há longa data condições/meios próprios de subsistência, situação que poderá potenciar instabilidade pessoal.
O arguido tem diversos antecedentes criminais, e relativamente aos quais tem um diminuto sentido crítico ao nível da valoração do dano ou das vítimas.
Assim, considerando as fragilidades que o arguido apresenta e o percurso criminal manifestado em várias condenações, sem que a censura ético criminal tenha motivado alteração no seu padrão de vida, consideramos que em caso de condenação, necessita o arguido de interiorizar o desvalor dos comportamentos e candidatar-se a ações que possam promover sua inserção profissional e/ou formativa.”;
(...)

-Quanto ao arguido A. C.,

“I - Dados relevantes do processo de socialização

A. C. é o mais velho de dois descendentes de um casal de operários, a progenitora no setor têxtil e o pai na construção civil. O progenitor não trabalha há vários anos e, atualmente, encontra-se reformado por invalidez, na sequência de acidente de viação que lhe deixou sequelas significativas. Este agregado apresentava uma situação socioeconómica precária.
A dinâmica relacional deste núcleo familiar foi considerada solidária e positiva, pese embora o relato da existência de um consumo problemático de álcool por parte do progenitor, durante vários anos.
A sua trajetória escolar caracterizou-se pela fragilidade dos vínculos académicos, tendo sofrido duas retenções, abandonando a escola sem concluir o 8º ano. Do ponto de vista comportamental não foram relatados problemas de adaptação, sendo referido um comportamento ajustado às normas do sistema de ensino.
A. C. autonomizou-se do agregado de origem com 18 anos, passando a viver com a companheira, com quem teve uma filha.
Teve a sua primeira experiência profissional com 15/16 anos na construção civil, onde trabalhou cerca de dois anos, em situação irregular. A precariedade laboral levou-o a mudar de ramo, tendo obtido colocação na confeção …, onde trabalhou no setor da embalagem, entre os 18 e os 22 anos.
Nesta altura, na sequência de uma proposta de trabalho com uma remuneração muito superior, deslocou-se para Espanha (Girona), onde trabalhou quatro meses para uma empresa de obras públicas.
Entretanto, regressou a Portugal para trabalhar como manobrador de máquinas, em empresa do mesmo ramo, com sede na Póvoa de Varzim (…), onde permaneceu cerca três anos.
Ficou desempregado no verão de 2010, passando a efetuar biscates pontuais numa empresa têxtil de Joane (V. N. de Famalicão). Neste período a companheira encontrava-se também desempregada e a situação económica do agregado era vulnerável, em virtude das dívidas de créditos contraídos, sendo referida a existência de dificuldades em fazer face às necessidades materiais básicas.
Foi neste período, mais concretamente no decurso de 2011, que o arguido se envolveu em vários crimes contra o património, pelos quais foi julgado e condenado.
A. C. esteve desempregado até junho de 2013, altura em que iniciou formação profissional remunerada de panificação e pastelaria.
O arguido e a companheira separaram-se no início de 2014, situação que decorreu do impacto dos problemas judiciais que emergiram nesta fase e o arguido regressou ao seu agregado de origem. Neste período manifestou sintomas depressivos e isolamento social.
No decurso de 2014 estabeleceu novo relacionamento afetivo, passando a coabitar com M. D., junto à casa dos pais, situada em Joane. A filha do arguido permaneceu ao cuidado da mãe, mas A. C. manteve uma participação próxima e ativa no seu processo educativo.
Concluiu a formação profissional, com duração de 15 meses e estabeleceu-se por conta própria, juntamente com a companheira, no setor da panificação/pastelaria. Desde 2014 o seu quotidiano passou a centrar-se no exercício da atividade laboral e no apoio à filha. Não dispõe de atividades estruturadas de ocupação de tempos livres, mantém convívios centrados sobretudo na família.

II - Condições sociais e pessoais

À data dos factos o arguido vivia com a companheira e com a filha desta, em habitação propriedade dos progenitores, situação que se mantém. A filha, atualmente com 12 anos e a frequentar o 7º ano do ensino básico, integra também este agregado alguns dias por semana.
Explora um estabelecimento padaria/pastelaria/snack-bar juntamente com a companheira, “O Café do A. C.”, situado na freguesia de .... À data dos factos este estabelecimento encontrava-se situado noutras instalações, mas na mesma freguesia. Tem uma folga semanal, período em que aproveita para algumas atividades em a família.
Na comunidade, atualmente, não é reportado o envolvimento em comportamentos que indiciem a prática de crimes, sendo referida a adoção de uma conduta social ajustada e integrada por parte do arguido.

III - Impacto da situação jurídico-penal

A. C. apresenta antecedentes judiciais por crimes contra o património, ocorridos no ano de 2011, encontrando-se atualmente a cumprir pena de cinco anos prisão, suspensa com regime de prova, no âmbito do processo 659/11.3GAVNF, da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Guimarães, Juiz 3, transitada em julgado em 11/09/2017.
No contexto desta medida probatória tem aderido às ações previstas no seu PRS, com vista à prossecução dos objetivos delineados. No contacto com os serviços de reinserção social assumiu sempre uma atitude de colaboração, respondendo positivamente às exigências da execução da pena em meio livre.
O presente processo judicial não teve implicações práticas no quotidiano do arguido, mas causou surpresa e estupefação. Em abstrato, A. C. avalia negativamente o tipo crime em causa no atual processo, bem como os danos provocados. Rejeita porém, a acusação que lhe é dirigida, não esperando vir a ser condenado.

IV – Conclusão

A. C. apresenta um percurso de vida normativamente orientado até ao início da idade adulta. A situação de desemprego e de vulnerabilidade económica que atravessou no final de 2010 e 2011 desencadeou um contexto de desorganização pessoal, que deu origem ao contacto com o sistema de justiça penal.
Não obstante, vem concretizando desde 2013, um conjunto de ações com vista à adoção de um estilo de vida social e juridicamente normativo. Assim, dispõe de um quotidiano organizado em função da atividade profissional que exerce por conta própria, em conjunto com a companheira, investindo e consolidando este projeto laboral.
Simultaneamente, continua a beneficiar do apoio da família e mostra comprometimento face às suas responsabilidades, tanto no que se reporta ao trabalho, como à medida judicial/pena a que se encontra sujeito.”
*
FACTOS NÃO PROVADOS (apenas referentes aos arguidos recorrentes)

Com interesse para decisão da causa, não se provaram outros factos, em contradição com estes ou para além deles, designadamente, que:

a)O arguido A. M. era o habitual condutor do veículo referido nos pontos 2 e 3;
(…)
c) No período compreendido entre as 02h00 e as 04h05 do dia 05 de Fevereiro de 2017 o arguido, A. M., a arguida M. P. e o arguido J. C. aproximaram-se do veículo automóvel de marca ‘Audi’, modelo ‘A4’, de matrícula UU, propriedade de N. L., que se encontrava fechado e estacionado na Praça …, Paços de Ferreira, por modo não concretamente apurado partiram o vidro da porta da frente, do lado direito e retiraram do seu interior uma mala, em pele, de cor castanha, que tinha no seu interior uma carteira, de cor vermelha, em pele, tipo ’cobra’, contendo diversos documentos (carta de condução, cartão de cidadão, cartão multibanco) e outros objectos pessoais, de valor não concretamente apurado mas superior a €105,00 (cento e cinco euros).
Na posse dos referidos valores e objectos os arguidos abandonaram aquele local apropriando-se dos mesmos.
d) Os arguidos A. M. e M. P., nas circunstâncias descritas no ponto 20, dirigiram-se ao Café “Oliveira”, onde já se encontravam os arguidos V. A. e C. L.;
(...)
f) O arguido A. M. foi o primeiro a entrar no estabelecimento, seguido imediatamente pelo arguido V. A., tendo empurrado e desferido um soco no nariz do ofendido, provocando a sua queda;
g) O ofendido foi forçado a levantar-se;
h) O ofendido foi conduzido, contra a sua vontade, pelos arguidos A. M. e V. A.;
(…)
k) Nas circunstâncias descritas no ponto 66, os arguidos entraram num quarto da habitação do ofendido;
l) Nas circunstâncias descritas no ponto 67, os arguidos foram interceptados por um vizinho do ofendido.

MOTIVAÇÃO

O Tribunal baseou a sua convicção no conjunto da prova produzida analisada de acordo com as regras da experiência comum e com critérios de normalidade e razoabilidade.
Concretamente, tendo os arguidos A. B. e F. R. optado por se manter em silêncio, o Tribunal começou por levar em consideração as declarações dos demais arguidos.

O arguido A. M. confirmou a generalidade dos factos que lhe são imputados, com os seguintes esclarecimentos ou limitações:

Quanto ao ponto 1º da acusação, diz não ter partido o vidro do veículo e retirado do interior os objetos ali descritos, tarefa reservada ao arguido J. C. que, no momento em que chegou junto de si, já trazia os referidos objetos. Sabia, no entanto, que a intenção do arguido J. C. era praticar os factos ali descritos, tendo agido com ele em conjugação de esforços e vontades, combinando, por exemplo, que um alertaria o outro, caso dessem conta da presença das autoridades.
Do produto do assalto, escolheram o que lhes interessava, tendo-se desembaraçado do restante.
Quanto ao ponto 4º, referiu que o veículo era conduzido, indistintamente, por ambos os arguidos.
Quanto ao ponto 9º, negou a intervenção do arguido J. C..
Quanto ao ponto 13º, referiu que a função da arguida M. P. era permanecer junto do local mas ligeiramente mais afastada, a vigiar. Ao arguido A. M. competia conduzir o veículo utilizado no assalto, ao passo que ao arguido J. C. competia concretizar o furto propriamente dito.
Quanto ao ponto 14º, disse não se recordar de terem sido furtados dois veículos em …, Paços de Ferreira, motivo por que apenas se recorda da situação descrita no ponto 13º.
Quanto aos pontos 15º a 17º, referiu que os factos coincidiram com um concerto ocorrido nas imediações do local. Não esteve perto dos veículos, razão por que não viu o arguido J. C. a furtá-los. Permaneceu nas proximidades, desconhecendo com exactidão o que foi retirado de cada um dos veículos, já que se tratou de atuação levada a cabo pelo arguido J. C., ainda que, mais uma vez, em conjugação de esforços e vontades com os demais.
Quanto ao ponto 19º, referiu que a iniciativa da realização do assalto partiu dos arguidos V. A. e C. L., tendo todos participado na elaboração do plano e na sua concretização.
Quanto ao ponto 20º, esclareceu que se encontraram todos em sua casa, de onde partiram para o local dos factos.
Quanto ao ponto 28º, negou que o arguido C. L. tivesse ficado a vigiar. Ao invés, ficou encarregue de segurar a arma, tendo entrado juntamente com os demais (arguidos A. M. e V. A.).
Quanto ao ponto 29º, negou que tivesse sido o primeiro a entrar e que tivesse dado um soco ou empurrado o ofendido.
Quanto ao ponto 30º, referiu que foram os arguidos V. A. e C. L. que levaram o ofendido para a dependência do fundo.
Quanto ao ponto 31º, esclareceu que a arma estava na mão do arguido C. L..
Quanto ao ponto 36º, esclareceu que o ofendido não se levantou, tendo-se limitado a indicar o local onde estava a embalagem do telemóvel.
Quanto ao ponto 39º, negou que tivessem ido para o estabelecimento ali referido, mas antes para a sua garagem, afirmando igualmente que não era a arguida M. P. que conduzia a viatura.
Quanto ao ponto 40º, referiu que na própria noite retiraram todos os bens do veículo furtado, dividindo-os de imediato pela forma que está descrita.
Quanto ao ponto 41º, referiu que haviam perguntado ao arguido A. C. se queria ficar com alguns dos bens furtados (tabaco, isqueiro, filtros,…), tendo aquele manifestado interesse nisso e estabelecido um preço. Pagaria 1,5€ a menos por cada maço de tabaco, ficando cada um dos arguidos de entregar mais de 10 volumes de tabaco. Inicialmente, os arguidos V. A. e C. L. e, depois, o arguido A. M., cerca de 2 ou 3 dias mais tarde.
Desconhece que quantidade entregaram os arguidos V. A. e C. L., referindo todavia que o arguido A. C., como contrapartida pela entrega do tabaco, lhe deu (a ele, arguido A. M.), para cima de 600 ou 700€.
Reafirmou que a divisão do produto do assalto foi feita por igual entre si e os arguidos V. A. e C. L., tendo cada um ficado com mais de 10 volumes, esclarecendo ainda que o arguido A. C. o conhecia (tratava-o por “mano”), bem como aos demais arguidos, e sabia que estava desempregado.
Quanto ao ponto 42º, esclareceu que a matrícula foi alterada por si e pelo arguido J. C..
Quanto ao ponto 47º, precisou que a iniciativa da realização do assalto lhe foi transmitida pelos arguidos A. B. e F. G., que conheciam e foram estudando os hábitos do ofendido, desconhecendo se o arguido F. R. já estaria também ao corrente do plano.
Quanto ao ponto 66º, referiu que não chegaram a entrar na habitação do ofendido. O arguido F. R. abriu o trinco do portão de acesso ao logradouro e chegou a introduzir metade do corpo numa dependência da casa através de uma janela, tendo todos abandonado o local quando se aperceberam da presença de um vizinho.
Negou igualmente que a janela estivesse fechada, tendo apenas sido necessário corrê-la para a abrir.
O arguido V. A. confirmou, no essencial, as declarações prestadas pelo arguido A. M..
Quanto ao ponto 22º, esclareceu que os três arguidos ali identificados envergavam capuzes de cor escura, não se recordando que o arguido A. M. envergasse um capuz de tonalidade diferente.
Quanto ao ponto 39º, confirmou que do estabelecimento referido nos pontos 25º da acusação se dirigiram para casa do arguido A. M..
Quanto ao ponto 40º, referiu que o produto do assalto não foi dividido em partes iguais. À semelhança do que sucedeu com o arguido C. L., ficou apenas com 3 ou 4 volumes de tabaco, filtro e mortalhas, negando que tivessem vendido alguns desses bens a outrem. O restante ficou na posse do arguido A. M., que cerca de 2 ou 3 dias depois, deu – a cada um deles – 200€.
Esclareceu que logo após o assalto também dividiram algum dinheiro, em montante que não sabe precisar.
Quanto ao ponto 41º, nega que tenha falado com o arguido A. C. sobre o tabaco, referindo que a conversa ocorreu entre esse arguido e os arguidos A. M. e M. P., de que se apercebeu porque estava presente, já depois de terem efectuado o assalto.
Referiu que frequentava o café do arguido A. C., juntamente com os arguidos A. M. e M. P., desconhecendo aquele, todavia, as atividades a que se dedicavam.
Quanto ao ponto 29º, nega que o arguido A. M. tenha sido o último a entrar no estabelecimento. Foi o segundo a entrar tendo agarrado o proprietário e feito um “mata-leão”.
Quanto ao ponto 10º, nega que o ofendido tenha sido agredido. Referiu que o ofendido estava alcoolizado e nem se apercebeu que lhe foi retirado o cartão de débito.
Quanto ao ponto 75º, confirmou que a arma apreendida corresponde àquela que foi utilizada no assalto descrito nos pontos 19º e ss..
O arguido C. L. confirmou, no essencial, as declarações prestadas pelo arguido A. M., reiterando as precisões introduzidas nas declarações prestadas pelo arguido V. A..
Quanto ao ponto 29º, disse ter sido ele o primeiro a entrar no estabelecimento, ainda que todos tivessem entrado sensivelmente em simultâneo.
O arguido F. G. confirmou a ocorrência dos factos descritos nos pontos 44º a 67º da acusação, referindo serem verdadeiras as declarações prestadas pelo arguido A. M. a esse respeito.
O arguido J. C. confirmou as declarações prestadas pelo arguido A. M..
Começou por dizer que não participou nos atos de falsificação de matrículas, reconhecendo no entanto ter acompanhado o arguido A. M. aos locais onde mandou fazer as matrículas, tendo em alguns casos ajudado a furar as matrículas para as aplicar nos veículos, estando consciente do ato em que participava.
Referiu igualmente que era raro conduzir os veículos referidos na acusação, concretizando depois que não os conduzia diariamente.
Negou que, no decurso dos assaltos, tivesse como função partir os vidros dos carros e retirar os bens do seu interior, competindo-lhe apenas ficar a vigiar.
Quanto ao ponto 14º da acusação, disse serem verdadeiros os factos ali descritos.
Quanto aos pontos 15, 16º e 17º, confirma a ocorrência dos assaltos, negando todavia ter sido ele a partir os vidros dos carros e a retirar os bens do seu interior.
Confirma, no entanto, que dos veículos foram retirados os objetos descritos na acusação.
Referiu que, como contrapartida da sua participação nos factos lhe davam um maço de tabaco, um café ou lhe compravam roupa ou calçado.
Relativamente aos factos descritos no ponto 9º, confirma não ter participado na sua prática.
A arguida M. P. confirmou as declarações prestadas pelo arguido A. M., com os seguintes esclarecimentos:
Quanto aos pontos 13º e 14º, refere que apenas fizeram um assalto na zona de Freamunde, aquele que está descrito no ponto 13º, negando a prática dos atos descritos no ponto 14º.
No que se refere aos factos descritos nos pontos 15º a 17º, confirmou a sua ocorrência, afirmando que ao arguido A. M. competia conduzir o veículo e ao arguido J. C. concretizar o assalto propriamente dito, o que sabe ter sido feito, já que do local onde se encontrava o via a partir os vidros dos veículos do ofendido.
No que se refere ao ponto 19º, confirmou as declarações do arguido A. M., no sentido de que o assalto foi idealizado pelos arguidos V. A. e C. L..
Quanto ao ponto 20º, referiu que os arguidos V. A. e C. L. trouxeram a arma e as roupas para fazerem o assalto, tendo saído todos de sua casa na direcção do estabelecimento.
Quanto ao ponto 29º, afirmou que os arguidos entraram sensivelmente ao mesmo tempo no estabelecimento, primeiro os arguidos C. L. (este munido de uma arma) e V. A. e só depois o arguido A. M.. Permaneceu no veículo onde se faziam transportar para poder avisar os demais arguidos, caso alguma coisa corresse mal, referindo que o arguido A. M. usava um gorro de cor clara, ao invés do que era usado pelos demais arguidos, de cor escura.
Quanto ao ponto 40º, refere que os bens trazidos do estabelecimento foram descarregados na sua garagem e, naquele local, divididos em partes iguais entre os arguidos A. M., V. A. e C. L..
Quanto ao ponto 41º, cerca de um ou dois dias depois do assalto, o arguido V. A. telefonou ao arguido A. M.. Disse-lhe que o arguido A. C. tinha ficado com o seu tabaco e o do arguido C. L., perguntando-lhe se não queria também entregar-lhe a sua parte.
O arguido A. M. concordou e, nessa noite, entregou o tabaco ao arguido V. A. que, por sua vez, entregou ao arguido A. C..
Logo nessa ocasião, o arguido A. C. entregou algum dinheiro ao arguido A. M., para pagamento do tabaco e, durante uma ou duas semanas, continuou a entregar-lhe dinheiro, não conseguindo quantificar o montante total entregue.
O arguido A. C. negou a prática dos factos que lhe é imputada.
Refere não ter explicação para a circunstância de os demais arguidos lhe imputarem o facto de ter ficado com o tabaco e outros objetos, tanto mais que não está de relações cortadas com nenhum deles, apesar de os ter chamado à razão, em 2016, quando se envolveram numa desavença com um outro cliente no seu estabelecimento.

O Tribunal teve ainda em consideração:

(...)
- L. F., ofendido nos factos a que aludem os pontos 47º a 67º da acusação, disse conhecer os arguidos F. R. e A. B..
Referiu que tinha cerca de 10.000€ ou 11.000€ em sua casa.
Referiu que tinha saído de casa para almoçar, tendo deixado as janelas de casa fechadas.
Daí que a entrada em sua casa tivesse de implicar o arrombamento das portas ou janelas.
Segundo soube, os arguidos estariam na ocasião a tentar entrar casa, não tendo dado conta da existência de qualquer estrago ou sinal de arrombamento.
Confirmou, por outro lado, que o portão de acesso ao logradouro não estava fechado à chave.
- M. D.
Conhece o arguido A. C., com quem vive em união de facto há cerca de 5 anos), os arguidos V. A., A. M. e M. P., por frequentaram o estabelecimento do primeiro.
Referiu que o arguido A. C. explora o dito estabelecimento desde 2014, tendo os demais arguidos deixaram de frequentar o café há cerca de 2 anos (final de 2016), por causa de uma desavença com um cliente.
Referiu que existe no café uma máquina de venda de tabaco, à qual apenas tem acesso o indivíduo que a explora.
Jamais venderam tabaco avulsamente, sejam cigarros ou maços, para além daqueles que existem na máquina e só compram artigos “com fatura”.
C. X.
Conhece os arguidos V. A. e A. C., sendo cliente do estabelecimento deste último há cerca de 3 a 4 anos.
Sendo fumador, já comprou tabaco no referido estabelecimento, com recurso a uma máquina de venda de tabaco. De resto, frequentando o estabelecimento diariamente, sempre viu vender tabaco na máquina e nunca ao balcão.
Para além de maços de tabaco, o arguido vende também no estabelecimento isqueiros e mortalhas,

- L .F.

Conhece os arguidos A. C. e V. A., este apenas de vista.
Enquanto amigo do arguido A. C., frequentava o seu estabelecimento quase todos os dias (desde fim 2016/início de 2017) sendo há cerca de um ano seu funcionário.
Referiu que o tabaco é vendido numa máquina existente no estabelecimento, a qual se encontra em local visível para os clientes.
Enquanto cliente, chegou a comprar tabaco no estabelecimento, onde também se vendia isqueiros e mortalhas.
- L. J.
Conhece o arguido A. C. porque explora, no seu estabelecimento, enquanto empresário em nome individual, uma máquina de venda de tabaco.
Mantém esta relação comercial com o arguido há cerca de 3 anos, tendo firmado com ele um acordo verbal, por via do qual lhe foi concedida exclusividade na venda de tabaco.
Só o depoente tem acesso ao interior da máquina, deslocando-se ao estabelecimento uma vez por semana para repor o stock e retirar o produto da venda.
Também vende isqueiros, mortalhas e “tabaco de enrolar”, jamais tendo dado conta que o arguido tivesse à venda no estabelecimento este tipo de produtos, que não os fornecidos por si.
Referiu, por fim, que o arguido sempre foi um cliente “certo”, que a máquina de venda de tabaco estava colocada no local visível para os clientes e que atrás do balcão existia umas estantes onde estavam expostos, entre outras coisas, os isqueiros.

O Tribunal teve, finalmente, em consideração, os seguintes elementos de prova:

- Relatório de inspecção judiciária de fls. 11 e segs – apenso J.
- Relatório de inspecção judiciária de fls. 15 e segs Apenso B
- Relatório de inspecção judiciária de fls. 12 e segs, Apenso D
- Relatório de inspecção judiciária de fls. 8 e segs, Apenso C
- Termo de entrega de fls. 26, Apenso I.
- Informação da PJ (fls. 16 a 24);
- Reportagem fotográfica de fls. 32 a 42
- Fax dirigido ao Comando Geral da GNR e à Direcção Nacional da PSP respeitante à difusão do roubo da viatura do ofendido, da marca FORD CONECT, de matrícula ZZ (fls. 44);
- Auto de Apreensão de dois sacos de plástico de cor lilás e de um cabo de alimentação com scanner (fls. 45);
- Factura de compra do telemóvel referido no ponto 34 da acusação, acompanhada da 2º Via – Guia de Remessa a qual faz menção ao respectivo IMEI (fls. 47 e 48);
- Duplicado do Auto de Notícia/Denúncia, relativo à ocorrência dos factos descritos nos pontos 19 e ss., elaborado pela GNR (fls. 80 a 84);
- Relação dos bens subtraídos ao ofendido (fls. 92 a 96);
- Auto de Diligência Externa da PJ (fls. 100 e 101);
- Auto de Diligência da PJ (fls. 109);
- Termo relativo à constituição e juntada de Álbuns fotográficos (fls. 175);
- Álbum Fotográfico de homens (fls. 176 a 178);
- Álbum Fotográfico de mulheres (fls. 179 a 181);
- Reconhecimento fotográfico da testemunha Nuno (fls. 182 e 183);
- Reconhecimento fotográfico da testemunha Pedro (fls. 190 e 191);
- Reconhecimento fotográfico da testemunha José (fls. 198 a 202);
- Auto de Análise ao Conteúdo das Conversações ou comunicações (fls. 241 a 246 do 2º volume);
- Auto de Diligência Externa, referente à deslocação à GNR de Freamunde (fls. 247 do 2º Volume);
- Auto de Diligência Externa, relativo ao seguimento e vigilâncias aos arguidos no dia 13-02-2017 (fls. 309 a 318 do 2º volume);
- Ficha de Registo Automóvel da viatura BMW de matrícula MR (fls. 319 do 2º volume);
- Descritivo do seguro automóvel da viatura BMW de matrícula MR (fls. 320 do 2º volume);
- Auto de Diligência respeitante à identificação do proprietário da viatura BMW de matrícula MR e ao facto do arguido A. M. não possuir carta de condução (fls. 324 do 2º volume);
- Auto de Diligência Externa relativo ao seguimento do arguido J. C. – QUIM (fls. 359 a 365 do 2º volume);
- Auto de Diligência Externa respeitante à identificação do arguido J. C. (fls. 366 do 2º volume);
- Ficha de identificação Civil do arguido J. C. (fls. 367 do 2º volume);
- Auto de Análise (fls. 405 a 410 do 3º volume);
- Auto de Diligência Externa (fls. 411 e 412 do 3º volume);
- Auto de Diligência Externa (fls. 428 a 431 do 3º volume);
- Auto de Análise (fls. 432 a 442 do 3º volume);
- Auto de Diligência – Vigilância em ..., Valongo (fls. 443 a 446);
- Auto de Análise (fls. 572 a 590 do 4º volume);
- Auto de Diligência (fls. 600 e 601 do 4º volume);
- Auto de Diligência (fls. 603 do 4º volume);
- Auto de Diligência (fls. 605 a 608 do 4º volume);
- Auto de Diligência (fls. 614 do 4º volume);
- Auto de Diligência (fls. 615 e 616 do 4º volume);
- Auto de Busca e Apreensão resultante das buscas ao arguido J. C. (fls. 653 e 654 do 4º volume);
- Auto de Busca e Apreensão resultante das buscas aos arguidos A. M. e M. P. (fls. 664 a 677 do 4º volume);
- Auto de Busca e Apreensão resultante da busca ao arguido V. A (fls. Fls. 717 a 720 do 4º volume);
- Auto de Busca e Apreensão resultante da busca ao arguido C. L. (fls. 731 e 731 a) do 4º volume);
- Auto de Busca e Apreensão resultante da busca ao arguido F. G. (fls. 735 e 737 do 4º volume);
- Auto de Reconhecimento de pessoas de fls. 744, 4.º Volume;
- Informação … de fls. 835 a 848;
- Auto de exame directo de fls. 958;
- Auto de exame directo de fls. 964;
- Auto de exame directo de fls. 965
- Termos de entrega de fls. 977, 990, 994
- Autos de diligências de fls. 981, 989, 1006, 1123
- Auto de reconstituição de fls. 1017 e segs
- Auto de reconhecimento de local de fls. 1121 e segs 5.º Volume
- Auto de exame directo de fls. 1146, 5.º volume
- Termo de entrega de fls. 1155, 5.º volume
- Auto de exame directo de fls. 1156, 5.º volume
- Termo de entrega de fls. 1158, 5.º volume
- Auto de exame directo de fls. 1167 e segs 5.º volume
- Cota de fls. 1172, 5.º volume
- Termo de entrega de fls. 1359, 6.º volume
- Auto de busca e apreensão a V. A., fls. 1370 e segs, 6.º volume
- Auto de exame de fls. 1377, 6.º volume
- Autos de exames directos de fls. 1601, 1637, 1641, 1658, 1667, 7.º volume
- Autos de exames directos de fls. 1789, 1781, 1785, 1789, 1793, 1797, 1800 8.º volume
- auto de análise de fls. 1812, 8.º volume
- autos de exames directos de fls. 1825, 1827, 1848, 8.º volume
- Transcrição de comunicações interceptadas aos arguidos A. M. e M. P. (APENSO 1 e 2).
- auto de exame de fls. 1002
- relatório de análise forense de fls. 1127 e segs
- auto de exame ao conteúdo do disco de fls. 1129 e segs
- relatório de exame pericial de fls. 1381 e segs
- relatório de exame pericial de fls. 1565, 7.º volume
- exame pericial telemóvel de fls. 1673, 7.º volume
- relatório de análise forense de fls. 1810, 8.º volume

Tendo sido esta a prova produzida, importa fazer a sua análise crítica.
Como vimos, nem todos os arguidos decidiram prestar declarações.
Coloca-se, como tal, a questão de saber se podem ser valoradas as declarações prestadas pelos arguidos em sede de audiência e, na afirmativa, de que forma.
A este respeito, temos como válida a doutrina do Ac. da Rel. de Guimarães de 18.03.2013 em www.dgsi. pt, onde se lê: “Não é líquida a relevância processual-penal das declarações de co-arguido em sede de valoração da prova jus-penal Sufragando entendimento de que as declarações de co-arguido, sendo um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no art. 125.º do CPP, podem e devem ser valoradas no processo e são válidas mesmo desacompanhadas de outro meio de prova, desde que credíveis, vejam-se os acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2007, Processo n.º 24/07 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Henriques Gaspar, 08.11.2007, Processo n.º 3984/07 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Simas Santos, 12.03.2008, Processo n.º 694/08 - 3.ª Secção, 04.06.2008, 03.09.2008, Processo n.º 2044/08 - 3.ª Secção, Processo n.º 1126/08 – 3.ª Secção, relatados pelo Senhor Conselheiro Santos Carvalho, 18.06.2008, Processo n.º 1971/08 – 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Armindo Monteiro, 22.10.2008, Processo n.º 215/08 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Raul Borges, e 27.06.2012, Processo n.º 127/10.0JABRG.G2.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Santos Cabral, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos o último dos quais também in www.dgsi.pt/.jstj.

Apelando a uma ideia de corroboração, vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07.05.2009, Processo n.º 1213/08 – 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Arménio Sottomayor, 25.06.2008, Processo n.º 2046/07 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Soreto de Barros, 12.06.2008, Processo n.º 1151/08 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Santos Carvalho, 15.04.2010, Processo n.º 154/01.9JACBR.C1.S1 - 5.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Rodrigues da Costa, in www.stj.pt/ jurisprudência /sumárioseacórdãos /secção criminal.

Com recurso à corroboração veja-se igualmente Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Volume II, edição de 202, página 191, Teresa Beleza, “Tão amigos que nós éramos”, in RMP, n.º74, Abril – Junho de 1998, páginas 39 e seguintes, Alberto Medina de Seiça, O Conhecimento Probatório do Co-arguido, Coimbra edição, 1999, páginas 212 e seguintes, e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, edição de 2008, página 871.

Em sentido diverso, negando a possibilidade de valorar como meio de prova as declarações de co-arguido veja-se Rodrigo Santiago, in RPCC, Ano 4, Fasc. 1, Janeiro - Março de 1994, o qual entende como uma situação de nulidade de julgamento, por violação dos arts. 323.º, al. f), e 327.º, n.º 2, do CPP.

É nosso entendimento que as declarações de co-arguido livremente prestadas e contraditadas por todos os sujeitos processuais devem ser livremente apreciadas pelo Tribunal e por ele valoradas caso mereçam credibilidade segundo um processo racional e inteligível de ponderação da prova produzida que tenha em conta a especial situação de co-arguido: ele não está sujeito ao dever de verdade e aos efeitos da sua inverdade, sendo certo que ele tem um particular interesse no desfecho dos autos.

As declarações prestadas por co-arguido, que decida livremente prestá-las, após o exercício do contraditório, podem, pois, ser valoradas como meio de prova para a formação da convicção do juiz em temos probatórios, dentro dos poderes de livre apreciação, naturalmente ponderadas e avaliadas todas as contingências sobre a credibilidade que tais declarações comportem: o problema é, assim, de valoração e credibilidade da prova e não de prova proibida – cf. o referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2007, Proc. n.º 24/07 - 3.ª Secção, relatado pelo Senhor Conselheiro Henriques Gaspar.

O entendimento aqui sufragado funda-se desde logo na regra decorrente do artigo 125.º do Código de Processo Penal, que dispõe que «são admitidas as provas que não forem proibidas por lei», bem como na interpretação a contrario do n.º 3 do artigo 345.º do mesmo diploma legal, introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que expressamente estipula que «não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas» pelo Tribunal, pelo Ministério Público, pelo advogado do Assistente e pelos diversos defensores presentes em julgamento.

Quer dizer, respeitado o princípio do contraditório, pode o Tribunal apreciar livremente as declarações de um Arguido, mesmo em prejuízo de um seu co-arguido, segundo um processo racional e inteligível de ponderação da prova produzida, do qual não se olvide a particular situação do declarante.
«(…) A consideração de que o depoimento do Arguido que é, antes do mais, um cidadão no pleno uso dos seus direitos, reveste à partida de uma “capitis diminutio” só pelo facto de ser Arguido ofende o princípio constitucional da igualdade dos cidadãos. Portanto a questão que se coloca neste caso é, como em relação a todos os meios de prova, uma questão de credibilidade do depoimento do co-arguido.

Esta credibilidade só pode ser apreciada em concreto face às circunstâncias em que é produzida. O que não é admissível é a criação de regras abstractas de apreciação da credibilidade retornando ao sistema da prova tarifada, opção desejada pelo sistema inquisitorial. Assim, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do coarguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova sem qualquer apoio na letra ou no espírito da lei.

A admissibilidade do depoimento do arguido como meio de prova em relação aos demais coarguidos não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação e está adequada à prossecução de legítimos, e relevantes, objectivos de política criminal, nomeadamente no que toca à luta contra criminalidade organizada.
(…) Seria necessária uma visão fundamentalista, e unilateral, do processo penal defender que o exercício do direito ao silêncio tivesse potencialidade para inquinar todo o meio de prova que, não obstante a sua regularidade, viesse a demonstrar a falência de tal estratégia de silêncio.

É evidente que, tal como em relação ao depoimento da vítima, é preciso ser muito cauteloso no momento de pronunciar uma condenação baseado somente na declaração do coarguido porque este pode ser impulsionado por razões aparentemente suspeitas tal como o anseio de obter um trato policial, ou judicial favorável, o ânimo de vingança, ódio ou ressentimento ou o interesse em auto exculpar-se mediante a incriminação de outro ou outros acusados.

(…) Entendemos que a credibilidade do depoimento incriminatório do coarguido está na razão directa da ausência de motivos de incredibilidade subjectiva o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma auto inculpação. Igualmente assume uma real importância a concorrência de corroborações periféricas objectivas que demonstrem a verosimilhança da incriminação.

(…) A partir do momento em que o arguido depõe no exercício do seu direito de defesa é evidente que as suas palavras têm uma dupla conotação. Sendo emergentes de um inviolável direito de defesa elas são também um meio de prova. Não é possível, em termos práticos, separar aquela realidade concreta que é o depoimento do arguido considerando ora como um exercício legítimo de um direito ora como meio de prova.

Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 133/2010 de 14 de Abril de 2010 o arguido, cada arguido, é senhor da decisão, que deve ser inteiramente livre e esclarecida, de prestar ou não prestar declarações. E isso quer os factos lhe sejam imputados apenas a si, quer respeitem também a outros arguidos. Cada arguido decide, como melhor lhe convier, se presta ou não declarações. E se as prestar serão valoradas, quanto a todos os factos sobre que versem, de acordo com o princípio da liberdade objectiva do juízo de prova. De modo algum, a circunstância de as declarações de um dos arguidos poderem ser valoradas contra os demais afecta a livre decisão destes de optarem pelo silêncio. Pode é a estratégia destes revelar-se menos adequada, mas isso é inerente à normal evolução da produção de prova. Pode suceder com esse ou com qualquer outro meio de prova, que os arguidos que exercem o direito ao silêncio acabem por ver-se na necessidade ou conveniência de modificar essa opção face à evolução da produção da prova» – cf. o acórdão do Supremo Tribunal de 27.06.2012, Processo n.º 127/10.0JABRG.G2.S1, relatado pelo Senhor Conselheiro Santos Cabral, in www.dsgi.pt/jstj.

«O processo penal destina-se à realização da justiça penal e seria comunitariamente insuportável negar valor probatório a declarações provindas de quem tem com os factos em discussão maior proximidade apenas pela circunstância de ser seu autor um dos arguidos quando essas declarações são emitidas livremente e, num escrutínio particularmente exigente, se conclui não haver razão para duvidar da sua correspondência à realidade.

Decisivo é que o arguido contra quem tais declarações sejam feitas valer não tenha sido impedido de submetê-las ao contraditório» – Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 133/2010, de 14.04.2010, relatado pelo Senhor Conselheiro V. A. Gomes.".

No caso concreto, decidiram prestar declarações os arguidos A. M., V. A., M. P., J. C., C. L., F. G. e A. C.. Todos eles – exceção feita ao arguido A. C. – assumiram, no essencial, os factos cuja prática lhes eram imputada, esclarecendo pontualmente aspetos da acusação que diziam ser contrastantes com a realidade e se prendiam, sobretudo, com a sua concreta atuação no âmbito da comparticipação.

Não vislumbramos, na posição por eles assumida, qualquer motivação ilegítima. Nenhum deles confessou integralmente os factos da acusação, colocando em causa – sendo o caso – aspetos particulares, muitas vezes de pormenor, no relato que o Ministério Público fez dos acontecimentos. Nenhum deles se afastou da prática dos factos para imputar apenas aos demais arguidos a responsabilidade pelo cometimento dos crimes. Assumiu-a, também, o que só confere credibilidade às suas declarações. Veja-se, a título de exemplo, o caso particular dos arguidos A. M., V. A. e M. P. que, relativamente ao ponto 9º da acusação, excluíram o arguido J. C. desses acontecimentos.

Ou seja, com exceção das situações em que os arguidos manifestaram discordância entre si, as declarações por eles prestadas habilitaram o Tribunal a dar como demonstrados os factos que relataram, subsistindo por isso, face à posição que assumiram, um número reduzido de questões controvertidas.

Vejamos.

A primeira delas respeita à concreta atuação dos arguidos A. M. e J. C. aquando da prática dos factos referidos nos pontos 1, 9, 13 e 15 a 17.
Ainda que sem grande relevância no contexto da comparticipação – que os arguidos confessaram – interessa perceber se a prova produzida permite afirmar que concretas funções foram atribuídas a cada um dos arguidos e, especificamente, que atos cada um deles praticou.
A atuação da arguida M. P., integrando o plano criminoso, resumiu-se sempre a uma missão de vigilância, não havendo notícia de que tenha participado de outra forma na execução dos factos.
Quanto à atuação dos arguidos A. M. e J. C., interessa recordar que o primeiro – vendo a sua versão secundada pela arguida M. P. – afirmou que lhe cabia conduzir o veículo onde se faziam transportar. Ao arguido J. C. competia, segundo disse, deslocar-se para junto dos carros visados, partir os vidros e retirar do interior os objetos de interesse.
O arguido J. C. afirmou o contrário. Era ele que ficava no carro, competindo ao arguido A. M. a execução do assalto propriamente dito, ainda que se nos afigure que hesitou no momento de afirmar que o procedimento adotado era sempre este.
Não existindo outra prova de que o Tribunal possa socorrer-se, designadamente vestígios lofoscópicos que permitam afirmar qual dos arguidos teve contacto com os veículos objeto dos furtos, não será possível ao Tribunal pronunciar-se, com certeza, sobre essa realidade, dando-se unicamente como demonstrado que apenas um dos arguidos (A. M. ou J. C.) se aproximava dos veículos, partia os vidros e retirava os objetos do seu interior.
(...)
Interessa igualmente saber se, aquando da prática dos factos descritos nos pontos 47º a 67º foi efectivamente arrombada ou estroncada alguma porta ou janela.
Quanto a este aspeto, recorde-se que os arguidos que tiveram intervenção nesta ocorrência – e decidiram prestar declarações em audiência – confirmaram a generalidade dos factos ali descritos, negando todavia que tenham arrombado ou estroncado qualquer porta.
O ofendido, apesar de ter referido que a porta/janela por onde os arguidos pretendiam entrar estava fechada, diz não ter visto qualquer marca de arrombamento.
Neste contexto, embora tivesse afirmado estar certo que a porta/janela da dependência por onde os arguidos pretendiam entrar estava efetivamente fechada e não apenas “corrida”, o certo é que a prova produzida não o permite afirmar, antes se afigurando plausível que os arguidos a tivessem unicamente deslocado – com a força das mãos e sem o auxílio de qualquer outro objeto – e não forçado, estroncado ou arrombado.
Finalmente, importa apurar da atuação do arguido A. C..
Como vimos, este arguido negou a prática dos factos que lhe é imputada, afirmando não conseguir compreender a razão por que os demais arguidos afirmam ter-lhe vendido determinados objetos, entre eles, maços de tabaco.
Viu as suas declarações secundadas, genericamente, pela testemunha M. D., sua companheira, que afirmou que o único tabaco vendido no estabelecimento que possui é aquele que é vendido a partir de uma máquina explorada por terceiros – à qual só tem acesso o respetivo proprietário – e, por outro lado, que nunca no estabelecimento vendeu tabaco avulsamente, bem como pelas testemunhas C. L., L. F. e L. J..
Sucede que, com discrepâncias quanto à iniciativa de venda do tabaco e demais artigos, à pessoa que efetivamente entregou o tabaco e à quantidade de tabaco entregue, os demais arguidos (A. M., V. A. e M. P.) confirmaram que o arguido A. C. entrou de facto na posse de tabaco, isqueiros, filtros, mortalhas e onças de tabaco subtraídos no estabelecimento onde foi realizado o assalto referido nos pontos 19 a 40.
Dando aqui por reproduzida a súmula das declarações que a esse respeito prestaram, não vislumbramos que os referidos arguidos tivessem interesse em “incriminar” o arguido A. C. quando da assunção dessa posição não iriam retirar qualquer vantagem.
Mais. Nenhum dos arguidos (A. M., V. A. e M. P.) manifestou qualquer hostilidade em relação ao arguido A. C., o que só reforça a credibilidade das suas declarações.
Tal não significa que as testemunhas que corroboraram as declarações prestadas pelo arguido A. C. tenham necessariamente faltado à verdade, pois que unicamente referiram que no seu estabelecimento apenas era vendido tabaco através máquina que para o efeito ali havia sido colocada pela testemunha L. J.. Fica, todavia, por demonstrar que o tabaco recebido pelo arguido A. C. tenha sido por este vendido – e, neste caso, se o foi no seu estabelecimento – elemento que como sabemos, não faz parte dos elementos do tipo de crime que lhe vem imputado, bastando que o tenha recebido, conhecendo a sua proveniência.
A partir das declarações prestadas pelos coarguidos, pode por isso o Tribunal dar como demonstrado que em data posterior a 02 de janeiro de 2017, o arguido A. C. adquiriu ao arguido A. M. pelo menos 10 volumes de tabaco, para além de uma quantidade não apurada de isqueiros, filtros, mortalhas e onças de tabaco, por um preço que concretamente não foi possível determinar mas que, quanto ao tabaco, ficou cerca de 1,5€ mais barato do que o preço normal de venda. Nessa sequência, durante aproximadamente uma ou duas semanas, o arguido A. C. entregou ao arguido A. M. pelo menos a quantia de 600€.
Naturalmente que pelas circunstâncias em que o negócio foi feito – recordemos aqui a expressão do arguido A. M., no sentido de que o tabaco não estava a ser transportado em numa carrinha da tabaqueira –, e pelo preço proposto, o arguido A. C. não poderia senão saber que os artigos que lhe foram entregues resultavam, necessariamente, de um facto ilícito típico contra o património, assim se dando como demonstrado o ponto 82 da acusação.

No que se refere à personalidade e inserção social, familiar e laboral dos arguidos, o Tribunal teve em consideração os relatórios sociais juntos ao processo e depoimento das seguintes testemunhas:

- C. O., que conhece os arguidos A. M. e J. C. há já alguns anos por ter trabalhado com eles, tendo sido seu encarregado.
- P. A. e F. O., pais da arguida M. P., que conhecem também o arguido A. M. há cerca de 10 anos, enquanto companheiro da filha.
- S. C., que trabalhou com a arguida M. P., tendo conhecido o arguido A. M. há cerca de 5 anos.
(...)
- P .R., amigo do arguido A. C. há cerca de 4 anos, frequentando igualmente o estabelecimento por ele explorado.
- M. D., companheira do arguido A. C. há cerca de 5 anos.
*
Apreciação do recurso.

Questão prévia: no ponto 81 da matéria de facto fixada no acórdão recorrido foi omitido por mero e manifesto lapso o nome do arguido A. M., pelo que procederá este Tribunal à sua correção, determinando que seja aditado no local próprio ( art. 380 nº 1 b) e 2 do CPP).

Analisemos, então, o recurso do arguido A. M..

A primeira questão trazida à decisão deste Tribunal diz respeito ao invocado erro notório na apreciação da prova dos factos 15 a 17.

O erro notório na apreciação da prova constitui um vício da decisão, previsto na alínea c) do nº 2 do artigo 410º do CPP e ocorre quando se constata a partir do texto da decisão – e só deste – uma desconformidade evidente que não passa despercebida a um observador comum. Trata-se de um erro que exige a quem o invoca que especifique, concretize, em face do teor da decisão e sem recurso à prova documentada qual o erro, isto é, o que está manifestamente mal, o que não pode ser assim. É obviamente uma situação muito rara, porque se qualquer pessoa o deteta, muito provavelmente o juiz que elaborou o texto não o deixaria passar.

Ora, no texto trazido à apreciação deste tribunal, não se deteta qualquer erro evidente, pelo que terá de concluir-se que o que o recorrente pretende pôr em causa, é a apreciação da prova levada a cabo pelo tribunal a quo. Para tanto convoca as declarações dos arguidos, prestadas em audiência, uma vez que ninguém testemunhou os factos e, portanto, foi só a partir das referidas declarações que veio o tribunal a concluir terem os três praticado em coautoria os crimes de furto que lhes tinham sido imputados.

Insurge-se, então, o recorrente A. M. contra o facto de o Tribunal a quo ter concluído terem os arguidos A. M., J. C. e M. P. agido em conjugação de esforços e vontades e de acordo com um plano previamente delineado relativamente a tais factos (15 a 17).

As razões da discordância residem na circunstância de o recorrente entender que, por ter apenas ficado no carro que conduzia, não podia ter conhecimento de quantos, ou quais, os veículos que o arguido J. C. foi furtar, tendo, por isso, a decisão de furtar cabido apenas a este arguido. E assim conclui por entender que as declarações que prestou foram credíveis e ele apenas ter admitido ter aguardado no veículo, pelo arguido J. C..

Ocorre que não considerou o tribunal a quo mais credíveis as declarações de um ou do outro arguido. Certo é que os três arguidos, A. M., J. C. e M. P., admitiram que foram praticar os furtos junto do pavilhão multiusos numa altura em que aí havia um espetáculo.

Com segurança, o Tribunal a quo apenas adquiriu a convicção de que à arguida M. P. coube o papel de ficar de vigia para alertar a aproximação de algum perigo. Já sobre quem partia os vidros dos veículos e daí retirava os pertences, não foi possível chegar a uma conclusão segura: o A. M. disse que foi o J. C.; o J. C. disse que foi o A. M.. Um dos dois foi, seguramente, mas saber quem, em concreto, não foi possível apurar.

Foi isto que disse o Tribunal a quo. Tratando-se de um pormenor irrelevante para concluir pela coautoria, uma vez que estiveram os três irmanados pelo mesmo propósito, bem concluiu o tribunal pela existência de uma conjugação de esforços e vontades e pela existência de um plano previamente delineado.

Não há, portanto, que alterar os pontos 15 a 17 da matéria provada no acórdão.

Defende o recorrente A. M. que, a ser punido, deveria ser apenas por um único crime, por entender estar-se perante um crime continuado.

Encontramos a noção de crime continuado no nº 2 do artigo 30º do Código Penal.

Ai se diz que “Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
Como resulta da leitura da lei, são pressupostos do crime continuado (cfr Noções Elementares do Direito Penal, Simas Santos e Leal Henriques, 1999, 119).

a) – A realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico);
b) - A homogeneidade na forma de execução (unidade do injusto objetivo da ação);
c) -A unidade do dolo (unidade do injusto pessoal da ação), em que as diversas resoluções devem considerar-se dentro de “uma linha psicológica continuada”;
d) – A lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto do resultado);
e) - A persistência de uma “situação exterior” que facilite a execução e que diminua a culpa do agente.

Isto é, dito de outro modo, para que se esteja perante um crime continuado é mister que se esteja perante uma pluralidade de desígnios criminosos determinantes de um concurso de crimes (não necessariamente os mesmos crimes, importante é que cada uma das condutas seja um crime); que os bens jurídicos protegidos pelos diversos crimes sejam fundamentalmente os mesmos, isto é, que os interesses protegidos sejam os mesmos, mesmo que os crimes sejam diferentes; que haja homogeneidade na repetição, a aferir no caso concreto (sendo portanto, impossível a sua fixação a priori) e, por fim, o mais decisivo dos pressupostos, que haja uma diminuição considerável da culpa na situação em concreto, por força de uma situação exterior ao arguido.

E é o mais decisivo, porque é ele que, envolvendo os demais, vai justificar o “fracasso psíquico” (acórdão STJ de 08/01/2014) que atingiu o agente.

Isto é, não basta que haja uma repetição de condutas, uma persistência na atuação criminosa. É necessário que por força de alguma circunstância que atraia o arguido à prática do crime - que o arguido não provocou, nem procurou, - o seu repetido comportamento ilícito seja cada vez menos censurável.

Analisada a factualidade apurada e ouvindo os arguidos é, precisamente, o mais decisivo pressuposto que falta na sua atuação. Mesmo que se esquecesse – o que não seria correto – a demonstrada propensão para o crime, isto é, a manifesta tendência da personalidade para viver no lado menos luminoso da existência pela adoção fácil de práticas ilícitas reveladoras de hábitos de vida delinquentes, o certo é que não foram as circunstâncias que se impuseram aos arguidos, foram, eles que as procuraram: o local - junto a um pavilhão onde estava a decorrer um concerto -, com um número grande de veículos estacionados, que permitia que, em pouco tempo e sem grandes movimentações, se pudessem apoderar de diversos pertences existentes dentro dos veículos. Eles não se deslocaram ali para fazer um veículo (usando a linguagem da arguida M. P.) e, sem contarem, depararam-se com ventos favoráveis à repetição da conduta… Foram com um projeto criminoso que passava pela repetição, tantas vezes quantas fosse possível, da prática ilícita. Ao invés de uma diminuição da culpa estamos perante uma persistência na atuação, uma acumulação material, um “dolo empedernido”, que não permite a unificação pretendida pelo recorrente.

E, assim, parafraseando Oetker, o que o direito separa, não o pode unir o juiz.

A pretensão do recorrente é, pois, também nesta vertente, improcedente.

Passemos agora à análise da conduta respeitante ao crime de furto qualificado na forma tentada e à invocada diferença entre atos preparatórios e atos de execução, para se poder concluir se a conduta descrita nos pontos 47 a 67 da matéria de facto provada se subsume aos primeiros e, portanto, é insuscetível de punição, como defende o recorrente.

Esta questão impõe que se reflita sobre o iter criminis. Trata-se de um caminho que, em regra, se percorre em crescendo: inicia-se com uma ideia, uma intenção, uma resolução de praticar um crime, ideia esta ainda não punível; passa à preparação do crime, preparação, em regra, também não punida (porque como diz Roxin in Problemas Fundamentais de Direito Penal – Coleção Vega Universidade, 296, ainda não é abalada a paz jurídica), mas já comportando exceções; continua pelos atos de execução (artigo 22º, nº 2 do Código Penal), até chegar à consumação.

(Não tem, contudo, de ser sempre assim: nos crimes formais, o crime consuma-se com a própria ação; na decisão súbita não há lugar a atos preparatórios; nos crimes negligentes não há decisão de cometer o crime).
Interessa-nos, então, a diferença entre atos preparatórios e atos de execução.
O Código não define atos preparatórios. Diz apenas que não são puníveis, salvo disposição em contrário. Em jeito de definição diga-se que são atos preparatórios aqueles que delineiam ou programam o crime, mas que não são ainda atos de execução, por estarem ainda longe da consumação do crime.
Os atos de execução, contêm eles próprios já “um momento de ilicitude”.
De acordo com os ensinamentos de Figueiredo Dias haverá atos de execução e, portanto, tentativa, quando um certo ato preenche um elemento constitutivo de um tipo de ilícito, quer apreciado na base de um critério de idoneidade, normalidade ou experiência comum, quer na base do plano concreto da realização, aparecendo como parte integrante da execução típica.

Encontramos no artigo 22º, nº 2 do Código Penal a objetivação deste entendimento.

Aí se diz que são atos de execução:

a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime;
b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou
c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam atos das espécies indicadas nas alíneas anteriores.


As alíneas a) e b) tanto podem funcionar cumulativa como alternativamente.
Aproximemo-nos do caso em apreço. O recorrente, conjugando esforços e vontades com outros arguidos, elaborou um plano para se apropriar da quantia de 10.000€, que sabia estar na posse de uma determinada pessoa, L. F..

No dia 05/03/2017, desde as 6h15m até às 15h30m vários arguidos movimentaram-se, aproximando-se e afastando-se da residência de L. F., nos termos constantes da matéria de facto que nos dispensamos de reproduzir (factos 47 a 84). Quando às 16 horas o referido L. F. sai da residência, a ela se desloca o recorrente na companhia de outro arguido, abre o portão exterior, acede ao pátio da residência e, usando a força, abre uma portada de acesso a uma dependência de habitação para nela penetrar, o que só não fizeram porque se aperceberam da presença de um vizinho nas imediações. Estes atos de transpor o portão da casa, entrar na pátio e proceder à abertura da janela, já contêm eles próprios, momentos de ilicitude, porque se ainda não produzem a lesão do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora do crime consumado, antecipam já uma situação de perigo para esse bem.

Tais atos são, inequivocamente, atos de execução e não apenas preparatórios. O arguido praticou atos constitutivos do tipo legal (a introdução na propriedade privada do ofendido) e, não fossem razões alheias à sua vontade, seguramente aos atos praticados se seguiriam outros constitutivos do tipo de crime. Portanto, iniciada que foi a execução do propósito criminoso, do plano concreto do arguido, o ato de execução aparece já como parte integrante da verdadeira ação típica.

Estamos, pois, perante uma tentativa da prática de um furto qualificado p.p. artigo 203º, nº 1, 204, nº 2, alíneas a) e e) do Código Penal, tentativa esta que não era inidónea, nem impossível.

Assim sendo improcede, também neste segmento, o recurso do arguido.

Vejamos agora, finalmente, a invocada relevância da desistência.

Defende o recorrente que tendo o arguido desistido de consumar o furto, a desistência tornou não punível a tentativa, nos termos do artigo 24º do Código Penal.

Dispõe esta norma que:

1 - A tentativa deixa de ser punível quando o agente voluntariamente desistir de prosseguir na execução do crime, ou impedir a consumação, ou, não obstante a consumação, impedir a verificação do resultado não compreendido no tipo de crime.
2 - Quando a consumação ou a verificação do resultado forem impedidas por facto independente da conduta do desistente, a tentativa não é punível se este se esforçar seriamente por evitar uma ou outra.

Como se percebe da letra da Lei se o agente desistir de praticar um crime e a desistência for relevante a tentativa deixa de ser punível.

E a desistência é relevante quando:

- o agente abandona voluntária e espontaneamente a execução do crime (desistência voluntária) – artigo 24º, nº 1, 1ª parte.
- o agente impede voluntária e espontaneamente a consumação, isto é, evita que o resultado do crime se produza (arrependimento ativo eficaz) – artigo 24º, nº 1, 2ª parte.
- o agente impede a verificação do resultado não compreendido no tipo (desistência voluntária em crimes consumados formais) – artigo 24º, nº 1, 3ª parte.
- o agente faz um esforço sério para evitar a consumação do crime ou o seu resultado (arrependimento ativo ineficaz) – artigo 24 nº 2.

A desistência para ser relevante tem de ser espontânea e voluntária. E assume tais características quando parte de uma escolha livre do arguido que podia prosseguir na atuação e, por si mesmo, regride. Usando as palavras de Germano Marques da Silva o agente podia prosseguir, mas não quer.

Será então relevante a desistência do arguido que, vendo-se surpreendido por um terceiro, desiste dos seus intentos? De facto o arguido acabou por sair do local sem consumar o crime. No entanto, mesmo que se não entenda que mais do que uma desistência esteve em causa uma fuga, o que aconteceu é que perante a surpresa da observação da sua conduta por parte de um vizinho, para o arguido foi manifesto que as desvantagens ligadas à continuação da execução, superavam as vantagens esperadas. Esta desproporção entre o que podia perder e iria ganhar, na perspetiva do arguido, não o compensava e, por isso, deixou o local. Portanto o arguido foi posto perante a possibilidade de eleger uma de duas condutas, mas uma delas apresentava riscos que uma qualquer pessoa razoavelmente não correria.

O Tribunal a quo entendeu que tal desistência não é relevante, porque não traduz um verdadeiro arrependimento (em rigor só se pode falar de arrependimento na tentativa acabada e no crime consumado, mas não exaurido, mas percebe-se o que o tribunal a quo quer dizer quando fala de arrependimento, enquanto estado de alma decorrente da genuína contrição).

A questão que se põe é, então, a de saber o que se exige para que, considerando que se está perante uma desistência, se considere tal desistência relevante ou, dito de outro modo, se são ou não indiferentes os motivos determinantes da desistência, quando, objetivamente, o arguido não é impedido de prosseguir.

Há quem entenda que são indiferentes os motivos da desistência. Isto é, que não é exigível que os motivos da desistência sejam nobres, podendo até ser pouco éticos. (Neste sentido Germano Marques da Silva in Direito Penal Português – Parte Geral – II – Teoria do Crime, 244, citando Nelson Hungria (Comentário ao Código Penal, I, Tomo II, 4ª edição, 95- a referência feita a folhas 269 por Germano Marques da Silva, não corresponde à 4ª edição): “Não se faz mister que o agente proceda virtutis amore ou formidine poenae, por motivos nobres ou de índole ética (piedade, remorso, despertada repugnância pelo crime) ou por motivos subalternos, egoísticos (covardia, medo, receio de ser descoberto, deceção com o escasso proveito que pode auferir): é suficiente que não tenha sido obstado por causas exteriores, independentes da sua vontade”. Nelson Hungria chega também a invocar Feuerbach quando este afirma ser uma singular contradição da lei penal, esta não suspender ou atenuar o seu rigor contra aqueles que, por ela intimidados, abandonam a ação criminosa ou evitam os seus efeitos.

Em idêntico sentido decidiu o Acórdão STJ de 26/03/92 citado também por Germano Marques da Silva “se o agente desiste do crime de violação que intentava, por ter acreditado na declaração da vítima de que sofria de doença sexualmente transmissível, esta desistência é relevante nos termos do artigo 24º do Código Penal (…). Não é necessário que tal desistência resulte de um ato volitivo espontâneo que nasça de circunstâncias ético-sociais que traduzam designadamente arrependimento e boa formação moral”.

Este entendimento não é isolado. Encontramo-lo também em Mezger - in Tratado de Derecho Penal, Tomo II ( tradução de Rodriguez Muñoz – Editorial Revista de Derecho Privado, 274- quando afirma que a desistência não necessita de ter a sua base num motivo de índole ética; também Cuello Calon in Derecho Penal, Tomo I – Décimotercera edición, Bosch Casa Editorial, 592 refere, na sequência da discussão entre aceitar apenas motivos “bons e morais” ou também “de conveniência”, que a desistência é sempre bem vinda ainda que seja provocada por medo da pena, embora o arguido possa ter de responder pelos factos praticados antes da desistência, se puníveis (597). Para Jescheck in Tratado de Derecho Penal Parte General-Cuarta Edición –Editorial Comares – Granada, ao autor deve perdoar-se a pena já merecida se voluntariamente aceita de novo o império do direito. É também a ideia de regresso ao direito por parte do desistente que é defendida, entre nós, por Figueiredo Dias.

Regressar ao direito não deverá ser apenas distanciar-se momentaneamente do ilícito, mas verdadeiramente alterar a vontade, radicalmente mudar a atitude, definitivamente inverter o rumo. É nesta mudança que teria de encontrar-se a voluntariedade e a espontaneidade, enquanto pressupostos de uma decisão livre e não condicionada por elementos exteriores que obriguem o arguido a desistir.

Mas a avaliação deste regresso ao direito nem sempre é fácil de levar a cabo e pode até ser impossível, ou muito difícil, de afirmar com certeza, sobretudo em termos definitivos. Parece-nos, então, que em face do propósito legal em que a não punição aparece como recompensa pela desistência, para que esta seja considerada relevante, terá, pelo menos, de encontrar-se na desistência algum mérito que deva ser premiado, desde que se revele impactante na intenção criminosa do agente. (Sobre a necessidade de se perceber que o fundo motivador da desistência tem de ter reflexo na intenção criminosa do desistente cfr. a interessante dissertação de Rodrigo Duarte “ A regra da desistência”- FDUC.)

No caso em apreço é certo que o recorrente, em teoria, podia efetivamente prosseguir os seus intentos. Não foi fisicamente impedido, pelo vizinho que o viu no local. Mas na ponderação dos prós e contras da continuação, o recorrente optou por não arriscar, para evitar as consequências que seguramente teria de suportar. A desistência assim determinada não foi resultado de uma atitude meritória e, nessa medida, verdadeiramente, não foi nem voluntária nem espontânea, nem um regresso ao direito. Na ausência de mérito com impacto na intenção criminosa do agente, que justifique o prémio da não punição, fica inviabilizado o afastamento da punição da tentativa.

Improcede também este segmento do recurso do arguido A. M..
*

Vejamos agora o recurso do arguido A. C..

O primeiro ponto que este recorrente traz à apreciação do tribunal respeita à invocada violação pelo tribunal a quo dos princípios do acusatório e da vinculação temática, tendo por referência os artigos 41º, 82 e 86 da acusação.

Entende o recorrente que o Tribunal a quo ao aditar novos factos no acórdão proferido determinou que o mesmo ficasse ferido de nulidade nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal.

Era assim a redação dos referidos pontos da acusação:

41: “Em data não concretamente apurada mas posterior ao dia 2 de dezembro de 2017, o arguido A. C. adquiriu a um indivíduo de identidade não concretamente apurado pelo valor de 1.000€ diversos maços de tabaco, em quantidade não concretamente apurada.

O arguido A. C. quis ficar com tais objetos apesar de alegadamente desconhecer a identidade de quem os vendia e, bem sabendo que o preço que estava a pagar pelos mesmos era muito inferior ao seu valor real, o que indiciava que o mesmo poderia provir de facto ilícito típico contra o património.

82. Da mesma forma, o arguido A. C., perfeitamente ciente da proveniência ilícita dos bens que recebeu livre e voluntariamente, atuou da forma supra descrita, com intenção de obter vantagem patrimonial a que sabia não ter direito.

86. Actuaram ainda os arguidos bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei penal.

Estes factos, após comunicação de alteração efetuada ao abrigo do artigo 358º do CPP, vieram a ser plasmados no acórdão proferido com o seguinte teor:

41-Em data posterior a 02 de janeiro de 2017, o arguido A. C. adquiriu ao arguido A. M. pelo menos 10 volumes de tabaco, para além de uma quantidade não apurada de isqueiros, filtros, mortalhas e onças de tabaco, por um preço que concretamente não foi possível determinar mas que, quanto ao tabaco, ficou cerca de 1,5€ mais barato em cada maço do que o preço normal de venda.
Os factos 82 e 86 mantiveram a anterior redação.
A questão que se impõe dirimir é a de saber se o Tribunal a quo podia, ou não, concretizar, como o fez, a acusação introduzindo-lhe factos novos e se tal introdução consubstancia numa alteração substancial ou não substancial dos factos.

Vejamos:

O processo penal tem estrutura acusatória, diz a constituição no nº 5 do artigo 32.
A estrutura acusatória do processo penal significa, como ensina o Professor F. Dias, duas coisas: por um lado o reconhecimento da participação constitutiva dos sujeitos processuais na declaração do direito do caso; por outro, o reconhecimento do princípio da acusação, segundo o qual terá de haver uma diferenciação material (e não simplesmente formal) entre o órgão que instruiu o processo e dá acusação e o órgão que a vai julgar.

Assim no iter processuale a acusação tem por função a delimitação do âmbito e conteúdo do próprio objeto do processo, é ela que delimita o conjunto dos factos que se entende consubstanciarem um crime, estabelecendo assim os limites à investigação do tribunal. É nisto que se traduz o princípio da vinculação temática (cfr Frederico Isasca in Alteração Substancial de Factos e sua relevância no processo penal português, 54).

Assim se garante que o arguido não seja surpreendido com novos factos, com os quais não contava, nem podia contar. E se novos factos surgirem que impliquem uma alteração substancial, para que o arguido possa ser por eles julgado, tem de dar o seu acordo.

A lei, na alínea f) do artigo 1º do CPP, refere o que deve entender-se por alteração substancial de factos. Aí se define “alteração substancial dos factos” como aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

Mas para melhor densificar o conceito tem de partir-se do conceito de facto. Factos são, na definição de Engish acontecimentos, circunstâncias, relações, objetos e estados, todos eles situados no passado, espacio-temporalmente determinados pertencentes ao domínio da perceção externa ou interna e ordenados segundo leis naturais.

Facto é, usando a definição de Frederico Isasca todo o acontecimento do mundo objetivo que, captado pelos sentidos, se deixa perceber e conhecer pelo sujeito; na definição de Carnelutti é uma peça que se destaca ou se procura destacar do passado para fazer história.

Facto (factum) tem a sua raiz latina no particípio passado do verbo latino facere, significando o que foi feito.

Ora, perante o que foi feito, a função do processo penal é a de dizer quais desses factos constituem crime.

E quem o diz é, num primeiro momento, a acusação.

É na acusação que fica plasmado o “pedaço de vida” destacável do comportamento de um indivíduo que vai ser sujeito a um juízo de subsunção jurídico-penal. E é neste pedaço de vida que perfeitamente delimitado que entronca o princípio da vinculação temática. É neste pedaço de vida que encontramos o objeto do processo.

Ocorre que o objeto do processo permite, sob o ponto de vista objetivo alguma maleabilidade. Não é rígido, não é estanque. Permite em certas circunstâncias, num exercício de equilíbrio entre o princípio do acusatório e o dever de investigação, que se aditem ou suprimam factos. A supressão não afeta o arguido. Já o aditamento pode ser substancial ou não substancial.

Seja como for, o objeto do processo, o pedaço de vida constante da acusação deve manter-se idêntico na sentença. Se os novos factos excedem o objeto do processo, ou são autonomizáveis e capazes de fundamentar uma incriminação autónoma, ou não o são, e formam com os da acusação uma unidade de sentido, desde que não sirvam para imputar um crime diverso, nem agravar os limites das penas aplicáveis.

Mas o que não pode ocorrer, tendo em conta a separação inultrapassável entre quem acusa e quem julga, é que na fase de julgamento sejam ultrapassados os poderes de cognição que estão limitados pela matéria de facto constante da acusação. É a essa factualidade que o Juiz pode estender a investigação.

É, portanto, nesta impossibilidade de ultrapassar o objeto do processo que radica o princípio da vinculação temática.

O objeto do processo é, enfim, o conceito, o acontecimento, o pedaço de vida que tem de manter-se o mesmo durante o iter processuale.

Usando os ensinamentos do Ac. do STJ de 20.12.2006 pode, então, dizer-se que a alteração substancial dos factos pressupõe uma diferença de identidade, de tempo ou espaço, que transforma o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, enquanto a alteração não substancial constitui uma divergência ou diferença de identidade que não transforma o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas de modo parcelar e mais ou menos pontual e sem descaracterizar o quadro factual da acusação e sempre sem relevância para alterar a qualificação penal.

Aqui chegados façamos, então, a aproximação ao caso em apreço.

O arguido A. C. chegou a julgamento acusado da prática de um crime de recetação (de tabaco) p.p. artigo 231º, nº 1 do Código Penal.

Embora de forma pouco concretizada, é-lhe imputada a prática daquele crime pelo facto de ter adquirido tabaco, por preço muito inferior ao seu valor real sabendo perfeitamente da proveniência ilícita dos bens, com intenção de obter vantagem patrimonial.

Era com esta realidade que o arguido podia contar.

Era neste pedaço de vida que o Tribunal a quo tinha de se mover. Após julgamento, o tribunal a quo apurou que o arguido não adquiriu apenas tabaco, mas também outros produtos conviventes com o tabaco, e que a margem de lucro em cada maço de tabaco foi de 1,5€. Com esta concretização o Tribunal a quo ultrapassou o objeto do processo? Claramente não. Aprofundou, concretizou, densificou, mas não ultrapassou os limites que os poderes de investigação de que dispunha, tendo em vista alcançar a verdade material, lhe permitiam. Manteve-se sempre no âmbito de alteração não substancial, comunicou a alteração em observância do disposto no artigo 358º, nº 1 do CPP, pelo que, por este ponto de vista, a decisão não merece reparo.

Improcedem, assim, os dois primeiros segmentos do recurso.

Insurge-se também o recorrente pelo facto de o tribunal a quo ter, a partir da prova produzida, valorado as declarações dos outros arguidos que confirmaram ter vendido tabaco furtado ao arguido A. C.. Mas ouvida a prova não se constata que o Tribunal a quo a valorasse de forma deficiente. É certo que o arguido A. C. negou ter adquirido tabaco aos demais arguidos, mas não só estes o afirmaram de forma que se configurou espontânea, circunstanciada, credível, como ficou patente que a invocada (pelo recorrente) zanga anterior aos factos que teria motivado um afastamento de todos relativamente ao recorrente e por este invocada como justificação para a imputação dos factos por parte dos outros arguidos, não existiu, como, bem ouvidas as declarações de todos e do próprio recorrente, se terá de concluir. É que se é certo que o A. C. começa por dizer que (o V. A, o C. L., o A. M. (A. M.)) já foram seus clientes, mas que uma zanga em 2016 os afastou do café, também logo de seguida assume ser amigo do V. A e diz que “verdadeiramente não tem problemas com ninguém”. Acresce que, perante a afirmação feita pelos envolvidos nas vendas de que frequentavam o café e que lhe venderam tabaco, impôs-se a pergunta sobre se os tinha confrontado com tais afirmações, tendo a resposta do recorrente sido negativa. Então, como se compreende que alguém não queira perceber por que razão os seus amigos fazem afirmações que o prejudicam e lhe atribuem um comportamento que diz não ter?

Insurge-se o recorrente contra a forma como foram valoradas pelo tribunal as “declarações dos coarguidos”. A valoração feita e explicada pelo Tribunal é clara. Ocorre que o A. C. relativamente aos demais arguidos não é coarguido nos crimes por que foram condenados. Não estão envolvidos nos mesmos crimes. Estão no mesmo processo, mas até poderiam não estar. Se atirassem as culpas para cima do recorrente A. C., nem por isso se libertavam da sua responsabilidade – que é verdadeiramente a circunstância que obriga ao especial cuidado na avaliação das declarações de coarguidos-, acabavam antes por se incriminar ao assumir a prática dos factos ilícitos que precederam a recetação.

A forma como esclareceram que o arguido A. C. ficou com o tabaco, foi verosímil, credível não suscitou dúvidas ao tribunal a quo. E não tendo dúvidas, não havia, obviamente, que fazer apelo ao princípio in dubio pro reo.

Improcedem, assim, os dois seguintes segmentos do recurso.

No que respeita à subsunção jurídica, entende o recorrente que nunca o recorrente poderia ser punido pelo nº 1 do artigo 231º, mas pelo nº 2 do mesmo artigo. A diferença, como é incontroverso, reside essencialmente no dolo da atuação: específico no nº 1, pelo menos eventual no nº 2. Mas o tipo é sempre doloso.

O elemento subjetivo o tipo pelo qual foi condenado exige ainda a intenção de obter uma vantagem patrimonial, com a consciência da proveniência ilícita da coisa.

O recorrente era proprietário de um estabelecimento de café. O material oferecido era, além do mais, tabaco, cujo preço é tabelado.

Conhecia os arguidos- que não eram vendedores de tabaco- (e não é temerário dizê-lo, conhecia a vida que levavam), até porque, ao recorrente, o mundo do crime não era uma realidade distante. O seu passado ostenta a prática de 11 crimes de furto qualificado, estando até em período de suspensão de pena de prisão que lhe havia sido imposta.

É este concreto recorrente que, como se provou, tem plena consciência da proveniência ilícita (como poderia não ter?) e, bem assim, consciência de que o proveito auferido decorria daquela ilícita proveniência, que é condenado pela prática do crime previsto no artigo 231º, nº 1 do Código Penal. A qualificação jurídica não merece, portanto qualquer reparo. Como reparo não merece a opção pela pena de prisão e não por multa ou prestação de trabalho a favor da comunidade, dado o passado criminal que ostenta e que acentua as exigências de prevenção especial, afigurando-se até benévola – mas ainda assim adequada, dada a integração social que agora ostenta - a suspensão da prisão imposta, sobretudo pelo facto de ter quatro penas suspensas no seu passado e estar em período de suspensão da última que lhe fora sentenciada.

E assim sendo por não ter sido violada qualquer das normas legais ou constitucionais invocadas pelo recorrente, improcede o recurso integralmente.
*
III.
DECISÃO

Em face do exposto decidem os juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

-Corrigir o lapso que que consta do ponto 81 da matéria de facto provada fixada no acórdão recorrido, determinando que seja aditado o nome do arguido A. M. aos nomes de arguidos que aí constam;
-Julgar improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos A. M. e A. C., mantendo o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça individual em 4 Ucs.
Notifique.
Guimarães, 29 de abril de 2019

Maria Teresa Coimbra
Cândida Martinho