Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6420/14.6T8VNF-B.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: SIMULAÇÃO
PROVA
INDÍCIOS OU PRESUNÇÕES JUDICIAIS
PODER-DEVER
REQUISIÇÃO DE DOCUMENTOS
UTILIDADE-NECESSIDADE
ESCLARECIMENTO DA VERDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Nos casos em que venha invocada a outorga de contratos simulados, uma vez que é necessário apurar a intenção dos contraentes ao outorgarem os negócios impugnados, e não havendo, por regra, prova direta da simulação, a prova terá de ser feita, quase sempre, por meio de indícios ou presunções judiciais.

II - Cabendo às partes o ónus de invocar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas de acordo com o princípio do dipositivo estabelecido no art. 5º, n.º 1 do CPC, já o princípio do inquisitório impõe ao juiz, quanto àqueles factos de que lhe é lícito conhecer, o poder/dever de realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio (art. 411º do CPC).

III - O poder-dever de requisição, conferido/imposto ao Tribunal pelos arts. 411º, 417º, n.º 1 e 436º do CPC, pressupõe que os documentos ou elementos requisitados sejam (objetivamente) necessários ao esclarecimento da verdade.

IV- Se os factos que a parte requerente pretende ver provados com a requisição de documentos não se encontram incluídos nos temas de prova, nem em condições de nos mesmos poderem ser inseridos ou de qualquer modo não mostrarem interesse para a instrução do processo, o requerimento, por ter por objeto uma junção desnecessária ou mesmo impertinente, deve ser indeferido.

V- Invocando os autores a simulação dos negócios impugnados por a sua realização não ter envolvido o pagamento de qualquer contrapartida monetária, seja o preço declarado, seja qualquer outro valor, mas contrapondo os RR. que os respetivos pagamentos foram feitos em numerário, e não por transferência bancária, carece de utilidade ordenar a junção dos extratos bancários dos alegados compradores por tal não revestir interesse para a instrução do processo.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

M. P. e mulher S. S. propuseram uma ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra (1º) X – Imobiliária, S.A., (2º) A. F. e mulher Maria, (3º) M. G. e mulher C. P. e (4º) M. M. e mulher M. R., pedindo que:

I - se declare nulo o negócio de compra e venda do prédio urbano objecto da escritura transcrita no ponto 18 da petição inicial, ordenando-se o cancelamento do registo de aquisição subsequente,
II - se declare nulo o negócio de compra e venda do veículo automóvel BMW de matricula AE, ordenando-se o cancelamento do registo subsequente;
III – caso não proceda a nulidade pedida no ponto I, a condenação dos réus M. G. e mulher a pagarem o preço da compra do prédio urbano, acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data de realização da escritura e até efetivo pagamento,
IV - caso não proceda a nulidade pedida no ponto II, a condenação dos réus M. M. e mulher a pagarem o preço da compra do veículo BMW, correspondente ao valor da avaliação do mesmo reportado à data de venda, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da declaração de venda e até efetivo pagamento.
V – se proíba a condenação da ré sociedade de vender o veículo Audi Q7 matricula BO.

Alegaram para o efeito, e em síntese, que:

(…)
d - o negócio de compra e venda do prédio urbano
d.1 - (…)
17.º
Em 27 de dezembro de 2012, compareceram no cartório em Barcelos do notário J. S., o réu A. F., em representação da ré X-.. e o réu M. G..
18.º
Em escritura designada de compra e venda fizeram consignar o seguinte:
«COMPRA E VENDA
(…)
PRIMEIRO
A. F., (…), o qual outorga na qualidade de presidente do conselho de administração e em representação da sociedade anónima
“X - IMOBILIÁRIA, S.A.”, (…)
SEGUNDO
M. G., (…)
DECLAROU O PRIMEIRO OUTORGANTE:
Que, em nome da sociedade sua representada, e pelo preço de € 100 000,00, já recebido, vende ao segundo outorgante o PRÉDIO URBANO, composto pela casa de habitação de rés-do-chão, andar e logradouro, situado no lugar ..., freguesia de ..., concelho de Barcelos, descrito no registo predial sob o n.º …, (…), inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …
DECLAROU O SEGUNDO OUTORGANTE
Que aceita este contrato, nos termos exarados e que o prédio adquirido destina-se exclusivamente a habitação.
(…)».
- cfr. doc. n.º 6 junto
(…)
d.3 - simulação do negócio
36.º
Em data anterior à outorga da escritura transcrita no ponto 18.º, os réus A. F. e mulher deram conhecimento ao réu M. G., seu tio, que a casa onde habitavam se encontrava em nome da ré sociedade.
37.º
Confidenciaram-lhe ainda que pretendiam ficar com essa casa, querendo retirá-la de imediato do património da ré sociedade, uma vez que eram sócios / acionistas de um conjunto de sociedades.
38.º
Sendo que, essas sociedades encontravam-se com problemas económicos e receavam vir a ser acionados por efeito de avais prestados a entidades bancárias.
39.º
Receavam ainda que a fazenda nacional os viesse a responsabilizar, subsidiariamente, pelas dívidas fiscais desse grupo de sociedades.
40.º
Os réus A. F. e mulher confidenciaram ainda ao réu seu tio que não queriam pagar qualquer valor aos autores, também acionistas, decorrente da venda dessa casa pela ré sociedade.
41.º
Nestas circunstâncias, os réus A. F. e mulher pediram ao réu M. G. que aceitasse figurar como comprador fictício do referido prédio, com o intuito de enganar os seus credores e os autores.
42.º
Fazendo-os crer que a ré sociedade já não era proprietária desse prédio.
43.º
O réu M. G. aceitou figurar como aparente comprador do prédio.
44.º
Foi o réu A. F. que diligenciou pela marcação da escritura, pagou os emolumentos da mesma e o registo de aquisição a favor do réu M. G. - cfr. doc. n.º 7 junto
45.º
Pagou também o IMT e o imposto de selo devidos pela aquisição do prédio.
46.º
O réu M. G. não pagou o preço declarado de € 100 000,00, nem qualquer outro valor, que, pois, a ré sociedade não recebeu.
47.º
De resto, o prédio referido é composto de rés-do-chão, 1.º andar e logradouro, encontra-se bem conservado, possui boa exposição solar e bons acessos.
48.º
Este prédio vale, na realidade, € 250 000,00 (duzentos e cinquenta mil euros).
49.º
Aliás, os réus M. G. e mulher não dispunham de quaisquer valores ou rendimentos que lhes permitissem comprar esse prédio urbano.
50.º
Ele é reformado, recebendo uma pensão de cerca de € 500,00 e ela aufere o salário mínimo nacional, como auxiliar de cozinheira no Lar da freguesia de ..., Esposende.
51.º
São os réus A. F. e mulher que pagam o IMI devido pelo prédio.
52.º
São eles que o habitam, suportam as despesas com os consumos de energia elétrica, água, taxa de saneamento e quaisquer despesas com a normal conservação e beneficiação do prédio.
53.º
Deste modo, a ré sociedade não quis na realidade vender ao réu M. G. o prédio urbano referido, que, consequentemente, não o quis comprar.
54.º
As declarações negociais constantes da escritura de compra e venda, divergem, pois, da vontade real de cada um dos réus.
55.º
O negócio aí representado é simulado e, por isso, nulo e de nenhum efeito. e - a compra e venda do veículo BMW matrícula AE
(…)
57.º
A ré sociedade era (é) proprietária do veículo automóvel em título.
58.º
Os réus A. F. e mulher decidiram retirar esse veículo do património da ré sociedade.
59.º
Para o efeito, procederam exatamente do mesmo modo referido na alínea d., servindo-se do réu M. M. para esse fim - cfr. doc. n.º 8 junto
(…)
61.º
É o réu A. F. que circula diariamente com este veículo, paga o imposto e o prémio de seguro devido, abastece-o de combustível e custeia as despesas de assistência e reparação do mesmo.
62.º
O réu M. M. não pagou qualquer preço por esse veículo.
63.º
Este réu não quis comprar esse veículo, nem a ré sociedade o quis vender.
64.º
As declarações de compra e venda desse veículo divergem por isso da vontade real destes réus.
65.º
A compra e venda deste veículo é, pois, também simulada.
f - pagamento do preço do prédio urbano e do veículo
65.º-A
Sem prescindir, caso não se prove a nulidades das vendas do prédio e veículo, sempre os autores enquanto acionistas teriam direito a exigir o pagamento do preço desses bens.
65.º-B
Os valores respetivos não entraram no património da X-.., estando os réus obrigados a efetuar o pagamento do preço, acrescido de juros de mora à taxa legal, pois que já o deveriam ter feito nas datas respetivas.
g - o veículo Audi Q7 matrícula BO
66.º
Nesta data apenas se mantém em nome da ré sociedade o veículo em título - cfr. doc. n.º 9 junto
67.º
O réu A. F. está a diligenciar também pela venda fictícia deste veículo a um seu familiar.
68.º
Isto no mesmo circunstancialismo referido anteriormente quanto ao prédio urbano e quanto ao veículo BMW.
69.º
Importa por isso impedir a venda desse veículo.
(…)”.
*
Na parte final da petição inicial os recorrentes requereram, entre outras, as seguintes provas:
«(…)
b - a notificação dos réus M. G. e M. M. para que juntem aos autos os seguintes documentos:
- os comprovativos do efetivo pagamento do preço do prédio e veículo
- os extratos das suas contas bancárias dos meses de novembro de 2012 a janeiro de 2013, quanto ao prédio, e, setembro a novembro de 2013, quanto ao BMW
- as suas declarações de IRS dos anos de 2012 e 2013
- os comprovativos do pagamento dos emolumentos da escritura, registo de aquisição, IMT, imposto de selo, consumos de energia, água, taxas de saneamento e IMI (prédio urbano)
- os comprovativos do pagamento do IUC, prémio de seguro, gastos de combustível e assistência do veículo».
*
Citados, os Réus contestaram.
*
Foi proferido despacho saneador, no qual foi afirmada a validade e regularidade da instância; foi conhecido parcialmente do mérito a acção, julgando-a desde logo «parcialmente improcedente (…), no que tange ao pedido de declaração de nulidade dos negócios de compra e venda do imóvel e do veículo de matrícula AE por falta de poderes de representação e por violação do disposto no artigo 397º do CSC e do artigo 261º do CC, assim como o consequente pedido de cancelamento dos aludidos registos de aquisição e o pedido de condenação no pagamento do preço devido pela venda do imóvel e do veículo AE»; determinado o prosseguimento dos autos, «apenas, para conhecimento (i) do pedido de declaração de nulidade dos negócios de venda fundado na existência de simulação de negócio (…)»; foi definido o objecto do litígio – a «simulação do negócio de venda do imóvel titulado pela escritura de 27/12/2012 e a simulação da venda do veículo de matrícula AE» e o «propósito de concretização da venda simulada do veículo de matrícula BO» –, e enunciados os temas da prova – «Saber se existiram acordos simulatórios entre o Réu A. F. e os Réus M. G. e M. M.»; «Saber se existiu divergência entre a vontade real e vontade declarada, com a intervenção de M. G. e de M. M. na qualidade de compradores como meros testas de ferro»; «Saber se existiu intenção de enganar (e de prejudicar) terceiros, maxime, os Autores na qualidade de accionistas e os credores da sociedade». «As relações familiares entre os Réus».
*
Por despacho datado de 23/05/2016, foi determinada a notificação dos Réus para, no prazo facultado, juntarem «os documentos indicados na alínea b) de fls. 11 verso, sendo que, no que tange aos extractos bancários, deverão juntar os relativos às contas bancárias de onde foi levantado/transferido o valor destinado ao alegado pagamento dos preços. Caso os não juntem, deverão justificar a não junção em idêntico prazo».
*
Na sessão de julgamento de 22/10/2018, o mandatário dos AA. formulou um requerimento «requerendo que os réus M. G. e M. M. fossem notificados pessoalmente para juntarem aos autos os documentos ainda em falta, ou seja, comprovativos do efetivo pagamento do preço do prédio e veículo, extratos das duas contas bancárias dos meses de Novembro de 2012 e Janeiro de 2013, quanto ao prédio e, Setembro a Novembro de 2013, quanto ao BMW, as suas declarações de Irs dos anos 2012 e 2013, os comprovativos do pagamento dos emolumentos da escritura, registos de aquisição, IMT, imposto de selo, consumos de energia, água, taxas de saneamento e IMI (prédio urbano), os comprovativos do pagamento do IUC, prédio de seguro, gastos de combustível e assistência do veiculo.
(…)».
*
Não tendo os réus deduzido oposição ao proposto pelos autores, a Mmª Juíza proferiu o seguinte despacho:

«Devidamente compulsados os autos, verifica-se que assiste razão aos autores.
Na verdade, os réus foram notificados por despacho judicial para apresentar no processo os documentos elencados no requerimento probatório - na alínea b) - junto com a petição inicial.
No entanto, apenas juntaram parte dos aludidos documentos. Ou seja: avisos de pagamentos relativos ao imposto de circulação e seguro do veículo automóvel com a matrícula AE e, ainda, do IMI relativamente ao prédio urbano cuja transmissão que se discute nestes autos.

Confrontando os documentos juntos e aqueloutros cuja junção foi peticionada, verifica-se que ainda não foram juntos:

a) os comprovativos do efetivo pagamento do preço do prédio e do veículo;
b) os extratos da conta bancária dos meses de Novembro de 2012 e Janeiro de 2013, quanto ao prédio
c) os extractos da conta bancária dos meses de Setembro a Novembro de 2013, quanto ao BMW,
d) as suas declarações de Irs dos anos 2012 e 2013;
e) os comprovativos do pagamento dos emolumentos da escritura, registos de aquisição, IMT, imposto de selo, consumos de energia, água, taxas de saneamento e IMI (prédio urbano)~
f) os comprovativos do pagamento do IUC, prédio de seguro, gastos de combustível e assistência do veiculo.
Importa, então, insistir pela junção dos documentos cuja apreciação será relevante para a decisão do mérito da causa.

Nos termos do artigo 417º, nº 2 do CPC, aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercivos que forem possíveis e, se o recusante for parte, o Tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova, decorrente do preceituado no nº 2 do artº 344º do Código Cível.

Assim, determino que se notifiquem pessoalmente os réus presentes no tribunal para em 10 dias, juntarem aos autos os documentos supra elencados, sobre pena do tribunal apreciar livremente o valor da recusa para efeitos probatórios.
(…)».
*
Em 29/10/2018, os réus pronunciaram-se deste modo quanto aos documentos cuja junção lhes foi ordenada:

“(…)
a) comprovativos do efetivo pagamento do preço do prédio e do veículo:
Quer os réus M. M. e mulher, quer os réus M. G. e mulher, entregaram as quantias aos co-réus A. F. e mulher Maria em numerário.
(…)
Por isso não existe qualquer movimentação bancária quanto à quantia efetivamente entregue pelo réu M. G. aos co-réus A. F. e mulher.
E o mesmo aconteceu com a quantia que o réu M. M. entregou ao A. F. e mulher.
Desde logo foi parte entregue para pagar um motor novo para o veículo em questão neste processo - pago em dinheiro (cerca de € 13.000,00).
E o restante entregue da mesma forma (em dinheiro) ao mesmo réu.
Por isso também não existe qualquer movimentação bancária quanto a esta entrega.
b) os extratos da conta bancária dos meses de novembro de 2012 e janeiro de 2013, quanto ao prédio

Conforme supra se disse, não existiu qualquer movimentação bancária quanto ao negócio. Por isso não faz qualquer sentido efetuar a junção de extratos bancários. Extrato que, de resto, nem possuem.
c) os extratos da conta bancária dos meses de setembro a novembro de 2013, quanto ao BMW
Conforme supra se disse, não existiu qualquer movimentação bancária quanto ao negócio. Por isso não faz qualquer sentido efetuar a junção de extratos bancários. Extrato que, de resto, nem possuem.
d) as suas declarações de IRS dos anos de 2012 e 2013
Junta-se, agora, a declaração de IRS dos réus M. M. e mulher (…) referente ao ano 2013.
(…)
Vão continuar a procurar e juntarão essas declarações logo que as encontrem ou arranjem.
(…)
e) os comprovativos do pagamento dos emolumentos da escritura, registos de aquisição, IMT, imposto de selo, consumos de energia, água, taxas de saneamento e IMI (prédio urbano)
Junta-se (…), comprovativos de pagamento dos emolumentos (…) e do pagamento do imposto de selo (…).
Quanto ao consumo de energia: é o co-réu A. F. quem paga a energia elétrica que se consome no prédio. É ele quem também no mesmo habita e, por isso, acordou com o proprietário ser ele a pagar esse consumo.
(…)
f) os comprovativos do pagamento do IUC, prémio de seguro, gastos de combustível e assistência do veículo
(…)
.. Os réus, como é de esperar, porque não têm qualquer tipo de contabilidade, não possuem qualquer comprovativo de gastos de combustível ou de assistência ao veículo. (…)
(…)”.
*
Em 7 de novembro de 2018, os autores responderam a esse requerimento nestes termos:
I.
(…)
Ao decidir, o tribunal terá de recorrer «aos factos que precedem a realização do negócio, às circunstâncias em que foi celebrado, aos factos posteriores à celebração, mas com eles relacionados» e, enfim a vários outros factos - cfr. Prof. Beleza dos Santos
Isto por forma a fazer uso das presunções judiciais, dando como provados factos de índole subjetiva, a partir daquele conjunto de factos/circunstâncias que envolveram tais negócios.
II.
Ora, os réus M. M. e M. G. afirmam que pagaram em numerário o preço do prédio urbano (€ 100.000,00) e do veículo (€ 22.000,00), porque tinham na sua posse esses valores.
E que não dispõem de quaisquer extratos bancários.
Ora, não é crível que os réus tivessem na sua posse quantias tão elevadas em numerário.
Sendo certo que os réus dispõem de contas bancárias e, por isso, o que seria norma é que esses valores estivessem depositados nessas contas.
(…)
III.
O réu M. M. não junta a sua declaração de IRS do ano de 2012.
O réu M. G. não junta as suas declarações de IRS dos anos de 2012 e 2013.
O tribunal tem o poder de solicitar diretamente ao SF essas declarações.
IV.
O réu M. G. junta os «documentos» de pagamento dos emolumentos notariais (€ 242,08), IMT (€ 1.333,73) e IS (€ 903,12).
Porém não junta os comprovativos de quem e por que meio foram pagos tais valores, ou seja, por cheque, MB, transferência ou levantamento.
Tais comprovativos são imprescindíveis para se verificar quem, na realidade, suportou tais valores.
(…)

Assim requer:

- a notificação dos réus para que indiquem as contas bancárias de que dispõem e juntem aos autos autorização escrita para que o tribunal possa solicitar os extratos em falta
- caso os réus neguem a existência de contas bancárias, se solicite ao Banco de Portugal informação sobre as contas bancárias que os réus possuíam, nos períodos de novembro de 2012 a janeiro de 2013 e setembro a novembro de 2013, dando os réus também autorização por escrito para essa informação
- se solicite ao SF de Barcelos cópia da declaração de IRS do ano de 2012 do réu M. M. e dos anos de 2012 e 2013 do réu M. G.
- a notificação do réu M. G. para que junte os comprovativos do efetivo pagamento dos valores referidos em IV. (cheque, MB, transferência ..)
(…)”.
*
Na sessão de audiência de julgamento de 7/11/2018 a Mmª Juíza proferiu o seguinte despacho:

«Tendo em conta a posição assumida pelos réus, decido que não há que juntar extractos bancários das contas por eles tituladas, dado que o preço, a ter sido pago, tê-lo-á sido em numerário. Indefere-se, pois, o pedido em 1.º e 2.º lugar do requerimento de fls. 323.
Oficie aos Serviços de Finanças de Barcelos, solicitando o envio aos autos da declaração de IRS do ano de 2012 do Réu, M. M., dado que as demais declarações já se encontram junto aos autos.
Notifique o réu M. G. para esclarecer como procedeu ao pagamento dos emolumentos notariais, do IMT e imposto de selo que se reportam aos documentos que fez chegar aos autos.
Notifique»
*
Seguidamente, o mandatário dos réus declarou, em acta, que, «relativamente ao último ponto do despacho supra, os réus M. G. e mulher C. P. esclarecem que procederam aos pagamentos em causa em numerário».
*
De seguida, a Mmª Juíza proferiu o seguinte despacho:
«Tendo em conta a posição assumida pelos réus, não haverá, então, que se proceder à sua notificação, tal e qual os autores peticionavam em 4 lugar do requerimento de fls. 323.
Notifique».
*
Após, o mandatário dos autores ditou para a ata um requerimento em que reafirmou que o requerido no ponto 4 e outros são imprescindíveis atento o valor elevado dos pagamentos.
*
Dada a palavra ao mandatário dos réus, pelo mesmo foi dito nada ter a requerer.
*
Por fim, a Mmª Juíza a quo proferiu o seguinte despacho:
«Nada há a alterar ao já decidido.
A versão dos réus é, apenas, aquela que estes fazem juntar aos autos.,
Quanto à credibilidade dessa versão, o Tribunal pronunciar-se-á em sede própria, pelo que considerámos ser desnecessário insistir sobre a junção dos extractos bancários, dado que são os réus quem afirma que o dinheiro se encontrava na sua posse e não em qualquer instituição bancária.
Notifique».
*
Inconformada com esta decisão, dela interpuseram recurso os autores, tendo formulado, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões:

«1.ª - Os recorrentes, na ação declarativa que intentaram, teriam de fundamentar o seu pedido, provando que a vontade real dos outorgantes divergiu da vontade declarada pelos mesmos e que tal divergência foi apta a enganar ou iludir terceiros, tendo por base um conluio fictício entre ambos os declarantes - vd. n.º 1, art.º 240º CC - cfr. Ac. STJ, de 18.12.2003, proc. n.º 03B3794
2.ª - A prova da simulação baseia-se, maioritariamente, em prova “indireta”, pois o negócio simulado provém de um conluio íntimo entre os simuladores, daí a necessidade do tribunal em ter de se socorrer de factos anteriores e posteriores à realização desse negócio e às circunstâncias em que o mesmo foi celebrado - vd. art.ºs 349.º e 351.º CC - cfr. Ac. STJ, de 19/01/2017, proc. n.º 841/12.6TBMGR.C1.S1 - cfr. Ac. STJ, de 02.02.2017, proc. n.º 6420/14.6T8VNF-A.G1
3.ª - Os extratos bancários requeridos pelos recorrentes na petição inicial e no requerimento de 07.11.2018, são imprescindíveis a provar que o recorrido A. F. não recebeu do recorrido M. G., nem este lhe pagou, o preço de € 100.000,00, declarado na referida escritura de compra e venda de 27.12.2012
4.ª - Bem como, para aferir que o recorrido M. M. não pagou o preço de € 22.000,00 ao recorrido A. F., e este não o recebeu, para compra do referido veículo BMW, matrícula AE
5.ª - Os comprovativos do pagamento dos emolumentos da escritura de 27.12.2012, IMT e imposto de selo são essenciais para se apurar quem, na realidade, suportou os custos e despesas inerentes à venda do referido prédio urbano, sito no lugar ..., ..., concelho de Barcelos
6.ª - A prova requerida pelos recorrentes não é impertinente nem meramente dilatória, pois que a mesma é apta a sustentar validamente e de forma célere quem, na realidade, suportou os custos e se houve ou não, de facto, pagamento do preço declarado nos dois referidos negócios
7.ª - O despacho impugnado viola os princípios do dever de gestão processual, da cooperação, do dever de boa-fé processual e do inquisitório, bem como viola o direito à prova, enquanto vertente da garantia constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva - vd. n.º 1, art.º 20.º CRP - vd. art.ºs 6.º a 8.º e 411.º CPC
(…)
DE HARMONIA COM AS RAZÕES EXPOSTAS DEVE CONCEDER-SE PROVIMENTO À APELAÇÃO, REVOGANDO-SE O DESPACHO PROFERIDO E POR TAL EFEITO:
- substituir-se o mesmo por outro que defira:
a - a junção aos autos dos extratos bancários das contas tituladas pelos recorridos, dos meses de novembro de 2012 a janeiro de 2013, quanto ao prédio urbano referido, e dos meses de setembro a novembro de 2013, quanto ao BMW mencionado
b - em alternativa, a notificação dos recorridos para que indiquem as contas bancárias de que são titulares e juntem aos autos autorização escrita para que o tribunal possa solicitar os extratos referidos
c - a notificação do Banco de Portugal, caso os recorridos neguem a existência de quaisquer contas bancárias, para que informe os autos de eventuais contas bancárias detidas pelos recorridos nos referidos períodos, dando os recorridos a respetiva autorização para a obtenção de tal informação
d - a notificação do recorrido M. G. para que junte aos autos os comprovativos do efetivo pagamento dos emolumentos notariais da escritura de 27.12.2102, do registo de aquisição, do IMT e do imposto de selo
ASSIM DELIBERANDO ESTE TRIBUNAL SUPERIOR FARÁ JUSTIÇA».
*
Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:

- Da necessidade de junção aos autos da prova requerida pelos autores.
- Da violação dos princípios do dever de gestão processual, da cooperação, do dever de boa-fé processual e do inquisitório, bem como do direito à prova, enquanto vertente da garantia constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva.
*
III. Fundamentação de facto

Os factos materiais relevantes para a decisão do presente recurso são os que decorrem do relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos).
*
IV. Fundamentação de direito

- Da violação dos princípios do dever de gestão processual, da cooperação, do dever de boa-fé processual e do inquisitório, bem como do direito à prova, enquanto vertente da garantia constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (cfr. art.º 20.º, n.º 1, da CRP e arts. 6.º a 8.º e 411.º CPC).

Sem embargo das diversas questões autonomizadas na apelação pelos recorrentes/autores, em bom rigor são as mesmas reconduzíveis a uma única de âmbito mais genérica, qual seja a de indagar da necessidade ou indispensabilidade da junção aos autos da prova por si requerida.

Com efeito, a resposta que se dê a esta questão pressupõe que se tenha presente os princípios de processo civil que os recorrentes dizem ter sido violados na decisão recorrida – o dever de gestão processual, da cooperação, do dever de boa-fé processual e do inquisitório, bem como do direito à prova, enquanto vertente da garantia constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (cfr. art. 20.º, n.º 1, CRP e arts. 6.º a 8.º e 411.º CPC) –, posto que só no caso de se concluir pela violação (isolada ou conjunta) de algum desses princípios se imporá uma resposta positiva à pretensão subjacente ao recurso interposto.

No dizer dos recorrentes, os extratos bancários requeridos na petição inicial «e no requerimento de 07.11.2018 são imprescindíveis a provar que o recorrido A. F. não recebeu do recorrido M. G., nem este lhe pagou, o preço de € 100.000,00, declarado na referida escritura de compra e venda de 27.12.2012», «[b]em como, para aferir que o recorrido M. M. não pagou o preço de € 22.000,00 ao recorrido A. F., e este não o recebeu, para compra do referido veículo BMW, matrícula AE», sendo que os «comprovativos do pagamento dos emolumentos da escritura de 27.12.2012, IMT e imposto de selo são essenciais para se apurar quem, na realidade, suportou os custos e despesas inerentes à venda do referido prédio urbano, sito no lugar ..., ..., concelho de Barcelos», não sendo impertinente nem meramente dilatória a prova requerida pelos recorrentes, «pois que a mesma é apta a sustentar validamente e de forma célere quem, na realidade, suportou os custos e se houve ou não, de facto, pagamento do preço declarado nos dois referidos negócios».

Enunciados, em termos resumidos, os termos da impugnação dos recorrentes, averiguemos, então, se merece censura o juízo de indeferimento da solicitação/requisição de tais elementos.

Secundando (nesta parte) o explicitado pelos recorrentes, é indubitável que a ação declarativa da qual este recurso (em separado) emerge tem como fundamento a simulação do negócio de compra e venda do prédio urbano objeto da escritura pública transcrita no ponto 18.º da petição inicial, bem como a simulação do negócio de compra e venda do veículo automóvel BMW, matrícula AE, nos termos alegados nos pontos 56.º a 65.º-B dessa mesma petição inicial.

Segundo o n.º 1 do art. 240º do Código Civil (abreviadamente, designado por CC), “se, por acordo entre declarante e declaratário e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado”.

O negócio simulado, diz-nos o n.º 2 do art. 240º do CC, é nulo.
Nestes termos, a simulação é a divergência intencional entre o que se quer (a vontade) e o que se diz (a declaração), procedente de um acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros.

São requisitos cumulativos da simulação:

- A divergência intencional entre a declaração negocial e a vontade real (o declarante não só tem consciência da divergência entre a vontade declarada e a real, mas quer ainda, de uma forma livre e propositada, emiti-la nesses termos);
- A existência de um conluio simulatório (pactum simulationis) em que as partes declaram ter realizado um acto que, na verdade, não quiseram realizar;
- O intuito de enganar ou iludir terceiros (o animus decipiendi), que não se confunde com o intuito de prejudicar, isto é, de causar um dano ilícito (animus nocendi).

O ónus da prova de tais requisitos, porque constitutivos do respectivo direito, cabe, segundo as regras gerais nesta matéria, a quem invoca a simulação (art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil) (1).

Se, em determinado caso concreto, não ocorrer o circunstancialismo fáctico integrador dos requisitos enunciados, poderá verificar-se qualquer falta ou vício de vontade, mas não, seguramente, o da simulação.

Quanto às formas ou modalidades que a simulação pode revestir importa fazer duas distinções:

Uma primeira, com relevância em sede de legitimidade para a acção de simulação, é a que se estabelece entre a simulação inocente e a simulação fraudulenta, que se distinguem pelos propósitos que animam os simuladores (cfr. art. 242º, n.º 2, in fine do CC).

Quanto só houve o intuito de enganar ou ludibriar terceiros, sem os prejudicar, a simulação diz-se inocente; quando feita com o intuito não só de enganar mas também de prejudicar terceiros ilicitamente ou de contornar qualquer disposição legal, a simulação apelida-se de fraudulenta.
Uma segunda distinção, bastante mais relevante, é a que se estabelece entre simulação absoluta e simulação relativa.
A simulação diz-se absoluta quando os simuladores fingem realizar um certo negócio jurídico e, na verdade, não querem realizar negócio jurídico algum. Será relativa quando as partes pretendem realizar, de facto, um negócio, mas para iludir terceiros encobrem-no com um outro negócio jurídico de tipo ou conteúdo diverso. Por outras palavras, os simuladores fingem celebrar um negócio jurídico diverso daquele que na realidade querem concluir (2).

Enquanto que na simulação absoluta há um só negócio jurídico, o negócio simulado, na simulação relativa, além do negócio simulado, também designado por aparente ou fictício, existe um negócio oculto ou real, o negócio dissimulado.

Esta distinção é muito importante, pois enquanto em caso de simulação absoluta o negócio é nulo (art. 240º, n.º 2 do Código Civil), à simulação relativa aplica-se o princípio do aproveitamento do negócio jurídico: invalidado o negócio simulado, pode ser que fique a valer entre as partes o negócio dissimulado ou real (cfr. art. 241º, do Código Civil).

A prova do acordo simulatório (e do negócio dissimulado) por terceiros é livre, dado que a lei não admite qualquer restrição, podendo ser feita por qualquer dos meios normalmente admitidos na lei: confissão, documentos, testemunhas, presunções (3).

«Sendo a simulação um fingimento que visa criar a aparência de um negócio que não foi querido pelas partes (simulação absoluta), ou que foi celebrado para esconder um outro, esse sim querido pelas partes (negócio dissimulado), a prova destes requisitos pode ser feita de forma directa e expressa, mediante a quesitação da pertinente matéria de facto, ou de forma menos ostensiva com recurso a presunções judiciais.

Isto porque a prova da simulação é difícil. Provar-se o que reside no intelecto das pessoas é tarefa que exige grande esforço e minúcia. Por isso, muitas vezes, só é possível demonstrar que alguém desejou algo ou declarou coisa diversa, através da prova de factos indiciários, ou seja, de factos que se situam na periferia da própria alegação da simulação. É o campo ideal para o funcionamento das presunções naturais ou judiciais, as quais se inspiram nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana.
Este tipo de presunção não é um facto, mas um processo mental, uma forma de raciocinar, por meio da qual o juiz parte da prova de um facto indiciário para, por dedução, chegar a uma conclusão sobre o facto principal» (4).

Não oferece dúvidas ser muito rara e difícil a prova directa da simulação.

Em regra, portanto, não há prova directa da simulação. A prova tem de ser feita, quase sempre, por meio de indícios ou presunções(5).

É precisamente em casos como este que as presunções judiciais assumem particular importância na formação da convicção quanto à fixação da matéria de facto, embora condicionadas sempre a uma utilização prudente e sensata.

Atendendo às palavras do Prof. Beleza dos Santos – citado no Ac. do STJ de 19/01/2017 (relator António Piçarra), in www.dgsi.pt. –, «aqueles que efectuam contratos simulados ocultam os seus propósitos e intenções, não manifestando publicamente a sua vontade de simular, antes se esforçando em tornar verosímil o que há de aparente e fictício no acto que praticam». Por essa razão, «há quase sempre que recorrer para a demonstrar a um conjunto de factos conhecidos, tais como as condições pessoais ou patrimoniais dos outorgantes, as relações em que eles se encontram entre si, os factos que precedem a realização do acto jurídico, as circunstâncias em que foi celebrado, o seu próprio conteúdo e finalmente os factos posteriores à celebração, mas com eles relacionados. Destes factos, que se conhecem, se deduzirá a simulação que se pretende demonstrar. Dentre esses factos constituirão indícios aproveitáveis aqueles que, segundo o que ensina a experiência comum, segundo o que normalmente acontece na vida, em regra só se verificam, quando se praticam actos simulados».

Feita esta breve enunciação do objeto da ação e das particulares dificuldades inerentes à demonstração dos requisitos constitutivos da simulação, é altura de analisarmos os princípios de processo civil que os recorrentes dizem ter sido violados com a decisão recorrida.

O direito à prova, como tem sido sublinhado, surge como corolário do direito de ação e defesa, consagrado no art. 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que garante a todos «o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (…)» (6).

O direito de ação ou direito de agir em juízo terá de efetivar-se através de um processo equitativo, que, entre outras manifestações, se traduz na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer as suas provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado dessas provas (7).

E se o direito de acesso à justiça comporta, indiscutivelmente, o direito à produção de prova (8), tal não significa, porém, que o direito subjetivo à prova implique a admissão de todos os meios de prova permitidos em direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objeto do litígio (9), muito embora a recusa de qualquer meio de prova deva ser, devidamente, fundamentada, na lei ou em princípio jurídico, não podendo o Tribunal fazê-lo de modo discricionário.

Ao juiz, enquanto “gestor” ou responsável pela direção do processo incumbe autorizar a realização das diligências que se afigurem necessárias e adequadas e indeferir as que afigurem inúteis ou meramente dilatórias (10).

Mas a restrição incomportável da faculdade da apresentação de prova em juízo impossibilitaria a parte de fazer valer o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva, tal como vem reconhecido pelo art. 20.º da CRP (11).

Rejeita-se, no entanto, o entendimento que erige o direito à prova como um direito absoluto e incondicionado, «não implicando a total postergação de determinadas limitações legais aos meios de prova utilizáveis ou a imposição de condições à sua utilização, desde que essas limitações se mostrem materialmente justificadas e respeitadoras do princípio da proporcionalidade. A emissão de uma norma restritiva da utilização dos meios de prova, não implica necessariamente um desrespeito do direito acesso à justiça na sua vertente do direito do interessado produzir a demonstração de factos que, na sua ótica, suportam o seu direito ou a sua defesa. Tal desrespeito só se verificará quando se possa concluir que a norma em causa determina para o interessado, na generalidade das situações, a impossibilidade de uma real defesa dos seus direitos ou interesses em conflito» (12).

Estatui o art. 341º do Código Civil (CC) que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.

Nas palavras de Alberto do Reis (13), a prova “é o conjunto de operações ou actos destinados a formar a convicção do juiz sobre a verdade das afirmações feitas pelas partes”.

A instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova” (art. 410º do CPC).
Os temas da prova delimitam o âmbito da instrução, que terá como objeto os factos em que se traduzem ou desdobram e sobre os quais incidirá o juízo probatório, nos termos do art. 607º, n.ºs 3 e 4 do CPC (14).

Os factos a provar são os factos essenciais ou principais da causa, que constituem a causa de pedir e em que se baseiam as exceções invocadas, que deverão ser alegados pelas partes [art. 5.º, n.º 1, do CPC], e os factos instrumentais, que se situam na cadeia dos factos probatórios e permitem chegar aos factos principais que as partes tenham alegado, relativamente aos quais inexiste qualquer vinculação temática [artigo 5.º, n.º 2, al. a), do CPC], sem prejuízo dos casos excecionais (como seja os factos notórios e aqueles de que tem conhecimento por virtude do seu exercício funcional – art. 5º, n.º 2, al. c) do CPC) em que o juiz pode oficiosamente introduzir factos principais na causa (15).

Atento o princípio do inquisitório, expressamente consagrado no art. 411.º do CPC, “[i]ncumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.

Sem prejuízo de, em obediência ao princípio do dipositivo estabelecido no n.º 1 do art. 5º do CPC, caber às partes o ónus de invocar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas, o princípio do inquisitório impõe ao juiz, quanto àqueles factos de que lhe é lícito conhecer, o poder/dever de diligenciar no sentido da descoberta da verdade e da justa composição do litígio.

Como tem sido assinalado (16), a amplitude dos poderes/deveres do juiz, decorrentes do princípio do inquisitório impõe que o julgador admita, por exemplo, um requerimento probatório ainda que apresentado intempestivamente sempre que existam fortes razões para concluir que os meios de prova em causa podem contribuir decisivamente para a apreciação do mérito das pretensões.

Importa nesta campo destrinçar três planos distintos: o ónus de alegação; a iniciativa da prova e o ónus da prova (17).

Em princípio, quem tem o ónus de alegar (os factos que constituem a causa de pedir e os que fundam as exceções) tem também o ónus de provar os factos que do primeiro são objecto (18).

Compete à parte que peticiona o reconhecimento de um direito em juízo o ónus de alegação dos factos constitutivos desse direito, nos termos prescritos no do art. 5º, n.º 1 do CPC.

Considerando que o reconhecimento desse direito pressupõe a demonstração dos respetivos factos constitutivos, a fim de evitar a consequência desfavorável da sua falta, consistente em não poder ser considerado, como base da decisão, o facto não provado, é da conveniência do autor que este aporte ao processo os meios probatórios destinados à demonstração daqueles factos. Fala-se, assim, em ónus de iniciativa da prova (19).

Todavia, face ao princípio da aquisição processual (artigo 413º do CPC) e ao princípio do inquisitório em matéria de prova (artigo 411º, CPC), tem vindo a ser entendido que as regras sobre o ónus da prova são mais regras de decisão do que regras de distribuição de prova propriamente ditas. Mais do que determinar quem tem de provar determinado facto, a atribuição a uma das partes do ónus da prova releva para a fixação das consequências (negativas ou desvantajosas) decorrentes da falta de prova, quer por sua iniciativa, quer por iniciativa da parte contrária ou oficiosa (art. 413º do CPC), de certo facto que lhe é favorável. Trata-se de um critério de decisão destinado a evitar um non liquet jurídico em caso de falta de prova, permitindo ao juiz decidir contra a parte onerada (art. 414º do CPC) (20).

O art 6.º do CPC, prevendo sobre o dever de gestão processual, prescreve, no seu n.º 1, que “[c]umpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável”.

Na Exposição de Motivos da Lei n.º 41/2013, de 26/06, sublinha-se que se manteve e reforçou “o poder de direcção do processo pelo juiz e o princípio do inquisitório (de particular relevo na eliminação das faculdades dilatórias, no ativo suprimento da generalidade da falta de pressupostos processuais, na instrução da causa e na efetiva e ativa direcção da audiência)”, além de que se importou “para o processo comum o princípio da gestão processual, consagrado e testado no âmbito do regime processual experimental, conferindo ao juiz um poder autónomo de direcção ativa do processo, podendo determinar a adopção dos mecanismos de simplificação e de agilização processual que, respeitando os princípios fundamentais da igualdade das partes e do contraditório, garantam a composição do litígio em prazo razoável”.

Segundo o princípio da cooperação, previsto no art. 7.º do CPC, na condução e intervenção no processo os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes devem cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio (n.º 1).

Este princípio é fundamental à dinâmica do processo e está intimamente ligado ao dever de gestão processual de que fala o artigo 6º do CPC, na medida em que, ao exercer os deveres de cooperação, o magistrado está, no fundo, a gerir o processo, eliminando os formalismos desnecessários, facilitando e estimulando o envolvimento das partes no procedimento, e esclarecendo dúvidas quanto às questões suscitadas, por forma a garantir a justa composição do litígio, em tempo breve e de modo eficaz (21).

Teixeira de Sousa (22) refere que, do ponto de vista do tribunal, o princípio da cooperação impõe quatro poderes-deveres ou deveres funcionais: de esclarecimento [artigo 7º, n.º 2, do CPC]; de prevenção [arts 590º, n.º 2, al. b) e art. 591º, n.º 1, al. c)]; de consulta [art. 3º, n.º 3, do CPC]; e de auxílio das partes [art. 7º, n.º 4, art. 418º, n.º 1, e art. 754º, n.º 1, al. a), do CPC].

Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deverá o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo (n.º 4 do art. 7.º do CPC).

Por fim, sobre as partes impende o dever de agir de boa-fé e observar os deveres de cooperação supra enunciados (art. 8.º do CPC).

Feitos estes considerandos sobre os institutos jurídicos relevante para a apreciação do recurso em apreço importa agora particularizar o caso dos autos.

Como já se disse, como causa de pedir que serve de fundamento às pretensões deduzidas em juízo, os AA. alegam a simulação do negócio de compra e venda do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n.º …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, assim como do negócio de compra e venda do veículo automóvel BMW, matrícula AE.

Relativamente ao prédio urbano, alegam os AA. que, sendo tal bem propriedade da sociedade X, nas circunstâncias melhores descritas na petição inicial, os réus A. F. e mulher pediram ao réu M. G., seu tio, que aceitasse figurar como comprador fictício do referido prédio, com o intuito de enganar os seus credores e os autores, tendo o réu M. G. aceitado figurar como aparente comprador do prédio.

Mais alegam que, não obstante o declarado na escritura pública que formalizou esse negócio simulado, o réu M. G. não pagou o preço declarado de € 100 000,00, nem qualquer outro valor, pois a ré sociedade nada recebeu.

Por último, alegam que os réus M. G. e mulher não dispunham de quaisquer valores ou rendimentos que lhes permitissem comprar esse prédio urbano, sendo os réus A. F. e mulher quem pagam o IMI devido pelo prédio e o habitam, suportam as despesas com os consumos de energia elétrica, água, taxa de saneamento e quaisquer despesas com a normal conservação e beneficiação do prédio.

Dizem, por isso, que a ré sociedade não quis na realidade vender ao réu M. G. o prédio urbano referido, e que este, consequentemente, não o quis comprar, posto que as declarações negociais constantes da escritura de compra e venda divergem da vontade real de cada um dos réus.

Já no que concerne ao negócio de compra e venda do veículo automóvel BMW, matrícula AE, também pertença da sociedade X, dizem os AA. verificar-se com as devidas adaptações o mesmo circunstancialismo aludido quanto ao imóvel, sendo que neste caso o outro interveniente (simulador) nesse negócio fictício foi o réu M. M., que é sogro do réu A. F., e não pagou qualquer preço pela aquisição desse veículo.

Tendo apresentado contestação, os RR. impugnaram os factos aduzidos pelos AA. como constitutivos dos negócios simulados e refutaram a procedência dos efeitos jurídicos por estes pretendidos.

Posteriormente, foi elaborado despacho saneador, no qual o Tribunal a quo, depois de apreciar e decidir parcialmente do mérito da causa, definiu o remanescente objecto do litígio como correspondendo à «simulação do negócio de venda do imóvel titulado pela escritura de 27/12/2012 e a simulação da venda do veículo de matrícula AE», enunciando os seguintes temas da prova: - «Saber se existiram acordos simulatórios entre o Réu A. F. e os Réus M. G. e M. M.»; «Saber se existiu divergência entre a vontade real e vontade declarada, com a intervenção de M. G. e de M. M. na qualidade de compradores como meros testas de ferro»; «Saber se existiu intenção de enganar (e de prejudicar) terceiros, maxime, os Autores na qualidade de accionistas e os credores da sociedade». «As relações familiares entre os Réus».

Ora, como se decidiu noutro recurso (de apelação) em separado interposto (também pelos ora recorrentes) na acção de que este recurso emerge, consubstanciado no Acórdão desta Relação de 2/02/2017 (relatora Maria João Marques Pinto de Matos), a que corresponde o apenso 6420/14.6T8VNF-A, disponível in www.dgsi.pt., sendo a prova directa dos requisitos da simulação invocada «relativamente inverosímil (isto é, não sendo expectável que, em sede de depoimento ou de declarações de parte, os Réus a venham a confessar), necessário se torna que os Autores possam produzir prova sobre os plúrimos indícios da dita simulação, indícios que expressamente invocaram.

Com efeito, e para além do indício affectio (sendo o 3º Réu tio, e o 4º Réu sogro, do 2º Réu), do indício subfortuna (em que alegadamente os 3ºs Réus não dispõem de capacidade financeira para adquirirem o prédio urbano em causa), e do indício retentio possessionis (em que alegadamente os 2ºs Réus se mantêm a habitar o prédio urbano que declaradamente a 1ª Ré vendeu aos 3ºs Réus, e em que alegadamente o 2º Réu continua a utilizar o veículo automóvel que a 1ª Ré vendeu aos 4ºs Réus), os Autores invocaram ainda o indício pretium vilis (isto é, terem sido os bens em causa - prédio urbano e veículo automóvel - vendidos por um preço declarado inferior ao seu real valor de mercado)».

A somar a estes indícios, afigura-se-nos que os Autores invocaram também o indício pretium confessus, na medida em que, e tal «como ocorre nos negócios genuínos, é comum nos negócios simulados, v.g. venda, as partes declararem perante o notário que já receberam o preço (…). A diferença reside em que nos negócios simulados as partes dão por realizado o pagamento mas não dizem como, quando e/ou onde, sucumbindo qualquer explicação sobre as circunstâncias pretéritas integrativas do pagamento do preço.

Este indício é gerado por condicionalismos inerentes ao próprio negócio simulatório: a parte declara que já recebeu porque finge o pagamento de uma quantia que não dispõe e, deste modo, pretende obstar ao despoletamento do indício pretium vilis; a pressa ou sigilo do negócio simulatório; para evitar que se investiguem os movimentos bancários da data da escritura; para inviabilizar a investigação sobre o destino do dinheiro no património do accipiens; para sustentar a tese do preço compensado, etc» (23).

Incumbe, porém, «aos simuladores provar o efectivo pagamento e não ao autor provar o facto negativo do não pagamento pelo simulador» (24).
De facto, um dos pressupostos da alegação fáctica dos AA. é que ambos os negócios não envolveram o pagamento de qualquer contrapartida pelos alegados adquirentes, nem o preço declarado, nem qualquer outro valor, pois a ré sociedade nada recebeu relativamente a esses negócios.

Não desconhecemos que um dos indícios relevantes, para prova da simulação, é o indício movimento bancário.

Isto porque, como é sabido, «na maioria dos negócios jurídicos cuja celebração e/ou execução implica circulação de dinheiro, tal giro traduz-se num movimento bancário refletido nos livros e registos dos bancos», pelo que «o movimento bancário integra muitas vezes a prova directa de um facto.

O movimento bancário assume o carácter de indício na sua versão negativa», posto que «a circunstância de se alegar a existência de um contrato que implique a entrega de dinheiro mas em que não se prove o reflexo dessa entrega na conta bancária do solvens ou do accipiens produz um indício infirmador de tal alegação», sendo suscetível de revelar, nos casos de simulação, «o carácter fictício do alegado pagamento» (25).

Sucede que, no decurso da ação, após terem sido pessoalmente notificados para juntarem os documentos solicitados pelos AA. na petição inicial, vieram os RR. indicar nos autos, relativamente aos comprovativos do efetivo pagamento do preço do prédio e do veículo, que “quer os réus M. M. e mulher, quer os réus M. G. e mulher, entregaram as quantias aos co-réus A. F. e mulher Maria em numerário”, pelo que “não existe qualquer movimentação bancária quanto à quantia efetivamente entregue pelo réu M. G. aos co-réus A. F. e mulher”, o mesmo acontecendo “com a quantia que o réu M. M. entregou ao A. F. e mulher”, sendo que parte foi “entregue para pagar um motor novo para o veículo em questão neste processo - pago em dinheiro (cerca de € 13.000,00)” e “o restante entregue da mesma forma (em dinheiro) ao mesmo réu”, daí que também não exista qualquer movimentação bancária quanto a esta entrega.

Mais referiram, quanto aos extratos da conta bancária dos meses de novembro de 2012 e janeiro de 2013 (relativos ao prédio) e de setembro a novembro de 2013 (referentes ao BMW), que não existiu qualquer movimentação bancária quanto a tais negócios e que por isso não faz qualquer sentido efetuar a junção de extratos bancários

Os AA. não se conformaram com essa resposta, dizendo não ser “crível que os réus tivessem na sua posse quantias tão elevadas em numerário reiterando” pelo que reiteraram o seu requerimento no sentido destes indicarem nos autos as contas bancárias de que dispõem e juntarem aos autos autorização escrita para que o tribunal possa solicitar os extratos em falta.

Tendo em conta a aludida posição processual assumida pelos réus, o tribunal a quo decidiu que não se justificava a junção dos extractos bancários das contas por eles tituladas, dado que o preço, a ter sido pago, tê-lo-á sido em numerário, pelo que indeferiu tal pretensão

Em sede de apelação insurgem-se os recorrentes contra esta decisão, aduzindo os argumentos já anteriormente explanados, nomeadamente que, de acordo com as regras da experiência comum e com os usos correntes da vida quotidiana dos dias de hoje, não é de crer que os recorrentes tivessem na sua posse, e em numerário, quantias tão avultadas, acrescentando que (1º) «todos e quaisquer montantes recebidos pela esmagadora maioria da população portuguesa são depositados em contas bancárias», além de que (2º) deter qualquer quantia em numerário não significa que não hajam quaisquer registos do recebimento desses montantes.

Conforme resulta dos argumentos profusamente explicitados pelos recorrentes, as suas objeções centram-se essencialmente na falsidade das alegações dos recorridos, as quais, no seu entendimento, serão também ilógicas e contrárias à normalidade da vida em sociedade.

Certo é que, em termos alegatórios, o processo comporta duas versões fácticas distintas sobre a mesma realidade:

- De um lado, temos a versão dos AA., os quais alegam que os negócios impugnados são nulos, por simulação, na medida em que, entre outras objecções, não obstante o declarado pelos intervenientes na formalização dos negócios, os mesmos não envolveram o pagamento de qualquer contrapartida monetária, ou seja, nem o preço declarado, nem qualquer outro valor.

- De outro lado, está a versão apresentada pelos RR., os quais, impugnando os factos que são suscetíveis de retratar a verificação de negócios simulados, pugnam pela validade de tais negócios, mais afirmando que os respetivos pagamentos foram feitos em numerário, e não por transferência bancária.

Ora, tendo presente esta realidade processual, e à semelhança do propugnado pelo tribunal recorrido, também nós entendemos não fazer qualquer sentido ordenar a junção dos requeridos extractos bancários, visto que ambas as partes expressamente excluem que os pagamentos possam ter sido feitos por transferência bancária.

Tendo o alegado pagamento sido feito em numerário, e não por transferência bancária, ou - se nos cingirmos à tese dos recorrentes - inexistindo qualquer pagamento, não se vislumbra em que termos os requeridos extractos bancários possam confirmar ou infirmar uma versão fáctica que foi expressamente excluída por ambas as partes, pelo que não merece dissenso.

Por outro lado, a aferição da (utilidade/necessidade da) junção dos referidos documentos não poderá colocar-se a pretexto de tal não acarretar “nenhum transtorno de maior” aos recorridos.

De facto, a pertinência, ou não, da solicitação/requisição dos documentos e informações requeridos pelos Autores decorrerá da circunstância de os factos a provar com os documentos estarem, ou não, integrados nos temas de prova ou, não tendo havido lugar a esta enunciação – o que não é o caso versado, visto aquela enunciação ter sido feita –, serem subsumíveis aos factos necessitados de prova.

Isto porque o poder-dever de requisição, conferido/imposto ao Tribunal pelos arts. 411º, 417º, n.º 1 e 436º do CPC, pressupõe que os documentos ou elementos requisitados sejam (objetivamente) necessários ao esclarecimento da verdade. O mesmo é dizer que, desde que os documentos satisfaçam a condição de ser necessários, o tribunal pode (e deve) requisitá-lo, não sendo este poder discricionário.

São, porém, impertinentes os documentos relativos a factos estranhos à matéria da causa, a factos cuja prova seja irrelevante para a sorte da ação; e são desnecessários os documentos relativos a factos da causa, mas que não importa apurar para o julgamento da acção (26). Nas palavras de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa (27), de «um modo abrangente, pode afirmar-se que um meio de prova será pertinente desde que se pretenda provar com o mesmo um facto relevante para a resolução do litígio, seja de um modo direto, por se tratar de um factos constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo, seja de um modo indireto, por se tratar de um facto que permite acionar ou impugnar presunções das quais se extraem factos essenciais (…)», acrescentando os citados autores que são «desnecessários os documentos que, atento o estado da causa, sejam insuscetíveis de acrescentar um elemento probatório que se repercuta no desfecho da lide, ou por dizerem respeito a factos que já se mostram devidamente comprovados, ou quando respeitarem a factos que não constam do elenco a apurar na causa, ou ainda por já constar no processo documento de igual ou superior relevo».

A questão colocada terá, assim, de ser equacionada em termos de tais documentos serem, ou não, pertinentes e necessários com vista à demostração dos factos em discussão, seja no sentido de corroborar os factos constitutivos dos direitos que os AA. pretendem ver reconhecidos, seja a matéria fáctica com virtualidade impeditiva, modificativa ou extintiva daquele direito invocado pelos autores, seja ainda para infirmar qualquer uma dessas duas versões apresentadas na lide.

Deste modo, e contrariamente ao afirmado pelos recorrentes, não se vê como tais documentos possam servir como “prova do vertido na referida escritura de compra e venda”, nomeadamente quando da referida escritura não consta que o declarado pagamento tenha sido feito por transferência bancária, além de que, quando interpelados para tal, os RR. sempre afirmaram que os pagamentos foram efectuados em numerário, e não por outra via.

Também o apenas agora invocado (em sede de apelação) do registo do recebimento (ou do levantamento) dos montantes amealhados pelo recorrido M. G., tendo como proveniência o seu trabalho (seja por contra de outrem ou por conta própria), exorbita do que foi peticionado e irreleva ao apuramento dos factos em discussão.

Com o devido respeito, quer-nos parecer que os AA. confundem indevidamente a falta de sustentabilidade ou credibilidade alegatória dos RR. com a necessidade da junção dos documentos por si reclamados

A apreciação e valoração daquelas alegações fácticas, designadamente aferir se as mesmas são falsas, ilógicas e contrárias – por não ser verosímil que o pagamento de quantias tão avultadas (€ 100.000,00 quanto ao imóvel e € 22.000.00 relativamente ao veículo automóvel) seja feito em numerário e não deixe um rastro documental e bancário –, será uma questão que competirá à Mmª Julgadora da 1ª instância fazer no momento processual próprio, aquando da elaboração da sentença, ao proceder à valoração e análise crítica dos meios de prova produzidos, apresentando-se como descabidas e prematuras tais considerações tecidas nesta fase instrutória.

Assim, não obstante terem sido atempadamente requeridos, o posicionamento processual das partes na ação tornou a junção de tais documentos impertinente e inócua, em virtude de os mesmos não serem idóneos, nem indispensáveis, à demonstração (ou infirmação) dos factos alegados, não sendo aptos a aferir a verdade material, nem tendo pertinência para o mérito da ação.

O deferimento de tal pretensão legitimaria a introdução no processo de documentação que, tendo natureza reservada respeitante aos RR., de nada importa ao mérito da causa, além de que a facticidade que com aquela se pretendia provar (pagamentos mediante transferência bancária feitos pelos 3º e 4º RR.) não consta ter sido referida por nenhuma testemunha em audiência de julgamento (cujo depoimento testemunhal, de resto, ainda nem sequer se iniciou, pelo que tão pouco pode dizer-se que a indagação desse facto resultou da instrução da causa).

E mesmo que – por referência ao propósito que preside à pretensão dos recorrentes/AA. – se perspetive a junção de tais documentos com vista a infirmar a alegação dos pagamentos declarados nos negócios impugnados, identicamente se mostra desnecessária tal junção, visto os RR. terem já admitido que os pagamentos não foram processados mediante transferencial bancária.

Rejeita-se, por isso, que no circunstancialismo concreto a junção de tais documentos seja essencial ou imprescindível para a boa decisão da causa.

Considerando, pois, o modo como os AA. configuraram a causa de pedir, bem como a defesa deduzida pelos RR., é manifesto que a junção/requisição daqueles documentos não reveste qualquer interesse para a instrução do processo.

Por outro lado, diversamente do referido pelos AA., tendo sido diretamente interpelados para tal pela Mmª Juíza ao abrigo disposto nos arts. 7º, n.º 2, e 417º, n.º 1, do CPC, os RR. esclareceram terem procedido ao pagamento em numerário dos emolumentos notariais, IMT e imposto de selo, pelo que só em face dessa resposta foi julgada desnecessária a junção de outros elementos [a notificação do réu M. G. para que junte os comprovativos do efetivo pagamento dos valores referidos em IV. (cheque, MB, transferência ..)].

Em suma, a nosso ver, revestiria natureza meramente dilatória a junção dos documentos requeridos pelos recorrentes, não se sufragando a argumentação de que a prova requerida é a única capaz de comprovar fundamentadamente os factos apresentados pelos recorrentes aquando da instauração da ação comum à margem identificada, nomeadamente, para prova da divergência entre a vontade real e a vontade declarada pelos recorridos, do intuito de enganar ou iludir terceiros e, em síntese, do acordo simulatório entre os mesmos.

Considerando, pois, que o despacho impugnado não indeferiu diligência probatória imprescindível a apurar a realidade material e a justa composição do litígio, é de concluir que o mesmo não viola os princípios do dever de gestão processual, da cooperação, do dever de boa-fé processual e do inquisitório, nem o direito à prova.

Por se tratar da requisição ou solicitação de elementos desnecessários ou mesmo impertinentes, que apenas serviria para perturbar ou protelar o normal desenvolvimento da lide, o indeferimento do requerimento encontra-se, assim, perfeitamente justificado.

Por último, perspetivado o direito à prova como um “direito à prova relevante”, que pode ser alvo de certos limites ou restrições, designadamente sempre que o seu objeto não seja pertinente, forçoso será concluir pela não violação do princípio do inquisitório, bem como do direito de ação consagrado no art. 20.º da CRP.
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A decisão recorrida merece, assim, plena confirmação, improcedendo as conclusões dos apelantes.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I - Nos casos em que venha invocada a outorga de contratos simulados, uma vez que é necessário apurar a intenção dos contraentes ao outorgarem os negócios impugnados, e não havendo, por regra, prova directa da simulação, a prova terá de ser feita, quase sempre, por meio de indícios ou presunções judiciais.
II - Cabendo às partes o ónus de invocar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas de acordo com o princípio do dipositivo estabelecido no art. 5º, n.º 1 do CPC, já o princípio do inquisitório impõe ao juiz, quanto àqueles factos de que lhe é lícito conhecer, o poder/dever de realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio (art. 411º do CPC).
III - O poder-dever de requisição, conferido/imposto ao Tribunal pelos arts. 411º, 417º, n.º 1 e 436º do CPC, pressupõe que os documentos ou elementos requisitados sejam (objetivamente) necessários ao esclarecimento da verdade.
IV- Se os factos que a parte requerente pretende ver provados com a requisição de documentos não se encontram incluídos nos temas de prova, nem em condições de nos mesmos poderem ser inseridos ou de qualquer modo não mostrarem interesse para a instrução do processo, o requerimento, por ter por objeto uma junção desnecessária ou mesmo impertinente, deve ser indeferido.
V- Invocando os autores a simulação dos negócios impugnados por a sua realização não ter envolvido o pagamento de qualquer contrapartida monetária, seja o preço declarado, seja qualquer outro valor, mas contrapondo os RR. que os respetivos pagamentos foram feitos em numerário, e não por transferência bancária, carece de utilidade ordenar a junção dos extractos bancários dos alegados compradores por tal não revestir interesse para a instrução do processo.
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V. DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
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Custas da apelação a cargo dos apelantes.
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Guimarães, 14 de fevereiro de 2019

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)


1. Cfr., entre vários, os Acs. do STJ de 9/05/2002 (relator Araújo de Barros), de 14.02.2008 (relator Oliveira Rocha) e de 22.02.2011 (relator Fonseca Ramos), Ac. da RL de 8/07/2010 (relatora Carla Mendes) e Ac. da RC de 15.11.2016 (relator Fonte Ramos), todos disponíveis in www.dgsi.pt.; Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 2ª ed., 2013, Almedina, p. 232.
2. Cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Almedina, 1987, p. 171 e Carlos Alberto da Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., Coimbra Editora, 1986, pp. 472/473.
3. Cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, obra citada, p. 212 e Carlos Alberto da Mota Pinto, obra citada, p. 487.
4. Cfr. Ac. da RP de 13/01/2015 (relator Fernando Samões) e Ac. do STJ de 22.02.2011 (relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt.; na doutrina, para uma abordagem exaustiva sobre o tema, Luís Filipe Pires de Sousa, obra citada, pp. 231 a 243.
5. Cfr., Manuel A. Domingues de Andrade, obra citada, p. 213.
6. Cfr. Sara Rodrigues Campos, (In)admissibilidade de Provas Ilícitas (Dissemelhança na Produção de Prova no Direito Processual?), Almedina, p. 29.
7. Cfr., Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª ed. revista, Coimbra Editora, p. 415, Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, 1993, p. 379 e Ac. do TC n.º 86/88, de 13/04/1988 (relator Messias Bento), in www.dgsi.pt.
8. Cfr., Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lisboa, 1995, p. 228 e ss..
9. Cfr. Acórdão do TC n.º 209/95, proc. n.º 133/93, 1.ª secção, DR, II Série, n.º 295, de 23.12.1995, p. 15380.
10. Cfr. Ac. da RC de 21/04/2015 (relatora Maria João Areias), in www.dgsi.pt..
11. Cfr. Ac. da RL de 30/06/2011 (relatora Isabel Tapadinhas), in www.dgsi.pt..
12. Cfr. Ac. da RC de 21/04/2015 (relatora Maria João Areias), in www.dgsi.pt..
13. Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª ed. – reimpressão -, Coimbra Editora, 1985, p. 239.
14. Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, p. 482.
15. Cfr. Lebre de Freitas, in A Acção Declarativa à luz do Código de Processo Civil de 2013, 4.ª ed., Gestlegal, pp. 240/241.
16. Cfr., António Júlio Cunha, Direito Processual Civil Declarativo, 2ª ed., Quid Juris, p. 69.
17. Cfr. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., Almedina, 2017, p. 370.
18. Cfr. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa (…), p. 242. Esse princípio deixa, porém, de valer quando se dá a inversão do ónus da prova (arts. 344º e 345º, n.º 1, ambos do CC).
19. Cfr. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa (…), p. 246/247 e Lebre de Freitas, Introdução Ao Processo Civil. Conceito E Princípios Gerais À Luz Do Novo Código, 4ª ed., Gestlegal, Coimbra, 2017, p. 180 (nota 60). Como refere o citado autor, este ónus da prova dos factos (ou melhor dizendo de iniciativa da prova), diverge, porém, do ónus de alegação, por, no campo da prova, o Tribunal ter poderes de iniciativa que estão vedados no campo da alegação.
20. Cfr. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa (…), p. 246 e Lebre de Freitas, Introdução (…), p. 180 (nota 60), Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, 1993, p. 199, Paulo Pimenta, obra citada, p. 371 e Ac. da RC de 21/04/2015 (relatora Maria João Areias), in www.dgsi.pt.,
21. Cfr. Ac. do STJ de 22/05/2018 (relator Henrique Araújo), in www.dgsi.pt.
22. Cfr. Introdução ao Processo Civil, Lex, 2000, p. 57.
23. Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, obra citada, p. 237.
24. Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, obra citada, p. 238.
25. Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, obra citada, pp. 221/222, 236/237.
26. Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, reimpressão, Coimbra Editora, 1987, p. 58.
27. Cfr. obra citada, pp. 511/512.