Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
110141/17.3YIPRT.G1
Relator: FERNANDA PROENÇA FERNANDES
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS EMERGENTES DE CONTRATO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
ADMISSIBILIDADE DA RECONVENÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2018
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

I. No âmbito de uma acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) deve ser dada a possibilidade ao réu de, invocar a compensação de créditos por via de reconvenção, bem como, através desta, tentar obter o pagamento do valor em que o seu crédito excede o da autora.

II. Para tal, deve o juiz fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual de forma a ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório.

Na acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que corre termos no Juízo Local Cível de Vila Nova de Famalicão, J3, da Comarca de Braga, sob n.º 110141/17.3YIPRT, em que é autora EE – …., Unipessoal, Lda e réu L. O., foi por aquela pedido que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 8.649,60 €, acrescido de juros de mora, sendo 460,20 € relativos aos vencidos até à data de interposição da acção, bem como 40 € a título de “custos de cobrança de dívida”.

Alegou, para tanto, em síntese, que celebrou com o réu contrato pelo qual lhe prestou serviços de construção civil e de reconstrução de edifícios, sendo que este não procedeu ao pagamento da totalidade do preço acordado.

Contestou o réu, não impugnando a matéria alegada pela autora.

Invocou, no entanto, a compensação, declarando ser credor da autora da quantia de 11.672,30 €, com fundamento em cláusula penal prevista para o atraso verificado na obra e nos danos provocados pelos trabalhadores da autora nas fracções de alguns condóminos, quantia esta que o réu terá suportado.

Pediu, assim, a sua absolvição do pedido e a condenação da autora a pagar-lhe o remanescente da quantia compensada, no valor de 3.022,70 €.

Notificada a autora, com cópia da oposição, para se pronunciar quanto à matéria fáctica integrante da excepção de compensação deduzida, bem como quanto à possibilidade de conhecimento de tal questão nos presentes autos, veio esta pugnar pela inadmissibilidade da compensação operar no âmbito da presente acção, e ainda impugnar a existência do crédito invocado pelo réu.

Por decisão datada de 05 de Maio de 2018, foi julgada liminarmente improcedente a invocada compensação, e proferida de imediato sentença, com o seguinte dispositivo:

III. Decisão

Pelo exposto, julgo a presente acção procedente e, em consequência, condeno o R. a pagar à A.:

- a quantia de 8 649,60 € (oito mil, seiscentos e quarente e nove euros e sessenta cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal comercial desde 15-3-2017 até integral pagamento; e
- a quantia de 40 € (quarenta euros), acrescida de juros de mora à taxa legal comercial desde a citação até integral pagamento.
As custas ficam a cargo de A. e R. na proporção dos decaimentos (art. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC).
Fixo à presente acção o valor de 9 149,80 € (art. 297º, nºs. 1 e 2, do CPC).
Registe e notifique”.
*
Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o réu, o qual, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões:

“C o n c l u s õ e s

1- O Tribunal a quo considerou na sentença impugnada que o Réu (ora Recorrente) não impugnou a matéria alegada pela Autora (ora Recorrida), salvou o devido respeito, fez incorreta interpretação do articulado contestação deduzido pelo ora Recorrente.
2- Bastava o Tribunal a quo, primeiro ter atentado na matéria alegada pela ora Recorrida no Procedimento de Injunção e, de seguida, confrontá-la com a matéria alegada pelo ora Recorrente nos pontos 1 a 45 do articulado contestação (por brevitatis causa dão-se aqui aqueles factos por reproduzidos), para concluir certeiramente, que o ora Recorrente deduziu oposição expondo as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão da Autora (ora Recorrida), e que conduziam à absolvição total do pedido.
3- Ademais, considerando a defesa do Réu (ora Recorrente) no seu conjunto, é incontornável ter de se concluir que os factos alegados pela Autora (ora Recorrida) foram impugnados.
4- Assim, o réu (ora recorrente) tomou posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pela autora (ora recorrida), rebatendo-os e juntando elementos de prova, conducentes à improcedência do pedido formulado pela Autora (ora Recorrida).
5- O Tribunal a quo ao dar como não impugnada a matéria alegada pela Autora (ora Recorrida) nem sequer teve presente a matéria de facto alegada pelo ora Recorrente e as provas por ele carreadas para os autos, pelo que, a sua decisão é claramente nula (artº 615º nº1 alíneas b), c) e d), do CPC), ou caso V. Exªs assim não entendam, o que não se concede, sempre se estaria perante um erro de julgamento que conduzirá inevitavelmente à revogação da decisão em crise (neste sentido, com a devida vénia, transcreve-se a seguinte passagem do lapidar Ac. do STJ de 19-01-2017:

“A decisão judicial, enquanto prestação do dever de julgar, deve conter-se dentro do perímetro objetivo e subjetivo da pretensão deduzida pelo autor, em função do qual se afere também o exercício do contraditório por parte do réu, não sendo lícito ao tribunal desviar-se desse âmbito ou desvirtuá-lo”.
6- O Réu (ora Recorrente), por carta registada com aviso de receção, efetuou a declaração extrajudicial de compensação de dívida à Autora (ora Recorrida) – [cfr. docº nº 1, 2 e 3 adjuntos com o articulado contestação], invocando, por isso, como facto anterior à instauração da injunção a predita comunicação para compensação legal de dívida.
7- Em momento algum o Réu (ora Recorrente) invocou a compensação judicial nem pretendeu obter o reconhecimento do contracrédito compensado, mas apenas excecionou peremtóriamente que a dívida reclamada pela Autora (ora Recorrida) se encontrava extinta por compensação legal.
8- A compensação legal reveste a configuração de um direito potestativo que se faz operar por meio de negócio unilateral, sendo esta declaração primordial, porquanto prescreve o n.º 1 do art. 848° do Código Civil, “a compensação torna-se efetiva, mediante declaração de uma das partes à outra”.
9- Acresce, que o artº 854º do CCivil, por sua vez, prescreve que “feita a declaração de compensação, os créditos consideram-se extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis”.
10 - Sobre esta temática dá-mos aqui por reproduzido tudo quanto se deixou dito no ponto “XI” inserido no corpo das alegações em apreço.
11- Assim, a compensação legal operada tornou-se efetiva por efeito da declaração receptícia, ficando o Réu (ora Recorrente) liberado da sua obrigação por meio da compensação com a obrigação da Autora (ora Recorrida) - artº 847º e 848º, ambos do C. Civil -, subsistindo ainda um crédito a favor do Réu (ora Recorrente) no montante de 3.022,70€.
12- O ora Recorrente descreveu minuciosamente, no corpo das presentes alegações “pontos XIII a XLIII” toda a factualidade em que se consubstanciou o exercício do direito de compensação legal, pelo que, por brevitatis causa dá aqui por reproduzida toda essa factualidade.
13- Salienta-se que as duas dívidas não são de igual montante e, por isso, a compensação deu-se na parte correspondente.
14- Efetivamente, a compensação legal operada pelo Réu (ora Recorrente), configurou um direito de crédito, decorrente de uma obrigação civil, vencida, incumprida e ainda não extinta e, por isso, era exigível.
15- Maxime, a dívida por compensação podia ser oposta à Autora (ora Recorrida), por se verificarem os requisitos para tal, i.e., existiam dois créditos recíprocos; o crédito do Réu (ora Recorrente) era (fortemente) exigível; as prestações eram fungíveis e homogéneas; a compensação não estava excluída por lei; e o Réu (ora Recorrente) declarou a vontade de compensar.
16- No caso vertente, aqueles requisitos verificam-se in totum tanto mais que o crédito invocado pelo ora Recorrente resulta de convenção negocial (contrato de empreitada celebrado entre a ora Recorrida e o ora Recorrente).
17 - O Tribunal a quo, neste segmento da decisão, interpretou erradamente a pretensão do ora Recorrente, uma vez que considerou que ele pretendia deduzir Exceção de Compensação Judicial.
18- De tal forma que até ordenou a notificação da ora Recorrida, para responder à exceção de compensação e pronunciar-se quanto à sua admissão nos presentes autos, i.e., cumpriu o disposto no artº 547º do CPC (princípio da adequação).
19- Veritas, o Réu (ora Recorrente) não deduziu aquela exceção, invocou, isso sim, a extinção da dívida por ter operado extrajudicialmente a compensação legal.
20 - O Tribunal a quo, salvo o devido respeito (que é muito), tomou a “Nuvem por Juno” e extraiu consequências factuais e Jurídicas erradas sobre a contestação do ora Recorrente.
21 - A Autora ora Recorrida não se opôs à compensação legal operada pelo ora Recorrente, aceitando-a pura e simplesmente.
22- Não obstante, a Jurisprudência mais abundante dos Tribunais Superiores, tem defendido que a compensação invocada nas ADECOPEC (D.L. 269/98 de 1 de Setembro) pode ser apreciada como meio de defesa, podendo o Tribunal tomar em consideração a extinção do crédito por via de compensação (por todos, Acórdão da RL de 21/10/2010, relatado pelo Exma. Juíza Desembargadora, Teresa Prazeres Pais).
23 – De facto, o Tribunal a quo incorreu em claro erro de interpretação e cometeu ainda omissão de pronúncia, pois não apreciou a matéria de facto, as provas documentalmente carreadas para os autos, e a matéria de direito alegada pelo ora Recorrente, formulando sem fundamentos suficientes uma decisão de mérito, violando expressamente o artº 615º, alíneas b) e d) do CPC.
24 – Seguindo aquela linha interpretativa o Tribunal Recorrido concluiu que a compensação legal operada pelo ora Recorrente carecia de ser reconhecida na presente ação, apesar de a Autora (ora Recorrida) não se ter oposto à declaração compensatória (extrajudicial) operada pelo ora Recorrente através da missiva (docº nº 1 adjunto com a contestação).
25 – E, nesse contexto, entendeu e decidiu na douta sentença Recorrida, que a compensação operada pelo Réu (ora Recorrente) só podia ser efetuada através de reconvenção.
26 - O Tribunal a quo tendo permitido que a discussão se alargasse à matéria da compensação devia ter apreciado a compensação como meio de defesa, no sentido de poder tomar em consideração a extinção do crédito (Neste sentido se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 4/12/2012, Relator Exmº Sr. Desembargador, Orlando Nascimento).
27 – Aliás, exigia-se do Tribunal a quo, uma interpretação sistemática dentro do nosso regime jurídico, convocando o normativo prescrito na al. h) do artº 729º do CPC que permite expressamente a possibilidade de o executado invocar crédito de que seja titular sobre o exequente, de forma a que, reconhecido tal crédito, se opera a compensação, face ao crédito exequendo.
28 - Não se trata de uma reconvenção, figura excluída dos embargos de executado, mas de um pedido de reconhecimento de crédito, visando a compensação por via de embargos de executado (oposição à execução).
29- Mutatis Mutandis, seria de aplicar em relação ao caso vertente.
30 – Assim, tendo o Tribunal a quo autorizado às partes a discussão da compensação (artº 37º nº2 do CPC) não podia depois decidir que a compensação devia ser deduzida através de reconvenção, sob pena dos fundamentos então invocados estarem em oposição com a decisão, ou porque não admitir-se que a decisão passou a conter ambiguidades e obscuridades que a tornam ininteligível (artº 615 alínea c) do artº 615º do CPC).
31 – Contudo, como já se sublinhou, o ora Recorrente não invocou no articulado contestação a compensação judicial, mas sim a compensação legal e, assim sendo (como efectivamente é) não estava ali a obter a compensação, esta foi consumada muito antes de a Autora (ora Recorrida) ter intentado o procedimento de Injunção, mas apenas a excecionar perentoriamente que a dívida se encontrava extinta por ação do instituto da compensação legal.
32 - É dado adquirido e consensualizado o de que incumbe ao tribunal proceder à qualificação jurídica que julgue adequada, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do CPC, mas dentro da fronteira da factualidade alegada e nos limites do efeito prático-jurídico pretendido.
33- Mas, o ora Recorrente não pode deixar de asseverar que a Autora (ora Recorrida) não logrou provar os factos que consubstanciam a causa de pedir invocada, resultando antes da sua contestação uma relação jurídica diversa, com um efeito prático-jurídico distinto do peticionado.
34- Nesta senda, não restava senão ao Tribunal Recorrido marcar audiência de Julgamento ou julgar a ação improcedente face às provas concludentes apresentadas pelo Réu (ora Recorrente).
35 – Aliás, salvo melhor opinião, o Tribunal a quo deveria apreciar conjuntamente as pretensões das partes, pois tal era indispensável para uma justa composição do litígio (nº2 do artº 37º do CPC) e não determinar que o Réu (ora recorrente) intenta-se ação autónoma com base nos factos por si alegados, para assim ver reconhecidos os direitos que invoca.
36 – Tal decisão não respeita o princípio da economia processual e contribui para o aumento da litigiosidade, o que vai contra ao que constituiu a trave mestra do Novo Código Processo Civil (neste sentido, permitimo-nos chamar à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 122/2002 (publicado do Diário da República, 2ª série, de 29-05-2002, transcrito no que consideramos fundamental no corpo das presentes alegações (ponto LXXII).
37- O ora Recorrente pediu ainda, ao arrimo da jurisprudência citada ao longo do corpo das presentes alegações, a condenação da Autora (ora Recorrida), por via da factualidade invocada nos pontos 1 a 47 do articulado contestação (que aqui se dão por reproduzidos, por brevitatis causa), a pagar-lhe a quantia de 3.022,70€, acrescida de juros legais, desde a contestação até efetivo e integral pagamento, factos que no entender do Recorrente o Tribunal a quo devia ter julgado procedentes.

Termos em que, concedendo provimento ao recurso e revogando a douta sentença impugnada, farão Vossas Excelências Senhores Juízes Desembargadores a habitual justiça!”
*
A autora contra-alegou, terminando com as seguintes conclusões:

Conclusões

1. A Recorrida não concorda com o entendimento do Recorrente de que o Tribunal a quo não andou bem porquanto fez incorrecta interpretação do articulado “contestação” deduzido pelo Recorrente, pelo que a decisão do Tribunal a quo não merece qualquer reparo.
2. Ao contrário do alegado pelo Recorrente em sede de Alegações, a verdade é que a sua oposição assentou apenas na compensação do seu alegado crédito no crédito da A./Recorrida.
3. Quanto aos trabalhos de construção prestados pela a A., embora o Recorrente tenha alegado que no momento em que foi apresentada a factura (31 de Março de 2017) em causa nos presentes autos alegadamente existissem defeitos ou trabalhos em falta, a verdade é que reconhece que os mesmos foram concluídos — apesar de referir que tal apenas sucedeu em 03 de Agosto de 2017, o que não se aceita.
4. Ou seja, o Recorrente confessou que os serviços foram prestados e que, pelo menos em 03 de Agosto de 2017, aceitou a obra. Ora, tendo sido prestados os serviços e aceite a obra, é devido o pagamento do preço. Para obstar ao pagamento, o Recorrente alegou ser titular de um contra crédito decorrente do alegado atraso da obra e de supostas indeminizações que teve de pagar a condóminos por danos causados durante a obra.
5. Sucede que, como refere a sentença — e bem — a invocação da compensação apenas pode operar em sede de reconvenção, que não é admissível na forma de processo em causa nos autos, e o alegado crédito com que o R. pretendia efectuar a compensação não existe, não foi reconhecido e não se encontra judicialmente declarado.
6. Por este motivo, andou bem o Tribunal ao julgar liminarmente improcedente a compensação invocada pelo Recorrente e ao julgar a acção improcedente, condenando o Réu, ora recorrente.

Termos em que requer a V. Exas que não se dê provimento ao presente recurso, por ser totalmente infundado, e se mantenha a decisão do Tribunal a quo e, assim, se faça a costumada Justiça!!”
*
O recurso foi admitido por despacho de 24 de Setembro de 2018 como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são, por ordem de precedência lógica:

1. saber se no caso dos presentes autos é admissível invocar a compensação de créditos por via de reconvenção ou de dedução de excepção peremptória.
2. em caso de resposta negativa à questão anterior, saber se se verificam as nulidades do art. 615º nº 1 als. b), c) e d) do CPC na decisão recorrida.
3. em caso de resposta negativa às questões anteriores, verificar se o processo estava apto a que fosse proferida sentença.
*
III. Fundamentação de facto.

Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes:

1. A requerente dedica-se à construção civil e à reabilitação de edifícios.
2. No âmbito da sua actividade, por contrato entre ambos celebrado, a autora prestou ao réu, que os solicitou, os trabalhos de construção civil e de reabilitação descritos no documento de fls. 11-verso e segs. e efectuados no edifício sito na Av. …, VN de Famalicão.
3. Acordaram autora e réu que, pela realização dos referidos trabalhos, este pagaria àquela a quantia global de 21.624 €, sendo que 8.649,60 €, correspondentes a 40% do preço global acordado, seriam pagos após a conclusão dos trabalhos.
4. Autora e réu acordaram que tal quantia seria paga no dia em que a factura nº 2017/13 foi emitida, ou seja, no dia 15-3-2017.
*
IV. Fundamentação de direito.

1. Delimitadas que estão, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é o momento de apreciar cada uma delas.

1.1. saber se no caso dos presentes autos é admissível invocar a compensação de créditos por via de reconvenção ou de dedução de excepção peremptória.
Sobre esta matéria, não se desconhece a existência de duas posições antagónicas na nossa jurisprudência.

De facto, uns entendem que não é admissível invocar a compensação de créditos por via de reconvenção ou dedução de excepção peremptória neste tipo de acções especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (entre outros, Acs. da Relação de Guimarães de 22.6.2017, da Relação do Porto de 12.5.2015 e de 30.5.2017, da Relação de Coimbra de 7.6.2016, e da Relação de Évora de 9.2.2017) enquanto outros, entendem tal ser possível (entre outros Acs. da Relação do Porto de 24.1.2018 e de 13/06/2018, da Relação de Coimbra de 16.1.2018, da Relação de Lisboa de 09/10/2018, e do Supremo Tribunal de Justiça de 6.6.2017).

A decisão sob recurso seguiu o primeiro desses sentidos, que se tem mostrado maioritário.

No essencial, o que se entende na posição defendida por esses acórdãos, e que foi seguida na decisão recorrida, é que, face à redacção do art. 266º, nº 2, al. c) do actual CPC, é de concluir que a intenção do legislador foi estabelecer que a compensação de créditos terá sempre de ser operada por via da reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, pelo que no âmbito do processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98, no qual não é admissível reconvenção (por apenas admitir 2 articulados), não é possível operar a compensação de créditos.

Contudo, salvo todo o devido respeito, propendemos a defender a tese contrária.

A este propósito, por ser pertinente e por se aderir à solução aí consagrada, segue-se de perto – transcrevendo-se parcialmente, com meras adaptações de redacção para o caso em análise - o decidido no douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/06/2018, disponível em www.dgsi.pt, (cujo relator havia proferido o acórdão da mesma Relação de 12/05/2015, em sentido contrário, alterando aqui a sua posição).

O art. 266º, nº 2, al. c) do actual Cód. do Proc. Civil estatui que a «a reconvenção é admissível (…) quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.»

Na lei anterior – art. 274º, nº 2, al. b) do Cód. do Proc. Civil de 1961 – admitia-se a reconvenção quando o réu se propõe obter a compensação. No entanto, a jurisprudência e grande parte da doutrina entendiam que a compensação poderia ser invocada por via de excepção peremptória, até ao valor do crédito invocado pelo autor.

Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (in “Primeiras Notas ao Novo Código do Processo Civil” – Vol. I, 2ª ed., 2014, pág. 259), confrontando os dois regimes processuais, escrevem:

“Poder-se-ia dizer que a norma contida nesta alínea [o art. 266º, nº 2, al. c)] não encerra a questão. Por um lado, o artigo só dispõe sobre os casos em que a reconvenção é admissível. Não versa sobre a possibilidade, ou não, de utilização de diferente meio processual para obter idêntico efeito – no caso, meramente extintivo do crédito do autor (art. 576º, nº 3).

Por outro lado, a letra da lei consente uma interpretação de acordo com a qual a reconvenção aqui prevista apenas visa o reconhecimento de crédito de valor superior ao invocado pelo autor. Reza a norma: “pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”; e não: pagamento do valor em que o crédito invocado exceda (!) o do autor. Nos créditos de valor igual ou inferior, continuaria aberta a possibilidade de invocação da compensação por via de exceção.”

Neste sentido se pronuncia Lebre de Freitas (in “A Acção Declarativa Comum – À luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3ª ed., págs. 130/132) que escreve: “Pessoalmente, estou em crer que, pese embora a intenção do legislador de 2013, a melhor interpretação a fazer do regime do CPC de 2013 é a de que com ele nada mudou, permanecendo a reconvenção fundada em compensação meramente facultativa.”

Já Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (ob. e loc. citado) sustentam posição oposta, afirmando o seguinte:

“(…) devemos concluir que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido. Na falta de outra explicação para a intervenção legislativa, seria a querela acima referida a emprestar-lhe um contexto, o que obrigaria a concluir que o legislador pretendeu nela tomar posição, pondo fim a uma corrente jurisprudencial praticamente pacífica.

Mas outra explicação existe, mais forte e mais imediata. A obtenção da compensação, quando pressuponha o reconhecimento de um crédito, tem, efectivamente, a natureza de uma demanda judicial, implicando a invocação de uma causa de pedir e de um pedido. Perante a sua invocação, a contraparte deve dispor de meios processuais idóneos a contestar o crédito, invocando as exceções de direito substantivo pertinentes (art. 847º, nº 1, do CC). Ora, a atual estrutura da forma única de processo comum de declaração só admite a réplica nos casos de reconvenção (art. 584º) – bem como nas ações de simples apreciação negativa. Considerando que o momento previsto no art. 3º, nº 4, não é idóneo a proporcionar satisfatoriamente a defesa do autor a uma pretensão desta natureza, bem se compreende que se exija que o reconhecimento de um crédito, com vista à sua compensação, tenha de ser pedido em via de reconvenção, assim se abrindo as portas à resposta do reconvindo na réplica.

Esta solução tem a vantagem de sujeitar a pretensão do réu à estrutura de uma causa – onerando-o com a clara alegação de uma causa de pedir e com a formulação de um pedido certo, ao qual o reconvindo oporá formalmente as exceções que entender -, permitindo um tratamento da questão mais esclarecido.”

Também no mesmo sentido se pronunciam Jorge Augusto Pais de Amaral in “Direito Processual Civil”, 2015, 12ª ed., pág. 247, e Paulo Pimenta in “Processo Civil Declarativo”, 2015, págs. 186/7.

É neste contexto, considerando-se aquela que foi a intenção do legislador com a redacção que conferiu ao art. 266º, nº 2, al. c) do actual Cód. do Proc. Civil, e em consonância com o entendimento doutrinariamente maioritário, que este preceito é interpretado no sentido de que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido, optando-se por tal entendimento tanto no âmbito da acção declarativa comum como no âmbito da acção especial prevista no Dec. Lei nº 269/98, de 1.9.

Nesta segunda situação, com o Dec. Lei nº 62/2013, de 10.5 (que transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16.2.2011, que estabelece medidas contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais), no seu art. 10º, veio referir-se expressamente que a linha separadora entre a aplicabilidade do processo comum e do processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98, de 1.9, em caso de oposição à injunção, é a metade da alçada da Relação (15.000,00€).

Assim, nos casos em que é deduzida oposição à injunção por incumprimento de pagamento em transacções comerciais de valor superior a 15.000,00€ aplica-se a forma de processo comum e nos casos em que esse valor é inferior aos referidos 15.000,00€ segue-se o procedimento constante do anexo ao Dec. Lei nº 269/98.

Sucede que esta forma de processo especial só comporta dois articulados, razão pela qual, no seu âmbito, haja quem conclua não ser admissível resposta à contestação e, consequentemente, reconvenção, entendendo igualmente que, a circunstância de não ser admissível reconvenção não autoriza a que se possa concluir que neste tipo de acções, excepcionalmente e apenas no seu domínio, a compensação de créditos possa ser encarada como excepção peremptória.

No entanto, esta posição, que, ancorada na actual lei processual, veda no processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98 a possibilidade de invocação da compensação de créditos, tem vindo, pelos resultados incómodos a que conduz, a ser objecto de apreciação crítica no plano doutrinal, designadamente por parte de Miguel Teixeira de Sousa.

Escreveu este Professor o seguinte no blogue do IPPC em 26.4.2017 sob o título “AECOPs e compensação”:

“1. Tendo presente que, no actual CPC, a compensação deve ser deduzida por via de reconvenção (cf. art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC), tem vindo a discutir-se a aplicação deste regime às acções declarativas especiais para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (conhecidas vulgarmente através do acrónimo AECOPs e reguladas pelo regime constante do anexo ao DL 269/98, de 1/9).

Aparentemente, não deveria haver nenhuma dúvida sobre a solução a dar ao problema acima enunciado. As AECOPs são um processo especial, pelo que, como qualquer processo especial, são reguladas tanto pelas disposições que lhes são próprias, como pelas disposições gerais e comuns (art. 549.°, n.° 1, CPC). Atendendo a que a admissibilidade da reconvenção se encontra regulada no art. 266.° CPC e considerando que este preceito se inclui nas disposições gerais e comuns do CPC, parece não se suscitar nenhumas dúvidas quanto à sua aplicação às AECOPs.

Contra esta solução poder-se-ia invocar que o regime estabelecido no art. 549.º CPC quanto ao direito subsidiariamente aplicável aos processos especiais não vale para os processos especiais "extravagantes", isto é, para os processos regulados fora do CPC. É claro, no entanto, que não é assim. Em particular quanto às AECOPs, basta atentar em que o regime que consta do regime anexo ao DL 269/98 é insuficiente para as regular, pelo que é indiscutivelmente necessário aplicar, em tudo o que não esteja previsto nesse regime, o que consta do CPC.

Contra aquela solução poder-se-ia também alegar que o regime das AECOPs -- nomeadamente, a sua tramitação simplificada e célere -- não é compatível com a dedução de um pedido reconvencional pelo demandado. Sob um ponto de vista teórico nada haveria a objectar a este argumento, dado que a inseribilidade na tramitação da causa constitui um requisito (procedimental) da reconvenção. A ser assim, haveria que concluir que a reconvenção não é admissível nas AECOPs e que procurar soluções alternativas para a invocação da compensação nessas acções.

Contra este argumento existe, no entanto, um contra-argumento de muito peso. É ele o seguinte: se não se admitir a possibilidade de o réu demandado numa AECOP invocar a compensação ope reconventionis, essa mesma compensação pode vir a ser posteriormente alegada pelo anterior demandado como fundamento da oposição à execução (cf. art. 729.°, al. h), CPC); ora, como é evidente, não tem sentido coarctar as possibilidades de defesa do demandado na AECOP e possibilitar, com isso, a instauração de uma execução que, de outra forma, poderia não ser admissível. A economia de custos na AECOP traduzir-se-ia afinal num desperdício de recursos, ao impor-se que aquilo que poderia ser apreciado numa única acção tivesse de ser decidido em duas acções.

Sendo assim, há que concluir que o demandado numa AECOP pode invocar a compensação por via de reconvenção. Se for necessário, cabe ao juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (cf. art. 6.º e 547.º CPC) para ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional.

2. Uma solução alternativa a esta consistiria em defender que a compensação (que é uma forma de extinção das obrigações) deveria ser invocada por via de excepção. No entanto, contra esta solução pode invocar-se o seguinte:

-- A solução não tem qualquer apoio legal; como se disse, o regime da reconvenção consta das disposições gerais e comuns do CPC, pelo que é aplicável a qualquer processo; uma diferenciação quanto à forma de alegação da compensação seria, por isso, contra legem;

-- A solução comunga de todos os inconvenientes da dedução da compensação por via de excepção; um dos mais significativos é o de que, atendendo a que a decisão sobre as excepções peremptórias não fica abrangida pelo caso julgado material (cf. art. 91.°, n.° 2, CPC), se o contracrédito invocado na AECOP pelo demandado vier a ser reconhecido nessa acção, não é possível invocar a excepção de caso julgado numa acção posterior em que se peça a condenação no pagamento do mesmo contracrédito e, se o contracrédito alegado pelo demandado na AECOP não vier a ser reconhecido nessa acção, ainda assim é possível procurar obter o seu reconhecimento numa acção posterior; qualquer destas soluções é absurda (sendo, aliás, por isso que a reconvenção como forma de alegar a compensação judicial é totalmente correcta, porque é a única que evita as referidas consequências).

3. O que se disse a propósito da dedução da reconvenção para fazer valer a compensação vale para todos os outros casos em que, nos termos do art. 266.º, n.º 2, CPC, a reconvenção seja admissível na AECOP pendente.”

O citado Professor, em várias intervenções no referido blogue do IPPC, questiona se a inadmissibilidade da dedução da compensação em tais casos não constitui um entrave inconstitucional ao direito de defesa pois que a compensação não é admitida nem por via de excepção (que a alínea c) do n.º 2 do art.º 266.º do atual CPC não permite), nem por via de reconvenção.

Por seu turno, Maria Gabriela Cunha Rodrigues escreveu o seguinte (in “A Acção Declarativa Comum”, pág. 54, disponível in repositório.ulusiada.pt):

“(…)
Nas acções em que não é admissível reconvenção, como as acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias, previstas no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, ou nas acções em que seja inadmissível a dedução da compensação quando a apreciação do contracrédito não seja da competência do tribunal judicial (artigo 93.º, n.º 1), a interpretação deste preceito não nos deve conduzir a efeitos tão restritivos.

Na verdade, o chamamento de uma nova relação jurídica a tribunal também acontece na novação (artigo 857.º do CC), cuja natureza de excepção peremptória não é discutida.

E o artigo 395.º do Código Civil integra a compensação e a novação no conceito de factos extintivos da obrigação.

Parece-nos que ao réu não deve ser coarctado este relevantíssimo fundamento de defesa.

É, pois, de concluir que, ainda que se entenda que, deduzida a compensação, o réu tem o ónus de reconvir, o tratamento da compensação não pode deixar de ser o da excepção peremptória nos processos em que não é admissível a reconvenção.”

Em sentido semelhante, o recente Acórdão da Relação de Coimbra de 16.1.2018, disponível in www.dgsi.pt, onde se escreveu o seguinte no sumário: “Em processo onde seja vedada a dedução de reconvenção, ao réu terá de ser facultada a possibilidade de invocar a compensação por via de exceção, sob pena de lhe ser coartado um importante meio de defesa.”

No mesmo sentido, veja-se o acórdão da Relação do Porto, de 23/02/2015, onde, em defesa da solução mais justa, se propugna que nas acções em que não é admissível reconvenção, como as acções especiais para o cumprimento de obrigações pecuniárias, previstas no DL n.º 269/98, de 1.9, não deve ser coarctado ao requerido um relevante meio de defesa, como o é a compensação, devendo nesses casos a compensação ter o tratamento próprio de uma excepção peremptória.

Neste sentido, escreve o Professor Rui Pinto no seu Estudo “A Problemática da Dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013”, publicado no blogue IPPC (páginas 18 e 19):

«3. Em consequência, deve concluir-se que a previsão de reconvenção e de réplica no processo declarativo comum não é transponível ex lege para os processos declarativos especiais. Não se julgue que, por isso, a compensação judicial em processo especial fica afastada. Não: no plano da teoria geral do processo não existe identidade entre exceção de compensação e reconvenção: se aquela tem sempre expressão processual, esta não tem de ser sempre a via reconvencional. (…) O que é importante é que o processo civil realize o direito material, independentemente do modo de expressão procedimental. Por isso, mesmo os processos especiais têm de assegurar ao devedor a possibilidade de opor ao seu credor a compensação, necessariamente fora da reconvenção. Essa possibilidade tem lugar pela contestação por exceção perentória».

A incomodidade que resulta da solução que, com apoio na lei processual, tem sido maioritariamente seguida, foi também reflectida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.6.2017 (proc. n.º 147667/15.5YIPRT.P1.S2, disponível in www.dgsi.pt.), onde se consignou o seguinte no respectivo sumário:

“I - Inexiste motivo de justiça material que justifique o tratamento desigual que se consubstancia em admitir a reconvenção em procedimento de injunção instaurado por comerciante contra um outro comerciante e destinado à cobrança de quantia de valor superior a metade da alçada da Relação, mas em rejeitá-la em procedimento de injunção destinado à obtenção do pagamento de importâncias de valor inferior.
II - Pretendendo a ré exercer o direito à compensação de créditos (e assim deixar de suportar, pelo menos em parte, o risco de insolvência da contraparte), a rejeição da reconvenção perfila-se como um prejuízo não menosprezável para aquela, cabendo, por outro lado, que não esquecer que o legislador civil facilita a invocação daquela forma de extinção das obrigações e que a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da Justiça.
III - A partir do momento em que é deduzida oposição com reconvenção ao procedimento de injunção e este adquire cariz jurisdicional, há que aplicar as regras dos arts. 299.º e seguintes do CPC (que o disposto no n.º 2 do art. 10.º do DL n.º 62/2013 não afastam), cabendo então e caso os pedidos sejam distintos, adicionar o valor do pedido formulado pelo réu ao valor do pedido formulado pelo autor”.

Escreve-se no mesmo acórdão:

“Por outro lado, a solução encontrada pelo Tribunal recorrido gera, efectivamente, uma desigualdade – aliás, o Acórdão recorrido afirma expressamente que “a reconvenção é admissível quando a injunção, por força do valor do pedido, é superior à metade da alçada da Relação, não o sendo na hipótese inversa, que é aquela que aqui acontece” (f. 104). Ou seja, porque um comerciante exigiu o pagamento de €4.265,41, o outro comerciante não poderia opor-lhe no processo em que a injunção se convertesse por haver oposição o seu crédito de €50.000,00, mas se fosse o credor de €50.000,00 o autor da injunção – e entre comerciantes a injunção não está sujeita a limites de valor – o credor de €4.265,41 já poderia invocar a compensação. Ora não se vislumbra qualquer motivo de justiça material para tal desigualdade. Acresce que o legislador civil quis facilitar a compensação, como resulta de no nosso sistema legal a compensação ser possível mesmo com créditos ilíquidos.
A celeridade é sem dúvida importante, mas não deve olvidar-se que a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da justiça. Em suma, não é porque uma decisão judicial é célere que a mesma é justa”.
Tal incomodidade também é expressa no Acórdão da Relação do Porto de 24.1.2018 (proc. 200879/11, disponível in www.dgsi.pt).
Ora, não podemos deixar de ser sensíveis aos argumentos que têm vindo a ser explanados de modo a contrariar a orientação jurisprudencial maioritária que, com arrimo na lei processual, tem vindo a ser seguida e que se reconduz à impossibilidade de invocação da compensação de créditos, tanto por via de reconvenção como por via de excepção peremptória, no âmbito do processo especial previsto no Dec. Lei nº 269/98.
São, acima de tudo, razões de justiça material as que deverão ser convocadas a favor da admissibilidade da reconvenção, como forma de viabilizar a compensação de créditos, mesmo quando o inicial procedimento de injunção se reporta a quantia inferior a metade da alçada do tribunal da relação.

É, com efeito, de questionar que a reconvenção seja de admitir quando o procedimento de injunção tem valor superior a metade da alçada do tribunal da relação, por força da sua transmutação em processo comum, e não o seja quando o seu valor é inferior àquele marco.

Por outro lado, também não faz sentido que se retire ao réu a possibilidade de numa acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) invocar a compensação de créditos por via da dedução de reconvenção, quando essa mesma compensação poderá ser depois por ele invocada como fundamento de oposição à execução, conforme decorre do art. 729º, al. h) do Cód. do Proc. Civil.

Como pertinentemente afirma Miguel Teixeira de Sousa está a permitir-se a instauração de uma execução que, de outra forma, poderia não ser admissível e, deste modo, a economia de custos que se visa como uma AECOP acabaria afinal por converter-se num desperdício de recursos.
É que em vez de uma única acção teremos duas.

Aqui chegados, haverá que considerar que, no caso em apreço, se encontram reunidas as seguintes circunstâncias:

i) encontramo-nos perante uma forma de processo em que ao réu é vedada a dedução de reconvenção;
ii) a vontade de compensar foi já alegadamente declarada extrajudicialmente;
iii) o contra-crédito invocado pelo réu situa-se no âmbito da mesma relação jurídica que foi alegada pela autora, e é superior ao crédito desta.

Com efeito, a autora reclama do réu o pagamento de uma quantia correspondente a diversos serviços de construção civil e de reconstrução de edifícios que lhe prestou, ao passo que o réu sustenta que esses mesmos serviços lhe foram prestados com atraso e com danos provocados pelos trabalhadores da autora, situação que fundamenta a aplicação da cláusula penal prevista.

Pretende assim o réu compensar o valor dos serviços prestados com as penalidades em que autora incorreu, bem como pretende a condenação da autora no pagamento do remanescente.

Invoca o réu (insistentemente) que a sua vontade de compensar já foi declarada extrajudicialmente, razão pela qual, não há fundamento para que a compensação seja deduzida através de reconvenção.
Salvo o devido respeito por opinião em contrário, entendemos que a prévia declaração extrajudicial de compensação de um crédito não permite subtrair o réu ao regime de compensação previsto no art. 266º, nº2, al. c) do CPC, devendo tal pretensão ser formulada por via reconvencional.

Com efeito, como se escreve no Acórdão da Relação do Porto de 08-07-2015, disponível em www.dgsi.pt, “…a mera manifestação de vontade de um dos credores/devedores, no sentido de compensar o seu crédito basta para extinguir a sua obrigação, automaticamente, sem mais?

No nosso ordenamento jurídico a compensação não opera ipso iure, ou seja, automaticamente. Para que os dois créditos se considerem reciprocamente extintos não basta que estejam reunidos os requisitos desta forma de extinção das obrigações, tornando-se ainda necessária a manifestação de vontade de um dos credores-devedores nesse sentido.

No entanto, uma vez efectuada tal declaração, a mesma só produz efeito se o crédito for exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, peremptória ou dilatória, de direito material (artigo 847.º, n.º 1, a) do CC). Ou seja, o crédito invocado pelo réu como fundamento da pretendida compensação não se torna pacífico pelo mero facto de ter sido objecto de declaração extrajudicial de compensação, não podendo ter-se como certo e definitivo que o crédito do autor se encontra definitivamente extinto só pelo facto de o réu invocar e demonstrar a prévia declaração extrajudicial de compensação.

Na situação dos autos, num contexto de conflito entre as partes, ninguém imaginará que o crédito reclamado pela ora recorrente (ré) como fundamento da compensação que pretende ver judicialmente declarada, não seria objecto de impugnação, e, consequentemente, de produção de prova.

Só depois de submetido ao contraditório, caso fosse aceite pela autora sem recurso à alegação de qualquer das exceções materiais previstas no artigo 847.º, n.º 1, a) do CC, é que se poderia considerar pacífico.


Em suma, concluímos que a prévia declaração extrajudicial (unilateral) de compensação do crédito que a ré invoca não altera a conclusão que enunciámos no ponto anterior, integrando-se também esta situação na previsão geral (que não prevê qualquer exceção) do art.º 266.º, n.º 2, c) do CPC e que impõe a via reconvencional como única forma de realização da compensação: sempre que o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.

Concluímos, face ao exposto, que a ré deveria ter formulado o seu pedido de compensação por via reconvencional, apesar da invocação da declaração extrajudicial prévia.”.

O art. 547º do Cód. de Proc. Civil, sob a epígrafe “adequação formal” diz-nos que o juiz deve adoptar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.

Deste modo, em consonância com a argumentação que foi expendida por Miguel Teixeira de Sousa no blogue do IPPC, em 26.4.2017, entendemos que deve ser dada a possibilidade ao réu/recorrente de, no âmbito de uma acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) invocar a compensação de créditos por via de reconvenção, bem como, através desta, tentar obter o pagamento do valor em que o seu crédito excede o da autora, devendo o juiz fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual (art. 6º do Cód. do Proc. Civil) de forma a ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional.

E, aderindo-se a esta tese, perante a invocação da compensação pelo réu, bem como perante o pedido de pagamento do remanescente do seu crédito, entende-se igualmente que se deverá ao abrigo do disposto pelo art. 590º nº 3 do CPC, convidar o réu a reformular a sua pretensão, deduzindo o respectivo pedido reconvencional.
Tal implica pois a procedência do recurso interposto, ficando prejudicadas todas as demais questões suscitadas pelo réu/recorrente – cfr. art. 608º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil.
*
V. Decisão.

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso interposto pelo réu e, em consequência:

a) Revogar o despacho que julgou liminarmente improcedente a invocada compensação, o qual se substitui por outro que convida o réu a vir deduzir pedido reconvencional.
b) Revoga-se também a sentença que foi proferida.
Custas conforme vencimento a final.
*
Guimarães, 17 de Dezembro de 2018

Fernanda Proença Fernandes
Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade (votou vencido)

Declaração de Voto

A acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de valor não superior à alçada da Relação (artºs 1º a 4º do anexo ao Regime dos Procedimentos referido no artº 1º do DL nº 269/98 de 1/9), comporta apenas dois articulados (petição e contestação), com um regime simplificado, semelhante ao processo sumaríssimo.

Em anotação ao artº 1º do Regime Anexo, refere Salvador da Costa que “O modelo em que este normativo se inspira é o da acção declarativa de condenação em processo sumaríssimo, com base na ideia de simplificação que lhe é própria e em que é frequente a não oposição do demandado” - “Injunção e as Conexas Acção e Execução”, Almedina, 5ª ed. p. 41 e 43.

No que respeita às acções com processo especial (de valor não superior a €15.000,00, como ocorre com esta, a jurisprudência em geral tem entendido que não é viável a reconvenção (cfr. inter alia, os seguintes arestos: acórdão da Relação do Porto, de 2.05.2015, processo 143043/14.5YIPRT.P1; acórdão da Relação de Coimbra, de 7.06.2016, processo 139381/13.2YIPRT.C1; e acórdão da Relação de Guimarães, de 22.06.2017, processo 69039/16.0YIPRT.G1.).

No domínio da aplicação do Novo Código de Processo Civil, a compensação deverá ser suscitada e apreciada em sede de reconvenção, não só quando se pretenda obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor, mas também quando o réu pretende o reconhecimento do crédito, para obter a compensação, (cf. art. 266.º, n.º 2, al. c) CPC).

Foi intenção do legislador de 2013 estabelecer que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido.

Por outro lado, a forma da presente acção não admite reconvenção.

A possibilidade de o devedor opor ao seu credor a compensação, fora da reconvenção poderia ter lugar por excepção peremptória. Mas essa solução seria completamente contra legem.
Guimarães, 17 de Dezembro de 2018

Amílcar José Marques Andrade