Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
345/17.0GAPTL.G1
Relator: MÁRIO SILVA
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FACTOS DA CONTESTAÇÃO
INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO MATÉRIA DE FACTO
NULIDADE DA SENTENÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/25/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: ANULADA A SENTENÇA RECORRIDA
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1- O tribunal tem que apreciar e pronunciar-se sobre todos os factos, relevantes para a decisão, constantes da acusação, da contestação ou que resultem da discussão da causa - art. 368º/2/CPP;

2- A expressão "Factos provados: Nenhum" só é admissível quando toda a factualidade (relevante) seja dada como assente;

3- Sendo alegado na contestação que o dano foi causado no exercício da ação direta - causa excludente da ilicitude - e inexistindo qualquer apreciação da invocada atuação do arguido, ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia e por insuficiência para a decisão da matéria de facto"
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1. Em processo comum (singular) com o nº 345/17.0GAPTL, a correr termos no Tribunal Judicial da comarca de Viana do Castelo – Juízo de Competência Genérica de ..., foi proferida sentença a 29/11/2018 e depositada no mesmo dia, com a seguinte decisão (transcrição):

“Pelo exposto, e sem mais considerações, decide-se julgar procedente a douta acusação e o pedido civil, por provados e. em consequência, decido:

a)- como autor material de um crime de dano p. e p. pelo artigo 212° n° l do C. Penal, condenar o arguido T. P. na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de 7,00 € (sete euros), o que dá a multa global de 560,00€ (quinhentos e sessenta euros) ou, subsidiariamente 53 (cinquenta e três) dias de prisão.
b)- Condenar o demandado a pagar ao ofendido a quantia global de € 1.297,04 (mil duzentos e noventa e sete euros e quatro cêntimos) a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais advindos da sua conduta, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da notificação do pedido civil.
Custas criminais pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) U.C., e nos demais mínimos legais, sem prejuízo do apoio judiciário, se for caso disso.
Não são devidas custas civis
Boletins à D.G.S.J.
Deposite. Notifique.“
*
2 – Não se conformando com a decisão, o arguido T. P. interpôs recurso da mesma, oferecendo as seguintes conclusões (transcrição):

1. O tribunal deve indagar e pronunciar-se sobre todos os factos que tenham sido alegados pela acusação, pela contestação ou que resultem da discussão da causa e se mostrem relevantes para a decisão.
2. A expressão: “factos não provados: nenhuns”, não dá cumprimento à norma estatuída no n.º 2 do artigo 374º do CPP se resultaram provados todos os factos constantes da acusação, da contestação e os que resultaram da discussão da causa.
3. O Arguido na sua Contestação alegou expressamente uma causa de exclusão da ilicitude - ação direta -, bem como os seus fundamentos, quer de facto quer de direito - cfr. artigos 27º a 39º da contestação.
4. Também, em sede de audiência de julgamento, esta questão foi diversas vezes levantada, v.g. no depoimento da testemunha B., entre os 3.01min. e os 3.10 min; entre os 4.03min e os 4.51 min.; entre os 5.33 min. e os 6.49 min.; entre os 7.43 min. e os 8.16 min.
5. Esta questão, relacionada com a ação direta, é absolutamente relevante para a decisão, cuja indagação se exige para aferir o preenchimento dos seus pressupostos, ou para aferir algum erro sobre as circunstâncias de facto que lhe subjaz, ou mesmo quanto à sua exclusão.
6. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a mesma, não o fazendo, a Sentença proferida é nula, nos termos e para os efeitos do artigo 379º, n.º1, al. a) e c) do CPP, a qual, consequentemente gera o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevista no artigo 410º, n.º2, al. a) do CPP.
7. Pese embora o Tribunal a quo não se tenha pronunciado sobre a causa de exclusão de ilicitude, abundantemente alegada pelo Arguido, há elementos suficientes nos autos que permitem concluir pelo preenchimento dos seus pressupostos ou, pelo menos, um eventual erro sobre os seus pressupostos (objetivos).
8. Conforme alegado da Contestação, o Arguido e a sua mãe, na manhã de 25 de agosto de 2017, deslocaram-se à Câmara Municipal da ... para denunciar a ilegalidade da obra executada pelo Assistente e consequente embargo administrativo da mesma, nos termos e para os efeitos do artigo 102º - B do RJUE.
9. A referida obra estaria a colocar em risco direitos e interesses do Recorrente e que acreditava serem legítimos.
10. A GNR não promoveu qualquer diligência para acautelar os direitos e interesses do Arguido, ora Recorrente.
11. O Arguido e a sua mãe são titulares de um direito de servidão de vistas.
12. A habitação da mãe do Arguido, no alinhamento da porta tapada com a plataforma de ferro e subsequentemente com o muro aqui em questão, tem outras duas janelas, bem como uma abertura na cave (“loja”) para a entrada de ar e luz.
13. O Assistente pretendia construir um muro, a todo o cumprimento, até porque tinha, já obstruído com pedras a abertura da cave designada por “gateiro”, destinada à entrada de luz e ar, o que fazia crer que a sua intenção era construir um muro que obstrua igualmente as duas janelas da cozinha.
14. Perante estas circunstâncias (não olvidando a displicência da Câmara Municipal e GNR) não seria inócuo, desproporcional ou desadequado o recurso aos próprios meios para salvaguardar um direito legítimo, que impedisse, tão só, a continuação da obra.
15. Pese embora o Tribunal a quo não se tenha pronunciado sobre esta causa de exclusão da ilicitude, perante a prova produzida, a posição daquele Tribunal tende para o entendimento de que o arguido terá representado erradamente os pressupostos objetivos da ação direta.
16. Perante esta circunstância, fica excluído o dolo, nos termos do artigo 16º, n.º2 e 3 do CP.
17. O crime de dano, previsto no artigo 212º, n.º1 do CP, não pune os factos praticados a título de negligência, pelo que deveria ser dado como provado este facto, e consequentemente o Arguido ser absolvido, por esta via, do crime de que vem acusado.
18. Perante a prova produzida, e atendendo às circunstâncias espaciais em que foram praticados os factos, há sérias dúvidas sobre o autor material dos mesmos.
19. O Tribunal a quo não respeitou o princípio da livre apreciação da prova, porquanto não apreciou a prova na sua globalidade.
20. O Tribunal a quo apreciou incorretamente o depoimento da testemunha J. P., atribuindo um sentido ao seu depoimento que não corresponde ao que efetivamente foi verbalizado e declarado.
21. O confronto dos vários elementos probatórios constantes nos autos não permite concluir que foi o Recorrente a praticar os factos.
22. Pese embora a testemunha A. D. diga ter visto o Arguido a perpetrar os factos, o depoimento deste não é corroborado por qualquer outro depoimento.
23. Com a testemunha A. D. encontravam-se o Assistente, o colaborador deste e ainda a testemunha J. P..
24. O Assistente declarou que a testemunha A. D. o informou de que conseguia ver as mãos de alguém a retirar cimento.
25. A testemunha J. P., que se encontrava a laborar na execução do muro aqui em discussão, viu alguém cortar a placa e retirar o betão, no entanto não conseguiu identificar o agente.
26. Assim, em homenagem ao princípio in dúbio pro reo, os factos provados n.º 3 e 4 foram incorretamente julgados, pelo que deveriam ser julgados como não provados e consequentemente o Recorrente deveria ter sido absolvido do crime de dano.
27. Nos termos do artigo 18º, n.º2 da CRP, subordina toda a intervenção penal a um estrito princípio da necessidade, ele obriga a toda a descriminalização possível e proíbe qualquer criminalização dispensável, o que vale por dizer que não impõe, em via de princípio, qualquer criminalização em função exclusiva de um certo bem jurídico e sugere ainda que só razões de prevenção nomeadamente de prevenção geral de integração, podem justificar a aplicação de reacções criminais.
28. Nesta linha de raciocínio e no que concerne ao crime de dano, exige-se, para que o facto atinja o limiar da dignidade penal, e que os factos a censurar tenham inequívoca danosidade social.
29. A perspetiva adotada pelo nosso sistema penal é a de que o direito penal é visto com a função de tutela subsidiária dos bens jurídicos dotados de dignidade penal.
30. Uma vez que o direito penal utiliza, com o arsenal das suas sanções específicas, os meios mais onerosos para os direitos e liberdades das pessoas, ele só pode intervir nos casos em que todos os outros meios da política social, em particular da política jurídica não penal, se revelem insuficientes e inadequados. Quando assim não aconteça, aquela intervenção pode e deve ser acusada de contrariedade ao princípio da proporcionalidade, sob a precisa forma de violação do princípio da proibição do excesso (...) Tal sucederá, p. ex. quando se determine a intervenção penal para proteção de bens jurídicos que podem ser suficientemente tutelados pela intervenção dos meios civis (...), pelas sanções do direito administrativo (...), Como o mesmo sucederá sempre que se demonstre a inadequação das sanções penais para a prevenção de determinados ilícitos.
31. A relevância e dignidade penal afere-se pela utilidade da coisa para o ofendido, aqui Assistente, e que a mesma assuma relevância social.
32. A destruição da placa de ferro, bem como a subsequente retirada de cimento constituem, indubitavelmente, um dano. Contudo, esse facto, atendendo às circunstâncias do caso em apreço, não atinge o limite da dignidade jurídicopenal.
33. A atuação do Assistente é abusiva e provocatória.
34. A porta obstruída com o muro em crise nos presentes autos foi aberta pelos ante proprietários comuns dos prédios pertencentes, hoje, ao Assistente e à mãe do Arguido, tratando-se de um problema decorrente de partilhas judicias conflituosas, o qual se encontra a ser dirimido no âmbito do Processo n.º 507/18.3 T8PTL.
35. O Assistente não pretendia retirar qualquer utilidade com a construção do muro em causa nos presentes autos, cuja função era tão-somente evitar a utilização da porta, por parte da mãe do Arguido. De maneira que, a utilidade/funcionalidade proporcionada pelo muro ao Assistente não merece tutela penal e, por conseguinte, os factos imputados ao Arguido encerram duvidosa “danosidade social”, estando já a ser resolvido com recurso aos meios civis.
36. Assim, com a condenação do Arguido pelo crime de que vem acusado, o Tribunal a quo violou o princípio da subsidiariedade, expressamente previsto no artigo 18º, n.º 2 da CRP.
37. Por fim, absolvendo-se o Arguido pelo crime de que vem acusado, deve, outrossim, ser absolvido da indemnização fixada, em particular dos danos morais sofridos pelo Assistente por não provados.

Nestes termos e nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida substituindo-se por outra que decida de harmonia com as antecedentes conclusões, absolvendo-se o Arguido dos factos de que vem acusado, sendo assim feita uma correta aplicação da lei e a mais elementar JUSTIÇA.”.
*
3 – A Exma. Procuradora-Adjunta na primeira instância respondeu ao recurso de forma circunstanciada, pugnando pela total improcedência do mesmo e pela manutenção da sentença recorrida.
4 – Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto sufragou a posição expressa pela colega da primeira instância, que complementou, concluindo pela manifesta improcedência do recurso.
5 – No âmbito do disposto no art. 417º, nº 2, do CPP, o recorrente apresentou resposta, persistindo nos fundamentos do recurso.
6 – Colhidos os vistos, procedeu-se à realização da conferência, por o recurso aí dever ser julgado - artigo 419º, al. c), do Código de Processo Penal.
* * *
II - Fundamentação

1 - O objeto do recurso define-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação - artº 412º, n1, do Código de Processo Penal e jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ nº 7/95, de 19/10, publicado no DR de 28/12/1995, série I-A -, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as cominadas com a nulidade de sentença, com vícios da decisão e com nulidades não sanadas - artigos 379º e 410º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal (cfr. Acórdãos do STJ de 25/06/98, in BMJ nº 478, pág. 242; de 03/02/99, in BMJ nº 484, pág. 271; Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, vol. III, págs. 320 e ss; Simas Santos/Leal Henriques, “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3ª edição, pág. 48).

2 - Questões invocadas pelo recorrente, em síntese:

- O Tribunal não se pronunciou sobre todos os factos alegados, designadamente sobre a acção direta (o que acarreta a nulidade da sentença e o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto);
- Violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo (os factos provados nºs 3 e 4, deviam ser dados como não provados);
- Violação do princípio da subsidiariedade da lei penal (a funcionalidade e utilidade do bem danificado não tem dignidade penal);
- A absolvição penal determina a absolvição cível.

3 – Fundamentação constante da sentença recorrida (transcrição):

Fundamentação de facto

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos.

1. O ofendido J. M. é proprietário de um terreno sito na Rua ..., que confronta com o terreno da sua irmã- L. M.- mãe do arguido, encontrando-se os terrenos divididos por um muro de vedação antigo, no qual foi colocada, pelo ofendido, uma plataforma em ferro, no valor de 470,00€, com o fito de tapar o acesso até ali existente.
2. No dia 24 de Agosto de 2017, o ofendido iniciou a construção de um muro de vedação em cimento, junto ao muro já ali existente.
3. No dia 25 de Agosto de 2017, inconformado com a referida construção, no período compreendido entre as 12h30 e as 14h00, o arguido, munido de uma rebarbadora cortou a mencionada plataforma em ferro, fazendo-lhe um buraco.
4. Ato contínuo, tendo acesso ao muro em construção e cujo cimento ainda não tinha secado, tirou, sucessivamente, um número não concretamente apurado de pedaços do mesmo, no valor de 58,00€.
5. Ao agir da forma descrita, o arguido bem sabia que danificava a plataforma de ferro e o muro acima descritos, apesar de bem saber que os mesmos não lhe pertenciam e que atuava contra a vontade do seu dono, resultado que alcançou.
6. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de danificar a plataforma em ferro e o muro pertença do ofendido J. M..
7. Agiu o arguido de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta, e, não obstante ter capacidade de determinação de acordo com as prescrições legais, não se coibiu de a levar a cabo.
8. Com este seu comportamento o arguido causou um prejuízo global do montante de € 648, 00 + IVA, num total de € 797, 04 (cfr. documento junto a fls. 37).
9. O demandante sentiu-se vexado e desconsiderado com a atuação do demandado, tanto mais que é seu sobrinho e vizinho.
10. O arguido vive na casa da sua mãe por isso não paga renda de casa.
11. É casado e não tem filhos a seu cargo.
12. Fruto do seu trabalho aufere o salário mensal de 800,00 €.
13. Possui o 9.º ano de escolaridade.
14. Está integrado Socialmente.

Factos não provados

Nenhum

Fundamentação

Para formar a sua convicção relativamente aos factos dados como provados o Tribunal formou a sua convicção coma base nos meios de prova abaixo identificados pelas razões e motivos que se passam a explicar.

Testemunhal.

Análise crítica e motivação dos depoimentos.

O depoimento da testemunha A. D., o empreiteiro a quem foi adjudicada a execução da obra. No dia e hora em que os factos ocorreram estava a trabalhar na obra e neste contexto viu o arguido a furar a plataforma e o cimento. Por se tratar de um de um testemunho presencial este teve de ser valorado no que diz respeito ao dano causado pelo arguido. Este testemunho foi ao encontro do depoimento da testemunha J. P. que trabalhava por conta da testemunha anterior na execução da mesma obra.
Neste contexto e circunstancialismo viu que alguém estava a furar o cimento, ouviu um barulho de uma rebarbadora. Asseverou de que o furo na plataforma e no cimento foi feito com uma rebarbadora, No entanto não viu a pessoa do arguido a executar os furos.
Deste modo sopesando os dois depoimentos, sendo que o depoimento da testemunha A. L. viu o arguido a proceder aos furos e de que a testemunha J. P. ouviu o barrulho da rebarbadora e de que foram feitos furos na plataforma e o cimento, podemos inferir com segurança de que foi o arguido o autor do dano.
Havia motivo para o arguido praticar o ato na medida em que com a construção do muro este tapava uma entrada a pé que dá acesso aos eidos da mãe do arguido e do ofendido ou seja tratava-se de uma comunicação entre ambos os eidos em virtude de os mesmos terem pertencido ao mesmo dono e fruto de um divisão dos prédios ficou a citada abertura. O arguido não gostou deste trabalho, pois prejudicava a vista da habitação da mãe do arguido e do próprio arguido.
As testemunhas arroladas pelo arguido sobre o dano causado demonstraram desconhecimento. No entanto depuseram sobre a realidade física do prédio do ofendido e do prédio da mãe do arguido. Há algum tempo atrás foi colocada a referida plataforma no prédio do ofendido sem que tivesse sido posta em causa a sua implantação, tanto pelo arguido como pela mãe deste. Asseveraram de que plataforma está implantada no prédio do ofendido. Por isso em nada prejudicada a relação de vizinhança com respeito ao prédio da mãe do arguido. A execução do muro em cimento visava tapar a referida passagem, que ao que julgam já existia no tempo dos antepassados da mãe do arguido. Neste contexto, de todos os depoimentos destas testemunhas, não resultou que o arguido ao proceder aos furos na plataforma e no muro que estava a ser construído, tinha todo o direito a fazê-lo por que estava a fazê-lo em coisa que lhe pertencia.

Declarações do assistente.

Estas declarações foram ao encontro das declarações das testemunhas indicadas na acusação. Dada esta coincidência de depoimentos, o tribunal teve que valorar as declarações do assistente o que diz respeito aos factos provados.

Declarações do arguido

Não quis prestar declarações. A não ser sobre a sua situação económica social e familiar e comportamento
Não que diz respeito ao pedido civil, levou-se em conta os depoimentos das testemunhas ouvidas quanto à parte crime.

Documental:

Assentos de certidão de nascimento, de fls. 9, 11 e 13,
Documento, a fls.37. Valor do dano causado.
Fotografias, de fls.60 a 62 de onde resulta representado a natureza a características do dano executado pelo arguido.”
*
III - Apreciação do recurso

Apreciando as questões concretas suscitadas pelo recorrente.

O recorrente começa por invocar que o Tribunal não se pronunciou sobre todos os factos alegados, designadamente na contestação apresentada.

Nesta (fls. 157 a 162-vº), além do mais, o arguido afirma ter atuado em acção direta para tutela e salvaguarda de direitos legitimamente existentes – o direito de servidão de vistas constituído a favor do prédio em que reside -, face à inactividade da Câmara Municipal a quem foi participada a construção ilícita em curso. A sua atuação foi um meio lícito de reacção ao ato ilícito e danoso praticado pelo assistente, o que exclui a ilicitude da sua conduta, ao abrigo do disposto nos artigos 336º do Cód. Civil e 31º, nº 2, al. b), do Cód, Penal.

Conclui o recorrente que a invocada omissão de pronúncia acarreta a nulidade da sentença, em conformidade com o previsto nos arts. 374º, nº 2 e 379º, nº 1, al. a) e c), do Cód. Processo Penal.

Preceitua a primeira das citadas normas (no que ao caso em apreciação interessa):

“”Artigo 374º “Requisitos da sentença”
1 - A sentença começa por um relatório, que contém:
(…)
d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.
2 – Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.””

Estes requisitos da fundamentação surgem como uma clara decorrência do preceituado no art. 368º, nº 2, do mesmo diploma legal: “2 – Em seguida, se a apreciação do mérito não tiver ficado prejudicada, o presidente enumera discriminada e especificamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa, relevantes para as questões de saber: a) Se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime; b} Se o arguido praticou o crime ou nele participou; c) Se o arguido actuou com culpa; d) Se se verificou alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa; (…).”
Ora, do teor da sentença recorrida, verifica-se que o relatório não contém qualquer menção à apresentação de contestação por parte do arguido, mas apenas ao arrolamento de testemunhas – omissão que não foi invocada pelo recorrente.
Da fundamentação da mesma, após a enumeração dos factos tidos como provados surge a rubrica “Factos não provados” à qual se respondeu com a singela expressão “Nenhum”.
Sendo certo que da factualidade provada e da fundamentação da mesma, com a análise crítica da prova, nenhuma referência existe à invocada atuação do arguido no exercício da acção direta, o que poderia conduzir – se provada - à exclusão da ilicitude.
Somente no capítulo consagrado a “O Direito” se incluem dois singelos parágrafos que parecem querer afastar a alegação do arguido/recorrente, que se transcrevem: “O arguido não tinha outro caminho a seguir, a não ser lançar mão do embargo de obra” e “Na verdade o arguido não podia fazer justiça pelas próprias mãos usando a via de facto.”
Inexiste qualquer outra menção à matéria em causa na sentença ora posta em crise – além de ter concluído pela verificação dos elementos típicos (objectivos e subjectivos) do ilícito.

Nos termos do disposto no art. 379º do CPP, sob a epígrafe “Nulidade da sentença”, estabelece-se:

1 – É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374ª ou, (…);
b) (…)
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”

Analisando.

A expressão “Factos provados: Nenhum” só é admissível quando todos os factos relevantes, alegados ou resultantes da discussão, resultem provados. Quando tal não sucede, a norma legal – art. 374º, nº 2, do CPP – exige a sua enumeração como forma de garantir que se procedeu à sua apreciação – cfr. Sérgio Gonçalves Poças, “Da sentença penal – Fundamentação de facto”, in Revista Julgar, nº 3, págs. 34/5.

Não tendo assim procedido e, como já se referiu, com tão parcas e singelas menções e apenas no capítulo dedicado ao “Direito”, fica a fundada dúvida se o tribunal investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão final, tendo que concluir-se que o não fez.
A omissão de pronúncia é um vício da decisão que se consubstancia na violação pelo julgador dos seus poderes/deveres de cognição, ocorrendo quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que a lei impõe que conheça no caso concreto (questões de conhecimento oficioso) e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar – artº 379º, nº 1, al. c), primeira parte, do CPP (sendo certo que essas questões são o dissídio ou problema concreto a decidir, e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão).

Tal omissão gera ainda o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – art. 410º, nº 2, al. a), do CPP – que ocorre quando (como vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça) há “omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão.”

No mesmo sentido, vejam-se os Acórdãos do TRE de 09/01/2018 (proc. nº 222/14.8GCSTR.E1) e de 12/03/2019 (proc. nº 1490/15.2T9FAR.E1) e deste Tribunal de 04/06/2018 (proc. nº 2196/13.2TAGMR.G1) e de 10/07/2018 (proc. nº 421/14.1IDBRG.G1), todos disponíveis na base de dados da DGSI.

A verdade é que e em resumo, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a alegada servidão de vistas, nem sobre a atuação no exercício da acção direta excludente da ilicitude, não tendo investigado e decidido, podendo e devendo fazê-lo, toda a matéria de facto relevante para a decisão.

A sanção prevista para o vício de omissão de pronúncia é a nulidade da sentença – art. 379º, nº 1, al. a) e c), do CPP.

Não podendo o suprimento de tal omissão na matéria de facto ser realizado por este Tribunal de recurso, impõe-se declarar a nulidade da presente sentença e determinar a prolação de uma nova, em que tal vício seja expurgado (se necessário, com a produção de prova que o Tribunal a quo entenda indispensável ao efeito).
A apreciação das demais questões suscitadas fica prejudicada pela presente declaração de nulidade da sentença.
*
IV - DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em:

- anular a sentença recorrida, por omissão de pronúncia, nos termos do preceituado no art. 379º, nº 1, al. a) e c), do CPP;
- determinar a baixa dos autos ao Tribunal recorrido, a fim de ser proferida nova sentença - se necessário com recurso a produção de prova suplementar - expurgada da referida nulidade.
*
Sem custas.
*
(Texto elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários – artigo 94º, nº 2, do Código de Processo Penal).
*
Guimarães, 25 de Junho de 2019

(Mário Silva - Relator)
(Maria Teresa Coimbra - Adjunta)