Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
199/21.2T8EPS.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
DECISÃO SURPRESA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O princípio do contraditório, plasmado no art. 3º, n.º 3 do CPC, assume-se como garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio.
II - Embora vinculado à causa de pedir delineada pelo autor, não existirá decisão surpresa quando, mantendo-se dentro da causa de pedir invocada, a aplicação de regras de direito fundamentadoras dessa mesma decisão seja efectuada num quadro que as partes prognosticaram ou tinham o dever de prognosticar.
III - Arrogando-se o autor o direito à prestação de contas por parte dos RR., tendo como fundamento dois intitulados “contrato de prestação de serviços e associação em participação” invocados e juntos aos autos, cujo teor explicitou e descreveu na petição inicial, a Mmª Juíza “a quo” ao concluir que os mesmos corporizavam contratos de participação em associação, e não, como propugnado pelo autor, uma sociedade irregular, não cometeu nenhuma decisão surpresa, porquanto, mantendo-se estritamente dentro da causa de pedir invocada, a aplicação de regras de direito fundamentadoras dessa mesma decisão foi efectuada num quadro que as partes tinham o dever de se aperceber ou antever.
IV - Não obstante o estatuído no n.º 3 do art. 943º do CPC – “Se o réu contestar a obrigação de prestar contas, o autor pode responder e, produzidas as provas necessárias, o juiz profere imediatamente decisão (…)” –, o mesmo deve ser lido como só impondo a produção de prova se houver factos controvertidos que possam interferir na decisão final, de acordo com as soluções plausíveis da questão de direito.
V - Se, findos os articulados, os factos assentes habilitarem desde logo o tribunal a proferir uma decisão conscienciosa sobre a existência da obrigação de prestar de contas, inexiste fundamento para produzir prova com vista à indagação dos demais factos alegados que, para todos os efeitos, sempre seriam irrelevantes ou inócuos para evitar a procedência da decisão que remata a primeira fase do processo especial de prestação de contas.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

J. M. instaurou contra (1º) J. A., (2º) S. M., (3º) D. S. e (4º) A. C., no Juízo de Competência Genérica de ... - Juiz 2 - do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, acção especial de prestação de contas, peticionando:

a) o reconhecimento ao A. da percentagem de 25% dos lucros a apurar na presente;
b) a condenação dos RR. J. A., S. M., A. C. e D. S. no pagamento ao A. das quantias que se vierem a apurar, serem-lhe devidas, em resultado da perícia requerida.
Para tanto e em síntese alegou que, a 17 de outubro de 2012, foi celebrado entre o A. o primeiro e segundo RR. um contrato de prestação de serviço e associação em participação para exploração de um estabelecimento comercial.
Posteriormente foi feito um novo contrato de associação em participação, envolvendo agora o 1ª e 4º réus.
A 13 de agosto de 2013, foi excluído da exploração do referido estabelecimento comercial pelos réus, sem que lhe tenham sido prestadas contas da sua exploração.
Não obstante tenha deixado de fazer parte fisicamente da sociedade, manteve, no entanto, o seu estatuto de “sócio/parceiro”.
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Citados, os réus 1º, 2º e 3º réus contestaram (ref.ªs 40003923 e 40003381 - fls. 62 a 67 e 78 a 83).
Excecionam, em primeiro lugar, a sua ilegitimidade passiva.
No mais defendem, no essencial, não existir qualquer obrigação de prestar contas, uma vez que não existiu qualquer sociedade ou outro facto que fundamente a obrigação de prestar contas.
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O autor respondeu (ref.ª 40163371- fls. 84 a 89), pugnando pela improcedência das exceções invocadas e pela condenação dos réus a prestar contas.
Mais invocou a litigância de má-fé dos réus contestantes.
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Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu decisão, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 942º, n.º 3, 1ª parte, do CPC (ref.ª 176564287 – fls. 134 a 143), nos termos da qual, julgando parcialmente procedente o incidente, decidiu:

a) Condenar «os réus J. A. e S. M. a, em 20 dias, prestarem contas por força do contrato de parceria em associação descritos nos pontos 1º dos factos provados, desde a data aposta nesse contrato e até 4 de Abril de 2013, sob pena de, não o fazendo, não lhes ser permitido contestar as contas que o autor apresente».
b) Condenar «o réu J. A. a, em 20 dias, prestar contas por força do contrato de parceria em associação descritos nos pontos 2º dos factos provados, desde a data aposta nesse contrato e até 21 de agosto de 2013, sob pena de, não o fazendo, não lhe ser permitido contestar as contas que o autor apresente».
c) Absolver «os réus D. S. e A. C. do pedido de prestação de contas contra si dirigido pelo autor».
d) Absolver «todos os réus contestantes do pedido de condenação como litigantes de má-fé contra si dirigido pelo autor».
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Inconformados, os réus J. A. e S. M. interpuseram recurso dessa decisão (ref.ª 41570927 – fls. 144 a 164) e, a terminar as respectivas alegações, formularam as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1- Nos presentes autos, o autor, ora recorrido peticiona a prestação de contas por parte dos Réus, entre eles os ora aqui recorrentes, sendo que estes contestaram a obrigação de prestar contas invocando a sua não obrigação
2- Refere o Tribunal a quo, que nos termos do disposto no art.º942.º n.º 2, do CPC, sendo contestada a obrigação de prestar contas, “O autor pode responder e, produzidas as provas necessárias, o juiz profere imediatamente decisão …”.
3- Ocorre que, tal possibilidade, estava vedada, face à defesa apresentada.
4- O art.º 942.º n.º 2.º do CPC, postula o seguinte: “Se o Réu não quiser contestar a obrigação da prestação, de contas, pode pedir a concessão de um prazo mais longo para as apresentar, justificando a necessidade da prorrogação”.
5- Por seu turno o art.º 942.º n.º 3, do CPC, dispõe que: “Se o Réu contestar a obrigação de prestar contas, o autor pode responder e, produzidas as provas necessárias, o Juiz profere imediatamente decisão, aplicando-se o disposto nos art.º 294.º e 295.º, se, porém, findos os articulados, o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, manda seguir os termos subsequentes do processo comum adequados ao valor da causa.”
6- o Tribunal a quo, não deveria ter decido sumariamente, a questão colocada, devendo “mandar seguir os termos subsequentes do processo comum adequado ao valor da causa”.
7- Para o efeito, note-se que os Recorrentes, além da prova documental, arrolaram várias testemunhas, conforme claramente decorre da contestação apresentada.
8- No entanto, a sentença foi proferida, findo os articulados, sem que tenham sido inquiridas as testemunha arroladas.
9- E tudo isto sem que tenha sido realizada a audiência de julgamento, para produção de prova nesse sentido ou, naturalmente, em sentido contrário!
10-Ou seja, no caso em apreço, o Tribunal a quo, para dar como provados determinados factos, teria forçosamente de produzir prova testemunhal nesse sentido, o que de todo não aconteceu na situação em apreço.
11- Desde logo, encontra-se violado o artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, que impõe a fundamentação das decisões proferidas pelos Tribunais, bem como o direito ao contraditório.
12-Ora, nos presentes autos, os Recorrentes impugnaram frontalmente a sua obrigatoriedade de prestação de contas, e quanto aos factos ocorridos indicaram várias testemunhas, o que é bem indicativo da sua intenção de, em sede de julgamento, demonstrar uma realidade diversa daquela que constava da petição inicial apresentada e da douta decisão.
13-O Professor, Antunes Varela, in Manual do Processo Civil, 2ª ed., pág. 385, afirma que normal é que o juiz, não estando ainda realizada a parte fundamental da instrução do processo, não possa conhecer da matéria no momento em que profere o despacho saneador.
14-No caso em apreço, o Tribunal a quo não dispunha de todos os elementos que lhe permitiam conhecer do mérito da presente acção, o que fez, tendo concluído pela procedência parcial da mesma.
15-Ou seja, aquando da prolação da sentença, o Tribunal a quo, ainda não tinha realizado, a parte fundamental da instrução do processo, encontrando-se assim impossibilitado de proferir qualquer decisão.
16-Acresce ainda que, o Tribunal a quo, entendeu erradamente, que face ao teor dos documentos juntos, o estado do processo permite o conhecimento imediato do mérito da causa sem necessidade de mais provas.
17-Note-se ainda que toda a alegação do autor/recorrido carecia de ser demonstrada, em momento subsequente, designadamente, através de prova a produzir em julgamento, ouvindo, inclusive, os RR e o A.
18-Ora, somos do entendimento, sempre com o devido respeito e conforme mais adiante tentaremos demonstrar que o Tribunal a quo, não deveria ter decido sumariamente, a questão colocada, devendo “mandar seguir os termos subsequentes do processo comum adequado ao valor da causa”.
19-É que, somente, a audição destes poderiam elucidar convenientemente a forma como foram efetuados os alegados contratos de prestação de serviços e Associação em participação, bem se o autor era trabalhador, sócio, ou prestador de serviços, e as concretas funções que Autor exercia na danceteria, por forma inclusivamente a se poder concluir, sem qualquer dívida, se estávamos perante um concreto e efetivo Contrato de prestação de serviços e associação em participação.
20-Tais questões, apenas podiam ser respondidas, por via de produção de prova testemunhal, sendo que tais factos eram essenciais para a boa decisão da causa.
21-Decidiu o Tribunal a quo pela obrigatoriedade de prestar contas por parte dos recorrentes, tendo-o feito após referir entender que “a decisão sobre a obrigação de prestar contas existe é uma questão estritamente jurídica, não dependendo de prova a produzir”.
22- Não havendo necessidade de fazer cumprir o contraditório, (art.º 3.º, n.º 3, do Código do Processo Civil)”.
23-Ora, o referido nº 3, do artigo 3º, veio ampliar o âmbito da regra do contraditório, tradicionalmente entendido como garantia de uma discussão dialética entre as partes ao longo do desenvolvimento do processo, trazendo para o nosso direito processual uma conceção mais alargada, visando-se prevenir as “decisões surpresa”.
24-Tal sentido amplo atribuído ao princípio do contraditório - que impõe que seja concedida às partes a possibilidade de, antes de ser proferida a decisão, se pronunciarem sobre questões suscitadas oficiosamente pelo juiz em termos inovatórios, mesmo que apenas de direito - já há muito vinha sendo afirmado pela jurisprudência constitucional, especialmente no processo penal, devido às garantias de defesa do arguido.
25-Como refere o ilustre professor Lebre de Freitas, o princípio do contraditório materializa-se, pois, em todas as fases do processo - quer ao nível dos factos, quer ao da prova, quer ao do direito propriamente dito - tendo as partes, em todos estes níveis, direito a, de modo participante e ativo, influenciar a decisão, tentando convencer, em cada momento e ao longo de todo o processo, o julgador do acerto da sua posição.
26-Ao nível do direito, o princípio do contraditório impõe que, antes de ser proferida a decisão final, seja facultada às partes a discussão de todos os fundamentos de direito em que a ela vá assentar, sendo aquele princípio o instrumento destinado a evitar as decisões surpresa.
27-É, ainda, uma decorrência do princípio do contraditório a proibição da decisão- surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento não previamente considerado pelas partes, como dispõe o nº 3, do referido artigo 3º.
28-Decisão-surpresa é a solução dada a uma questão que, embora pudesse ser previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que esta tivesse obrigação de prever fosse proferida.
29-A proibição da decisão-surpresa reporta-se, principalmente, às questões suscitadas oficiosamente pelo tribunal. O juiz que pretenda basear a sua decisão em questões não suscitadas pelas partes mas oficiosamente levantadas por si, “ex novo”, seja através de conhecimento do mérito da causa, seja no plano meramente processual, deve, previamente, convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer, conforme dispõe o nº 3, do art. 3º, em casos de manifesta desnecessidade, o que não é o caso dos autos.
30-Com este princípio quis-se impedir que as partes pudessem ser surpreendidas, no despacho saneador ou na decisão final, com soluções de direito inesperadas.
31-Pretendeu-se, pois, proibir as decisões-surpresa embora tal não retire a liberdade e independência que o juiz tem, em termos absolutos, de subsumir, selecionar, qualificar, interpretar e aplicar a norma jurídica que bem entender, aplicando o direito aos factos de modo totalmente autónomo.
32- Impõe, sim, ao julgador que, para além de dar a possibilidade às partes de alegarem de direito, sempre que surge uma questão de direito ainda não discutida ao longo do processo tem de, antes de decidir, facultar às partes a sua discussão.
33-Não quis, pois, a lei excluir da decisão as subsunções que juridicamente são possíveis embora não tenham sido pedidas, antes estabeleceu que a concreta decisão a tomar tem de, previamente, ser prevista pelas partes, tendo, por isso, de lhes ser dada “a priori” possibilidade de se pronunciarem sobre o novo e possível enquadramento jurídico.
34-Assim, o princípio processual segundo o qual “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação do direito” tem, presentemente, de ser compatibilizado com a proibição das decisões surpresa tendo, desse modo, antes da prolação da decisão, de ser facultado às partes o exercício do contraditório sempre que a qualificação jurídica a dar não corresponda ao previsto pelas partes e plasmado no processo.
35-Com o aditamento do nº 3, do art. 3º, pretendeu-se uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa Administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios.
36-Para que os referidos objetivos de melhor, mais rápida e definitiva composição dos litígios fossem alcançados, foi consagrado que uma das finalidades da audiência prévia é a de “Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa” (art. 591º, nº 1, al. b)).
37-Nenhuma decisão deve, pois, ser tomada sem que previamente tenha sido dada efetiva possibilidade ao sujeito processual contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar, possibilitando-se-lhe, assim, influi ativamente na decisão.
38- A imposição de audição das partes em momento anterior à decisão é determinada por um objetivo concreto – o de permitir às partes intervirem ativamente na construção da decisão, chamando-as a trazerem aos autos a solução para que apontam.
39-O dever de audição prévia só existe quando estiverem em causa factos ou questões de direito suscetíveis de virem a integrar a base de decisão.
40-São, pois, proibidas as decisões surpresa, isto é, as decisões baseadas em fundamento que não tenha sido previamente analisado pelas partes.
41-Tal solução legal confere ao juiz possibilidade de uma maior ponderação e contribui para uma maior eficácia e satisfação das partes ao verem, com o seu contributo, mais rapidamente resolvidos os seus interesses em litígio.
42-Assim, o exercício do contraditório é, sempre, justificável e desejável se puder gerar o efeito que com ele se pretende – permitir que a pronúncia das partes possa influenciar a decisão do Tribunal.
43-Em obediência ao princípio do contraditório e salvo em casos de manifesta desnecessidade devidamente justificada, o juiz não deve proferir nenhuma decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente tenha sido conferida às partes, especialmente àquela contra quem é ela dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar.
44-Esta pressupõe que a parte seja apanhada em falta por uma decisão, embora juridicamente possível, não estivesse sido prevista nem configurada por aquela.
45-Assim, o exercício do contraditório é, sempre, justificável e desejável se puder gerar o efeito que com ele se pretende – permitir que a pronúncia das partes possa influenciar a decisão do Tribunal.
46-Em obediência ao princípio do contraditório e salvo em casos de manifesta desnecessidade devidamente justificada, que não é o caso dos autos, o juiz não deve proferir nenhuma decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente tenha sido conferida às partes, especialmente àquela contra quem é ela dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar.
47-Estamos perante uma decisão-surpresa, pois que foi dada uma solução jurídica sem que às partes tenha sido facultada a possibilidade de tomar posição sobre a concreta questão.
48-Existia o dever de audição prévia, pois que estão em causa factos e questões de direito suscetíveis de virem a integrar a base de decisão.
49-Conclui-se, assim, pela efetiva violação do princípio do contraditório, mal tendo andado o Tribunal a quo ao considerar que o que lhe pareceu claro e que respeitava a questões natureza jurídico-processual podia justificar a não necessidade de fazer cumprir o contraditório, impondo-se, pelo que se expôs, a sua observância, previamente à decisão.
50-A prolação de decisão desacompanhada de prévia auscultação das partes, constitui nulidade, impugnável por meio de recurso.
51-Assim, analisada a lei, vista a doutrina e a jurisprudência não pode deixar de se decidir, pelos argumentos expostos que tinha, pois, o Tribunal a quo, antes de decidir, de ouvir os argumentos das partes.
52-Concluiu-se assim pela violação do contraditório, elevado, na verdade, até, à categoria de princípio constitucional.
53-Deste modo, procedendo a apelação por ter ocorrido violação do princípio do contraditório, não pode a decisão ser mantida.
54-O cerne do litígio entre as partes centra-se em saber se os Recorrentes têm ou não o dever de prestar contas.
55-Sobre este ponto, sucintamente se dirá que não existe, no plano substantivo, norma legal que genericamente responda à questão de saber quando existe a obrigação de prestar contas.
56-A doutrina e jurisprudência são unânimes, no entanto, na asserção de que esta obrigação existe sempre que alguém trate de negócios alheio ou de negócios ao mesmo tempo alheios e próprios.
57-Neste sentido, veja-se Luís Filipe Pires de Sousa, in Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, citando aí Vaz Serra, que sustenta que “Não importa a fonte da administração: o que importa é o facto da administração de bens alheios, seja qual for a sua fonte.”, Almedina, 2016, pág. 134.
58-Por consequência, a fonte da administração que gera a obrigação de prestar contas não releva; o que importa é o facto da administração de bens alheios, seja qual for a sua fonte.
59-Por outro lado, esclarece-se de forma absolutamente relevante nesse acórdão “A obrigação de prestação de contas é estruturalmente uma obrigação de informação, que existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias(art. 573º do C.Civil) e cujo fim é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar a situação de crédito ou de débito.”, acórdão proferido no processo nº 05B4061 e consultado em www.dgsi.pt.
60-São, assim, várias as situações que podem gerar a obrigação de prestar contas, umas têm como génese a própria lei, outras têm como génese um determinado negócio jurídico realizado, podendo ainda a obrigação de prestar contas derivar do princípio geral de boa fé.
61-Ponto é que exista determinado ato de gestão de bens alheios ou parcialmente alheios que fundamente a obrigação de prestação de contas.
62-Transpondo estes princípios para o caso concreto, caso fosse produzida prova testemunhal, facilmente resultaria que o Autor não era associado, inexistindo ainda qualquer sociedade irregular, como pretendido pelo Autor.
63-Inexistindo consequente, qualquer obrigação de prestação de contas, por parte dos recorrentes.
Nestes termos,
E nos melhores de Direito que V. Ex.as sempre mui doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao recurso e, consequentemente, revogar-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que considere procedentes as alegações e conclusões supra aduzidas, com as legais consequências e, assim, farão V. Ex.ªs a costumada JUSTIÇA».
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Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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Por despacho de 5/05/2022 (ref.ª 178944800 - fls. 170 e 171), a Mm.ª Juíza “a quo” emitiu pronúncia nos termos e para os fins do disposto no art. 617º, n.º 1, do CPC, considerando não se verificar a nulidade processual arguida.
Mais admitiu o recurso, como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:

1ª – Da violação do direito ao contraditório, na vertente da decisão surpresa e, na afirmativa, das suas consequências;
2ª - Da prematuridade da decisão sobre a obrigação de prestar contas;
3ª – Da indevida decisão sumária sobre a questão colocada;
4.ª – Da (in)existência da obrigação de prestar contas pelos 1º e 2º réus.
*
III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos:

1) O autor e os 1º, 2º e 3º réus outorgaram um documento escrito, datado de 17 de Outubro de 2012, denominado “Contrato de Prestação de Serviço e Associação em Participação”, onde declararam:
“Entre:
Primeiros outorgantes: S. M. (…) e J. A. (…), na qualidade de investidores;
Segundo Outorgante: J. M. (…) na qualidade de prestador de serviços e de associado em participação.
Terceiro Outorgante: D. S. (…) na qualidade de prestador de serviços e de associado em participação.

Considerando e expressamente aceitando que:
A) Em 15 de Outubro de 2012, entre os primeiros outorgantes e a sociedade X- INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, SA, foi celebrado um contrato de arrendamento de fim não habitacional da fração autónoma designada pela letra “B”, destinada a armazém e atividade industrial (…), pelo prazo de 5 anos, com início a 1 de Novembro de 2012.
B) O local arrendado tem por objeto a instalação e exploração de uma danceteria, bar, promoção de eventos e atividades similares.
C) O Segundo e Terceiros Outorgantes têm vasta experiência como gerentes de danceterias;
D) O local arrendado pelos Primeiros Outorgantes para a instalação de uma danceteria foi escolhido conjuntamente com o Segundo e Terceiro Outorgantes.
E) E pelo investimento estimado e pela experiência da gerência de danceterias, os Outorgantes atribuem ao estabelecimento comercial o valor de €200.000 (duzentos mil euros).
Pelo presente escrito, os Outorgantes, nas qualidades acima enunciadas, celebram um contrato de Prestação de Serviço e de associação em participação, nos termos das cláusulas seguintes, a cujo cumprimento mutuamente se obrigam:
Cláusula Primeira
O Presente contrato tem por objeto a instalação e exploração de uma danceteria, bar e a promoção de eventos no prédio urbano designado pela letra “..” sito no Centro Empresarial de ... (…), que compreende o arrendamento deste prédio, o licenciamento e execução de obras de adaptação ao local.
Cláusula Segunda
1. Para a instalação e exploração de uma danceteria, bar e atividades similares no local arrendado, os Primeiros Outorgantes arrendaram o prédio supra identificado, e comprometem-se a suportar as rendas e as demais despesas com adaptação do local arrendado à atividade em causa, despesas com licenciamento e outras despesas que se revelem necessárias para a abertura ao público do estabelecimento comercial.
2. Todas estas despesas e cistos para a abertura ao público do estabelecimento comercial terão de ser contabilizadas por conta corrente a abrir exclusivamente para esta finalidade.
Cláusula Terceira
1. O Segundo e o Terceiro Outorgantes colaborarão, com toda a sua experiência, conhecimentos e contactos, no desenvolvimento deste projeto de instalação e exploração de uma danceteria, bar, promoção de eventos e atividades similares no espaço arrendado pelos primeiros Outorgante para o efeito.
2. Como contrapartida, o Segundo e Terceiro Outorgantes participação, na percentagem de 25%, cada um, nos lucros que advierem da exploração do estabelecimento comercial pelos primeiros outorgantes.
Cláusula Quarta
Todos os Outorgantes terão direito a receber a remuneração de €50 (cinquenta euros) por ada sessão de trabalho.
Cláusula Quinta
1. Para efeitos de determinação do valor Global do lucro devido ao Segundo e Terceiro Outorgantes, será considerado a totalidade do valor recebido pelos Primeiros Outorgantes em virtude da exploração do estabelecimento comercial a implementar no espaço arrendado, deduzindo-se a esse valor as despesas para a:
- instalação e licenciamento do estabelecimento comercial;
- exploração de estabelecimento comercial; (…)
Cláusula Oitava
1. Se, por advindas dificuldades de colaboração ou relacionamento qualquer das partes entender denunciar o presente contrato – o que lhes é reciprocamente facultado – os Outorgantes expressamente acordam que nada é devido ao Segundo e Terceiro Outorgantes, caso não tenha havido amortização integral do investimento para a instalação e licenciamento do estabelecimento comercial.
2. Na hipótese de ter havido amortização integral de investimento para a instalação e licenciamento do estabelecimento comercial, na fata de acordo, a importância que deverá ser paga ao segundo e Terceiros Outorgantes para remissão da sua participação nos lucros esperados e relacionados com a atividade desenvolvida será fixada em função do valor atribuído ao estabelecimento comercial, previsto no considerando E) deste contrato.
Cláusula Nona
Qualquer alteração ao presente contrato deve observar a forma escrita. (…), conforme documento junto aos autos como documento nº 1, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
2) Posteriormente, o autor e os 1º e 4º réus outorgaram um documento escrito, datado de 4 de Abril de 2013, denominado “Contrato de Prestação de Serviço e Associação em Participação”, onde declararam:
“Entre:
Primeiros outorgantes: J. A. (…), na qualidade de investidores;
Segundo Outorgante: J. M. (…) na qualidade de prestador de serviços e de associado em participação.
Terceiro Outorgante: A. C. (…) na qualidade de prestador de serviços e de associado em participação.
Considerando e expressamente aceitando que:
A) Em 15 de Outubro de 2012, entre os primeiros outorgantes e a sociedade X- INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS, SA, foi celebrado um contrato de arrendamento de fim não habitacional da fração autónoma designada pela letra “..”, destinada a armazém e atividade industrial (…), pelo prazo de 5 anos, com início a 1 de Novembro de 2012.
B) O local arrendado tem por objeto a instalação e exploração de uma danceteria, bar, promoção de eventos e atividades similares.
C) O Segundo e Terceiros Outorgantes têm vasta experiência como gerentes de danceterias;
D) Pelo investimento estimado e pela experiência da gerência de danceterias, os Outorgantes atribuem ao estabelecimento comercial o valor de €200.000 (duzentos mil euros).
E) Em 17 de Outubro de 2012, entre o Primeiro Outorgante, o Segundo e D. S. foi celebrado um contrato de prestação de serviço e associação e participação, tendo sido revogado por acordo das partes.
F) Pelo presentes contrato, os Outorgantes pretendem que o espírito do anterior contrato de prestação de serviço e de associação se mantenha, devendo o ora Terceiro Outorgante assumir a posição do referido D. S., tendo pago para o efeito a quantia de €11.533,00 (…) ao Primeiro Outorgante.
Pelo presente escrito, os Outorgantes, nas qualidades acima enunciadas, celebram um contrato de Prestação de Serviço e de associação em participação, nos termos das cláusulas seguintes, a cujo cumprimento mutuamente se obrigam:
Cláusula Primeira
O Presente contrato tem por objeto a instalação e exploração de uma danceteria, bar e a promoção de eventos no prédio urbano designado pela letra “B” sito no Centro Empresarial de ... (…), que compreende o arrendamento deste prédio, o licenciamento e execução de obras de adaptação ao local.
Cláusula Segunda
1. Para a instalação e exploração de uma danceteria, bar e atividades similares no local arrendado, os Primeiros Outorgantes arrendaram o prédio supra identificado, e comprometem-se a suportar as rendas e as demais despesas com adaptação do local arrendado à atividade em causa, despesas com licenciamento e outras despesas que se revelem necessárias para a abertura ao público do estabelecimento comercial.
2. Todas estas despesas e cistos para a abertura ao público do estabelecimento comercial terão de ser contabilizadas por conta corrente a abrir exclusivamente para esta finalidade.
Cláusula Terceira
1. O Segundo e o Terceiro Outorgantes colaborarão, com toda a sua experiência, conhecimentos e contactos, no desenvolvimento deste projeto de instalação e exploração de uma danceteria, bar, promoção de eventos e atividades similares no espaço arrendado pelos primeiros Outorgante para o efeito.
2. Como contrapartida, o Segundo e Terceiro Outorgantes participação, na percentagem de 25%, cada um, nos lucros que advierem da exploração do estabelecimento comercial pelos primeiros outorgantes.
Cláusula Quarta
Todos os Outorgantes terão direito a receber a remuneração de €50 (cinquenta euros) por cada sessão de trabalho.
Cláusula Quinta
1. Para efeitos de determinação do valor Global do lucro devido ao Segundo e Terceiro Outorgantes, será considerado a totalidade do valor recebido pelos Primeiros Outorgantes em virtude da exploração do estabelecimento comercial a implementar no espaço arrendado, deduzindo-se a esse valor as despesas para a:
- instalação e licenciamento do estabelecimento comercial;
- exploração de estabelecimento comercial; (…)
Cláusula Oitava
1. Se, por advindas dificuldades de colaboração ou relacionamento qualquer das partes entender denunciar o presente contrato – o que lhes é reciprocamente facultado – os Outorgantes expressamente acordam que nada é devido ao Segundo e Terceiro Outorgantes, caso não tenha havido amortização integral do investimento para a instalação e licenciamento do estabelecimento comercial.
2. Na hipótese de ter havido amortização integral de investimento para a instalação e licenciamento do estabelecimento comercial, na fata de acordo, a importância que deverá ser paga ao segundo e Terceiros Outorgantes para remissão da sua participação nos lucros esperados e relacionados com a atividade desenvolvida será fixada em função do valor atribuído ao estabelecimento comercial, previsto no considerando E) deste contrato.
Cláusula Nona
Qualquer alteração ao presente contrato deve observar a forma escrita. (…), conforme documento junto aos autos como documento nº 2, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
*
V. Fundamentação de direito.

1. Da violação do direito ao contraditório, na vertente da decisão surpresa (1).
1.1. A proibição das decisões surpresa, também apelidadas como “decisões solitárias do juiz”, encontra o seu fundamento próximo no princípio do contraditório, consagrado, na lei adjectiva, no art. 3.º, n.º 3, do CPC (2).
Estatui esta norma que o “juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
A garantia de processo equitativo previsto no art. 20º, n.º 4 da CRP implica que a medida da tutela final seja produzida com participação dos titulares da relação litigiosa (3).
O princípio do contraditório, estritamente ligado ao princípio da igualdade das partes, consagrado no art. 4º do CPC, na medida em que garante a igualdade das mesmas ao nível da possibilidade de pronúncia sobre os elementos suscetíveis de influenciar a decisão, possui um conteúdo multifacetado: “atribui à parte quer um direito ao conhecimento de que contra ela foi proposta uma ação ou requerida uma providência e, portanto, um direito à audição prévia, quer um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a tomar posição sobre elas, ou seja, um direito de resposta” (4).
Atenta a manifestação positiva do princípio do contraditório plasmada no citado art. 3º, n.º 3, do CPC, às partes deve ser garantido o direito de influenciar o desenvolvimento e o resultado final da atividade jurisdicional.
Esta concepção mais lata de contraditoriedade deve ser “entendida como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos” (alegação dos factos, proposição e produção de provas e discussão de questões de direito) “que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à autuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo.” (5).
O princípio do contraditório constitui pedra angular do processo civil, visando permitir que nenhuma decisão seja tomada sem que a parte/entidade por ela afectada possa pronunciar-se sobre a mesma (6).
Princípio fundamental consagrado na lei adjectiva, o contraditório encontra raízes em princípios constitucionais como o direito de acesso ao direito e à justiça, o direito a um processo equitativo e justo - processo organizado e estruturado de modo a garantir, no limite do possível, a justiça do resultado (7) - e a tutela jurisdicional efectiva, que proíbem as situações de indefesa ou violações de princípios de igualdade ou proporcionalidade (8).
Refere o Tribunal Constitucional (9) que o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder «deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras».
Com esse contexto, consagra a lei processual civil, na leitura que dela vem sufragando o Tribunal Constitucional, que a correcta compreensão do princípio não se basta com a garantia de que as partes tenham a possibilidade de intervir no processo, tendo conhecimento e possibilidade de pronúncia quanto aos pedidos que deduzem ou contra si são deduzidos. Incluindo tal garantia, implica ainda que as partes possam pronunciar-se quanto a questões determinantes para a decisão a proferir e que, constituindo novidade no processo, não tenham sido objecto de pronúncia no decurso do normal contraditório previsto na tramitação processual.
Exemplo típico são as denominadas decisões surpresa, conceito que se tem vindo a densificar na jurisprudência, em termos de enquadrar no seu âmbito apenas aquelas com que as partes se confrontam e que não poderiam antecipar face ao conjunto do sistema jurídico na parte aplicável ou do regime processual na sua tramitação legalmente estabelecida ou objecto de adequação formal nos termos legalmente previstos. Noutra formulação, decisões-surpresa são apenas aquelas que assentam em fundamentos que não foram anteriormente ponderados pelas partes, ou seja, aquelas em que se detecte uma total desvinculação da solução adoptada pelo tribunal relativamente ao alegado pelas partes, posto se fundarem numa questão não suscitada por qualquer das partes. O juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correcta e atinada do litígio (10). O campo privilegiado de valência desta proibição são as questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado (11) (12) (13).
Nesses casos, não tendo nenhuma das partes suscitado uma determinada questão, de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente [como é o caso da nulidade do negócio jurídico, nos termos do disposto no art. 286º do Código Civil (CC)], o juiz que nela entenda dever basear a decisão deve, previamente, convidar ambas as partes a sobre ela tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em caso de manifesta desnecessidade (art. 3º, n.º 3, do CPC) (14).
No fundo, pretende-se que, tanto quanto possível, as decisões sejam previsíveis (15).
De facto, cumprido pelas partes o ónus de alegação dos factos essenciais que integram a causa de pedir ou a matéria de excepção, em conformidade com o princípio do dispositivo consagrado no art. 5º, n.º 1, do CPC, ao tribunal compete, por sua vez, examinar toda a facticidade alegada e, em função desta, proceder à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito adequadas, domínio em que não está sujeito às alegações das partes (n.º 3 do citado art. 5º). O que não dispensa o autor do ónus de fundamentar de direito (enunciando, ao menos, a norma jurídica ou o princípio jurídico tidos por aplicável), em ordem a poder vir arguir a nulidade da sentença que eventualmente venha a ser proferida, sem prévia e específica audição das partes, com base em fundamento jurídico que elas não tenham anteriormente considerado (16).
No plano das questões de direito, ou seja, quanto à subsunção dos factos às soluções previstas na lei, o princípio do contraditório exige que, antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se venha a basear [art. 604º, n.º 3, al. e) do CPC] (17).
Visa-se, assim, obstar a que as partes se defrontem com uma interpretação judicial que não poderiam antecipar ou com uma tramitação processual que escape ao modelo formal aplicável e não tenha sido submetida a pronúncia.
Em tais casos, o respeito pelo contraditório impõe audição específica das partes, único modo de possibilitar que a decisão seja o culminar de um processo argumentativo justo e equitativo que permita que cada um dos justiciáveis faça ouvir a sua voz, assim trazendo ao decisor a sua perspectiva e, nessa medida, assim influenciando a decisão.
O que implica não só que as partes exerçam os direitos de acção e de defesa, mas, também, que sejam chamadas a emitir pronúncia sobre as questões que hajam de ser decididas a respeito dos interesses que na acção e defesa fazem valer.
Em suma, a prolação de uma decisão judicial tem de ser o termo de um debate igual e équo entre as partes com efectiva possibilidade de pronúncia das mesmas quanto ao sentido que entendem dever ser o da decisão (18).
Importa, porém, ressalvar que a efectiva possibilidade de pronúncia não exige a efectiva pronúncia e não impõe que a todo o tempo a prolação de uma decisão imponha a audição das partes quanto ao sentido da mesma.
Assim é que as partes devem assumir com diligência a defesa dos seus interesses e a cooperação entre si e com o tribunal em ordem à tempestividade da composição judicial do conflito que as separa, o que implica que sobre elas impenda o dever de se pronunciarem nas peças processuais admissíveis quanto aos seus requerimentos e aos da parte contrária, bem como quanto ao direito aplicável, nomeadamente no confronto das várias teses doutrinais e jurisprudenciais, sem que seja imperiosa intervenção autónoma do juiz promovendo essa pronúncia.
Deste modo, a simples aplicação de uma norma que não foi invocada pelas partes não justificará, por si só, a audição prévia das partes, sendo que a mesma só deverá ter lugar quando o enquadramento legal convocado pelo julgador for absolutamente díspar daquele que as partes preconizaram ser aplicável – será, por exemplo, o caso de se ter como nulo um contrato com base no qual as partes apenas esgrimiam argumentos a respeito do seu cumprimento –, não podendo aquelas razoavelmente contar com a sua aplicação ao caso. É necessário que o enquadramento legal realizado seja manifestamente diferente do sustentado pelos litigantes. Deverá ser uma subsunção notada pela sua originalidade, pelo seu carácter invulgar e singular, objetivamente considerado (19).

Sobre o alcance do contraditório exigível, quando no campo das decisões surpresa, veja-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/2019, de 10/07/2019 (relatora Joana Fernandes Costa), onde se lê:
«Como o Tribunal Constitucional vem reiteradamente decidindo, «recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas, suscetíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão, cumprindo-lhes adotar as necessárias e indispensáveis precauções, em conformidade com um dever de litigância diligente e de prudência técnica (…)». Cabe-lhes, assim, «a formulação de um juízo de prognose, analisando e ponderando antecipadamente as várias hipóteses de enquadramento normativo do pleito e de interpretação razoável das normas convocáveis para a sua dirimição, de modo a confrontarem atempadamente o tribunal com as inconstitucionalidades que – na sua ótica – poderão inquinar tais normas ou interpretações normativas» (…)».
Assim, o respeito pelo contraditório não implica que haja que apresentar às partes um projecto de decisão para que sobre ele se pronunciem ou que devam ser ouvidas fora dos momentos processuais previstos sobre questões que as suas pretensões coloquem habitualmente na jurisprudência e sejam por isso conhecidas na comunidade jurídica (20) (21).
O lugar próprio da promoção autónoma de pronúncia é, por isso, o das decisões que se pronunciam sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes no processo ou daquelas que, tendo sido suscitadas, o foram no último articulado possível, impossibilitando a pronúncia ordinária da parte contrária que, assim, há-de ser promovida por outro modo (22).
Importa ter também presente que o julgador não se acha limitado pelas alegações das partes no que tange à indagação, interpretação e aplicação de regras de direito (art. 5º, n.º 3, do CPC).
Assim, embora vinculado à causa de pedir delineada pelo autor, não existirá decisão surpresa quando, mantendo-se dentro da causa de pedir invocada, a aplicação de regras de direito fundamentadoras dessa mesma decisão seja efectuada num quadro que as partes prognosticaram ou tinham o dever de prognosticar (23).,
No caso dos autos, dirimida a exceção dilatória da ilegitimidade processual passiva e considerando que os autos habilitavam desde logo a proferir uma decisão conscienciosa sobre o mérito da causa, na decisão impugnada a Mmª Juíza “a quo” incidiu a sua apreciação sobre a verificação da obrigação de prestar contas a cargo dos réus nos termos e para os fins do disposto no art. 942º, n.º 3, do CPC, tendo concluído afirmativamente, quanto aos 1º e 2ª RR., com base nos contratos outorgados entre as partes, que, segundo a qualificação jurídica feita, configuram contratos de participação em associação e não uma sociedade irregular, como propugnou o autor.

Insurgem-se os recorrentes contra o assim decidido aduzindo, entre o mais, que:
- Atenta a proibição das decisões surpresa, antes da prolação da decisão tem de ser facultado às partes o exercício do contraditório sempre que a qualificação jurídica a dar não corresponda ao previsto pelas partes e plasmado no processo.
- O exercício do contraditório é, sempre, justificável e desejável se puder gerar o efeito que com ele se pretende – permitir que a pronúncia das partes possa influenciar a decisão do Tribunal.
- Estamos perante uma decisão-surpresa, pois que foi dada uma solução jurídica sem que às partes tenha sido facultada a possibilidade de tomar posição sobre a concreta questão.
- Existia o dever de audição prévia, pois que estão em causa factos e questões de direito suscetíveis de virem a integrar a base de decisão.
Ressalvando sempre o devido e merecido respeito por opinião contrária, entendemos não assistir razão aos recorrentes.
Como flui da petição inicial, estado em causa uma ação acção especial de prestação de contas, o autor arroga-se o direito à prestação de contas por parte dos RR., tendo como fundamento os intitulados “contrato de prestação de serviços e associação em participação” invocados e juntos aos autos.
Para tanto, na narração fáctica dos factos essenciais incluída naquele articulado inicial explicitou o teor dos referidos contratos e algumas das cláusulas deles constantes, com base nos quais, segundo alegou, emerge a obrigação de prestar contas por parte dos RR..
É certo que, na motivação de direito, o autor qualificou os referidos contratos como consubstanciando, ainda que de forma irregular, uma verdadeira sociedade.
Na contestação, os RR. não colocaram em causa a celebração dos ditos contratos, nem a sua validade, impugnando, sim, a obrigação de prestar contas reclamada pelo autor, mais negando que entre as partes se tenha estabelecido uma sociedade irregular.
Findos os articulados, na decisão recorrida, ao proceder à qualificação da relação jurídica existente entre as partes, analisando os acordos e as obrigações daí emergentes, a Mmª Juíza “a quo” concluiu (e, quanto a nós, bem) que os mesmos corporizavam contratos de participação em associação, e não, como propugnado pelo autor, uma sociedade irregular.
Ora, ao assim concluir não existe qualquer decisão surpresa, porquanto, mantendo-se estritamente dentro da causa de pedir invocada, a aplicação de regras de direito fundamentadoras dessa mesma decisão foi efectuada num quadro que as partes prognosticaram ou, em rigor, tinham o dever de prognosticar.
Na situação aqui em apreço, a posição tomada pelo A. no articulado da petição inicial foi na sua lógica expositiva construída de molde a consubstanciar factos que permitiam (conforme fossem ou não provados) a sua integração (ou não) na obrigação de prestação de contas a cargo dos Réus, tendo como fundamento os referidos contratos.
É certo que, juridicamente, classificou erroneamente a referida relação jurídica como consubstanciando uma sociedade irregular
Contudo, não podemos deixar de concluir que não estamos perante uma questão de direito material de conhecimento oficioso, posto que o autor invocou os contratos com base nos quais alicerçou a sua pretensão e descreveu-os facticamente, sendo de destacar que, ao deduzir contestação, os RR. tiveram a oportunidade de os contraditar e/ou impugnar, pelo que não se pode falar em falta de contraditoriedade.
No caso vertente e como vimos, a decisão impugnada limitou-se a enquadrar juridicamente os factos aduzidos pelos recorridos na petição inicial, não tendo, desse modo, ancorado a decisão de procedência (parcial) da ação em qualquer factualidade distinta daquela que as partes tinham a possibilidade de ter em conta.
Donde se conclui que a Mmª Juíza da 1ª Instância limitou-se a proceder à (quanto a nós adequada) qualificação jurídica dos contratos objeto dos autos, em conformidade com o princípio da oficiosidade conferido pelo n.º 3 do art. 5º do CPC (24).
Além de que a (mera) análise dos referidos documentos facilmente permitia intuir ou antecipar a qualificação jurídica que veio a ser acolhida na decisão recorrida.
De facto, o enquadramento da relação jurídica firmada entre as partes no regime jurídico da participação em associação não pode ser tido como inopinadamente díspar daquele que as partes podiam sensatamente conjecturar.
Daí que, tendo a parte tido oportunidade de responder às alegações fáctico-jurídicas vertidas na petição inicial, mormente quanto à qualificação jurídica dos contratos juntos aos autos, e posto que a decisão recorrida se restringiu ao conteúdo dos referidos contratos, os quais não foram impugnados, não se vê como se possa considerar que foi preterido o exercício do contraditório.
Tendo os Réus afeiçoado as razões de direito da sua defesa em função de determinada resolução do caso que lhes convinha, mas omitindo qualquer referência a outras soluções plausíveis da questão de direito, e assentando a pronúncia do Tribunal sobre um dos possíveis enquadramentos jurídicos da questão com que os RR./recorrentes podiam razoavelmente contar (pois a mesma não é forçada, nem implausível), a decisão recorrida não é de qualificar de decisão surpresa.
Os termos da decisão, bem como os seus fundamentos, estão pressupostos e relacionados com o pedido do autor e dentro do que, desde a propositura da ação, podia e devia ser perspetivado como entendimento possível (25).
Tão pouco se vislumbra em que termos o exercício do contraditório, ou seja, a pronúncia das partes sobre a qualificação jurídica dos referidos contratos, prévia à prolação da decisão recorrida, iria permitir influenciar a decisão do Tribunal.
Como já se depreende do que antecede, aquando da defesa vertida na contestação os RR. tinham o dever de se aperceber ou antever a qualificação jurídica pela qual o Tribunal veio a enveredar, pelo que a sua omissão de pronúncia só a si lhes é imputável.
Como se disse, o correcto entendimento do princípio do contraditório não reclama que, a todo o tempo, o tribunal ausculte as partes sobre a decisão a tomar, só o devendo fazer quando preveja que esta se filiará em fundamentos fácticos ou jurídicos que aquelas não anteviram nem poderiam antever (26).
Por isso, não se viola o n.º 3 do art. 3.º do CCPC quando se qualifica a relação jurídica estabelecida entre as partes como consubstanciando contratos de participação em associação, não obstante os RR., malgrado terem deduzido contestação na ação e de terem tido oportunidade de discutirem os contratos juntos aos autos, terem ignorado tal qualificação.
Oferece-nos, pois, dizer que a decisão impugnada não configura uma decisão solitária do juiz.
Assim, não se pode reconhecer razão aos recorrentes ao sustentarem que se trata de uma decisão surpresa, não se descortinando assim qualquer violação ao princípio do contraditório.
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1.2. Concluindo-se pela não violação do princípio do contraditório na vertente da decisão surpresa, fica prejudicada a apreciação das suas consequências.
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2. Da prematuridade da decisão recorrida.

Conforme ressalta da sentença recorrida, após o termo dos articulados e «tendo em consideração a matéria assente por acordo das partes», entendeu a Mmª Juíza “a quo” que a decisão sobre a existência da obrigação de prestar contas era uma questão estritamente jurídica, não dependendo de prova a produzir, pelo que nessa decorrência proferiu decisão final sobre essa matéria.
Insurgem-se os recorrentes contra o assim decidido, aduzindo, resumidamente, que, aquando da prolação da sentença, o Tribunal “a quo” não dispunha ainda de todos os elementos que lhe permitiam conhecer do mérito da causa, na medida em que não tinha realizado a parte fundamental da instrução do processo, sendo que a alegação do autor/recorrido carecia de ser demonstrada, designadamente, através de prova a produzir em julgamento, ouvindo, inclusive, os RR e o A..
Vejamos como decidir.
O processo (especial) de prestação forçada de contas comporta duas fases distintas (art. 942º do CPC): uma fase inicial, em que se apura e se decide, antes de mais e tão só, se existe a obrigação do réu de prestar contas; uma segunda, eventual, verificada que seja essa obrigação da prestação de contas, em que se define os termos em que a mesma se deve processar (27).

Com relevância, e sob a epígrafe “Citação para a prestação provocada de contas”, prescreve o art. 942º do CPC:

«1 - Aquele que pretenda exigir a prestação de contas requer a citação do réu para, no prazo de 30 dias, as apresentar ou contestar a ação, sob cominação de não poder deduzir oposição às contas que o autor apresente; as provas são oferecidas com os articulados.
2 - Se o réu não quiser contestar a obrigação de prestação de contas, pode pedir a concessão de um prazo mais longo para as apresentar, justificando a necessidade da prorrogação.
3 - Se o réu contestar a obrigação de prestar contas, o autor pode responder e, produzidas as provas necessárias, o juiz profere imediatamente decisão, aplicando-se o disposto nos artigos 294.º e 295.º; se, porém, findos os articulados, o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, manda seguir os termos subsequentes do processo comum adequados ao valor da causa.
4 - Da decisão proferida sobre a existência ou inexistência da obrigação de prestar contas cabe apelação, que sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
5 - Decidindo-se que o réu está obrigado a prestar contas, é notificado para as apresentar dentro de 20 dias, sob pena de lhe não ser permitido contestar as que o autor apresente».

Na acção de prestação de contas provocada (forçada) ou contas exigidas, em sede de contestação, para além da invocação, nos termos gerais, de excepções dilatórias e/ou peremptórias, o demandado réu pode contestar a obrigação de prestação de contas (n.º 3 do citado normativo), afirmando que: a) não existiu, nem existe, qualquer relação jurídica por virtude da qual esteja obrigado a prestar contas ao autor; b) a relação jurídica invocada pelo autor é exacta, mas dela não deriva a obrigação de prestar contas; c) já prestou as contas a que estava vinculado, estando desonerado de tal obrigação.
Tal alegação assume o carácter de questão prévia e prejudicial. E, conforme refere Alberto dos Reis (28), «[e]nquanto não for decidida não pode o processo avançar; e se for julgada em sentido favorável ao réu, a ação morre. A ação é prestação de contas; contestada pelo réu a obrigação de prestar contas, tem de resolver-se, antes de mais nada, esse problema.
Se o juiz o resolve a favor do autor, isto é, decide que o réu está obrigado a prestar contas, o processo segue para o efeito de as contas serem prestadas; se o resolve a favor do Réu, a acção finda, porque deixa de ter objeto».
Assim, após a resposta do autor, segue-se a fase de produção de prova e, produzidas as provas necessárias, o juiz profere imediatamente decisão sobre a matéria controvertida (29), nos termos do disposto nos arts. 294.º e 295.º do CPC.
Como vem sendo salientado pela jurisprudência e pela doutrina, a obrigação de prestação de contas é, estruturalmente, uma obrigação de informação, que existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias (art. 573º do CC) e cujo fim é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar a situação de crédito ou de débito (30). Por isso, a tramitação processual correspondente à segunda fase destinada à apresentação, discussão e aprovação das contas fica naturalmente dependente de uma decisão judicial que imponha ao demandado a obrigação de as prestar, regime que permite evitar a prática de actos inúteis que poderiam resultar de uma eventual regulamentação que concentrasse no final do processo especial a resolução de todas as questões relevantes.
Daí que se entenda que a fase verdadeiramente decisiva para o interessado que reclama de outrem a prestação de contas é a que respeita à apreciação da existência desta obrigação. Já a segunda fase, para além de estar condicionada pela consolidação daquela decisão preliminar, assume um carácter eminentemente “executivo”: integrando a apresentação das contas e a discussão das verbas enquadradas nos campos do “deve” e do “haver”, culmina com a sentença que, em função dos elementos recolhidos, fixa o respetivo saldo credor ou devedor (31).
Feita esta descrição sumária da estrutura do processo especial de prestação de contas importa cingir a nossa apreciação à questão em discussão, qual seja, a de o Tribunal recorrido não estar ainda habilitado a proferir uma decisão sobre a existência da obrigação de prestar contas, dado os recorrentes terem impugnado essa obrigação e existirem factos controvertidos, os quais careciam ainda de ser provados e/ou infirmados.
De facto, a objeção colocada pelos recorrentes vem alicerçada na circunstância de ter sido proferida decisão de mérito sobre a obrigação de prestar contas sem que se produzisse prova para o efeito, violando o disposto no n.º 3 do art. 942º do CPC [“(…) e, produzidas as provas necessárias, o juiz profere imediatamente decisão (…)”].
O preceito em análise, oferecida que seja contestação pelo réu, manda proceder às provas necessárias para, depois, se aplicar o disposto nos arts. 294.º e 295.º do CPC.
As provas necessárias são aquelas, sem a produção das quais, fica por apurar matéria relevante para a procedência ou improcedência do pedido do autor, num conhecimento que se pressupõe sumário, posto que, se não bastante para o efeito, ter-se-á de seguir os termos subsequentes do processo comum adequados ao valor da causa, como decorre da parte final do citado n.º 3 do art. 942º do CPC.
No caso sub judice, os réus apresentaram contestação, fazendo-o por excepção e por impugnação, juntando prova documental, peticionando admissão de depoimento de parte do autor e oferecendo prova testemunhal.
Em sede de excepção, arguiram a ilegitimidade passiva.
Por impugnação, declararam aceitar «como verdadeiros os factos constantes nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, art.º 4.º até prestador de serviços, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º até Campelo, 11.º, 12.º, 13.º até prestador de serviços, art.º 21 de “ação até 395/16.4T8PRD, 22.º, 23.º, 24.º, 27.º, 28.º, 29.º, da douta petição Inicial apresentada» (art. 28º); impugnaram por desconhecimento os arts. 15.º, 45.º, 46.º, 66.º, 70.º, da petição inicial (art. 29º); mais impugnaram, por não corresponderem à verdade (total ou parcialmente), serem inexatos, ou pelo alcance que o Autor lhe pretende atribuir, os factos e as considerações vertidas nos arts. º 14.º, 16.º, 19.º, 20.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 40.º, 41.º, 42.º, 44.º, 47.º, 48.º, 49.º, 50.º, 51.º, 52.º, 54.º, 55.º, 56.º, 58.º, 59.º, 60.º, 62.º, 63.º, 64.º, 68.º, 71.º, 72.º, 74.º, 75.º, 76.º, 77.º, 78.º, 79.º, 80.º, 82.º, 83.º, 84.º, 85.º, 86.º, 87.º, 88.º da petição inicial (art. 30º).
Como é sabido, a prova destina-se a demonstrar a realidade dos factos da causa relevantes para a decisão (art. 341º do CC), pelo que é sob esse prisma que a necessidade de produção de prova deve ser avaliada, isto é, cabe ponderar se, perante o caso em concreto, para os factos constitutivos do direito invocado se mostra necessária a sua produção e se ela ainda se exige para a contraprova deles ou a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor e que foram invocados pelos réus.
A prova documental trazida aos autos (não impugnada) (32) foi indispensável para estribar a decisão recorrida, que, juntamente com o acordado pelas partes, nela se baseou para proferir a decisão recorrida.
Relativamente à factualidade que alicerçou a causa de pedir (33), o tribunal “a quo” considerou toda a que resultava dos documentos juntos – que consubstancia os contratos firmados entre as partes –, mas mais nenhuma, isto é, na exacta medida em que foi aceite pelos réus.
Veja-se que os recorrentes não questionam a factualidade dada como demonstrada na decisão proferida sobre a existência da obrigação de prestar contas.
Dizem, sim, que havia outros factos, não resultantes da prova documental, que careciam de ser demonstrados (por prova testemunhal ou depoimento de parte).
Certo é que essa alegação é genérica e vaga, não se mostrando circunstanciada, posto que no recurso apresentado não é sequer particularizado qualquer facto cujo apuramento concreto se mostre relevante ou pertinente para a decisão da causa.
E lida(s) a(s) contestação(ões) não se evidencia nenhum facto que, a provar-se, se afigure como relevante para a decisão preliminar em apreço que põe termo à primeira fase do processo.
É, por conseguinte, inteiramente de secundar e subscrever a explicitação judiciosamente aduzida pela Mmª Juíza “a quo” aquando da prolação do despacho a que alude o art. 617º, n.º 1, do CPC, no sentido de que, “no caso concreto, e quanto à obrigação de prestar contas pelos réus não foram alegados quaisquer factos impeditivos, modificativos ou extintivos que afastassem a obrigação de prestar contas, obrigação essa emergente do contrato firmado entre as partes”.
E, como também bem se referiu na decisão recorrida, tendo em consideração a fase processual objeto dos autos, impunha-se «“apenas” ao Tribunal conhecer da factualidade relevante para se apurar se existe ou não o dever de prestar contas e por quem e essa factualidade é apenas e só a que contende com o negócio firmado entre as partes».
Pelo exposto, é indiferente para qualquer das soluções plausíveis a prova dos factos que permaneçam controvertidos, na medida em que os factos alegados pelo réu, ainda que provados, revelam-se inócuos para evitar a procedência da decisão que remata a primeira fase do processo especial de prestação de contas. Torna-se indiferente ou inócua a sua prova e, por conseguinte, inútil o prosseguimento da ação para esse fim, nada impedindo que o juiz profira logo decisão de mérito sobre a existência ou inexistência da obrigação de prestar contas.
Acresce que, não obstante o estatuído no n.º 3 do art. 942º do CPC – “Se o réu contestar a obrigação de prestar contas, o autor pode responder e, produzidas as provas necessárias, o juiz profere imediatamente decisão (…)” –, o mesmo deve ser lido como só impondo a produção de prova se houver factos controvertidos que possam interferir na decisão final, de acordo com as soluções plausíveis da questão de direito; mas se os factos assentes – admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão – habilitarem desde logo o tribunal a proferir uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito, sobre (no caso vertente) a existência da obrigação de prestar de contas, inexiste fundamento para produzir prova com vista à indagação dos demais factos alegados, que, para todos os efeitos, sempre seriam irrelevantes ou inócuos para a decisão em apreço.
Nos termos aduzidos pela Mmª Juíza “a quo” no despacho datado de 5/05/2022, do n.º 3 do art. 942º do CPC “emerge que a decisão é imediata, considerando-se que do mesmo decorre, a contrario, não havendo prova a produzir, a decisão é igualmente imediata”.
Em conclusão, o acervo factual resultou do acordo das partes e das provas produzidas (ainda que só documentais), essas provas eram bastantes para a pronúncia recorrida (o seu acerto é, obviamente, questão diversa) e não se recolhem (nem são enunciados no recurso) factos da contestação de natureza impugnatória ou de defesa por excepção que, sendo pertinentes para interferir na decisão recorrida, carecessem de prova, da qual foram os réus privados (34).
Daí que, não se impondo a ampliação da matéria de facto com vista à apreciação dos pressupostos da existência da obrigação de prestar contas nos termos e para os fins da prolação da decisão a que alude o art. 942.º n.º 3, 1ª parte, do CPC, careça de fundamento a alegação da prematuridade da decisão recorrida.
De igual modo, o Tribunal não incorreu em qualquer nulidade ao ter proferido a decisão sem a produção da prova arrolada.
Não se vislumbra, por tudo, violação do princípio do acesso à tutela jurisdicional efectiva, pelo que é de julgar improcedente o fundamento da apelação em apreço.
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3. Se o Tribunal “a quo” não poderia ter decidido, sumariamente, a questão colocada (atinente à existência da obrigação de prestar contas), devendo antes “mandar seguir os termos subsequentes do processo comum adequado ao valor da causa”.
Como já vimos, resulta do n.º 2 do art. 943º do CPC que, após a resposta do autor à contestação (em que este negue a existência da obrigação de prestar contas), o juiz deve ponderar se a decisão sobre esta questão prévia, em função da sua complexidade, deverá seguir o modelo dos incidentes da instância ou o modelo do processo comum. No modelo sumário, o processo tem uma estrutura simplificada e reduzida, nos termos previsto para os incidentes da instância. Nesse modelo incidental, segue-se (em princípio) a fase da produção das provas necessárias, com o limite de 5 testemunhas e depoimentos gravados (art. 294º, n.º 1 do CPC). Finda a produção de prova, o juiz declara os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (arts. 295º e 607º do CPC), decidindo as questões de direito.
Se na contestação o réu afirmar que não existiu nem existe qualquer relação jurídica por virtude da qual esteja obrigado a prestar contas ao autor ou que já prestou as contas a que estava vinculado, estando desonerado de tal obrigação, a questão de facto assim suscitada só deverá ser decidida segundo o modelo de processo comum se o número de factos em apreciação for elevado ou se a factualidade a apurar for complexa, exigindo larga indagação (35).
No caso sub júdice, a resposta à questão anteriormente apreciada permite-nos desde já concluir pela inviabilidade do fundamento em apreço, posto que, tendo-se concluído que face ao acervo material fáctico assente o Tribunal estava já habilitado a proferir uma decisão conscienciosa sobre a questão incidental da obrigação de prestação de contas, não se vislumbra qual a utilidade do prosseguimento dos autos sob a forma de processo comum.
Com efeito, inexistindo (demais) prova a produzir, tratando-se, pois, unicamente de matéria de direito, mais não restava à Mmª Juíza “a quo” do que proferir – como proferiu – imediatamente decisão de mérito sobre a existência da obrigação de prestação de contas (36).

Termos em que, sem mais considerações por desnecessárias, improcede o referido fundamento da apelação.
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4. Da (inexistência da) obrigação de prestar contas pelos réus/recorridos.
Considerando que a eventual alteração da solução jurídica alcançada na decisão impugnada dependia, na sua totalidade, do prévio sucesso da pretensão recursória que, no pressuposto da revogação da decisão recorrida, pugnava pela determinação ao Tribunal “a quo” do prosseguimento dos autos para produção da (demais) prova arrolada (37), pretensão esta que foi denegada, fica necessariamente prejudicado o conhecimento do pedido de alteração do decidido na decisão proferida nos autos, o que aqui se declara, nos termos do disposto no art. 608º, n.º 2 do CPC “ex vi” do art. 663º, n.º 2, in fine, do mesmo diploma.
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5. As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade dos recorrentes, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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Síntese conclusiva:

I - O princípio do contraditório, plasmado no art. 3º, n.º 3 do CPC, assume-se como garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio.
II - Embora vinculado à causa de pedir delineada pelo autor, não existirá decisão surpresa quando, mantendo-se dentro da causa de pedir invocada, a aplicação de regras de direito fundamentadoras dessa mesma decisão seja efectuada num quadro que as partes prognosticaram ou tinham o dever de prognosticar.
III - Arrogando-se o autor o direito à prestação de contas por parte dos RR., tendo como fundamento dois intitulados “contrato de prestação de serviços e associação em participação” invocados e juntos aos autos, cujo teor explicitou e descreveu na petição inicial, a Mmª Juíza “a quo” ao concluir que os mesmos corporizavam contratos de participação em associação, e não, como propugnado pelo autor, uma sociedade irregular, não cometeu nenhuma decisão surpresa, porquanto, mantendo-se estritamente dentro da causa de pedir invocada, a aplicação de regras de direito fundamentadoras dessa mesma decisão foi efectuada num quadro que as partes tinham o dever de se aperceber ou antever.
IV - Não obstante o estatuído no n.º 3 do art. 943º do CPC – “Se o réu contestar a obrigação de prestar contas, o autor pode responder e, produzidas as provas necessárias, o juiz profere imediatamente decisão (…)” –, o mesmo deve ser lido como só impondo a produção de prova se houver factos controvertidos que possam interferir na decisão final, de acordo com as soluções plausíveis da questão de direito.
V - Se, findos os articulados, os factos assentes habilitarem desde logo o tribunal a proferir uma decisão conscienciosa sobre a existência da obrigação de prestar de contas, inexiste fundamento para produzir prova com vista à indagação dos demais factos alegados que, para todos os efeitos, sempre seriam irrelevantes ou inócuos para evitar a procedência da decisão que remata a primeira fase do processo especial de prestação de contas.
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VI. DECISÃO

Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo dos apelantes (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 30 de junho de 2022

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



1. Sobre a fonte próxima da proibição da prolação de decisões surpresa, o princípio do contraditório, no direito comparado e interpretado no sentido actual de efectiva participação das partes no desenrolar do processo, veja-se Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª ed., 2004, Almedina, 1999, p. 25 e ss.
2. Cfr. Acs. do STJ de 15/03/2018 (relator Távora Victor) e de 27/09/2011 (relator Gabriel Catarino), in www.dgsi.pt.
3. Cfr. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, p. 39.
4. Cfr., Miguel Teixeira de Sousa, Introdução do Processo Civil, Lex, Lisboa 2000, 2ª ed., p. 53.
5. Cfr. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil Anotado – Conceitos e princípios gerais à luz do novo Código, 4ª ed., Gestlegal, pp. 126/127.
6. Cfr. Ac. da RL de 10/09/2020 (relatora Ana de Azeredo Coelho), in www.dgsi.pt.
7. Cfr. Acórdão do STJ de 27/09/2011 (relator Gabriel Catarino), in www.dgsi.pt.
8. Cfr. Ac. da RL de 20/12/2017 (relator Jorge Leal), in www.dgsi.pt.
9. Cfr. Acórdão do TC n.º 86/88 (relator Messias Bento), in www.dgsi.pt.
10. Cfr. Acórdão do STJ de 27/09/2011 (relator Gabriel Catarino), in www.dgsi.pt.
11. Decisões surpresa, segundo o Ac. da RC de 18/01/2022 (relatora Maria Teresa Albuquerque), in www.dgsi.pt., são «aquelas com que as partes se confrontam e que não poderiam antecipar face ao conjunto do sistema jurídico na parte aplicável ou do regime processual na sua tramitação legalmente estabelecida ou objecto de adequação formal nos termos legalmente previstos».
12. Contudo, quanto às questões que estejam na disponibilidade exclusiva das partes, tal como as que sejam oficiosamente cognoscíveis mas na realidade tenham sido levantadas por uma das partes, são naturalmente objecto de discussão antes da decisão, sem que o facto de a parte que as não tenha levantado não ter exercido o direito de resposta (desde que este lhe tenha sido facultado) implique falta de contraditoriedade (cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 4.ª Ed., Almedina, pp. 31 e 32.
13. Cfr. Neste sentido, v. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 4.ª Ed., Almedina, pp. 31 e 32.
14. Cfr. Lebre de Freitas, Introdução (…), p. 135.
15. Cfr., António Júlio Cunha, Direito Processual Civil Declarativo, 2ª ed., Quid Juris, p. 54.
16. Cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª ed., Gestlegal, 2017, p.54.
17. Cfr. Lebre de Freitas, Introdução (…), p. 135.
18. Cfr. Ac. da RL de 10/09/2020 (relatora Ana de Azeredo Coelho), in www.dgsi.pt.
19. Cfr. Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2014, Almedina, p. 33; ainda no mesmo sentido, escreve Lopes do Rego – Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª Ed., Almedina, p. 33 – “a audição excepcional e complementar das partes (…) só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões jurídicas susceptíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado durante o processo (…)”.
20. Cfr. Assim, os Acs. do STJ de 15/03/2018 (relator Távora Victor) e de 12/07/2018 (relator Hélder Roque), in www.dgsi.pt.
21. Será, por exemplo, manifestamente desnecessário convidar as partes a pronunciarem-se sobre a qualificação como compra e venda do contrato que integra a causa de pedir, se o autor, embora não invocando explicitamente esta qualificação, o descreveu facticamente como tal, em termos inequívocos e não contrariados, de facto nem de direito, pelo réu. - Lebre de Freitas, Introdução (…), p. 135 (nota 24).
22. Cfr. Ac. da RL de 10/09/2020 (relatora Ana de Azeredo Coelho), in www.dgsi.pt.
23. Cfr. Ac. do STJ de 5/04/2016 (relator Mário Mendes), in www.dgsi.pt.
24. O princípio é o da competência autónoma do Tribunal para indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, sem que esteja peado ou confinado à alegação de direito feita pelas partes, o que configura uma expressão do principio da oficiosidade (“iura novit curia”) quanto à matéria de direito [cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Introdução (…), p. 63 e Ac. do STJ de 27/09/2011 (relator Gabriel Catarino), in www.dgsi.pt.].
25. Cfr., em sentido próximo, Ac. do STJ de 8/12/2020 (relator Jorge Dias), in www.dgsi.pt.
26. Cfr. Ac. da RE de 16/12/2021 (relatora Florbela Lança), in www.dgsi.pt.
27. Cfr. Ac. do STJ de 12/10/2021 (relator Abrantes Geraldes) e Ac. da RE de 26/03/2015 (relatora Maria da Conceição Ferreira), in www.dgsi.pt.
28. Cfr. Processos Especiais, Vol. I, 1982, Coimbra Editora, p. 305.
29. O processo especial de prestação de contas não comporta despacho saneador, embora este despacho possa vir a ter lugar se for declarada a complexidade da questão suscitada. Todavia, essa ocorrência é fruto da decisão daquela questão prévia, qual seja a de o próprio Tribunal declarar, findos os articulados, que não pode decidir indiciariamente e que por isso os autos prosseguirão os termos do processo comum aplicável segundo o valor da causa – cfr. Ac. da RL de 30/06/2011 (relatora Ana Paula Boularot), in www.dgsi.pt.
30. Cfr. Acs. do STJ de 9/02/2006 (relator Araújo Barros) e de 3/02/2005 (relator Salvador da Costa), acessíveis em www.dgsi.pt.; Luís Filipe Pires de Sousa, Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 2017, Almedina, p. 117.
31. Cfr. Ac. do STJ de 12/10/2021 (relator Abrantes Geraldes), in www.dgsi.pt.
32. Não tendo as partes impugnado o teor dos documentos juntos com a PI, como documentos 1 e 2, e tratando-se de documentos particulares cuja autoria e assinatura os réus não contestaram, o teor desses documentos foi (e bem) julgado provado, por fazer prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, nos termos do disposto no art. 376º do CC.
33. Deve ter-se presente que a causa de pedir da “ação de prestação de contas provocada é o facto da aquisição da titularidade do direito (i.e., ser-se titular dos bens, em regra) perante quem esteja em conduções de prestar as informações necessárias (i.e., o administrador dos bens)” - cfr. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2018, p. 834.
34. Cfr. Ac. desta Relação de 18/11/2021 (relatora Raquel Rego), in www.dgsi.pt.
35. Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, Processos Especiais (…), p. 159/160 e António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, (…), p. 392.
36. Como refere Alberto dos Reis, a referida decisão acerca da existência ou inexistência da obrigação de prestar contas é atinente ao direito substancial e, como tal, ao mérito da causa, “a decidir segundo as disposições da lei civil ou da lei comercial que for aplicável, ou mesmo da lei processual funcionando como lei substantiva (…)” - cfr. obra citada, p. 325.
37. Como expressamente referem os recorrentes nas conclusões 62ª e 63ª da apelação: «62-Transpondo estes princípios para o caso concreto, caso fosse produzida prova testemunhal, facilmente resultaria que o Autor não era associado, inexistindo ainda qualquer sociedade irregular, como pretendido pelo Autor. 63-Inexistindo consequente, qualquer obrigação de prestação de contas, por parte dos recorrentes» (sublinhado nosso).