Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
539/12.5TABRG.G4
Relator: ARMANDO AZEVEDO
Descritores: DISPENSA DO PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE
ARTIGO 6º
Nº7 DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- A questão da dispensa do remanescente da taxa de justiça prevista no n.º 7 do artigo 6.º do RCP deve ser apreciada considerando o processo na sua globalidade, e não apenas relativamente à atuação de cada uma das partes.
II- A circunstância o demandante não ter contribuído para a complexificação do processo não é decisiva para a dispensa do pagamento, total ou parcial, do remanescente da taxa de justiça, porque a referida posição assumida pela demandante é a que normalmente ocorre em qualquer processo crime com enxertos cíveis, independente da sua maior ou menor complexidade, em que o demandante cível beneficia da atividade do M.P. em particular no que se refere ao impulso processual, à instrução do processo e à prova dos factos submetidos a julgamento.
III- O decisivo é a questão de saber se, não obstante o valor do pedido, o processo é menos complexo do que aquele que foi considerado pelo legislador quando fixou a regra do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

1. No processo comum coletivo nº 539/12...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ... – J..., por despacho de 13.10.2022, foi indeferido o pedido formulado, em 08.07.2019, pela demandante A..., Lda de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a que se refere o nº 6 do artigo 7º do Regulamento das Custas Processuais.
2. Não se conformando com o mencionado despacho, dele interpôs recurso a demandante A..., Lda, formulando as seguintes conclusões  (transcrição)[1]:
1. O presente recurso tem por objeto a reapreciação da decisão proferida pelo Douto Despacho de fls.., datado de 13.10.2022, com a referência ...15, que indeferiu o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado pela Demandante Cível ora Recorrente.
2. Entendendo a Demandante Cível ora Recorrente que, através de tal Despacho, o Tribunal ad quo violou o regime previsto, entre outros, no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, no artigo 530.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, e no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa
3. Despacho esse cuja motivação e fundamentação se apresentam como gerais e abstratas e com um pendor integralmente conclusivo, como é próprio dos comandos normativos previstos na lei, os quais se destinam a ser aplicados a uma generalidade de situações e de sujeitos.
4. Generalidade e abstração essas que não se pode verificar nas decisões judiciais que se destinam a decidir casos concretos, com base no julgamento das respetivas circunstâncias à luz do regime jurídico que lhe é aplicável.
5. In casu, o Tribunal ad quo deveria ter analisado, em concreto, todas as circunstâncias relevantes para a decisão a proferir e deveria tê-las explicitado na fundamentação da decisão recorrida, demonstrando a concreta ponderação que foi feita das mesmas e que o levou a proferir a decisão de indeferimento de que ora se recorre.
6. Se o tivesse feito, o Tribunal ad quo não poderia se não concluir que, à luz do regime legal aplicável, a atividade processual da Demandante Cível ora Recorrente, para além de se ter revelando como profícua, útil e pertinente, se limitou ao estritamente necessário à defesa dos seus interesses, não contribuindo de qualquer modo para a complexificação dos presentes autos.
7. Sendo de reparar desde logo que os presentes autos tiveram a finalidade principal de submeter a conduta dos aqui arguidos a um julgamento jurídico-penal, sendo o Ministério Público o titular da ação penal e tendo a Demandante cível ora Recorrente uma posição meramente acessória ou secundária em relação àquele.
8. Nessa linha, a Demandante Cível ora Recorrente não trouxe a estes autos qualquer matéria nova para além da apresentada pelo Ministério Público, com exceção, claro, está da matéria atinente ao calculo da indemnização a final deduzida, a qual se propôs demonstrar através de cinco documentos de fácil e simples apreciação, e três testemunhas, duas delas comuns às testemunhas arroladas pelos restantes sujeitos processuais.
9. De facto, a atividade processual da ora Recorrente não assumiu, de qualquer modo, a vanguarda dos factos e diligências instrutórias submetidas a julgamento, tendo-se limitado ao acompanhamento das diligências de requeridas pelos demais sujeitos processuais, designadamente, pelo Ministério Público, e na realização da instância às testemunhas por si arroladas.
10. Não tendo a ora Recorrente deduzido qualquer incidente processual de qualquer natureza, nem tendo condicionado de qualquer maneira o referido julgamento, quer seja alargando o respetivo objeto ou complexificando-o de alguma maneira.
11. Sendo de atentar que, se a Demandante Cível ora Recorrente tivesse resolvido não participar nos presentes autos, a dinâmica do mesmos não se alteraria minimamente, mantendo-se a mesma complexidade quanto ao seu objeto e meios probatórios.
12. Atento o exposto, uma vez que a posição da Demandante Cível ora Recorrente não poderá ser confundida nem prejudicada pela postura assumida pelos restantes sujeitos processuais, “pagando o justo pelo pecador”, e uma vez que, com referência ao Pedido de Indemnização Cível deduzido pela ora Recorrente e à respetiva demonstração, está-se em crer que não se verifica nenhuma das situações previstas no referido artigo 530.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, o pedido de dispensa do remanescente em referência deveria ter sido julgado procedente.
Em face de tudo quanto ficou exposto, o presente recurso deverá ser julgado totalmente procedente e, em consequência, a Douta Decisão recorrida deverá ser revogada, por violação do regime previsto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, no artigo 530.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, e no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, e substituída por uma outra através da qual se julgue a Demandante Cível ora Recorrente dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça, assim se fazendo, como sempre, inteira e merecida Justiça!
3. O Ministério Público, na primeira instância, respondeu ao recurso interposto, tendo concluído, aduzindo o seguinte (transcrição): Em suma entendemos, pois, que não merece qualquer reparo a decisão do Tribunal a quo que decidiu não dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do RCP. Nestes termos, e nos mais de direito que vossas Excelências doutamente suprirão, negando provimento ao recurso farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA
4. Nesta instância, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que a recorrente não deverá beneficiar da pretendida redução da taxa de justiça, sendo que a alegação de que o despacho recorrido não se encontra suficientemente fundamentado é inócua, pelo que o recurso deverá ser julgado improcedente.
5. Cumprido que foi o disposto no artigo 417º nº2 do CPP, a recorrente respondeu aos argumentos expendidos pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, tendo concluído no sentido da procedência do recurso por si interposto, com revogação do despacho recorrido.
6. Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Objeto do recurso

O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso[2] do tribunal, cfr. artigos 402º, 403º, e 412º, nº 1 do CPPenal.
Assim, vistas as conclusões do recurso interposto, a questão essencial a decidir consiste em saber se, há ou não lugar, à dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, tendo sido violado o regime previsto, entre outros, no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, no artigo 530.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, e no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

2. A decisão recorrida
2.1- O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição):
Requerimento apresentado pela demandante AA no sentido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa e justiça:
A demandante A..., Lda apresentou, em 8.07.2019, requerimento pedindo a dispensa de pagamento do remanescente de taxa de justiça, nos termos do disposto na segunda parte do artº 6º do Regulamento das Custas Processuais.
A pronúncia sobre tal requerimento foi relegada para momento posterior, conforme consta da acta da leitura de acórdão inicialmente proferido nesta instância em 10.07.2019.
Posteriormente, foi ordenada a notificação dos demais intervenientes processuais para se pronunciarem, apenas o tendo feito a demandada M... em 9.09.2019.
Sobre o pedido em causa não recaiu até ao momento despacho expresso, omissão que cumpre agora suprir.
Assim:
Nos termos do disposto no artº 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais, nas causas de valor superior a 275 000,00 € o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Ora, no caso em apreço, face à manifesta complexidade da causa e à actividade processual que demandou, designadamente a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos e a realização de várias diligências de produção de prova, incluindo no que ao enxerto civil concerne, não se revela que a situação em apreço justifique a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.
E, assim sendo, não se verificando no caso os pressupostos da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, indefere-se o requerido.
Notifique.

3. Apreciação do recurso
3.1- Por via do despacho recorrido, foi indeferido o pedido formulado, em 08.07.2019, pela demandante A..., Lda de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a que se refere o nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, aplicável ex vi do artigo 523º do CPP.
A taxa de justiça carateriza-se pela prestação pecuniária que o Estado exige aos utentes do serviço judiciário no quadro da função jurisdicional a que dão causa ou de que beneficiem como contrapartida do serviço judicial desenvolvido.
Na verdade, como refere Salvador da Costa[3] "o critério do vencimento não releva, em regra, para o efeito de pagamento de taxa de justiça, uma vez que a lei liga a responsabilidade pelo seu pagamento ao autor do respetivo impulso processual, seja do lado ativo, seja do lado passivo, como se fosse uma mera contrapartida do pedido de prestação de um serviço".
Acresce dizer que não pode ser olvidado, conforme entendimento sedimentado na jurisprudência, que o valor da taxa de justiça dever ser proporcional ao serviço prestado. Assim, vide v.g. o Ac. do TC nº 421/2013, de 15.07, o Ac. STA de 04.11.2015, processo número 01034/11; e o Ac. STJ de 29.03.2022, processo 3396/14.3T8GMR.2.G1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.
O nº 7 do artigo 6º do RCP estabelece que “Nas causas de valor superior a €275000 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Pese embora não tenha sido questionado, importa aqui afirmar que o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça foi formulado por forma tempestiva, tendo sido observada a jurisprudência do AUJ nº 1/2022, DR, 1ª Série, de 3.01.2022, segundo o qual “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo.”
 O nº 7 do artigo 6º do RCP resulta das alterações que lhe introduzidas pelo no artigo 2º da Lei nº 7/21012, de 13.02, e ocorreu na sequência da decisão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, de 15.07, que julgou inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte da Constituição, as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, ao Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo DL nº 52/2011, de 13 de Abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.
Como foi referido no citado AUJ,” …a reforma ao RCP contida na referida Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro (que procedeu à sexta alteração ao Regulamento das Custas Processuais), reforma esta justificada pelo compromisso assumido pelo Estado Português no Memorando de Entendimento celebrado com o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional, tendo em vista o programa de assistência financeira.
Em matéria de custas, o Estado Português obrigou-se, designadamente: à "imposição de custas e sanções adicionais aos devedores não cooperantes nos processos executivos; a introdução de uma estrutura de custas judiciais extraordinárias para litígios prolongados desencadeados pelas partes litigantes sem justificação manifesta; a padronização das custas judiciais; e a introdução de custas judiciais especiais para determinadas categorias de processos e procedimentos com o objectivo de aumentar as receitas e desincentivar a litigância de má fé".
Sendo certo que embora com o RCP a taxa de justiça continue a ser fixada, em regra, "em função do valor e complexidade da causa" (à semelhança do que ocorria com o Código das Custas Processuais), por referência a uma tabela, foram introduzidas alterações significativas no modo de fixação do valor da taxa, pois o mesmo deixou de ser fixado com base numa mera correspondência face ao valor da acção, estabelecendo-se, agora, «um sistema misto que assenta no valor da ação, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa», cabendo ao juiz determinar, a final, a aplicação de valores agravados de taxa de justiça às acções e recursos que revelem especial complexidade, por dizerem respeito a «questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou que importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso» e implicarem «a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova extremamente complexos ou a realização de várias diligências de prova morosas» (artigos 6.º, n.º 5, do RCP, e 530.º, n.º 7, do (então vigente) CPC).”
 Assim, e abreviando, com o atual nº 7 do artigo 6º do RCP ficou recuperada a possibilidade de o juiz dispensar o remanescente da taxa de justiça devida acima do valor de €275000, em função da complexidade da causa e a conduta processual das partes, pelo que será sob o prisma destes referenciais que o juiz deve fundamentar a dispensa do pagamento da referida taxa.
No sobredito contexto, a referida norma deve ser interpretada “…no sentido de o juiz poder corrigir o montante da taxa de justiça quando o valor da ação ultrapasse o montante máximo fixado como limite de cálculo da taxa de justiça com base no valor da causa (€275.000) e, dispensar o pagamento, ou da totalidade ou de uma parte, do remanescente da taxa de justiça devida a final, ponderando as circunstâncias do caso concreto (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), servindo de orientação os princípios da proporcionalidade e da igualdade”, cfr. Ac. STJ de 29.03.2022, processo 3396/14.3T8GMR.2.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
Porém, como se afirmou, de forma clarividente no acórdão da Relação de Lisboa, de 14/01/2016, processo n.º 7973-08.3TCLRS-A.L1-6, disponível em www.dgsi.pt, “- Deve considerar-se que o remanescente não será devido não quando as causas não tenham especial complexidade mas quando a sua dificuldade seja inferior à normal ou média - que terá sido a ponderada pelo legislador quando desenhou o sistema vertido no Regulamento das Custas Processuais;
- Se assim não fosse, antes aquele legislador teria fixado que o pagamento do remanescente só se justificaria nos casos de particular dificuldade – eventualmente a definir pelo julgador – sendo, então, o regime de liquidação do remanescente excepcional e não regra como emerge, presentemente, do Regulamento das Custas Processuais ao permitir-se a sua dispensa apenas mediante despacho devidamente fundamentado, explicativo, patenteando a singularidade ou carácter atípico da situação concreta”.
Por conseguinte, importa considerar as particularidades do caso concreto, tanto mais que “aplicação cega, generalizada, automática e tabelar da dispensa da taxa de justiça às acções de valor superior a 275.000€, em caso de suposta simplicidade do processo – e na lógica do tipo de requerimento em causa, todos eles formulados no essencial sem consideração pelos casos concretos e com argumentos semelhantes a muitos outros que são transcritos em muitos acórdãos versando a mesma questão, todas as acções, por mais complexas que sejam, têm o condão de passarem a ser muito simples -, significa que as acções de valor superior passariam a ser gratuitas a partir desse valor, o que acarretaria uma desigualdade em relação aos intervenientes em acções de menor valor, em benefício de partes que, como indicia o valor da acção, têm muito maior capacidade económica (não tendo nada a ver com um cidadão médio), o que aponta para a inconstitucionalidade material da interpretação da norma que permita esse desconto automático.”, cfr. Ac. RL de 13.10.2022, processo 21127/16.1T8LSB.L2-2, disponível em www.dgsi.pt.
Acresce ser de levar em conta também o disposto no artigo 530º, nº 7 do CPC, ex vi do artigo 523º do CPP, nos termos do qual:
“7 - Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.”
Importa ainda notar ainda que, na análise do caso concreto, a questão da dispensa do remanescente da taxa de justiça prevista no n.º 7 do artigo 6.º do RCP deve ser apreciada considerando o processo na sua globalidade, e não apenas relativamente à atuação de cada uma das partes. Neste sentido, vide v.g. Acs. STA de 14.05.2014 e de 18.06.2014, respetivamente, processo números 0456/14 e 01318/13, disponíveis em www.dgsi.pt.
3.2- No caso vertente, as razões de discordância da recorrente relativamente ao despacho recorrido têm que ver com a sua fundamentação, que no seu entender, é geral e abstrata, com pendor integralmente conclusivo, não atendendo ao caso concreto.
Assim, segundo a recorrente, numa síntese apertada, o despacho recorrido não atendeu ao facto concreto de:
- a recorrente se ter “limitado ao acompanhamento das diligências de requeridas pelos demais sujeitos processuais, designadamente, pelo Ministério Público, e na realização da instância às testemunhas por si arroladas”,
“…a atividade processual da Demandante Cível ora Recorrente, para além de se ter revelando como profícua, útil e pertinente, se limitou ao estritamente necessário à defesa dos seus interesses, não contribuindo de qualquer modo para a complexificação dos presentes autos.”,
- “Sendo de reparar desde logo que os presentes autos tiveram a finalidade principal de submeter a conduta dos aqui arguidos a um julgamento jurídico-penal, sendo o Ministério Público o titular da ação penal e tendo a Demandante cível ora Recorrente uma posição meramente acessória ou secundária em relação àquele”;
- “Nessa linha, a Demandante Cível ora Recorrente não trouxe a estes autos qualquer matéria nova para além da apresentada pelo Ministério Público, com exceção, claro, está da matéria atinente ao calculo da indemnização a final deduzida, a qual se propôs demonstrar através de cinco documentos de fácil e simples apreciação, e três testemunhas, duas delas comuns às testemunhas arroladas pelos restantes sujeitos processuais.”
- “De facto, a atividade processual da ora Recorrente não assumiu, de qualquer modo, a vanguarda dos factos e diligências instrutórias submetidas a julgamento, tendo-se limitado ao acompanhamento das diligências de requeridas pelos demais sujeitos processuais, designadamente, pelo Ministério Público, e na realização da instância às testemunhas por si arroladas”.
- “Não tendo a ora Recorrente deduzido qualquer incidente processual de qualquer natureza, nem tendo condicionado de qualquer maneira o referido julgamento, quer seja alargando o respetivo objeto ou complexificando-o de alguma maneira”.
- “Sendo de atentar que, se a Demandante Cível ora Recorrente tivesse resolvido não participar nos presentes autos, a dinâmica dos mesmos não se alteraria minimamente, mantendo-se a mesma complexidade quanto ao seu objeto e meios probatórios.”.
Não obstante o referido pela Exma. Senhora Procuradora – Geral Adjunta no seu parecer, julgamos que a recorrente se insurge contra o mérito da fundamentação do despacho recorrido e não contra a irregularidade da falta ou de insuficiente fundamentação, a qual, de resto, não suscita.
Posto isto, desde já adiantamos não assistir razão à recorrente. Isto porque as razões da sua discordância, no essencial, derivam da alegação da sua posição meramente acessória ou secundária em relação ao Ministério Público em todo o processo.
Na verdade, não se ignora que foi essa a posição assumida pela recorrente, na qualidade de demandante cível, aproveitando-se da atividade processual desenvolvida por terceiros, em particular do Ministério Público, enquanto titular da ação penal. Mas essa é a posição normal e corrente quando está em causa, como foi o caso, a apreciação de responsabilidade civil conexa com a responsabilidade penal.
A demandante, ora recorrente, tendo formulado pedido de indemnização civil, no valor de €777.463,56 num processo de natureza criminal, como são os presentes autos, viu a sua posição facilitada por se ter aproveitado dos benefícios decorrentes da regra da adesão obrigatória da ação cível baseada na prática de factos que constituem crime à ação penal consagrado no artigo 71º do CPP, segundo o qual “O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, só o podendo ser em separado, perante o Tribunal Civil, nos casos previstos na Lei”.
Como é sabido, a adesão obrigatória da ação cível baseada em factos que constituem crime à ação penal tem, necessariamente, vantagens, importando economia processual, dado que num mesmo e único processo se resolvem todas as questões atinentes ao facto criminoso, sem necessidade de fazer correr mecanismos diferentes e autónomos. E, por outro lado, economia de meios, uma vez que os interessados não necessitam de despender e dispersar custos, isto para além das razões de prestígio institucional, porquanto se evitam contradições de julgados.
As referidas vantagens, sobretudo as relativas a economia processual e economia de meios, serão tanto maiores quanto maior for naturalmente a complexidade do processo.
No caso vertente, a recorrente não alega que, pese embora o valor elevado do pedido por si formulado, o processo não seja complexo, mas somente que não contribuiu para a sua complexificação.
Ora, importa aqui evidenciar a complexidade do processo. Efetivamente, como refere o M.P. na resposta ao recurso, 
“Como resulta do seu próprio articulado de fls. 5974 a 6027, a demandante “adere ipsis verbis à douta acusação deduzida pelo Ministério Público, que se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais”.
Na prova indicada pela demandante a fls. fls. 6027, como prova documental indicou a dos autos, e mais 5 documentos.
Ora, a prova documental que existia na data do pedido indemnização civil nos autos (acrescendo outra durante o decurso das fases processuais) e indicada na acusação, além de perícias financeiras e contabilísticas (fls. 1912 a 2035, 2071 a 2079, 5073 a 5117-A) englobavam centenas e centenas de documentos como se afere da sua indicação no libelo acusatório de forma discriminada a fls. 5406 a 5410. Note-se que dessa documentação indicada, alguns respeitam a 15 apensos de documentos, designadamente bancários, sendo que alguns desses apensos são constituídos por vários volumes.
O N.º 7 do artigo 530.º através do circunstancialismo descrito nas suas três alíneas permite-nos delimitar o conceito de especial da complexidade (para contrapor à simplicidade da causa) sendo que na al. c) estão expressamente previstas as situações em que acção implique a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
Pois bem, no caso vertente, além de toda a documentação que esteve em apreciação em audiência, importa ainda referir que o julgamento desdobrou-se em 18 (dezoito) sessões, o que para nós arreda de todo a simplicidade da causa”.
A questão de o demandante não ter contribuído para que o processo se tivesse tornado mais complexo não é decisiva para a questão que agora nos ocupa, que é da dispensa do pagamento, total ou parcial, do remanescente da taxa de justiça, até porque, como dissemos, para apreciação desta questão deve ser considerado o processo como um todo. E, por outro lado, porque a referida posição assumida pela demandante é a que normalmente ocorre em qualquer processo crime com enxertos cíveis, independente da sua maior ou menor complexidade, em que o demandante cível beneficia da atividade do M.P. em particular no que se refere ao impulso processual, à instrução do processo e à prova dos factos submetidos a julgamento.
Assim, o decisivo é a questão de saber se, não obstante o valor do pedido, o processo é menos complexo do que aquele que foi considerado pelo legislador quando fixou a regra do pagamento do remanescente da taxa de justiça.  
  Ora, relativamente a esta questão a resposta é claramente negativa, pois que o que mais se evidencia é precisamente a complexidade do processo, tendo em consideração nomeadamente a natureza dos factos objeto de discussão determinando elevada especificidade técnica, bem assim a audição de um elevado número de testemunhas, e a análise de meios de prova complexos como foi o caso das perícias financeiras e contabilísticas.
Por isso, inexiste fundamento para a requerida dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, entendida esta no sentido que lhe é atribuído pelo Regulamento das Custas Processuais. Ou seja, como sendo o custo exigido pelo Estado aos utentes do serviço judiciário no quadro da função jurisdicional a que dão causa ou de que beneficiem como contrapartida do serviço judicial desenvolvido. E, neste sentido, a ora recorrente beneficiou de um relevante serviço prestado, ainda que o desfecho do processo não lhe tenha sido favorável face à improcedência do seu pedido, facto de todo irrelevante para a questão em apreço.
Nesta conformidade, não se mostram violados quaisquer normas ou princípios, nomeadamente, os invocados pela recorrente, com enfoque nos princípios da proporcionalidade, da igualdade e do acesso à justiça.
Por conseguinte, nenhum reparo nos merece o despacho recorrido, pelo que o recurso tem necessariamente de improceder.

III- DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que integram a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pela recorrente A..., Lda e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.
Custas do recurso a cargo da recorrente, uma vez que ficou vencida -artigo 527º, nº 1 e nº 2 do CPC, ex vi do artigo 523º do CPP.
Notifique.
Guimarães, 02.05.2023

Texto integralmente elaborado pelo seu relator e revisto pelos seus signatários – artigo 94º, nº 2 do CPP, encontrando-se assinado eletronicamente na 1ª página, nos termos do disposto no artigo 19º da Portaria nº 280/2013, de 26.08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20.09.

Os Juízes Desembargadores
Armando Azevedo - Relator
Cândida Martinho – 1º Ajunto
António Teixeira – 2º Adjunto
 


[1] Nas transcrições de peças processuais irá reproduzir-se a ortografia segundo o texto original.
[2] Entre as questões de conhecimento oficioso do tribunal, no que para o caso poderia relevar, estão, as irregularidades no caso no nº 2 do artigo 123º do CPP e as nulidades insanáveis do artigo 119º do C.P.P..   
[3] Regulamento das Custas Processuais Anotado, 2013, 5.ª edição, Almedina, pág. 65.