Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1197/11.OGAFAF.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: REALIZAÇÃO PERÍCIAS E EXAMES
POLÍCIA JUDICIÁRIA
REGIME DE PAGAMENTO
ENTIDADE RESPONSÁVEL
LEI Nº 37/2008 DE 6.08 E PORTARIA 175/2011 DE 28/04
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
As normas da Lei nº 37/2008 de 06/08, que regem a orgânica da Polícia Judiciária, e da Portaria 175/2011 de 28/04, que aprovou a tabela de preços a cobrar pela mesma entidade pela realização de perícias e exames, devem ser interpretadas de modo a considerar que as despesas resultantes de tais exames e perícias devem ser pagas directamente à Polícia Judiciária pelos tribunais ou pelas entidades públicas ou privadas não isentas que os requeiram, sendo tais custos considerados para efeitos de pagamento antecipado do processo, o que equivale a dizer que eles constituem encargos processuais que entram, a final, em regra de custas pelo que, de acordo com a condenação, são imputados ao responsável pelas custas.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal no Tribunal da Relação de Guimarães:

I - Relatório.

No processo comum colectivo nº 1197/11.OGAFAF a correr termos pelo Juízo Central Criminal de Guimarães, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi proferido despacho deferindo o requerimento formulado pela Polícia Judiciária no sentido de lhe ser paga a quantia de € 255 correspondente ao custo do exame toxicológico realizado pela Delegação do Norte do Laboratório de Polícia Científica – LPC, na fase do inquérito.

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, pugnando pela revogação do despacho, mediante a formulação, na sua motivação, das seguintes conclusões:

«1. A Policia Judiciária - Laboratório de Policia Cientifica -solicitou o pagamento da quantia total de 255,00€ referente ao custo de exames toxicológicos realizados pela Delegação do Norte do Laboratório de Policia Cientifica – LPC – em inquérito no âmbito dos presentes autos, ao abrigo do disposto na Portaria 175/2011 de 28 de Abril.
2.Por despacho proferido a fls.1175 a 1177 a Mmª Juíza deferiu o solicitado pagamento.
3. É deste despacho que se interpõe o presente recurso por entendermos, salvo o devido e muito respeito por opinião contrária, que uma vez que o exame realizado pelo Laboratório da Policia Cientifica da Policia Judiciária foi realizado por iniciativa própria e no âmbito da investigação de crime em sede de inquérito e no âmbito da missão de coadjuvação do Ministério Público, face ao disposto na Portaria nº175/2011 de 28 de Abril, as despesas aí representadas não deverão ser pagas.
4. A Polícia Judiciária tem por missão coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação, desenvolver e promover as acções de prevenção, detecção e investigação da sua competência ou que lhe sejam cometidas pelas autoridades judiciárias e prossegue as atribuições definidas na respectiva Lei Orgânica, nos termos da Lei de Organização da Investigação Criminal e da Lei Quadro da Política Criminal - art. 55º, nº 1, do CPP, art. 3º, nº 1, a), da Lei nº49/2008, de 27 de Agosto – LOIC- e arts. 2º, nºs 1 e 2 e 5º, nº 1, da Lei nº 37/2008,de 6 de Agosto - Lei Orgânica da Polícia Judiciária-.
5. A investigação criminal compreende o conjunto de diligências que, nos termos da lei processual penal, se destinam a averiguar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a sua responsabilidade e descobrir e recolher as provas, no âmbito do processo - art. 262º, nº 1, do CPP e art. 1º da LOIC-.
6. A Portaria nº 175/2011 invocada pela Policia Judiciária aprova a tabela de preços a cobrar pela Direção-Geral de Reinserção Social, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, I.P., e pela Policia Judiciaria por perícias e exames, relatórios, informações sociais, audições e outras diligências ou documentos que lhes forem requeridos ou que por estes venham a ser deferidos a entidades públicas ou privadas.
7. As perícias efetuadas pela Policia Judiciária apenas deverão ser pagas quando lhe hajam sido requeridas e não quando as mesmas sejam decorrentes da investigação em coadjuvação com as autoridades judiciárias em processos relativos a crimes cuja detecção ou investigação lhe incumba realizar; enquadrando-se estas como despesas próprias nos termos do supra citado artº 47º e como receitas nos termos do artº 46º, nº3 acima citado os que lhe forem requeridos ou que por estes venham a ser diferidos a entidades públicas ou privadas como expressamente consta na Portaria 175/2011 de 28 de Abril.
8. No sentido de que as perícias e exames efetuados pela Policia Judiciária por iniciativa própria e no âmbito de coadjuvação às autoridades judiciárias em processo penal não são objeto de pagamento e que a nota de débito é meramente representativo dos recurso utilizados e respetivos custos, refira-se o oficio nº135 emanado do Gabinete da Senhora Ministra da Justiça datado de 13.01.2012, enviado à Procuradoria-Geral da República, disponível in simp.pgr.pt : “No âmbito da investigação criminal a realização de perícias e exames levados a cabo pela Policia Judiciária, enquanto órgão que coadjuva as autoridades judiciárias, são atos praticados na prossecução das suas atribuições, destinando-se as notas de débito emitidas à demonstração dos recursos utilizados e respectivos custos para o erário publico”.
9. Em face do exposto, deverá ser indeferido o pagamento da despesa requerida pela Policia Judiciária.
10.Encontram-se violadas as disposições legais previstas nos artºs 2º, 3º, 46º e 47º da Lei nº37/2008 de 06/08 e a Portaria nº175/2011 de 28.04 e o artº 55º do CPP.».

O recurso foi admitido a subir em separado e com efeito meramente devolutivo.

Não houve resposta ao recurso.
Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que o recurso deveria proceder.
Foi cumprido o disposto no n.º 2, do art. 417º, do CPP.
Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
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II – Fundamentação

Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (arts. 403º e 412º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo de outras que importe conhecer oficiosamente por obstarem à apreciação do seu mérito, no presente recurso suscita-se a questão de saber se o pagamento requerido pela Polícia Judiciária do custo do exame toxicológico realizado pelo respectivo Laboratório de Polícia Cientifica (LPC) violou o disposto nos arts. 2º, 3º, 46º e 47º da Lei nº 37/2008 de 06/08, a Portaria nº 175/2011 de 28/04 e o art. 55º do C. Processo Penal.
Para tanto, deve considerar-se como pertinente ao conhecimento do objecto do recurso e seguinte extracto do despacho recorrido:

«(…) O art.1°, n.°1, da Portaria n° 175/2011, de 28 de Abril, dispõe que o objecto da Portaria é aprovar “a tabela de preços a cobrar (...) pela Polícia Judiciária por perícias e exames, relatórios, informações sociais audições e outras diligências ou documentos que lhes forem requeridos ou que por estes venham a ser deferidos a entidades públicas ou privadas”.
Acrescenta o art.2°, n.º 3, do mesmo Diploma, que “o custo das perícias e exames (...) elaborados para apoiar as decisões das entidades judiciárias são considerados para efeitos de pagamento antecipado do processo”.
O n.°4 do mesmo artigo estatui que “as perícias e os exames realizados (...) pela Policia Judiciária, são pagos directamente a essas entidades pelos tribunais ou pelas entidades públicas ou privadas não isentas que os requeiram, de acordo com a tabela de preços anexa à presente portaria.”
Acompanhando o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/05/2017, “a redacção do n° 3 do citado artigo 2° da Portaria n° 175/2011, de 28 de Abril, retira fundamento jurídico à tese do recorrente, na medida em que impõe que o custo de exame pericial (perícia de escrita manual) realizado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária seja considerado para efeitos de pagamento antecipado do processo, mesmo que o exame tenha sido elaborado para apoiar despacho de arquivamento de inquérito, ou de acusação, elaborado pelo Ministério Público.

Daqui resulta que a mera circunstância do exame ter sido realizado no exercício das atribuições exclusivas de coadjuvação da Polícia Judiciária, neste caso, ao Ministério Público, tal não afasta o dever legal de pagamento antecipado do valor correspondente ao exame.

Tal resulta, aliás, da jurisprudência dos Tribunais Superiores, já publicada, (...): “veja-se, a este propósito, os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 20/10/2015, proferido no processo n.°31/11.5TAMTL-A.El, relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador Dr. Alberto Borges; de 20/10/2015, proferido no processo n.°43/13 .4GAMTL-A.E 1, relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador Dr. Fernando Pina; de 03/12/2015, proferido no processo n.°120/l2.9PBBJA-B.El, relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador Dr. Alberto Borges; e 02/02/2016, proferido no âmbito do processo n.°95/11.1 GCBJA- B.E1, relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador Dr. Carlos Berguete Coelho, todos disponíveis em www.dgsi.pt)”.

Não se ignora que a respeito desta matéria foi elaborado o ofício emanado do Gabinete de Sua Excelência, a Ministra da Justiça, assinado pelo seu Chefe de Gabinete, datado 13 de Janeiro de 2012, segundo o qual “No âmbito da investigação criminal a realização de perícias e exames levados a cabo pela Polícia Judiciária, enquanto órgão que coadjuva as autoridades judiciárias, são actos praticados na prossecução das suas atribuições, destinando-se as notas de débito emitidas à demonstração dos recursos utilizados e respectivos custos para o erário público”.

(...) [Tem sido] invocado esse ofício para sufragar a tese de que as notas de débito não são assim para serem pagas pelas autoridades judiciárias. No entanto, esse alcance não resulta expressamente do seu teor e, mesmo que essa interpretação do ofício fosse possível, sendo a República Portuguesa um Estado de Direito Democrático, tal ofício nunca teria o efeito jurídico de revogar normas jurídicas expressas em Portaria (números 3 e 4 do citado artigo 2° da Portaria n° 175/2011, de 28 de Abril) — artigos 2°, 3.º, 2 e 3, ambos da Constituição da República Portuguesa.

Se o Governo pretender alterar o regime jurídico de pagamento antecipado das perícias, deverá revogar ou alterar as citadas normas da Portaria n° 175/2011, de 28 de Abril, que impõem o seu pagamento antecipado. Enquanto tal não suceder, mantém-se a sua obrigatoriedade.” (publicado in www.dgsi.pt, relatado por Jorge Langweg).
Pelo exposto, e salvo o devido respeito por entendimento diverso, entende-se ser de pagar a nota de débito, junta a fls. 416, o que se determina.».
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III- O Direito.

Sobre a temática da enunciada questão a decidir não existe total convergência na jurisprudência dos nossos tribunais, mas esta, maioritária e reiteradamente, vem interpretando as normas da Lei nº 37/2008 de 06/08, que regem a orgânica da Polícia Judiciária, e da Portaria 175/2011 de 28/04, que aprovou a tabela de preços a cobrar pela mesma entidade pela realização de perícias e exames, de modo a considerar que é devido o pagamento pela realização de tais perícias e exames e que estes constituem encargos processuais que, de acordo com a condenação, são imputados ao responsável pelas custas (1). E, como parece evidente, contra o resultado dessa interpretação não pode ser invocado o teor de um ofício assinado pelo Chefe de Gabinete da Ministra da Justiça, datado 13/1/2012: «No âmbito da investigação criminal a realização de perícias e exames levados a cabo pela Polícia Judiciária, enquanto órgão que coadjuva as autoridades judiciárias, são actos praticados na prossecução das suas atribuições, destinando-se as notas de débito emitidas à demonstração dos recursos utilizados e respectivos custos para o erário público».
Posição divergente foi tomada no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/05/2017 (p. 306/12.6JACBR-A.C1.) que decidiu: «Não são pagas as perícias ou exames feitos pela Polícia judiciária no âmbito da prossecução das suas atribuições legais».

Vejamos.

A interpretação jurídica tem por objecto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo, segundo o fundamental critério proporcionado pelo art. 9.º do C. Civil à orientação em tal tarefa, ao estipular que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1). O enunciado linguístico da lei é o ponto de partida e limite de toda a interpretação, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2) e, «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).

Importa que, a essa luz, nos debrucemos sobre as normas legais interpretandas.

A Portaria nº 175/2011 de 28/04, de acordo com o seu art. 1º, n.º 1, tem por objecto aprovar «a tabela de preços a cobrar pela Direcção-Geral de Reinserção Social, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e pela Polícia Judiciária por perícias e exames, relatórios, informações sociais audições e outras diligências ou documentos que lhes forem requeridos ou que por estes venham a ser deferidos a entidades públicas ou privadas».

O art. 2º, sob a epígrafe “Preços e pagamentos”, estipula no seu n.º 3 que «O custo das perícias e exames bem como dos instrumentos técnicos elaborados para apoiar as decisões das entidades judiciárias são considerados para efeitos de pagamento antecipado do processo».

Acrescenta o n.º 4 do mesmo preceito legal que «As perícias e os exames realizados pela Direcção-Geral de Reinserção Social, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal I. P. ou pela Policia judiciária são pagos directamente a essas entidades pelos tribunais ou pelas entidades públicas ou privadas não isentas que os requeiram, de acordo com a tabela de preços anexa à presente portaria».

Na parte introdutória à referida Portaria pode ainda ler-se «O n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto, estabelece que, pela realização de perícias e exames, o Instituto Nacional de Medicina Legal, I. P., recebe as quantias fixadas em tabela aprovada por portaria do Ministro da Justiça. (…) A Lei n.º 37/2008, de 6 de Agosto, que aprovou a Lei Orgânica da Polícia Judiciária, determina, na alínea b) do n.º 3 do artigo 46.º, que a Polícia Judiciária é responsável pela arrecadação de receitas próprias resultantes das quantias cobradas por actividades ou serviços prestados, designadamente pela realização de perícias e exames, enquanto o n.º 4 do mesmo artigo estabelece que aqueles montantes são pagos à Polícia Judiciária de acordo com uma tabela, aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.». Reconhecendo como missão da Polícia Judiciária «coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação, desenvolver e promover as ações de prevenção, deteção e investigação da sua competência ou que lhe sejam cometidas pelas autoridades judiciárias competentes» (art. 2º, n.º 1), determina a mesma Lei: «A PJ coadjuva as autoridades judiciárias em processos relativos a crimes cuja deteção ou investigação lhe incumbe realizar ou quando se afigure necessária a prática de atos que antecedem o julgamento e que requerem conhecimentos ou meios técnicos especiais» (art. 3.º, n.º 1).

De igual modo se extrai do mesmo diploma constituírem, entre outras, receitas da Polícia Judiciária as provenientes de dotações que lhe forem atribuídas no Orçamento do Estado, sendo da sua responsabilidade a arrecadação de diversas receitas próprias, designadamente «As quantias cobradas por atividades ou serviços prestados, designadamente (…), realização de perícias e exames», devendo tais quantias ser «pagas à PJ de acordo com a tabela aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área da Justiça» e consignadas «à realização de despesas da PJ durante a execução do orçamento do ano a que respeitam» (art. 46.º); Como despesas identifica o art. 47.º do mesmo diploma «as que resultem de encargos decorrentes da prossecução das atribuições que lhe são cometidas».

Da concatenação das normas citadas e das razões subjacentes à criação da Portaria nº 175/11, maxime do que resulta do respectivo preâmbulo, bem como do que dispõem os seus artigos 1º e 2º não se descortina que outra possa ser a sua leitura que não a do pagamento das referidas despesas.

Tais despesas, resultantes de exames e perícias, devem ser pagos directamente à Polícia Judiciária pelos tribunais ou pelas entidades públicas ou privadas não isentas que os requeiram, sendo tais custos considerados para efeitos de pagamento antecipado do processo, o que equivale a dizer que eles entrarão, a final, em regra de custas (2).
Com efeito, para além de tais verbas constituírem receitas próprias da mencionada entidade, a lei não faz qualquer distinção entre os casos em que a mesma actua no exercício das atribuições da sua competência exclusiva, no âmbito da sua missão de coadjuvação dos Tribunais, ou fora dela.

Esta é a interpretação que deve prevalecer por ser a que, na tarefa da interligação das normas citadas, melhor detecta o seu elemento racional ou teleológico e se ajusta à saciedade ao respectivo teor literal.

Foi o que, claramente, se expendeu no recente e já citado acórdão da Relação de Coimbra de 24-10-2018 (cf. nota 1): «a Portaria n.º 175/2011 [configurando, também, desenvolvimento da Lei n.º 37/2008], cujas normas pertinentes acima reproduzimos, versando especificamente sobre o pagamento dos custos, suportados pela instituição, v.g. com os exames e perícias, solicitados/requeridos pelos tribunais, de tão clara que se apresenta no seu elemento literal (…) posto que, não dispensando a interpretação da lei uma metodologia hermenêutica que convoque os elementos histórico, sistemático e teleológico, não pode, contudo, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não encontre na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (sentido possível da letra da lei), sendo de presumir haver o legislador exprimido em termos adequados o seu pensamento (artigo 9.º do Código Civil) - não nos suscita dúvida. Sem distinguir entre exames e/ou perícias realizadas no âmbito, ou à margem, do processo, isto é entre os casos em que a Polícia Judiciária atua, ou não, em coadjuvação das autoridades judiciárias, impõe aos tribunais o pagamento direto e antecipado àquela entidade dos respetivos custos. Outro entendimento deixaria por explicar quais seriam as «situações» em que os tribunais estariam vinculados ao pagamento (direto e antecipado). Por certo, tal não ocorreria por atos, de semelhante categoria, levados a efeito, à margem do dever de coadjuvação - artigo 2.º da Lei 37/2008, de 6 de agosto. Por outro lado, não se vê em que medida este último diploma é capaz de contrariar tal interpretação. Com efeito, as dotações da instituição, atribuídas no Orçamento do Estado, para o exercício da respetiva atividade não colide, como aliás resulta do n.º 3 do artigo 46.º da Lei n.º 37/2008, com o direito que lhe assiste às demais receitas resultantes da sua atividade, como são as previstas na alínea b) (do n.º 3 do dito artigo 46.º), onde se incluem os encargos (custos) decorrentes da realização de exames.»

Ou no igualmente já referido Acórdão da Relação de Évora de 22/9/2015 (p. 1/09.3GBBJA-B.E1), em que se escreveu: «perante o elemento literal, tão nitidamente assertivo, e, por isso, tão decisivo, não há que prosseguir pela hermenêutica em busca da melhor solução, nomeadamente analisando a teleologia das normas em causa. Aliás, no contexto da manifesta aflição financeira que Portugal tem vindo a viver nos últimos anos, a solução encontrada pelas ditas normas é até compreensível (na ótica do legislador, obviamente), respondendo ao interesse (sempre presente) da redução da despesa pública, ratio que parece estar inerente à criação das normas em questão (cobra-se um “preço” por perícias, por exames e por outras diligências, que é a adiantar pelo Tribunal, mas que, a final do processo, será a entrar em regra de custas - que, como é sabido, ficam a cargo do sujeito processual que nelas for condenado).».

Nesta linha de pensamento, não cabendo ao intérprete, na aplicação da norma, discutir a bondade da solução legislativa nela consagrada, também nós concluímos que os preceitos agora em causa preveem e estatuem expressamente o pagamento pelos Tribunais dos custos dos exames e perícias realizadas, também, em apoio às decisões do Órgão ao qual compete a investigação criminal.

E foi com base nesses preceitos e convocando o apoio da fundamentação do Acórdão da Relação do Porto de 24-05-2017 (p. 209/14.0TAVLC-A.P1) que a Senhora Juíza considerou que a redacção do nº 3 do citado art. 2º da Portaria n° 175/2011, de 28 de Abril, retira fundamento jurídico à tese do recorrente, na medida em que impõe que o custo de exame pericial em causa realizado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária seja considerado para efeitos de pagamento antecipado do processo, mesmo que o exame tenha sido realizado para apoiar despacho de arquivamento de inquérito, ou de acusação, elaborado pelo Ministério Público: a Senhora Juíza concluiu que foi intenção do legislador prever a possibilidade da Polícia Judiciária apresentar junto das entidades públicas ou privadas (aqui se englobando os Tribunais e o Ministério Público) o custo das perícias, exames que elaborem para apoiar as decisões de tais entidades, que constituirão receitas adicionais às directamente provindas do Orçamento de Estado.

Os argumentos avançados pelo recorrente, que se prendem com a “missão da Polícia Judiciária na coadjuvação das autoridades judiciárias na investigação”, a “iniciativa do pedido de exame” (não foi requerido) e a existência do “ofício emanado do Gabinete da Senhora Ministra da Justiça datado de 13.01.2012”, não abalam a clareza do texto normativo (os artigos da portaria, completados com as referências constantes do preâmbulo). Na verdade, os dois primeiros elementos avançados pelo recorrente quedam-se pelo enunciado de uma posição (interpretação da PGDL) face à norma (3) e o terceiro, desacompanhado da alteração ou revogação da norma aplicada, em concreto, revela-se de nenhuma valia interpretativa.

Assim, improcede o recurso.
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Decisão:

Nos termos expostos, acordam os juízes que compõem este tribunal em negar provimento ao recurso e, por consequência, em confirmar a decisão recorrida.

Sem tributação, por dela se encontrar isento o recorrente (art. 522º do CPP).
Guimarães, 3/12/2018

Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado
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1 Nesse sentido, registamos os acórdãos: da RE de 20-10-2015 (p. 43/13.4GAMTL-A.E1, 31/11.5TAMTL-A.E1 e 237/12.0GJBJA-A.E1), de 22-09-2015 (p. 1/09.3GBBJA-B.E1 e 27/12.0TABJA-A.E1), de 03-11-2015 (p. 67/11.6GCBJA-A.E1 e 225/12.6TABJA-A.E1), de 03-12-2015 (p. 120/12.9PBBJA-B.E1), de 02-02-2016 (p. 95/11.1GCBJA-B.E1); da RL de 22-05-2018 (p. 14/16.9SVLSB-A.L1-5) e 31-01-2017 (p. 291/13.7PAAMD-A.L1-5); da RC de 24-10-2018 (p. 2/14.0T9NLS-A.C1); da RP de 29-03-2017 (p. 11/14.4PFVNG-B.P1) e de 24-05-2017 (p. 209/14.0TAVLC-A.P1).
2 É o que resulta da conjugação das normas dos arts. 3º, nº 1, 16º, nº 1, alíneas a) e d), 20º, nº 2, 24º , nº 2,30º, nºs 1, 2 e 3º, alínea c) do Regulamento de Custas Processuais, aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro.
3 E também com apelo ao supra citado acórdão da Relação de Coimbra de 24-05-2017 (p. 306/12.6JACBR-A.C1).