Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
111/19.9T8VFL.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: SOCIEDADE POR QUOTAS
DESTITUIÇÃO DE GERENTE
JUSTA CAUSA
DESTITUIÇÃO AD NUTUM
IMPEDIMENTO DE VOTO
CONFLITO DE INTERESSES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/01/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFRIMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – O n.º 1 do art.º 257.º do C.S.C. consagra como princípio básico o da livre destituição dos gerentes de uma sociedade por quotas, mas se a sociedade tiver apenas dois sócios, a destituição com fundamento em justa causa só pode ser decidida pelo tribunal em acção intentada por um sócio contra o outro, nos termos impostos pelo n.º 5 daquele preceito legal, que é uma norma imperativa.
II – Se a destituição não se fundar em justa causa, poderá ser deliberada pela assembleia geral, mas o sócio-gerente destituendo já pode exercer o seu direito de voto na deliberação.
III – Não configura uma destituição ad nutum, isto é, sem motivação ou fundamento, aquela que é justificada com “a não contribuição mínima do sócio- gerente destituendo para a actividade da sociedade”, nem haver ele “procedido a qualquer acto para benefício dela”.
IV - O art.º 251.º do C.S.C., subjacente ao qual estão razões de moralidade e de justiça, enuncia um princípio geral no seu n.º 1, nos termos do qual o impedimento de votar existe quando, relativamente à matéria da deliberação, o sócio se encontre em situação de conflito de interesses com a sociedade.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- A) A. S., casado, residente na Rua …, n.º .., em Vila Flor, intentou procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais contra “F. J. & FILHOS, Lda.”, sociedade comercial por quotas, com sede na Rua …, n.º .., rés-do-chão esquerdo, também em Vila Flor, tendo em vista a suspensão das deliberações tomadas na assembleia geral da sociedade Requerida, realizada no dia 21 de Maio de 2019.
Fundamentou alegando, em síntese, que é sócio da sociedade Requerida, com uma quota do valor nominal de € 65.306,00 representativa de 50% do capital social; por convocatória datada de 2 de Maio de 2019, a qual vinha assinada por J. S., na sua qualidade de gerente, foi convocado para uma assembleia geral da sociedade Requerida, na qual ele, Requerente, se fez representar por advogada que foi compelida a abandonar as instalações da sede da referida sociedade, com a argumentação que a assembleia geral já tinha terminado, achando-se tratados todos os pontos da ordem de trabalhos, pelo que, nada mais havia a discutir e/ou deliberar.
Alegou ainda que ele, Requerente e o referido J. S. eram os únicos sócios e gerentes da sociedade Requerida, e que a mencionada assembleia geral visou destitui-lo das funções de gerente, alegando-se justa causa – sendo nisto que o sócio Requerente confiou quando recebeu a mencionada convocação – com o que a visada deliberação não é válida já que, atento o disposto no n.º 5 do art.º 257.º do C.S.C., a sua destituição das funções de gerente só podia operar-se por uma decisão judicial.
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B) J. S., residente na Estrada Nacional …, …, em Vila Flor, intentou procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais contra “F. J. & FILHOS, Lda.”, sociedade comercial por quotas, acima melhor identificada, tendo em vista a suspensão das deliberações tomadas na assembleia geral da sociedade Requerida, realizada no dia 24 de Maio de 2019.
Fundamentou alegando, em síntese, que é sócio da sociedade Requerida, sendo titular de duas quotas, uma no valor nominal de 37.409,84 € e a outra de 27.896,16 € (num total de 65.306,00 €, representativos de 50% do capital social); Por convocatória datada de 22 de Maio de 2019, a qual vinha assinada por A. S., foi convocado para uma assembleia geral da sociedade Requerida a realizar no dia 24 de Maio de 2019. Porém só recebeu a referida convocatória no dia 31 desse mês e, por isso, não esteve presente, não tendo tomado conhecimento da respectiva acta e nem das deliberações tomadas, pugnando, assim, pela nulidade da referida assembleia e das respectivas deliberações.
Concluiu peticionando a suspensão de todas as deliberações tomadas na assembleia geral convocada em 22-05-2019 e realizada pelo sócio A. S. em 24 de Maio de 2019.
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C) J. S. intentou novo procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais contra “F. J. & FILHOS, Lda.”, acima melhor identificada, requerendo a suspensão das deliberações tomadas na assembleia geral da sociedade Requerida iniciada em 19-07-2019 e terminada em 11-09-2019.
Para o efeito alegou, em síntese, que por convocatória, datada de 2 de Julho de 2019, a qual vinha assinada por A. S., foi convocado para uma assembleia geral da sociedade Requerida a realizar no dia 19 dos mesmos mês e ano, sem que tenha sido notificado do teor das deliberações tomadas na assembleia geral de 24-05-2019.
Mais alegou que, as deliberações tomadas em tal assembleia geral da sociedade Requerida, convocada pelo sócio A. S., são ilegais, por contrárias à lei e ao contrato da sociedade, e a sua execução irá causar inequívoca e inevitavelmente um dano apreciável, grave e dificilmente reparável, quer para si, Requerente, quer para a própria sociedade.
Mais referiu que o sócio A. S. invocando o impedimento de voto dele, Requerente, relativamente ao ponto dois da ordem de trabalhos -“Deliberar sobre a propositura de ação de exclusão da sociedade do sócio J. S.” - deliberou sozinho a exclusão dele, Requerente J. S., de sócio da sociedade Requerida.
Pugnou pela suspensão de todas as deliberações tomadas na assembleia geral da sociedade Requerida iniciada em 19-07-2019 e terminada em 11-09-2019.
Ambos os Requerentes, nos procedimentos cautelares que intentaram, pediram a inversão do contencioso, ao abrigo do disposto nos art.os 369.º e 376.º n.º 4 do Código de Processo Civil (C.P.C.), e, assim, que fosse decretada a dispensa de proporem a acção principal de anulação das deliberações, cuja suspensão cada um requer.
A sociedade Requerida foi devidamente citada.
Foi determinada a apensação do procedimento n.º 115/19.1T8VFL [actual apenso A] aos autos principais, assim como do procedimento n.º 160/19.7T8VFL [actual apenso B].
Nomeado representante especial da sociedade Requerida, ao abrigo do disposto no art.º 25.º, n.º 2 do C.P.C., este veio aos autos declarar ratificar o processado relativamente à oposição que havia sido apresentada no processo principal, e apresentou oposição nos apensos A e B.

Os autos prosseguiram os seus termos, havendo-se procedido à audiência final que culminou com a prolação de douta sentença, decidindo:
1. Julgar procedente, por provado, o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais a que correspondem os autos principais, requerido por A. S. contra “F. J. & FILHOS, Lda.”, ordenando a suspensão das deliberações tomadas na assembleia geral da sociedade Requerida, realizada no dia 21 de Maio de 2019, e, nos termos dos art.os 369.º e 382.º, ambos do C.P.C., em inversão do contencioso, determinar a dispensa do Requerente propor a acção de anulação das referidas deliberações.
2. Julgar procedente, por provado, o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais a que corresponde o Apenso A, requerido por J. S. contra F. J. & FILHOS, Lda., ordenando a suspensão das deliberações tomadas na assembleia geral da sociedade Requerida, realizada no dia 24 de Maio de 2019, e, nos termos dos art.os 369.º e 382.º, ambos do C.P.C., em inversão do contencioso, determinar a dispensa do Requerente propor a acção de anulação das referidas deliberações.
3. Julgar parcialmente procedente, por provado, o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais a que corresponde o Apenso B, requerido por J. S. contra “F. J. & FILHOS, Lda.”, ordenando a suspensão das deliberações tomadas na assembleia geral da sociedade Requerida iniciada em 19 de Julho 2019 e terminada em 11 Setembro de 2019, à excepção da deliberação, tomada nessa assembleia geral, que se reporta à destituição do gerente A. V., em jeito de renovação da deliberação tomada na assembleia geral anteriormente realizada no dia 24-05-2019 (sendo, por isso, nesta parte improcedente o respectivo procedimento cautelar a que corresponde o apenso B); e, nos termos nos termos dos art.os 369.º e 382.º, ambos do C.P.C., em inversão do contencioso, determinar a dispensa do Requerente propor a acção de anulação das referidas deliberações.
Inconformado, traz o Requerente J. S. o presente recurso pedindo a revogação da decisão relativa ao Processo Principal e ao Apenso B, no segmento em que manteve a deliberação de destituição do gerente A. V., nomeado na assembleia geral de 21/05/2019.
Contra-alegou a Sociedade Requerida propugnando para que se mantenha o decidido.
Na sequência do decidido na reclamação apresentada pelo Recorrente, o recurso veio a ser recebido como de apelação, com efeito suspensivo.
Colhidos, que se mostram, os vistos legais, cumpre decidir.
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II.- O Apelante/Requerente formulou as seguintes conclusões:

1ª. O recorrente não se conforma com a douta sentença no que diz respeito à decisão proferida no ponto 4.1 do dispositivo, que determinou a procedência do procedimento cautelar a que correspondem os autos principais, requerido por A. S., e ordenou a suspensão das deliberações tomadas na assembleia geral da sociedade Requerida realizada no dia 21 de Maio de 2019.
2ª. Desde logo, o recorrente considera indevidamente dado como provado o teor do ponto 3.1.9, que expressa “Pelas 18 horas e 04 minutos, quando a representante do Requerente A. S. se apresentou na sede da sociedade Requerida foi compelida a abandonar as referidas instalações, com argumentação de que, pelas 18 horas e 04 minutos, todos, e cada um, dos pontos da ordem de trabalhos já se achavam discutidos e tomadas as respectivas deliberações, pelo que a Assembleia havia já sido encerrada; e de que a advogada presente não era tida como legítima representante do Requerente A. S.;”, o qual, de acordo com fls 14 da douta sentença, “foi considerado demonstrado com base no depoimento prestado pela testemunha Dra. M. P.” – cfr. fls. 14 da douta sentença.
3ª. Tais factos são contraditórios com o teor dos factos provados nºs 3.1.14 e 3.1.18, cuja factualidade “resulta do teor da cópia da acta constante de fls. 62 e 63 dos autos principais.” (cfr. fls 13 da douta sentença), que constitui a Ata da AG de 21-5-2019.
4ª. Tal Ata constitui documento particular elaborado nos termos do artº 63º, nºs 1, do Código das Sociedades Comerciais (que estabelece que as deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas atas das assembleias) e dos artºs 364º e 373º, nº 1, do Código Civil.
5ª. Nos termos do artº 376º, nº 1, do Código Civil, tal documento particular “… faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento”, pelo que, não tendo sido arguida qualquer respetiva falsidade, a Ata que sustenta a deliberação tomada na assembleia geral de 21-5-2019 possui força probatória plena no que tange ao teor da deliberação em si, nem sequer admitindo, quanto a tal, a produção de prova testemunhal – cfr. artºs 393º, nº 2 e 394º, nº 1, do Código Civil.
6ª. Nestes pressupostos, por contrário ao dado como provado nos pontos 3.1.14 e 3.1.18 (com base na referida Ata), não era legalmente possível dar como provado o teor do ponto 3.1.9, devendo agora considerar-se como não provado:
- Que a representante do Requerente A. S. se apresentou na sede da sociedade Requerida pelas 18 horas e 04 minutos, exatamente porque efetivamente eram 18.09 horas, conforme expressa a Ata;
- Que a mesma Senhora Representante foi compelida a abandonar as instalações, com argumentação “de que, todos, e cada um, dos pontos da ordem de trabalhos já se achavam discutidos e tomadas as respetivas deliberações, pelo que a Assembleia havia já sido encerrada”, uma vez que, conforme Ata e ponto 3.1.14 dos factos provados, “Pelo facto do sócio A. S. não ter estado presente na assembleia geral de 21-05-2019, os pontos 2 e 3 da ordem de trabalhos foram considerados prejudicados e não determinaram qualquer deliberação;”.

Acresce que:
7ª. A douta sentença julgou procedente o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais tomadas na assembleia geral de 21 de maio de 2019 com base no seguinte fundamento (cfr. fls 22):“Nestes termos, em face das citadas disposições legais e das considerações acima tecidas, e sem necessidade de mais considerandos, resta apenas concluir que as deliberações tomadas nas assembleias gerais em causa, realizadas em 21 de Maio de 2019, em 24 de Maio de 2019, bem como, a assembleia geral iniciada em 19 de Julho de 2019 e terminada em 11 de Setembro de 2019, são todas elas feridas de nulidade, ao abrigo do disposto no artigo 56.º n.º 1 alínea d), por violação do disposto no artigo 257.º n.º 5, ambos do Código das Sociedades Comerciais”.
8ª. Ocorre todavia que, tendo em conta o teor da respetiva convocatória e da Ata de 21-5-2019 / factos provados sob os nºs 3.1.2, 3.1.3 e 3.1.18, que se dão por integralmente reproduzidos, resulta que o sócio A. S. não foi destituído de gerente por motivo de justa causa, razão pelo que é inaplicável aquele nº 5 do artº 257º do CSC.
9ª. Como daí resulta, o sócio A. S. foi destituído de gerente, apenas, porque ás 18.00 h, data em que se iniciou a discussão do ponto um da ordem de trabalhos, não estava presente, nem se havia feito representar para o efeito, não tendo por isso votado contra, aquando da discussão daquele assunto da ordem de trabalhos.
10ª. Tendo uma participação social representativa de 50% do capital social (Cfr. ponto 3.1.1 dos factos provados), se o A. S. tivesse estado presente ou representado, e votado contra, não teria sido formada deliberação social e, por decorrência, não teria sido destituído de gerente.
11ª. Desta forma, a destituição do A. S. como gerente foi deliberada de forma legítima, legal e válida, nos termos conjugados dos artºs 246º, nº 1 e al. d), 257º, nºs 1 e 7, do CSC.

Acresce ainda que:
12ª. Como também resulta do respetivo ponto 3.1.18 dos factos provados e respetiva Ata de 21-5-2019, na referida assembleia geral de 21-5-2019 foi ainda deliberado pelo socio presente que “Ainda no âmbito do ponto um da ordem de trabalhos é nomeado novo gerente da sociedade A. V. com NIF ......... residente em freguesia de ...., concelho de Vila Flor.”
13ª. Tal deliberação tem enquadramento legal no artigo 7º, nº 1, do Pacto Social da sociedade requerida, quando estabelece que “1. A Administração e representação da sociedade pertencem aos gerentes que forem eleitos em assembleia geral”, e no disposto nos artºs 246º, nº 2, al. a), do CSC.
14ª. Pelo que, da mesma forma, tal deliberação foi legítima, legal e válida, inexistindo qualquer fundamento para declarar, como se declarou, a sua nulidade.
15ª. Donde se conclui e pugna no sentido de que as deliberações tomadas na assembleia geral realizada em 21 de Maio de 2019 são totalmente válidas, não padecendo da nulidade a que alude o artº 56º, nº 1, al. d), nem violarem o disposto no artigo 257.º n.º 5, do CSC, com o que deve ser revogada a douta sentença.

SEM PRESCINDIR:
16ª. O recorrente também não se conforma com a douta sentença no que diz respeito à decisão proferida no ponto 4.3 do dispositivo, que determinou a improcedência do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais tomadas na assembleia geral iniciada em 19 de Julho 2019 e terminada em 11 Setembro de 2019, no que “se reporta à destituição do gerente A. V., em jeito de renovação da deliberação tomada na assembleia geral anteriormente realizada no dia 24-05-2019”
(Apenso B, anterior procedimento cautelar nº 160/19.7T8VFL) / Ponto 4.3 do dispositivo.
17ª. Sublinha-se que nos termos do ponto 3.1.21 dos factos dados como provados, a convocatória para a assembleia geral a realizar em 19-7-2019 determinava como primeiro ponto da ordem de trabalhos “Ponto Um - Deliberar sobre a renovação das deliberações tomadas na assembleia de 24 de maio de 2019”.
18ª. Quanto a esta matéria (dando-se como integralmente reproduzido o teor da Ata da assembleia geral iniciada em 19 de Julho 2019 e terminada em 11 Setembro de 2019, e ainda os factos dados como provados 3.1.25 a 3.1.30 ( cfr. fls 9 e ss), resulta desde logo inequívoco que a convocatória para a assembleia geral que se iniciou a 19-7-2019 não foi acompanhada de cópia da Ata relativa á Assembleia Geral de 24-5-2019, cujo teor o ora recorrente não conhecia, e continuou a não conhecer no decurso daquela Assembleia Geral, terminada em 11 Setembro de 2019.
19ª. Tanto assim que, conforme resulta expresso nos autos, a Ata relativa à Assembleia Geral de 24-5-2019 só foi disponibilizada ao ora recorrente, apenas, na audiência de discussão e julgamento realizada em 3-2-2019.
20ª. Desta forma, verifica-se, a assembleia geral iniciada em 19-07-2019 não foi precedida do fornecimento ao sócio ora recorrente dos elementos mínimos de informação relativamente àquele Ponto Um da ordem de trabalhos, que tinha por objeto “Deliberar sobre a renovação das deliberações tomadas na assembleia de 24 de maio de 2019”.
21ª. De onde decorre a ilegalidade da deliberação tomada quanto a esse Ponto Um da Ordem de Trabalhos, por falta de fornecimento prévio dos elementos mínimos de informação relativamente ao mesmo, o que a torna anulável nos termos do artº 58º, nº 1, al. c), do CSC.
22ª. Tal circunstância deveria ter determinado a suspensão de todas as deliberações tomadas naquela assembleia geral iniciada em 19-7-2019, relativas ao ponto um da ordem de trabalhos, o que agora se impõe, com a revogação da douta sentença.

Acresce que:
23ª. Como fundamento para este mesmo segmento decisório (que julgou improcedente a suspensão da deliberação tomada na assembleia geral iniciada em 19 de Julho 2019 e terminada em 11 Setembro de 2019, no que “se reporta à destituição do gerente A. V., em jeito de renovação da deliberação tomada na assembleia geral anteriormente realizada no dia 24-05-2019), a douta sentença expressou a fls 22 e 23 apenas que “Pois, no que a esta deliberação diz respeito, importa apenas referir que, resultando da factualidade que se deu como demonstrada que o sócio J. S. se encontrava impedido de votar por se encontrar numa situação de conflito de interesses, a deliberação apenas foi votada e aprovada pelo sócio A. S., nenhuma violação da lei daí resultando que possa afectar tal deliberação de invalidade.”
24ª. ORA, desde logo, como resulta do teor da respetiva Ata e dos factos provados, não existe qualquer razão ou fundamento legalmente atendível que justificasse o impedimento de voto por parte do sócio J. S., ora recorrente, relativamente à matéria relacionada com a destituição do gerente A. V., não se vislumbrando qualquer “conflito de interesses”.
25ª. Pelo que, considera-se, ao declarar o impedimento de voto do sócio J. S. relativamente a tal matéria, o socio A. S. excedeu manifestamente o limite imposto pela boa-fé e pelo fim social ou económico do seu direito, em flagrante abuso do direito e ilegalidade que se invoca nos termos do artº 334º, do Código Civil.
26ª. POR SUA VEZ, a douta sentença também não indica, explica ou fundamenta minimamente de que modo é que a votação relativa à renovação da deliberação de 24-5-2019, de destituição do gerente A. V., constituía e traduzia “uma situação de conflito de interesses” para o socio J. S., ora recorrente, de modo a impedi-lo, como impediu, de exercer o seu direito de voto.
27ª. Mais: A douta sentença não elucida minimamente porque razão o sócio J. S. estava impedido de votar sobre tal assunto, designadamente, qual o respetivo enquadramento legal á luz do artº 251º, do CSC, que não foi respeitado.
28ª. Pelo que, ao contrário do expresso na douta sentença, tem de concluir-se que inexiste qualquer razão para considerar que, da factualidade provada, se possa dar como demonstrado que o sócio J. S. se encontrava impedido de votar por se encontrar numa situação de conflito de interesses.
29ª. O que, salvo melhor opinião, impõe a revogação da douta sentença, sendo agora doutamente determinada (também) a procedência do pedido de suspensão da deliberação tomada na assembleia geral iniciada em 19 de Julho 2019 e terminada em 11 Setembro de 2019, no que “se reporta à destituição do gerente A. V., em jeito de renovação da deliberação tomada na assembleia geral anteriormente realizada no dia 24-05-2019.”
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do C.P.C., sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Consideradas as conclusões acima transcritas, cumpre:
- reapreciar a decisão de facto no segmento fáctico impugnado;
- reapreciar a decisão de mérito.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

IV.- O Tribunal a quo julgou provado que:
[Relativamente aos autos principais (procedimento n.º 111/19.9T8VFL)]

3.1.1. O Requerente A. S. é sócio da sociedade Requerida, no capital social da qual detém uma quota do valor nominal de € 65.306,00 representativa de 50 % do mesmo;
3.1.2. Nessa qualidade, recepcionou em 6 de Maio de 2019, através de carta registada com aviso de recepção dirigida ao seu domicílio, uma convocatória para que, se assim o entendesse, estivesse presente numa assembleia geral da sociedade Requerida, de natureza ordinária, a realizar na sede da mesma dita sociedade, em 21 de Maio de 2019, pelas 18 horas;
3.1.3. Para discussão e votação da seguinte ordem de trabalhos:
“Ponto Um – Apreciação da gerência exercida pelos gerentes no último exercício, e eventual destituição de gerente e de nomeação de novo gerente;
Ponto Dois – Dar cumprimento ao acordado pelos sócios no Contrato celebrado no dia 31 de janeiro de 2018, com a inerente adoção das medidas concretas necessárias.
Ponto Três – Outros assuntos.”;
3.1.4. A convocatória, datada de 2 de Maio de 2019, vinha assinada por J. S., na sua qualidade de gerente;
3.1.5. O Requerente A. S. e o sócio J. S. eram os únicos gerentes da sociedade Requerida;
3.1.6. Em 10 de Maio de 2019, o Requerente A. S. dirigiu à Requerida (na pessoa do gerente que convocou a assembleia-geral: J. S.) uma carta, que expediu registada com A/R, onde solicitava que fosse incluído na ordem do dia o seguinte ponto:
“Apreciação da gerência exercida pelo gerente J. S., e eventual destituição do mesmo com justa causa.”;
3.1.7. Em 14 de Maio de 2019, a sociedade Requerida, na pessoa do seu gerente J. S. fez saber ao Requerente A. S. que a pretensão daquele não iria ser atendida e que, em tudo, se manteria a convocação efectuada em 2 de Maio de 2019;
3.1.8. O Requerente A. S. requereu oportunamente a sua representação através da advogada M. P. a quem, para o efeito conferiu procuração com poderes especiais outorgada na Conservatória de Registo de … (entidade à qual se acham conferidas as funções de notário no concelho de Vila Flor);
3.1.9. Pelas 18 horas e 04 minutos, quando a representante do Requerente A. S. se apresentou na sede da sociedade Requerida foi compelida a abandonar as referidas instalações, com argumentação de que, pelas 18 horas e 04 minutos, todos, e cada um, dos pontos da ordem de trabalhos já se achavam discutidos e tomadas as respectivas deliberações, pelo que a Assembleia havia já sido encerrada; e de que a advogada presente não era tida como legítima representante do Requerente A. S.;
3.1.10. Em 31 de Janeiro de 2018, não pretendendo os sócios da Requerida manter qualquer actividade social através desta sociedade, celebraram, entre si, um contrato em que acordaram a inactividade da sociedade com vista à sua dissolução e liquidação, ajustando os termos da partilha do activo remanescente (após pagamento do passivo);
3.1.11. A Requerida é uma sociedade por quotas, cujo objeto social é a “Construção de edifícios. Compra e venda de bens imobiliários e arrendamento de bens imobiliários”, com o capital social de 130.612,00 € integralmente subscrito e realizado em dinheiro;
3.1.12. O capital social encontra-se dividido em três quotas, da propriedade de dois sócios com igual participação social, em que o sócio requerente A. S. é titular de uma outra quota no valor nominal de 65.306,00 € e o outro sócio, J. S., é titular de duas quotas, no valor nominal respetivo de 37.409,84 € e 27.896,16 € (num total de 65.306,00 €);
3.1.13. A partir de Setembro de 2017, o socio A. S. foi nomeado gerente, continuando também gerente o socio J. S., tendo a sociedade passado a obrigar-se pela intervenção conjunta daqueles dois gerentes;
3.1.14. Pelo facto do sócio A. S. não ter estado presente na assembleia geral de 21-05-2019, os pontos 2 e 3 da ordem de trabalhos foram considerados prejudicados e não determinaram qualquer deliberação;
3.1.15. Em 10 de Maio de 2019, o Requerente A. S. comunicou à sociedade Requerida que “…a ordem de trabalhos definitiva para a Assembleia Geral convocada para o dia 21 de maio de 2019, pelas 18:00 horas, na sede social, passa a ser a seguinte:
Primeiro: Apreciação da gerência exercida pelos gerentes no último exercício, e eventual destituição de gerente e nomeação de novo gerente;
Segundo: Apreciação da gerência exercida pelo gerente J. S., e eventual destituição do mesmo;
Terceiro: Outros assuntos.”
3.1.16. O sócio e gerente J. S. solicitou a presença, nessa assembleia, do respetivo Contabilista Certificado da sociedade Requerida, Sr. J. P., do trabalhador por conta deste, e que processa os respetivos documentos contabilísticos, Sr. F. P., e ainda do mandatário;
3.1.17. Chegadas as 18.00 horas, não estava mais ninguém na sede da sociedade, designadamente, não estava o sócio A. S., nem ninguém que se tivesse apresentado para o representar;
3.1.18. Do teor da acta datada de 21 de Maio de 2019 consta:
A assembleia tem a seguinte ordem de trabalhos:
Ponto um: Apreciação da gerência exercida pelos gerentes no último exercício, eventual destituição de gerente e nomeação de novo gerente,-
Ponto dois: dar cumprimento ao acordado pelos sócios no contrato celebrado no dia 31 de janeiro de 2018, com a inerente adoção das medidas concreta necessárias.
Ponto três: outros assuntos.
(…)
Na ausência do sócio A. S. assumiu a presidência da assembleia geral o sócio J. S., que pelas 18.00 horas deu início aos trabalhos e relativamente ao ponto um da ordem de trabalhos deliberou o seguinte: tendo em conta que no último exercício não contribui minimamente para a actividade da sociedade nem procedeu a qualquer ato para benefício desta, é destituído da gerência o sócio A. S..
Ainda no âmbito do ponto um da ordem de trabalhos é nomeado novo gerente da sociedade A. V. com NIF ......... residente em freguesia de ...., concelho de Vila Flor.
Neste momento pelas dezoito horas e nove minutos entrou no local a Sr. Dr. M. P., advogada (…) a qual, invocando ter poderes para representar o sócio A. S. nesta assembleia geral entregou ao sócio J. S. uma procuração alegadamente comprovativa de tais poderes com data de vinte um de maio de 2019 e respetivo termo de autenticação.
Em sequência o sócio J. S. comunicou lhe que não poderia participar nesta assembleia geral…
(…)
De seguida e por não se encontrar presente o sócio A. S. considerou-se prejudicado o assunto indicado no ponto dois da ordem de trabalhos bem como qualquer outro assunto.”
3.1.19. A acta datada de 21 de Maio de 2019 encontra-se assinada apenas por J. S.;
[Relativamente ao apenso A (anterior procedimento n.º 115/19.1T8VFL)]
3.1.20. A partir de 21-05-2019, a sociedade passou a vincular-se com a intervenção conjunta dos dois gerentes, o sócio J. S. e o não socio A. V.;
3.1.21. Em 31 de Maio de 2019, o Requerente J. S. foi notificado de uma convocatória emitida e expedida pelo socio A. S., com data de 22 de Maio de 2019, para uma Assembleia Geral de sócios a realizar no dia 24 de Maio de 2019 (dois dias depois), pelas 14.00 horas, com o seguinte teor e ordem de trabalhos:
Assunto Convocatória. 22/05/2019
Exmo. Senhor,
Na qualidade de gerente da sociedade F. J. & Filhos, Lda., venho convocar a assembleia da sociedade para o dia 24 de maio de 2019, às 14 horas, a realizar na sede social sita na Rua … Vila Flor, com a seguinte ordem de trabalhos:
PONTO UM - Apreciação da gerência exercida pelos gerentes no último exercício e eventual destituição de gerente e nomeação de novo gerente.
PONTO DOIS - Apreciação da gerência exercida pelo gerente J. S. e eventual destituição do mesmo.
A convocação da assembleia, com um prazo tão curto, fica a dever-se à forma absolutamente irregular e em violação grosseira e manifesta da lei como decorreu a última assembleia e por forma a permitir repor, de imediato, a legalidade e o regular funcionamento da sociedade.”;
3.1.22. O sócio A. S. não remeteu ao Requerente J. S. cópia da respetiva acta relativa aquela assembleia geral;
3.1.23. Do teor da acta datada de 24 de Maio de 2019 consta:
De seguida o Presidente declarou que admitia à discussão e deliberação os pontos números um e dois da seguinte ordem de trabalhos:
Ponto Um: Apreciação da gerência exercida pelos gerentes no último exercício, e eventual destituição de gerente e nomeação de novo gerente;
Ponto Dois: Apreciação da gerência exercida pelo gerente J. S., e eventual destituição do mesmo.
O sócio A. S. entrou no ponto um da ordem de trabalho e referiu que foi confrontado hoje em momento prévio ao início desta assembleia geral, por consulta à certidão permanente da empresa, que estão designados gerentes da citada sociedade o sócio J. S. e A. V., este último por deliberação de vinte e um de maio de dois mil e dezanove, pelo que declarou deliberar a destituição de gerente de A. V. por a nomeação do mesmo ser contrária aos interesses da sociedade.
O sócio A. S. referiu também que o gerente J. S. tem violado, sistematicamente, os seus deveres como gerente, …
(…)
“Posta a votação o ponto um da ordem de trabalho, o sócio A. S. votou a favor da destituição dos gerentes J. S. e A. V. e declarou que atenta a justa causa das destituições entende que estas devem ter efeito imediato.
3.1.24. A acta datada de 24 de Maio de 2019 encontra-se assinada por A. S. e pela Conservadora de Registos em exercício de funções notariais;
[Relativamente ao apenso B (anterior procedimento n.º 160/19.7T8VFL)]
3.1.25. Em 3 de Julho de 2019, o ora Requerente J. S. recebeu uma convocatória emitida, assinada e expedida em 2 de Julho de 2019 pelo sócio A. S., para uma assembleia geral de sócios da sociedade Requerida, a realizar no dia 19 de Julho de 2019, pelas 15.00 horas, com o seguinte teor e respetiva ordem de trabalhos:
Assunto: CONVOCATÓRIA
Nos termos legais, convocam-se os sócios da sociedade comercial "F. J. & FILHOS, Lda." (NIPC ………):
- A. S., titular de uma quota no valor nominal de € 65.306,00 (sessenta e cinco mil trezentos e seis euros), representativa de 50% do capital investido; e
- J. S., titular de duas quotas, uma no valor nominal de € 37.409,84 (trinta e sete mil quatrocentos e nove euros e oitenta e quatro cêntimos) e outra do valor nominal de € 27,896,16 (vinte e sete mil oitocentos e noventa e seis euros e dezasseis cêntimos) representativas, no seu conjunto, de 50% do capital investido, para uma ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA, que se realizará no dia 19 de julho de 2019, pelas 15 horas, na sede social da empresa, com a seguinte Ordem de Trabalhos
Ponto Um - Deliberar sobre a renovação das deliberações tomadas na assembleia de 24 de maio de 2019.
Ponto Dois - Deliberar sobre a propositura de ação de exclusão da sociedade do sócio J. S..
Vila Flor, 2 de julho de 2019
O sócio,
(investido nas funções de gerente nos termos do artº 253, n°. 1 do Código das Sociedade Comerciais)”;
3.1.26. Tal convocatória não foi acompanhada de cópia da acta relativa à assembleia geral de 24-05-2019;
3.1.27. Tal assembleia geral decorreu em três sessões: Iniciou-se efetivamente no dia 19-07-2019, pelas 15.00 horas e foi suspensa pelas 16.20 horas; reiniciou-se no dia 20-08-2019, pelas 10.10 horas, tendo sido objeto de nova suspensão; e prosseguiu no dia 11-09-2019, pelas 10.14 horas, data em que foi encerrada pelas 13.15 horas;
3.1.28. Tendo os dois sócios igual participação social, o sócio A. S. (que convocou a assembleia geral) assumiu a presidência da mesma assembleia geral, por ser o sócio mais velho;
3.1.29. Do teor da acta da assembleia geral iniciada em 19 de Julho de 2019 e terminada em 11 de Setembro de 2019 consta:
“… aberta a Assembleia Geral para deliberar sobre a seguinte ordem de trabalhos:
Ponto um – Deliberar sobre a renovação das deliberações tomadas na assembleia geral realizada no dia 24 de maio de 2019.
Ponto dois – Deliberar sobre a propositura de acção de exclusão da sociedade do sócio J. S..
(…)
O sócio J. S. referiu que “tal convocatória não foi acompanhada de cópia da ata relativa aquela referida assembleia geral de 24 de maio de 2019, cujo teor das respetivas deliberações o sócio J. S. desconhece, verifica-se, assim, que não foi acompanhada dos elementos mínimos de informação que lhe permitam deliberar e exercer plenamente o seu direito de voto sobre o ponto um da ordem de trabalhos…”.
O sócio A. S. disse que “como questão prévia quanto à deliberação do ponto um da ordem de trabalhos, afirma que não admitirá a votar J. S. já que o mesmo se acha impedido de o fazer nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 251.º do Código das Sociedades Comerciais.”
(…)
Pelo Presidente desta Assembleia Geral foi então dito que declarava suspensa a Assembleia Geral às dezasseis horas e vinte minutos e que designava o próximo dia vinte de agosto pelas dez horas para prosseguimento da Assembleia Geral na sede da sociedade.
Pelas dez horas e dez minutos do dia vinte de agosto de dois mil e dezanove (…) prosseguiram os trabalhos da Assembleia Geral da sociedade (…) iniciados e suspensos no dia dezanove de julho de dois mil e dezanove.
(…)
Pelo Presidente desta Assembleia Geral foi então dito que declarava aberta a segunda sessão da Assembleia Geral e que propunha que se mantivessem em suspenso os trabalhos da Assembleia Gera, devendo haver apenas o prosseguimento dos trabalhos no dia onze de setembro de dois mil e dezanove, pelas dez horas na sede da sociedade.
Pelas dez horas e catorze minutos do dia onze de setembro de dois mil e dezanove (…) prosseguiram os trabalhos…
(…)
Também pelas razões acima explanadas e que determinam o impedimento de voto do sócio J. S., o gerente A. V. deve ser destituído das funções de gerente. Neste sentido, declaro aprovado o ponto um da ordem de trabalhos por ter sido obtida a unanimidade dos votos expressos e, consequentemente, declaro renovadas as deliberações tomadas na acta da Assembleia Geral da sociedade realizada em vinte e quatro de maio de dois mil e dezanove.”
O sócio J. S. interveio e declarou “Não é verdade o acabado de expor pelo sócio A. S. que carece de qualquer fundamento. Voto contra por este motivo e pelos motivos já antes expostos e já constantes desta ata.
O sócio A. S. interveio e declarou “Na minha condição de Presidente da Assembleia Geral não admito a votação o sócio J. S. dado que o tenho por impedido de votar nos termos já citados do Código das Sociedades Comerciais e passo ao ponto dois da ordem de trabalhos.”
(…)
“O sócio A. S. declarou “Só agora se colocando em votação o ponto dois da ordem de trabalhos, a exclusão de sócio de J. S., declaro, nos termos da alínea d) do número 1 do artigo 251.º do Código das Sociedades Comerciais, que o mesmo dito sócio J. S. se considera impedido de votar quanto à matéria em deliberação por se encontrar claramente numa manifesta situação de conflito de interesses. Declaro a proposta, nos exatos termos exarados, aprovada por obter a unanimidade dos votos expressos (voto favorável do sócio A. S.).
Pelo sócio J. S. foi declarado “não concordo e voto contra pelos motivos já expostos anteriormente e já constantes desta ata. (…)”
Pelo sócio A. S. foi declarado “mantenho a deliberação nos termos expressos e por nada mais haver a tratar declaro encerrada a sessão pelas onze horas e doze minutos…”.
3.1.30. A acta da assembleia geral iniciada em 19 de Julho de 2019 e terminada em 11 de Setembro de 2019 encontra-se assinada por A. S., J. S. e pela Conservadora dos registos em exercício de funções notariais.
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V.- O Apelante impugna a decisão de facto.
a) O art.º 640.º do C.P.C. enumera os ónus que ficam a cargo do recorrente, sendo que a cominação para a inobservância do que aí se impõe é a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
O Apelante cumpriu com todos os ónus que aquele dispositivo legal impõe, enunciados nas três alíneas do n.º 1 (não invoca prova pessoal), posto que, de modo inequívoco, indicou o ponto da decisão de facto que tem por incorrectamente julgado, apresentou o seu projecto de decisão, e enunciou os argumentos em que fundamenta o seu dissenso.
Não há, assim, obstáculo legal a que se reaprecie a decisão de facto, no segmento fáctico impugnado.
b) Na reapreciação da decisão da matéria de facto impõe-se observar o que dispõe o art.º 662.º do C.P.C., que, como ficou a constar da “Exposição de Motivos”, tem subjacente a intenção de reforçar os poderes da Relação enquanto instância de recurso também quanto à matéria de facto, com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal, baseado apenas no ónus da prova, privilegiando o apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.
Assim, não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente, na reapreciação da matéria de facto a Relação avalia livremente todas as provas carreadas para os autos, valora-as e pondera-as recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas, de modo a formar a sua própria convicção.
c) Pretende o Apelante que se altere a decisão de facto no segmento fáctico constante do n.º 3.1.9, no qual se diz que: “Pelas 18 horas e 04 minutos, quando a representante do Requerente A. S. se apresentou na sede da sociedade Requerida foi compelida a abandonar as referidas instalações, com argumentação de que, pelas 18 horas e 04 minutos, todos, e cada um, dos pontos da ordem de trabalhos já se achavam discutidos e tomadas as respectivas deliberações, pelo que a Assembleia havia já sido encerrada; e de que a advogada presente não era tida como legítima representante do Requerente A. S.”.

Mais concretamente, pretende que se julgue não provado que:

- “a representante do Requerente A. S. se apresentou na sede da sociedade Requerida pelas 18 horas e 04 minutos”, argumentando que, efetivamente, eram 18.09 horas, conforme expressa a Acta;
- “a mesma Senhora Representante foi compelida a abandonar as instalações, com argumentação “de que, todos, e cada um, dos pontos da ordem de trabalhos já se achavam discutidos e tomadas as respetivas deliberações, pelo que a Assembleia havia já sido encerrada”, argumentando que o ponto de facto n.º 3.1.14 dos factos provados expressamente refere que: “Pelo facto do sócio A. S. não ter estado presente na assembleia geral de 21-05-2019, os pontos 2 e 3 da ordem de trabalhos foram considerados prejudicados e não determinaram qualquer deliberação;”.
Conquanto a facticidade impugnada (no reduzido formato que resulta da proposta de decisão) tenha um interesse assaz diminuto para a decisão – quando muito, o de revelar, de certa forma, as motivações das Partes -, não deixaremos de apreciar a questão suscitada.
O essencial da argumentação do Apelante é, como consta das conclusões 3.ª a 5.ª, o da existência de contradição entre o segmento fáctico impugnado e “o teor dos factos provados” n.os 3.1.14 e 3.1.18, cuja factualidade “resulta do teor da cópia da acta constante de fls. 62 e 63 dos autos principais”, escudando-se ainda no valor probatório deste documento – enquanto documento particular, defende, elaborado de acordo com o disposto no art.º 63.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais (C.S.C.), ele faz prova plena “no que tange ao teor da deliberação em si”, não admitindo, sequer, a produção de prova testemunhal.
O Tribunal a quo fundamentou a decisão quanto ao supramencionado ponto de facto afirmando que “foi considerado demonstrado com base no depoimento prestado pela testemunha Dra. M. P., o qual se revelou claro e objectivo sobre a matéria em causa, conferindo-lhe o Tribunal credibilidade.”.
Nos n.os 3.1.14 e 3.1.18 (assim como 3.1.19), transcreveu-se a acta cuja cópia consta de fls. 62 e 63 dos presentes autos (processo principal).
Em boa verdade, não existe contradição entre os segmentos fácticos visados, que poderiam até terem sido sequenciais.
Com efeito, apesar de haver sido no último parágrafo da acta, depois de relatado o comparecimento da Sr.ª Dr.ª M. P., que ficou registado que “por não se encontrar presente o socio A. S. considerou-se prejudicado o assunto indicado no ponto dois da ordem de trabalhos bem como qualquer outro assunto” tal não significa que esta “deliberação” (em sentido impróprio) quanto aos pontos dois e três da “ordem de trabalhos” não tenha sido “tomada” quando foi expressada à referida Sr.ª Advogada, pelo próprio Apelante (crê-se), já que era o único sócio presente, e “assumiu a presidência da assembleia”, decidindo, por isso, sozinho. Acresce que, não tendo o interlocutor, não havia como “dar cumprimento ao acordado pelos sócios no contrato celebrado no dia 31 de Janeiro de 2018, com a inerente adoção das medidas concretas necessárias” e, por consequência, quanto a esta parte nada podia “deliberar”.
Quanto à diferença de escassos cinco minutos entre a hora que foi declarada (com credibilidade) pela referida Sr.ª Dr.ª M. P. e aquela que ficou registada em acta, pode, pela natureza das coisas, pelo normal do acontecer, atribuir-se à diversidade do momento em que cada um consultou o seu relógio para registar a hora em que o facto ocorreu, ou mesmo ao desacerto das horas entre o relógio que cada um consultou.
De todo o modo, e no que se refere à acta, posto que não está em causa o teor de uma deliberação mas apenas o simples registo de uma incidência factual, o tribunal dispõe de liberdade de apreciação do seu valor probatório.
Não se vê, pois, fundamento consistente para alterar a decisão nos termos que o Apelante pretende, destarte se recusando provimento a este segmento do recurso.
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VI.- Cabendo aos sócios da sociedade por quotas deliberar sobre a destituição e a designação de gerentes, nos termos do disposto, respectivamente, na alínea d) do n.º 1 e na alínea a) do n.º 2, do art.º 246.º do C.S.C., a designação de gerentes há-de obedecer às regras enunciadas no art.º 252.º, e a destituição só é válida se forem observados os princípios estabelecidos no art.º 257.º, do mesmo Código (como o serão todas as disposições legais infra citadas sem menção do respectivo Diploma).
O princípio básico, consagrado no n.º 1, é o de que a destituição é livre, ou seja, como refere ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO “o da livre revogabilidade da sua situação por acto unilateral e discricionário da sociedade” (in “Direito das Sociedades”, vol. II, Almedina, 2014, pág. 431).
Este princípio conhece, porém, alguns ajustamentos.
Assim, o contrato de sociedade pode exigir uma maioria qualificada para a deliberação de destituição, exigência que, porém, é afastada se a destituição se fundar em justa causa, caso em que é suficiente uma maioria simples, de acordo com o disposto no n.º 2.
Por outro lado, se o contrato de sociedade atribuir a um sócio um direito especial à gerência, a cláusula contratual não pode ser alterada sem o consentimento desse mesmo sócio. Também aqui, porém, havendo justa causa para a destituição, ela pode ser requerida judicialmente pela sociedade, precedendo deliberação dos sócios nesse sentido, conforme o estabelecido no n.º 3, sendo que o sócio destituendo está impedido de votar por haver conflito de interesses, nos termos do disposto na alínea f) do n.º 1 do art.º 251.º.
Sem embargo o n.º 4 permite que, no caso de haver justa causa, qualquer sócio possa requerer a suspensão e a destituição do gerente, em acção que deverá intentar contra a sociedade.
Se a sociedade tiver apenas dois sócios a destituição de gerente com fundamento em justa causa só pode ser decidida pelo tribunal em acção intentada por um sócio contra o outro, já que o n.º 5 do referido art.º 257.º não deixa lugar à dúvida quanto à sua imperatividade.
Como deixou referido COUTINHO DE ABREU, “Nalguns casos, a acção judicial é a única via possível para a destituição com fundamento em justa causa. … É assim também nas sociedades por quotas, quando o gerente a destituir seja sócio com direito especial à gerência (art. 257.º, 3) ou quando haja apenas dois sócios (sendo um ou ambos gerentes) – art. 257.º, 5” (in “Curso de Direito Comercial, vol. II, “Das Sociedades”, 2011, 4.ª ed., Almedina, págs. 649/650).
Com a imposição do recurso ao tribunal pretende-se, de acordo com DIOGO PEREIRA DUARTE, “não deixar o sócio-gerente nas mãos do outro sócio, uma vez que o próprio não pode votar” (em anotação ao art.º 257, in “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, com a coordenação de ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, 3.ª ed. revista e actualizada, pág. 906), indo no mesmo sentido PAULO OLAVO CUNHA que refere: “Estando em discussão a destituição por justa causa do sócio-gerente, uma vez que este não pode votar (…) seria suficiente ao outro sócio invocar a justa causa para assegurar a destituição, independentemente da sua participação no capital.” (in “Direito das Sociedades Comerciais”, 7.ª ed., Almedina, pág. 783).
Na jurisprudência, e por todos, refira-se o Acórdão do S.T.J. de 26/02/2019 (ut proc.º 219/13.4TYLSB.L2.S3 - https://www.direitoemdia.pt/document/s/b9daa1).
E nos casos em que a destituição não é fundamentada?
Nestes casos, como refere ainda PAULO OLAVO CUNHA, “a respectiva decisão deve alicerçar-se no poder da maioria”.
Vai no mesmo sentido ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA que escreve “se a destituição não se fundar em justa causa, poderá ser deliberada pela assembleia geral, mas aí haverá lugar a indemnização” (in “Sociedades Comerciais”, 3.ª ed. Aumentada e Actualizada, Coimbra Editora, pág. 223).
Não estando, neste caso, impedido de votar, o sócio-gerente destituendo poderá fazer valer, se a tiver, a sua maioria de votos (um voto por cada cêntimo do valor nominal da quota, podendo o contrato de sociedade dispor de modo diferente – cfr. n.os 1 e 2 do art.º 250.º do C.S.C.).
De acordo com o Acórdão do S.T.J. de 26/10/2010, “Mesmo nas sociedades com apenas dois sócios, o princípio da livre revogabilidade do mandato dos gerentes não conhece restrições, sendo certo que o recurso à acção judicial apenas se mostra necessário para a prova do fundamento da justa causa da destituição do gerente”, referindo ainda que “A inexistência de justa causa da destituição do gerente de sociedade por quotas é compatível com a deliberação dos sócios, tomada por maioria simples, a menos que o contrato de sociedade imponha uma maioria qualificada ou a presença de outros requisitos.” (ut Proc.º 2703/05.4TBMGR.C1.S1, in www.dgsi.pt). No mesmo sentido, dentre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 24/02/2015 (ut Proc.º 3767/13.2TBVFR.P1, in https://www.direitoemdia.pt/ document/s/ f329e7).
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VII.- 1.- Na situação sub judicio defende o Apelante a validade da deliberação da destituição de gerente do outro sócio da sociedade Requerida, A. S., com o argumento de ela não ter sido fundamentada em justa causa.
Como se deixou referido, só a destituição ad nutum, isto é, sem motivação ou fundamento, é que permite fazer operar o princípio geral da livre destituibilidade dos gerentes.
Ora, o teor da deliberação levada à acta pelo Apelante não deixa margem para a dúvida. A destituição de gerente do outro sócio baseou-se em alegada justa causa – “tendo em conta que no último exercício não contribui minimamente para a atividade da sociedade nem procedeu a qualquer ato para benefício desta, é destituído da gerência o sócio A. S.”.
Assim sendo, a deliberação é nula por o seu conteúdo ofender um preceito legal – n.º 5 do art.º 257.º do C.S.C. – que nem a vontade unânime dos sócios pode derrogar – cfr. art.º 56.º, n.º 1, alínea d) do mesmo Código.
2.- Ainda no âmbito deste processo principal – 111/19.9T8VFL – o Apelante, face à decisão que ordenou “a suspensão das deliberações tomadas na assembleia geral da sociedade Requerida … realizada no dia 21 de Maio de 2019”, pretende que esta Relação tome posição sobre a deliberação de nomeação do “novo gerente da sociedade A. V.”, deliberação que tem como válida.
O Tribunal a quo, mau grado o conteúdo “genérico” da decisão, não se pronunciou sobre a in/validade da deliberação do “novo” gerente - ainda que se possa deduzir que a teve por válida, posto que manteve a deliberação da destituição tomada na assembleia geral iniciada em 19/07/2019 e terminada em 11/09/2019.
Não tendo esta concreta questão da nomeação do novo gerente sido tratada, estaria configurado o vício da omissão de pronúncia, enunciado na 1.ª parte do n.º 1 do art.º 615.º do C.P.C., que se refere à omissão de pronúncia das questões que devesse apreciar.
Sem embargo, compulsados os autos, constata-se que, centrando o foco da argumentação na deliberação da sua destituição da gerência, o Requerente deste procedimento cautelar - A. S. - não aborda, pelo menos de forma directa e expressa, a deliberação da nomeação do “novo” gerente, e daí que o Tribunal também não estaria obrigado a debruçar-se sobre ela.
De todo o modo, optando pela simplicidade de processos, a “irregularidade” ficaria sanada com a menção expressa, no dispositivo da sentença à deliberação de destituição do sócio da gerência, cuja suspensão foi ordenada.
Sem embargo, a questão é meramente lateral já que a questão da nomeação do “novo” gerente, A. V., não pode deixar de ser equacionada na segunda parte deste recurso, cujo objecto é o da impugnação da deliberação da sua destituição.
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VIII.- O Tribunal a quo julgou parcialmente procedente o procedimento cautelar relativo ao APENSO B, requerido pelo ora Apelante, ordenando a suspensão das deliberações tomadas na assembleia geral da sociedade Requerida, iniciada em 19 de Julho de 2019 e terminada em 11 de Setembro de 2019, com excepção da deliberação que se reporta à destituição do gerente A. V., e é contra este segmento decisório que se insurge o Apelante.
i) De acordo com o disposto no art.º 252.º do C.S.C., os sócios têm toda a liberdade de decisão sobre o número de gerentes, assim como podem designar pessoas estranhas à sociedade.
A escolha é normalmente feita no contrato de constituição da sociedade mas também pode resultar, por deliberação dos sócios, de alterações ao contrato, ou ainda por outra forma que o contrato preveja.
A deliberação dos sócios, referida na alínea a) do n.º 2 do art.º 246.º do C.S.C., é tomada se obtiver a maioria dos votos emitidos, não se considerando como tal as abstenções, de acordo com a regra estabelecida no n.º 3 do art.º 250.º do mesmo Cód..

Pelo contrato reduzido a escritura pública celebrada em 20/09/2017, titulado “Nomeação de Gerente e Alteração do Contrato de Sociedade”, acordaram o ora Apelante e o outro sócio A. S. na nomeação deste último também como gerente da sociedade Requerida, alterando a forma de a vincular, ficando estabelecido no artigo 7.º (para o que ora interessa) que:

1. A administração e representação da sociedade pertencem aos gerentes que forem eleitos em assembleia geral;
3. Ficam desde já designados gerentes ambos os sócios J. S. e A. S.;
4. A sociedade obriga-se, em todos os seus actos e contratos, com a intervenção/assinatura conjunta de ambos os gerentes.” (cfr. fls. 14 do Apenso A).

O número de gerentes terá, assim, sido fixado em dois.
Aquando da assembleia geral realizada em 21/05/2019 o ora Apelante, destituindo o supramencionado A. S. da gerência, nomeou um novo gerente – A. V. -, levando ao registo na Conservatória do Registo Comercial a alteração da gerência da Requerida (cfr., designadamente, a cópia da certidão permanente a fls. 13 destes autos principais).
Numa primeira abordagem poder-se-ia dizer que, uma vez que os efeitos da declaração de nulidade retroagem ao momento do seu cometimento, por força do disposto no art.º 289.º do Código Civil (C.C.), declarando-se nula a deliberação que destituiu da gerência o sócio A. S., fica inquinada a deliberação de nomeação do outro gerente para o substituir, já que a existência simultânea de três gerentes consubstancia uma alteração do contrato social, que só é admissível por deliberação tomada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social (e não dos votos dos sócios presentes e representados na assembleia geral), conforme dispõe o n.º 1 do art.º 265.º do C.S.C., sendo certo que, como já acima ficou referido, ao ora Apelante apenas cabem metade dos votos posto que o valor da sua quota corresponde a 50% do capital social.
Sem embargo, o princípio básico, consagrado no n.º 1, do art.º 257.º é o de que a destituição é livre, podendo o gerente ser destituído a todo o tempo, e independentemente de justa causa, não havendo aqui outros aspectos a acautelar visto que o gerente destituído não tem a qualidade de sócio da sociedade Requerida.
ii) O Apelante insurge-se contra a decisão e pretende que também a deliberação da destituição do referido gerente A. V. (nomeado por si) seja anulada.

No essencial, o Apelante retoma a argumentação que já tinha feito registar na acta da dita assembleia geral, fundamentando:
a) no facto de lhe não ter sido fornecida a acta da assembleia na qual se tomou a deliberação que se pretendia renovar, o que configura o vício de não fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação, referido na alínea c) do n.º 1 do art.º 58.º do C.S.C.; e
b) na inexistência de motivo justificativo do seu impedimento de voto, decidido pelo presidente da assembleia geral, o outro sócio A. S., o que configura uma actuação com abuso do direito por haver “excedido manifestamente o limite imposto pela boa fé e pelo fim social ou económico do seu direito”.
Aponta ainda à sentença aprecianda a falta de justificação para a consideração da existência de uma situação de conflito de interesses.
iii) De acordo com o disposto no art.º 62.º do C.S.C., as deliberações nulas por enfermarem de vícios de procedimento – assim se devendo considerar as tomadas em assembleia geral não convocada e as tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios com direito de voto tenham sido convidados a exercer esse direito, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 56.º - podem ser renovadas desde que sejam removidos os vícios referidos.
As deliberações anuláveis são sempre renováveis desde que o vício seja expurgado – na situação sub judicio, a expurgação passava pelo fornecimento de cópia da acta com o teor das deliberações tomadas na assembleia geral realizada no dia 24 de Maio de 2019, que constituía o primeiro ponto da ordem de trabalhos da assembleia iniciada em 19/07/2019 e terminada em 11/09/2019.
iv) No ponto de facto n.º 3.1.29, por certo que atenta a grande extensão da acta desta assembleia, optou-se pela transcrição dos trechos que se houveram por essenciais.
O ora Apelante conhece, porém, o teor integral da referida acta, sabendo os fundamentos invocados pelo sócio que presidiu à assembleia para lhe não permitir exercer o seu direito a votar.
Uma vez que a destituição do gerente não sócio é livre, podendo fazer-se a qualquer momento, o referido sócio A. S. tinha o poder de deliberar a destituição do gerente A. V. mesmo no decurso da assembleia – cfr. art.º 246.º, n.º 1, alínea d), quanto aos poderes, e 257.º, n.º 1 quanto à destituição dos gerentes não sócios.
Posto que o número de votos que lhe cabem não formava a maioria, necessária à aprovação da deliberação de destituição do gerente – cfr. art.os 250.º, n.os 1 e 3, quanto à contagem e ao número de votos necessários à aprovação de uma deliberação -, assume, de facto, importância a questão da existência ou não de fundamento para impedir o ora Apelante de exercer o seu direito ao voto.
v) Para o que agora interessa, na acta da assembleia geral, mais concretamente na sessão iniciada “pelas quinze horas” do dia 19 de Julho de 2019, o sócio A. S., respondendo à questão prévia suscitada pelo ora Apelante, justificou assim a decisão de impedir este de votar, na deliberação referente à destituição do gerente por si nomeado: “atendendo à relação existente entre o sócio J. S. e o gerente A. V., genro e sogro, e às anómalas circunstâncias que rodearam a nomeação deste referido gerente, tem-se por verificada a previsão da alínea f) do n.º 1 do artigo 251.º do Código das Sociedades Comerciais, uma vez que o gerente A. V. mais não é que “testa de ferro” do sócio J. S., utilizado por este último para gerir e vincular ele efectivamente sozinho a sociedade, atendendo à forma de obrigar da mesma, ou seja com a intervenção de dois gerentes.” - cfr. fls. 84 do Apenso B.
Posteriormente, na sessão iniciada “pelas dez horas e catorze minutos” do dia 11 de Setembro de 2019, o mesmo sócio, que presidia à assembleia, justificou assim a sua deliberação de destituição daquele gerente: “Por causa dos alertas e chamadas de atenção realizadas por mim, passou a ser determinação, firme do sócio J. S. proceder à minha destituição das funções de gerente tendo obtido esse desiderato em assembleia geral na qual me impediu de participar e na qual sem qualquer fundamentação procedeu à nomeação para as funções de gerente de A. V., seu sogro, pessoa que, também ele, não está, nem nunca esteve, envolvido com a gerência da F. J. & Filhos Lda. Também pelas razões acima explanadas e que determinam o impedimento de voto do sócio J. S., o gerente A. V. deve ser destituído das funções de gerente.” - cfr. fls. 89 do Apenso B.
Posto que a acta foi elaborada pela Conservadora de Registos em exercício de funções notariais no Cartório Notarial de …, é um documento autêntico, fazendo prova plena de terem sido produzidas as declarações acima transcritas e da pessoa do seu autor, nos termos do disposto no art.º 371.º do C.C..
vi) O art.º 251.º do C.S.C. enuncia um princípio geral no seu n.º 1, nos termos do qual o impedimento de votar existe quando, relativamente à matéria da deliberação, o sócio se encontre em situação de conflito de interesses com a sociedade.
A título meramente exemplificativo, como o revela o advérbio “designadamente”, elenca sete situações que fazem presumir a existência desse conflito de interesses.
A que consta da alínea f), que foi invocada pelo presidente da assembleia geral refere “a destituição, por justa causa, da gerência que (o sócio) estiver exercendo ou de membro do órgão de fiscalização”.
Subjacente ao mencionado art.º 251.º estão razões de moralidade e de justiça.
Na situação sub judicio, está em causa a destituição de um gerente que tinha sido eleito somente pelo ora Apelante, numa assembleia geral que foi problemática, e num ambiente que parece pautado pela animosidade entre os dois sócios-gerentes da sociedade.
Não havendo notícia de o gerente nomeado ter praticado qualquer acto relacionado com a gerência, (até pelo escasso tempo que mediou entre a nomeação e propositura dos procedimentos cautelares) o juízo que tem de ser formulado é de prognose sobre o sentido da sua gestão.
E tendo em conta que foi nomeado apenas por um dos gerentes, que deliberou numa assembleia na qual esteve sozinho, tendo em conta ainda a relação familiar próxima que existe entre ambos, não tendo antes qualquer ligação à Sociedade Requerida, não dá a mínima garantia de independência. E não vindo referidas qualidades de gestão especiais ou conhecimentos específicos sobre a matéria, as regras da experiência, o comum do acontecer, permitem presumir que foi nomeado apenas para possibilitar ao ora Apelante gerir a sociedade Apelada como bem entender, estando, em termos objectivos, criado um ambiente propício à tomada de deliberações que especialmente o favoreçam, ainda que com prejuízo para a sociedade e para o outro sócio.
Decerto que o ora Apelante, ciente de que a destituição de um gerente não sócio, numa sociedade por quotas, é livre, e de que a existência de justa causa releva para efeitos de indemnização ao destituído, naturalmente que lhe não será indiferente a possibilidade de demonstração da existência de justa causa para a destituição do referido A. V. – só se não vouver justa causa é que este tem direito à indemnização.
Pode ver-se, pois, aqui um conflito de interesses entre o Apelante e a Sociedade Requerida.
Nos termos do art.º 334.º do C.C., é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social ou económico desse direito.
Como vem sendo pacificamente entendido, o abuso só é passível de censura quando o excesso cometido seja manifesto, quando haja “uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante”, como escreveu VAZ SERRA (in B.M.J., nº. 85º., pág. 253).
De acordo com o Ac. do S.T.J. de 9/04/2013, “O instituto do abuso do direito relaciona-se com situações em que a invocação ou o exercício de um direito que, na normalidade das situações seria justo, na concreta situação da relação jurídica se revela iníquo e fere o sentido de justiça” e prossegue ainda, citando o Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 28/11/1996, “O abuso do direito pressupõe a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito e casos em que se excede os limites impostos pela boa fé” (in Colectânea de Jurisprudência (C.J.), Acórdãos do S.T.J., ano IV, tomo III, págs. 118-121).
Do que vem de ser referido, crê-se poder ser extraído que, atentas as motivações que foram expostas, e todo o circunstancialismo acima descrito, a decisão tomada pelo sócio A. S. de impedir o ora Apelante de votar na deliberação sobre a destituição do gerente por si nomeado, não constitui uma ofensa clamorosa do sentimento jurídico dominante da comunidade, com o que não houve actuação com abuso do direito.
Impõe-se, assim, concluir pelo desmerecimento de provimento da pretensão recursiva do Apelante.
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C) DECISÃO

Tendo em consideração quanto acima se deixou exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente confirmando e mantendo a decisão impugnada.
Custas da apelação pelo Apelante.
Guimarães, 01/10/2020

Fernando Fernandes Freitas
Alexandra Rolim Mendes
Maria Purificação Carvalho