Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
249/14.9TBMNC.G2
Relator: SANDRA MELO
Descritores: VALOR DA INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora)

1- O dano biológico não é um terceiro género face á classificação dos danos como patrimoniais e não patrimoniais, mas uma outra categorização, fundada no facto que o origina e não nas suas consequências na esfera jurídica (patrimonial ou moral) do lesado.

2- O dano biológico pode ter, quer consequências patrimoniais, quer não patrimoniais: pode atingir imediata ou mediatamente o património do lesado e bem assim, simultaneamente, a sua pessoa na esfera da sua vida pessoal, do seu bem-estar, nos seus direitos de personalidade, de conteúdo não diretamente patrimonial

3- Hoje é clara a necessidade de considerar as consequências do dano biológico na vertente patrimonial quando implique esforços acrescidos para a atividade profissional exercida pelo lesado, mesmo nos casos em que não há uma repercussão direta e imediata no seu vencimento.

4- Nestes casos em que o dano biológico não é impeditivo do exercício das normais atividades profissionais, mas exige esforços acrescido para o desempenho dessas funções, há que recorrer diretamente à equidade para o cálculo da vertente patrimonial deste dano.

5- Para efeito de determinação da indemnização do dano biológico, quer na vertente patrimonial, quer na não patrimonial, importam essencialmente as consequências das lesões na vida do lesado, em todas as suas dimensões, mais do que a consideração abstrata dos pontos atribuídos ao Défice Funcional Permanente da Integridade Física de que passou a padecer, embora estes sejam, evidentemente, representativos da gravidade da lesão.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Autor e Apelado:

(…) contribuinte nº (…), solteiro, maior, residente no Lugar (…) (…) M.

Ré e Apelante:

(..)), com sede na Av. (…) Lisboa

Autos de: ação declarativa de condenação com processo comum

I. Relatório

Nos presentes o Autor peticionou que a Ré fosse condenada a pagar-lhe “uma indemnização por Danos Patrimoniais Futuros no montante de € 20.000,00 (vinte mil euros) e uma indemnização referente a danos não patrimoniais no valor de € 15.000,00 (quinze mil euros), bem como os Juros de mora à taxa legal de 4% sobre todas as quantias supra referidas, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.”
Invoca um acidente de viação que lhe provocou danos.
A Ré contestou, impugnando os danos e o valor indemnizatório pedido.

Após julgamento, foi proferida sentença; na apelação que dela foi interposta pela Ré resultou acórdão, pelo qual se decidiu, além do mais:

- declarar parcialmente nula a sentença recorrida, na parte em que condena a Ré a pagar ao Autor a quantia, a título de danos não patrimoniais, de € 7.000,00 e a título de “indemnização pela incapacidade de ganho” de € 15.000,00;
- determinar que o A seja convidado a apresentar incidente de liquidação, sendo, após, proferida nova sentença sobre os pedidos ainda não decididos.

Foi deduzida liquidação, peticionando-se uma indemnização por Danos Patrimoniais Futuros no montante de € 20.000,00 (vinte mil euros) e uma indemnização referente a danos não patrimoniais no valor de € 15.000,00 (quinze mil euros), bem como os Juros de mora à taxa legal de 4% sobre todas as quantias supra referidas, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento. A Ré apresentou oposição, impugnando os danos e afirmando o exagero das quantias peticionadas. Pela sentença proferida, a Ré foi condenada no pagamento ao Autor, a título de danos não patrimoniais, da quantia de € 7.000,00 (sete mil euros) e a título de indemnização pela incapacidade de ganho, da quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da notificação do incidente de liquidação até integral e efetivo pagamento (artigo 559.º, n.º 1 do Código Civil e Portaria n.º 291/03, de 08.04).
Não se conformando com esta sentença, foi interposto recurso de apelação pela Ré, defendendo a redução da indemnização a atribuir ao Autor.

Formula as seguintes

conclusões:

I-é excessiva a verba atribuída a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo A.
II- Sem menoscabo pelo sofrimento alheio, não se pode deixar de ter em consideração que as lesões sofridas pelo A foram, felizmente, de escassa gravidade das lesões sofridas, o A não esteve internado em qualquer instituição de prestação de cuidados médicos, o A não foi sujeito a qualquer intervenção cirúrgica, os tratamentos consistiram apenas em fisioterapia, e obteve a consolidação médico-legal quatro meses após o acidente, e ao grau do quantum doloris,
III- Por outro lado, apesar de o A ter ficado portador de sequelas, se provou quais.
IV- Sabe-se, apenas, que as sequelas decorrentes do acidente conferem ao A uma IPG de 2 pontos, sendo compatíveis com o desempenho da sua atividade profissional, mas implicando esforços acrescidos.
V- Em face do exposto e atendendo ainda aos critérios jurisprudenciais dominantes, mencionados no corpo destas alegações, entende a recorrente que a compensação por todos os danos não patrimoniais, incluindo ainda a compensação pelo dano biológico decorrente da incapacidade permanente, não deveria exceder os 4.000€.
VI- E ainda que se considerasse inadequado esse montante, sempre se imporia a sua redução para valor inferior ao fixado na douta sentença a esse propósito, o que se requer
VII- A verba de 15.000,00€ atribuída a título de indemnização por danos patrimoniais decorrentes da incapacidade permanente não é devida e sempre seria excessiva.
VIII- No caso dos autos ficou provado que as sequelas de que o A é portador não são impeditivas do desempenho de qualquer profissão, implicando apenas esforços acrescidos.
IX- Em face do enquadramento factual resultante da douta sentença, não é previsível qualquer dano patrimonial futuro (cfr art. 564º n.º 2 do Cod Civil), o que é o mesmo que dizer que nenhum dano haverá a indemnizar neste campo, ou a este título.
X- O dano biológico, apesar de ser indiscutivelmente ressarcivel, só poderia ser objecto de indemnização autónoma e a título de dano patrimonial se se tivesse provado que a mesma acarreta alguma diminuição de rendimentos, uma maior dificuldade na progressão na carreira, com inerente redução salarial, ou a impossibilidade de aceder a certas profissões que, previsivelmente, poderia exercer, com perda de rendimentos futuros.
XI- Não se provando essa repercussão patrimonial, o dano biológico só pode ser compensado enquanto dano moral (e nunca nas duas vertentes)
XII- Não se tendo provado essa previsível afetação profissional, nenhum dano patrimonial futuro haverá a indemnizar, pelo que a Ré deveria ser absolvida do pedido nessa parte (ou seja, no valor de 15.000,00€ atribuídos a este título).
XIII- Seja com for, mesmo que assim não se entendesse, sempre seria excessiva a verba atribuída.
XIV- Na ausência de efetiva repercussão da incapacidade no património do A, e mesmo que se entendesse ser devida indemnização por danos patrimoniais, sempre se imporia o recurso à equidade;
XV- Porém, porque a equidade não equivale ao arbítrio, surgindo mesmo como a sua negação o julgador não pode deixar de ter em consideração alguns elementos coadjuvantes, entre eles as tabelas financeiras de cálculo de danos patrimoniais que se repercutam no futuro, as normas legais que regem o cálculo das indemnizações a propor pelas seguradoras (proposta razoável) e as decisões jurisprudenciais em casos análogos.
XVI- Recorrendo às regras das portarias 377/2008 e 679/2009, a compensação do A pelo dano biológico ascenderia a valor entre 1.739,48€ e 2.146,82€ (cfr tabela IV da portaria 679/09)Já numa outra vertente, considerando as tabelas financeiras, um salário médio, uma esperança de vida ativa de cerca de 36 anos, uma taxa de capitalização de 3% e uma taxa de crescimento de 1%, o capital que se obteria para uma situação de perda efetiva de rendimentos futuros, seria o de cerca de 4.739,82€
XVII- Perante todos os elementos coadjuvantes acima invocados, entre eles outras decisões jurisprudenciais, entende a recorrente que, em equidade, a indemnização pelo dano biológico que afeta o A, na sua vertente patrimonial não deveria ser superior à de 4.000,00€, montante para o qual se pede a sua redução.
XVIII- E mesmo que assim não se entendesse, sempre se imporia, em face do que acima se disse, a redução da indemnização arbitrada, o que se requer.
XIX- A douta sentença sob censura violou as normas dos artigos 496º e 566º do Código Civil.

II. Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou versem sobre matéria de conhecimento oficioso, desde que os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Face ao alegado nas conclusões das alegações, é a seguinte a questão cumpre apreciar:

-- se o montante indemnizatório fixado foi excessivo.

III. Fundamentação de Facto

A sentença vem com a seguinte factualidade assente:

.Factos Provados

1. No dia 13 de Agosto de 2012, cerca das 22:10 horas, na E.N. 101, km 21,350, em …, deste concelho de M., ocorreu um embate entre o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de serviço particular, matrícula DD, propriedade de D. G., e conduzido por E. G., e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de serviço particular, matrícula XX, propriedade e conduzido pelo Autor;
2. O Autor conduzia o XX pela E.N. 101, no sentido P. – M., dentro da sua mão de trânsito, faixa direita atento o sentido seguido;
3. Quando assim seguia, e num local onde existem várias curvas e contracurvas da E.N. 101, o XX é embatido na sua frente, pela frente do DD;
4. O condutor do DD circulava de forma distraída;
5. Ao deparar-se com as várias curvas, não conseguiu manter o DD na faixa direita atento o sentido seguido que era o sentido M. – P.;
6. E entrou em despiste;
7. Invadindo a faixa esquerda por onde, nesse preciso momento, circulava o XX;
8. O Autor, ao ver a faixa de rodagem direita, atento o sentido seguido, invadida pelo DD, desvia o XX para a direita, chegando inclusive a ocupar parcialmente a berma direita atento o sentido seguido;
9. O acidente dá-se na faixa direita, atento o sentido seguido pelo Autor;
10. A cerca de um metro da berma direita atento o mesmo sentido;
11. À data em que o acidente ocorreu o piso da estrada estava molhado e chovia;
12. A faixa de rodagem, no local, tem 5,70 metros de largura;
13. O piso é betuminoso e estava em bom estado, apesar de molhado;
14. No local onde ocorreu o embate ficaram destroços, nomeadamente vidros, plásticos e líquidos;
15. Destroços, que se situavam na faixa direita, atento o sentido seguido pelo Autor, e a cerca de um metro da berma direita, atento o mesmo sentido;
16. Os veículos, após a colisão, ficaram, o XX atravessado na via e com a frente a ocupar a faixa direita atento o sentido seguido pelo Autor;
17. E o DD com a traseira dentro da berma direita, atento o sentido seguido, e a frente a ocupar a faixa direita atento o mesmo sentido, em um metro;
18. D. G. havia transferido para a Ré a responsabilidade civil emergente de acidente de viação causado pelo DD, através da apólice de seguro em vigor à data do acidente, com o número …4;
19. Logo após o acidente, o autor foi transportado de ambulância para o Hospital de M., e deste, foi deslocado igualmente de ambulância para o Centro Hospitalar do Alto Minho, sito em Viana do Castelo;
20. Como consequência direta do acidente descrito resultaram as seguintes lesões no Autor: traumatismo facial esquerdo e torácico anterior, contusão do joelho, do calcâneo e punho direitos, hematomas dispersos, localizados sobretudo na zona do cinto e membros inferiores, fractura do sustentáculo do astrágalo direito que comunica com a superfície articular, cervicalgias, perda do dente nº 27;
21. Na referida instituição hospitalar, o Autor efetuou TAC e RX às zonas atingidas;
22. Após alta hospitalar, o Autor esteve acamado na sua residência;
23. O autor foi observado e tratado pelos serviços médicos indicados pela Ré;
24. O Autor efetuou sessões de fisioterapia nos seguintes dias: 28-08-2012; 25-09-2012; 11-10-2012; 23-10-2012; 06-11-2012; 12-11-2012; 16-11-2012;
25. O Autor, em todo o processo de cura, teve fortes dores e incómodos;
26. Dores que ainda se mantêm;
27. E dificultam o Autor de correr e de levantar peso, quando esta tarefa implique carga com o pé direito;
28. O Autor sofre de dores nas mudanças de tempo, quando permanentemente de pé por longos períodos e quando efetua carga com o pé por longos períodos;
29. Antes de ocorrer o acidente, o Autor era uma pessoa sadia, bem disposta, e gozava no geral de boa saúde, com a excepção de ser portador de sequelas sem relação com esse evento, nomeadamente aumento da espessura do ligamento calcâneo fibular em relação com antecedentes de rotura deste ligamento e quistos interligamentares no ligamento talo-fibular posterior, lesão antiga do ligamento tibiofibular, deformidade de haglund incidental na tuberosidade dicalcâneo com pequena quantidade de líquido na bolsa retrocalcânea;
30. Jogava futebol e adorava os desportos;
31. Contava 30 anos de idade;
32. Trabalhava para a firma ..., e auferia a quantia mensal de € 661,90 (seiscentos e sessenta e um euros e noventa cêntimos);
33. Agora, devido ao acidente, o Autor anda triste;
34. O autor tem dificuldades em praticar desporto;
35. O autor tem dificuldades em levantar peso, quando esta tarefa implique carga com o pé direito;
Foi realizada perícia médico-legal nos presentes autos que concluiu o seguinte:
36. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 12.11.2012;
37. O Período de Défice Funcional Temporário Total é fixável em 11 dias;
38. O Período de Défice Funcional Temporário Parcial é fixável em 81 dias;
39. O Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total é fixável em 121 dias;
40. O Quantum Doloris é fixável num grau 4/7;
41. O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixável em 2 pontos;
42. As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares;
43. A Ré já pagou ao Autor parte das despesas por este efetuadas;
44. No decurso da regularização deste sinistro a Ré, para além de despesas médicas directamente pagas a prestadores externos (hospitais, clínicas, etc..), pagou ao autor:
- em 11.10.2012, as quantias de € 35,00 (objectos danificados), € 25,00 (de despesas médicas: Episódio de Urgência no Hospital do AM- 15,00€ e duas consultas com o custo de € 5,00 cada no Centro de Saúde de M., nos dias 16.08.2012 e 21.08.2012) e € 8,75 (despesas de farmácia do dia 21.08.2012);
- em 19.10.2012 as quantias de € 191,16 (deslocações – 1062 km x € 0,18), € 30,40 (despesas médicas) e € 12,30 (despesas de farmácia);
- em 18.11.2012 a quantia de € 145,80 (deslocações: 722 km x € 0,18 + € 15,84 portagens;
- em 04.12.2012 a quantia de € 207,02 (deslocações: 1.106 km x € 0,18 + € 7,94 em portagens);
- em 21.01.2013 as quantias de € 119,24 (deslocações) e € 15,00 (despesas médicas: três consultas no Centro de Saúde de M. nos dias 13.11.2012, 14.01.2013 e 14.12.2012);
- em 29.01.2013 as quantias de € 19,23 (referente a despesas de farmácia do dia 18.12.2012) e € 129,83 (deslocações, que englobam 600km x € 0,18, portagens nos dias 25.01.2013 e 28.01.2013, no valor de € 8,04 cada (€ 16,08), estacionamento no dia 25.01.2013 (€ 1,45) e estacionamento no dia 21.01.2013 (€ 4,30);
- em 12.03.2013 as quantias de € 0,96 (em farmácia) e € 117,84 (em deslocações, parqueamento e portagens);
- em 09.07.2013 as quantias de € 252,41 (deslocações aos serviços clínicos indicados pela Ré nos dias 18.04.2013 a 21.06.2013 – 300 km x 4 x € 0,18 + portagens € 32,16 e € 4,25 (parques de estacionamento);
- ainda em 09.07.2013, € 117,84 em despesas de deslocações nos dias 25.06.2013 e 07.02.2013 – 300 km x 2x € 0,18 + portagens no dia 25.06.2013 (€ 8,04) e parque nesse dia - € 1,80.
45. Faltando apenas liquidar o montante de € 162,00 (cento e sessenta e dois euros), referente a 900 km efetuados em viatura própria, à razão de € 0,18 por quilómetro;
46. E o montante de € 39,46 (trinta e nove euros e quarenta e seis cêntimos), referente a parques e portagens;
47. Após o sinistro, o autor solicitou à Segurança Social a atribuição de subsídio de doença;
48. Essa instituição procedeu ao pagamento ao autor, a esse título, da quantia de € 18.601,41 de 14.08.2012 a 16.08.2015, sendo que em 16.05.2015, o autor atingiu o limite da baixa médica (1095 dias).

IV. Fundamentação de Direito

Importa avaliar o montante indemnizatório a atribuir ao Autor em virtude das lesões e danos que sofreu com o acidente de viação, apurado que foi que a Ré responde civilmente pelos mesmos, por se terem encontrado os pressupostos da responsabilidade pauliana, sendo o embate imputável exclusivamente ao lesante, a título de negligência.

Insurge-se a Ré contra os montantes atribuídos a título de danos não patrimoniais, afirmando que as lesões não foram graves, que o Autor não esteve internado em qualquer instituição de prestação de cuidados médicos, não foi sujeito a intervenções cirúrgicas, os seus tratamentos no essencial cingiram-se a fisioterapia e após 4 meses deu-se a consolidação médico-legal, tendo sofrido um quantum doloris de 4/7. Quanto às sequelas, não ficou a padecer de dano estético e não se sabe em que consistiram, embora se saiba que lhe provocaram uma IPG de 2 pontos, sendo compatíveis com a sua atividade profissional, embora implicando esforços acrescidos. Tudo isto, no seu entender, determina que o valor de 7.000,00 € para compensar os danos morais é exagerado. Entende ainda a recorrente que a compensação por todos os danos não patrimoniais, incluindo ainda a compensação pelo dano biológico decorrente da incapacidade permanente, não deveria exceder os 4.000€. Mais defende que, porque ficou não provado que o Autor tenha dificuldade em exercer a sua atividade laboral ou a não consiga desenvolver, por força das dores, não deve ser atribuída indemnização por perda futura de ganho e logo compensação por danos patrimoniais decorrentes da incapacidade, mas se assim se não considerar, esta nunca deveria ser superior a 4.000,00€.
A sentença, por seu turno, incluiu o dano corporal em sentido estrito nos danos não patrimoniais, bem como as dores e sofrimento, nomeadamente pela tristeza, impossibilidade praticar desporto e de fazer uso do seu coro como anteriormente, discriminando:

a) o dano biológico– traduzido no défice funcional permanente da integridade física fixado em dois pontos (considerando fatores como a idade da vítima à data do acidente (30 anos); a pontuação fixada a título de défice funcional (dois pontos) e os valores constantes do Anexo IV da Portaria n.º 679/2009, de 26 de Junho, encontrando o valor de € 4.000,00.
b) € 1.000,00 pelo quantum doloris, tendo em conta critérios de equidade e os valores constantes da legislação referida;
d) € 2.000,00 pelos restantes danos não patrimoniais nos termos provados.

Quanto à incapacidade de ganho, apelando à equidade, fixou a quantia compensatória em 15.000,00 € e para tanto salientou que esta se não confunde com a incapacidade permanente da integridade psicofísica (de 2 pontos), porquanto a primeira respeita aos atos do dia-a-dia e a segunda ao que no direito de trabalho se denomina perda da capacidade de ganho.

Antes de se descer à apreciação concreta dos factos em debate, há que, o mais sinteticamente possível, mencionar os critérios e conceitos com que temos que lidar para efetuar o apuramento da indemnização neste caso.

Há que verificar quais são os danos que se pretendem indemnizar sob as referências “dano biológico” e “danos não patrimoniais”.

De qualquer forma, desde já se diga que se entende que é sempre possível, logicamente admissível e de aceitar outra categorização dos danos e o seu arrumo de forma diferenciada da aqui seguida aquando da atribuição da indemnização ou da compensação, desde que, seguindo critérios logico-jurídicos coerentes, se atendam a todas as consequências originadas pelo evento lesivo delas e sejam contemplados todos os danos passíveis de peticionada indemnização.

.1. o dano corporal e o dano material, o dano patrimonial e o dano não patrimonial e a fixação da indemnização

É essencial para se apurar a obrigação de indemnizar que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém. O dano é a perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de um certo facto, nos interesses materiais, espirituais ou morais que o direito violado ou a norma jurídica infringida visam tutelar.

Nem todos os danos sobrevindos ao facto ilícito são incluídos na responsabilidade do agente: exige-se um nexo de causalidade entre o facto e o dano, para cuja aferição foi adotada pelo legislador a teoria da causalidade adequada. Esta determina que para impor a alguém a obrigação de reparar o dano sofrido por outrem, não basta que o facto praticado pelo agente tenha sido, no caso concreto, condição sine qua non do dano, é necessário ainda, que em abstrato o facto seja uma causa adequada do dano – artigo 563º do Código Civil.

Determinados os danos de que o evento foi causa adequada, são todos esses, e só esses que, em princípio, ao responsável incumbe reparar.

Dúvidas também se não põem neste caso quanto á existência de lesões causadas pelo acidente.

O n.º 1 do artigo 564º do Código Civil estipula que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
O dano patrimonial mede-se por uma diferença: a diferença entre a situação real atual do património do lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria se não fosse o facto lesivo.

Dentro do dano patrimonial cabe, não só o dano emergente, ou perda patrimonial, como o lucro cessante ou lucro frustrado.

O primeiro compreende o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão.

O segundo abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão.

A obrigação que impende sobre este terá como fim essencial, nos termos do artigo 562º do Código Civil, a reconstituição da situação que existiria, se o facto não se tivesse verificado (princípio da reposição natural).

Ao lado dos danos pecuniariamente avaliáveis, há outros prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização. São os danos morais ou não patrimoniais. A gravidade destes mede-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos. A sua gravidade aprecia-se em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.

A reparação destes danos obedecerá a juízos de equidade, como impõem os artigos 496º nº 4 e 494º do Código Civil.

Coloca-se com relevância nestes autos a questão da valoração do dano que afetou o Autor na sua integridade física e psíquica. Este dano, chamado dano biológico, tem tido um tratamento não unívoco na nossa jurisprudência.

A clássica dicotomia danos patrimoniais/danos não patrimoniais (os primeiros atingindo diretamente a esfera patrimonial do lesado, ao contrário dos segundos), tem vindo a perder importância face à dicotomia lesões corporais/danos materiais (considerando-se as lesões corporais como ofensas à integridade física e saúde do lesado e os danos materiais aqueles que apenas atingem coisas). A estas distinções recorre, aliás, o DL n.º 291/2007, de 21 de agosto, que estabelece o regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, mencionando, no artigo 4º, os “danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causados a terceiros”.

1.a- O dano biológico

O dano biológico, originado numa lesão corporal, traduz-se na afetação da capacidade funcional de uma pessoa, declarada pela atribuição de um determinado grau de incapacidade físico-psíquica.
Têm sidos discutidos os critérios a utilizar para a fixação da indemnização desta diminuição da capacidade funcional da pessoa originada nas lesões corporais que sofreu.

Uns entendem que deve fixar-se uma indemnização autónoma para este dano, sem recorrer á classificação danos patrimoniais e não patrimoniais, outros que estes devem ser considerados apenas como danos patrimoniais; outros que podem ser considerados, conforme os casos, no âmbito de um destes dois critérios; outros, ainda, que este pode determinar simultaneamente consequências patrimoniais e não patrimoniais.

Como se viu, se entendermos que o dano biológico não é um terceiro género face á classificação dos danos como patrimoniais e não patrimoniais, mas uma outra categorização, fundada no facto que o origina e não nas suas consequências na esfera jurídica (patrimonial ou moral) do lesado, o dano biológico pode ter, quer consequência patrimoniais, quer não patrimoniais: pode atingir imediata ou mediatamente o património do lesado e bem assim, simultaneamente, a sua pessoa na esfera da sua vida pessoal, do seu bem-estar, nos seus direitos de personalidade, de conteúdo não diretamente patrimonial.

Foi este o caminho seguido na sentença e com ele se concorda.

1.a – O Dano biológico na vertente patrimonial:

Entende-se que as lesões corporais que se repercutem na saúde e capacidade pessoa têm consequências nefastas, em regra, quer no seu património, nomeadamente na perda patrimonial, por diminuição da sua capacidade de trabalho (mais ou menos mediatamente), quando o lesado se dedicava ou podia dedicar a desenvolver atividade com vista a obter rendimentos, quer noutros bens e direitos, sem conteúdo imediatamente económico.
No que concerne á consideração deste dano na sua vertente patrimonial, se o dano na saúde do lesado atinge imediatamente o seu património, por diminuir ou impedir totalmente o rendimento proveniente do trabalho que o lesado realizava, é clara a ressarcibilidade deste prejuízo, de valor diretamente económico.
A questão é mais sensível quando não é tão direta essa repercussão no património.
A diminuição da capacidade de labor de uma pessoa no trabalho que exerce (e que é capaz de exercer), mesmo que só traduzida no consumo de maior esforço para resultado semelhante, tem necessariamente consequências patrimoniais, seja na possibilidade de vir a obter outras fontes de rendimento, na progressão na carreira, seja na reconversão profissional futura. (1)
A privação de parte da capacidade biológica de uma pessoa para o exercício da sua atividade produtiva traduz-se também numa perda patrimonial, embora não imediata, e como tal deve ser indemnizada, visto que tal incapacidade implica um esforço acrescido, consumidor de recursos do lesado (finitos por natureza), que, não sendo esse esforço necessário, poderiam ser canalisados para atividade produtiva, simultânea ou subsequente. Deve, pois, ser considerada indemnizável autonomamente a incapacidade permanente que exija esforços acrescidos no desempenho da atividade profissional habitual do lesado. (2)
Enfim, não é de exigir uma efetiva perda de rendimentos decorrente da incapacidade permanente para que se reconheça ao lesado o direito a indemnização pelo dano biológico, na sua vertente patrimonial.
É, pois, hoje, clara a necessidade de considerar as consequências do dano biológico na vertente patrimonial, mesmo nestes casos em que não há uma repercussão direta e imediata no vencimento do lesado. (3)
Também neste sentido seguiu a sentença recorrida.

1.a.a- Cálculo da indemnização do dano biológico na vertente patrimonial quando este se traduza na exigência de esforços complementares:

O recurso a fórmulas ou tabelas matemáticas, é apenas um auxiliar para encontrar a compensação adequada para o dano biológico, sempre sujeita a fatores de correção com base na equidade e tem em vista essencialmente os casos em que ocorre a perda de capacidade, ainda que parcial, de exercício dessa atividade.
As fórmulas ou tabelas visam essencialmente o cálculo de indemnização devidas por incapacidades com repercussão/rebate, direto e proporcional, sobre a capacidade de ganho e aqui não é disso que se trata, mas a sua incidência mediata, por estar em causa, não o exercício efetivo das funções que a compõem, visto que o Autor consegue fazer da mesma forma todos os atos que tal profissão implica, mas um maior dispêndio de esforço no exercício da mesma, com consequência que só mediatamente se podem verificar.
A indemnização da diminuição da capacidade laborativa que se traduza na necessidade de “esforços complementares” para o exercício da atividade habitual causados pelo dano biológico, mas sem pôr em causa a sua capacidade de desempenhar todas as componentes da sua atividade profissional, tem que ter um tratamento diferenciado daquelas situações em que o dano biológico impede o desempenho de parte das funções profissionais do lesado, por ser evidente a diversidade de gravidade entre ambas as situações e das suas consequências patrimoniais.
Há que dar a tais situações tratamentos diferenciados, respeitando os princípios da igualdade e proporcionalidade.
Assim, nesta sede, há que fazer uma distinção: entre os casos em que há uma repercussão direta da lesão sobre a capacidade de ganho, reduzindo efetivamente de forma direta o rendimento que o lesado obtém, em que o lesado vê de forma imediata comprometida, em maior ou menor grau, a possibilidade de exercer as funções que anteriormente cumpria, casos em que as fórmulas matemáticas podem ter uma aplicação mais clara (se bem que sempre sujeitas à adaptação dada pela equidade) e aqueles em que a lesão apenas atinge o lesado, na sua vertente patrimonial, de uma forma indireta, mediata, a longo prazo, pelas repercussões mais longínquas, considerando a impossibilidade de investir os mesmos esforços na sua vida profissional, a sua progressão na carreira, a sua possibilidade de alteração de profissão.
Na primeira, em que a lesão tem consequências diretas no ganho ou capacidade de ganho do lesado, pode com mais facilidade aceitar-se o resultado do recurso às fórmulas matemáticas (se bem que sempre sem esquecer que têm que ser também necessariamente temperada pela equidade, como é hoje pacífico), no segundo caso, em que o dano é mais remoto, impõe-se o direto recurso à equidade (cf também neste sentido o acórdão proferido pelo STJ de 12/11/2012, no processo 269/06.7 GARMR.E1.S1. e pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 07/06/2016, no processo 232/13.1TBMBR.C1.).

Importa sempre, também, atender a valores jurisprudenciais que têm vindo a ser estabelecidos, com vista a uma uniformização de critérios, por imposição do princípio da igualdade e credibilização da aplicação da justiça, embora as especificidades de cada caso e a diferente valoração do dano biológico (ora só em sede patrimonial, ora também em sede não patrimonial, ora em ambas) possam não tornar fácil este desiderato.
É certo que é também de ter em conta, nomeadamente face á unidade do sistema jurídico, mas entende-se que mais residualmente, face à hierarquia das normas, e apenas como um elemento coadjuvante, a Portaria 377/2008 (com as alterações da Portaria 679/2009), como mais esmiuçado foi no Acórdão desta Relação de 01/18/2018 no processo 2272/15.7T8CHV.G1: “1- A Portaria n.º 377/2008, de 28/05, visou concretizar o comando legal previsto nos arts. 20º-F e 20º-G do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31/12, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 83/2006, de 29/7, que impõe às seguradoras a obrigação de apresentarem às vítimas de acidente de viação que tenham sofrido lesões corporais, proposta razoável de indemnização. 2- O regime legal previsto naquela Portaria esgota-se numa fase extra e pré-judicial, pelo que os critérios indemnizatórios nela enunciados não vinculam os tribunais. 3- Sendo a compensação por danos não patrimoniais fixada por recurso à equidade, isto é, um critério de justiça material, e sendo ínsito a este critério, desde logo, a ideia de igualdade, o julgador, na fixação da compensação por recurso à equidade, não poderá abstrair-se totalmente dos critérios indemnizatórios fixados naquela Portaria, devendo, contudo, em primeira linha, ter em conta os montantes indemnizatórios fixados pela jurisprudência em casos iguais/semelhantes.”

Com efeito, a simples análise da jurisprudência demonstra que para efeito de determinação das consequências futuras do dano biológico (quer na vertente patrimonial, quer na não patrimonial), importam essencialmente as consequências das lesões na atividade desenvolvida pelo lesado, valorando o esforço acrescido adquirido, quanto ao seu peso, extensão e efeitos, mais do que a consideração abstrata dos pontos atribuídos ao Défice Funcional Permanente da Integridade Física, embora estes sejam, evidentemente, representativos da gravidade da lesão.
Enfim, os critérios previstos no artigo 496º, n.º 3 do Código Civil, embora referentes ao dano não patrimonial, têm também aqui ampla aplicação, fixando-se esta indemnização por recurso à equidade, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º deste diploma, designadamente o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a do lesado.

1.a.b- O Dano biológico na vertente não patrimonial:

Atenta a multiplicidade de vertentes em que se estende a vida humana, a incapacidade fisiológica ou funcional também se pode repercutir negativamente nos restantes campos que compõem a esfera de atuação do lesado, atingindo, em maior ou menor grau, a capacidade de disfrute da sua própria vida, diminuindo-lhe a sua qualidade de vida, quer reduzindo as possibilidades de aproveitar a sua existência no âmbito das áreas em que desenvolvia a sua personalidade (independentemente da sua rentabilidade económica, como a vida afetiva, familiar, sexual, de lazer, de desenvolvimento pessoal, cívica, entre tantas, capazes de conduzir à realização pessoal e ao bem-estar), quer causando uma maior penosidade na execução das atividades necessárias ou inerentes à vida e ao dia-a-dia.
A afetação da capacidade funcional de uma pessoa, em regra, exerça ou não esta qualquer atividade produtora de rendimentos, repercute-se também em toda a esfera da sua vida privada, nos seus direitos pessoais, cuja perda ou limitação também tem que ser compensada. (4)

E assim, tem aqui muita premência e é uso atender-se aos seguintes danos (seguindo-se de muito perto o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/18/2018 no processo 3643/13. 9TBSTB.E1.S1, que ainda realça outros, a que também nos referiremos infra):

-- os prejuízos na inserção social do lesado (nas suas diversas vertentes, como, sem preocupações de exaustão ou ordem de importância, as vertentes familiar, afetiva, profissional, sexual, recreativa, cultural, cívica, desportiva).
– o “prejuízo da saúde geral e da longevidade” – aqui avultando “o dano da dor e o défice de bem estar, valorizando-se os danos irreversíveis na saúde e no bem estar da vítima e corte na expectativa da vida”;
– o “pretium juventutis” – que realça “a especificidade da frustração do viver em pleno a primavera da vida.”
Também nesta sede é mister recorrer à equidade, tendo como pano de fundo a jurisprudência, para se obter a compensação adequada ao caso.

.2. Demais danos não patrimoniais

Tem-se por certa, como se viu, a posição que considera que o “dano biológico, sendo um dano real ou dano-evento, não deve, em princípio, ser qualificado como dano patrimonial ou não patrimonial, mas antes como tendo consequências de um e/ou outro tipo; e também por isso, em nosso entender, o dano biológico não deve ser tido como um dano autónomo em relação à dicotomia danos patrimoniais danos não patrimoniais, como afirma de Maria da Graça Trigo – in Adoção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Vol. VI, C. Editora, 2012, p. 653.
No entanto, tem sido comum na jurisprudência a indemnização do dano biológico compreendendo os dois aspetos supra indicados e após, fazer a autonomização de determinados danos que embora também resultantes da lesão corporal, são mais distanciados da diminuição da incapacidade física ou psicológica que decorre dessa lesão.

Entre estes, realçam-se:

-- o “quantum doloris” – que traduz as dores físicas e psicológicas sofridas no período de doença e de incapacidade temporária;
--os padecimentos sofridos durante o processo de consolidação das lesões;
-- o “dano estético”, onde se avaliam as repercussões negativas da lesão na imagem física da pessoa ofendida, em relação a si próprio e perante os outros;

Esta distinção importa muito nestes autos, porquanto quer a sentença, quer a alegação de recurso, para a discussão dos montantes indemnizatórios a fizeram. Por outro lado, devendo ter em conta a jurisprudência na fixação desse quantum, que frequentemente recorre a esta diferenciação, também haverá que a considerar, tudo sem prejuízo de se ter em atenção que o que se visa ressarcir são as consequências que resultam das lesões supra apontadas, importando a indemnização final que se encontre, independentemente do nome que se lhe dá, pelo que é possível, desde que se mantenham os valores globais em causa, alterar o montante de cada parcela.

.3.Valores jurisprudenciais em casos semelhantes

Atento o princípio da igualdade, importa aqui atentar nos valores apurados na jurisprudência em casos com algumas similitudes com os presentes, considerando, no entanto, que para efeito de determinação da indemnização do dano biológico, quer na vertente patrimonial, quer na não patrimonial, importam essencialmente as consequências das lesões na vida do lesado, em todas as suas dimensões, mais do que a consideração abstrata dos pontos atribuídos ao Défice Funcional Permanente da Integridade Física de que passou a padecer, embora estes sejam, evidentemente, representativos da gravidade da lesão.

Recorrendo à jurisprudência, encontram-se como representativos, por terem semelhanças com o presente caso e terem atualidade, os seguintes acórdãos, sendo todos os citados sem menção de fonte nesta decisão, consultados in dgsi.pt e referidos com a data na forma ali indicada (mês/dia/ano):

---Acórdão proferido no processo 2272/15.7T8CHV.G1, em 01/18/2018: “A compensação de 14.000,00 euros é adequada, necessária, proporcional mas suficiente para compensar os danos não patrimoniais sofridos por lesada de acidente de viação, para cuja eclosão não contribuiu, que à data daquele contava 29 anos e que, por via do acidente, sofreu lesão lacero contusa na testa, que necessitou de 16 pontos exteriores e 8 interiores, com dores por todo o corpo, designadamente na cabeça, com um dia de internamento hospitalar e um dia de incapacidade total para o trabalho e 92 dias de incapacidade parcial, sendo o quantum doloris fixável no grau 3 de 7, e que ficou, como sequelas, a padecer de síndrome pós traumático ligeiro e alterações de memória e cicatriz quelóide na testa, com uma extensão de 3 x 2 cms., com traço cicatricial na sua continuidade de 7 cms., o que lhe determina um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos e um dano estético de grau 4 de 7, sendo desaconselhada a correção, por cirurgia estética, dessa cicatriz, por risco de propensão para a cicatrização patológica, e que faz com que a Autora sinta vergonha dessa cicatriz, tentando-a esconder com o cabelo quando sai à rua.”
---Acórdão proferido no processo 3181/14.2TBVFX-2, em 09/13/2018: “É de atribuir uma indemnização não patrimonial de 12.000€ a um lesado que teve de suportar consultas e tratamentos médicos, ficou com IPG de 2%, teve um quantum doloris de 3 numa escala crescente de 0 a 7 e um traumatismo da coluna cervical e lombar, tem cervicalgias intermitentes e necessidade de medicação de forma esporádica, ficou com uma alteração da mobilidade do pescoço com dor nas amplitudes máximas de rotação e inclinações laterais e teve uma IGP de 84 dias.”, em situação em que o lesado nasceu a 14/04/1954 e o acidente ocorreu em 30/03/2013 (tinha praticamente 79 anos).
--- Acórdão proferido no processo 595/14.1TBAMT.P1, em 09/26/2016: “fixa-se o montante da indemnização em € 15.000,00, sendo € 5.000,00 a título de dano biológico, na vertente de dano patrimonial e € 10.000,00 a título de danos morais. As sequelas de que ficou afetado determinam-lhe uma desvalorização para todas as atividades em geral de 2 pontos em 100 que, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares (o Autor tinha à data do acidente 35 anos).
--- Acórdão proferido no processo 6244/13.8TBVNG.P1, em 12/16/2015: “ O A. ficou a padecer duma “incapacidade permanente geral”, de uma forma genérica, correspondente a um dano na integridade físico-psíquica do A., de caráter permanente, atual ou futuro, que se repercute em diversas áreas da sua existência: atividades da vida diária; atividades afetivas, familiares, sociais, de lazer e desportivas; atividades de formação; atividades profissionais, no valor de 2 pontos… O quantum doloris (grau 3 em 7), o prejuízo estético e de desempenho sexual (grau 1 em 7), os tratamentos ambulatórios (cinco meses), a dificuldade de preensão ou de suporte de pesos, tudo conjugado o prejuízo da formação e da atividade profissional do Autor/lesado (a educação física), bem como a natural necessidade de adaptação interior para lidar com a incapacidade, justificam a atribuição ao Autor de uma indemnização de € 25.000, a título de danos não patrimoniais. II – Já a indemnização pela perda futura de ganho, considerando sobretudo que o Autor era um jovem dinâmico, com inserção variada no mercado de trabalho, com 25 anos à data do acidente e da alta clínica, vendo-se para futuro dificultado no desenvolvimento da sua atividade profissional relacionada com a educação física, deve ser fixada no montante de € 11.000.”

Isto tudo posto, importa concretizar.

.4. Circunstâncias concretas a atender para a fixação da indemnização:

Há que concretizar os parâmetros supra encontrados e determinar quais os montantes a fixar, para o que, em primeiro lugar, importa ter em conta que se encontra provado que do embate resultaram para o Autor as seguintes lesões:

Como consequência direta do acidente resultaram as seguintes lesões no Autor: traumatismo facial esquerdo e torácico anterior, contusão do joelho, do calcâneo e punho direitos, hematomas dispersos, localizados sobretudo na zona do cinto e membros inferiores, fratura do sustentáculo do astrágalo direito que comunica com a superfície articular, cervicalgias, perda do dente nº 27.

Após alta hospitalar, o Autor esteve acamado na sua residência e foi observado e tratado pelos serviços médicos indicados pela Ré, foi sujeito a sete sessões de fisioterapia, com inicio em 28-08-2012 e terminus em 16-11-2012.

O Autor, em todo o processo de cura, teve fortes dores e incómodos.
A data da consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 12.11.2012; o Autor padeceu de Défice Funcional Temporário Total de 11 dias e esteve 81 dias em Défice Funcional Temporário Parcial, tendo sofrido Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total durante 121 dias e sofrido Quantum Doloris é fixável num grau 4/7.

Atualmente ainda se mantêm as dores, nas mudanças de tempo, quando permanentemente de pé por longos períodos e quando efetua carga com o pé por longos períodos e estas dificultam ao Autor correr e de levantar peso, quando esta tarefa implique carga com o pé direito. O autor tem dificuldades em praticar desporto.

Padece atualmente de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 2 pontos, as quais são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

Antes de ocorrer o acidente, o Autor era uma pessoa sadia, bem-disposta, e gozava no geral de boa saúde, com a exceção de ser portador de sequelas sem relação com esse evento, nomeadamente aumento da espessura do ligamento calcâneo fibular em relação com antecedentes de rotura deste ligamento e quistos interligamentares no ligamento talo-fibular posterior, lesão antiga do ligamento tibiofibular, deformidade de haglund incidental na tuberosidade dicalcâneo com pequena quantidade de líquido na bolsa retrocalcânea; jogava futebol e adorava os desportos. Agora, devido ao acidente, o Autor anda triste.

O Autor contava 30 anos de idade à data do acidente, trabalhava para a firma ..., e auferia a quantia mensal de € 661,90.

Entendemos que em concreto, a componente não patrimonial do dano biológico, se mostra aqui mais premente, visto que o Autor não ficou impedido do exercício de qualquer atividade ou função que compusesse o trabalho remunerado que desempenhava: o dano consistente nesta limitação que lhe impõe esforços acrescidos para tal desempenho, apesar de necessariamente ressarcível, como se viu supra (o que é praticamente pacífico hoje em dia), por mais mediato, tem menor peso que os custos e limitações imediatas, sensíveis e diretamente apreensíveis no dia-a-dia do Autor e que continuarão pela sua vida em diante.

Assim, quanto à vertente não patrimonial do dano biológico salientam-se as lesões sofridas no Autor, já com gravidade, como a fratura do sustentáculo do astrágalo direito e cervicalgias, o traumatismo facial esquerdo e torácico anterior, com perda de um dente.

Igualmente as dores de que padeceu não são de menosprezar e a sujeição a fisioterapia, com um período de défice temporário parcial já prolongado, com franca repercussão temporária na sua atividade profissional – de 121 dias.

Relevam as limitações decorrentes das sequelas do Autor, no seu estilo de vida, ao nível desportivo, de que era praticante, com a manutenção da dor quando fica muito tempo em pé e com carga no pé por longo período. Estas dificultam atos normais do seu quotidiano, como correr e levantar objetos pesados, com natural forte relevo para um homem de trinta anos (ainda longe de sofrer o normal declínio que a idade vai naturalmente trazendo), mais a mais praticante desporto, no que toca à sua mobilidade e capacidade de uso corporal.

Igualmente releva o facto de ir padecer de dores e que passou a sofrer de baixo humor.

A idade do Autor importa na medida em que tais limitações são desfasadas do que era expetável para a fase da existência em que se encontrava, diminuindo-lhe o gozo da mesma, o que se prolongará pelo durante um longo período de vida ativa expetável.

Enfim, estas lesões na capacidade física do Autor, têm já bastante intensidade e têm que ser compensadas em consonância com a sua gravidade.

Entende-se que parte do montante que foi atribuído relativamente à vertente patrimonial desse dano na sentença em apreço pode e deve ser reportado a este campo não patrimonial, porquanto é aqui que se verificam os maiores danos e prejuízos concretos para a vida do Autor, visto que, como se analisou supra, é mediato e a longo prazo o dano que destas lesões decorrem para a sua vida profissional e patrimonial.

Como se viu supra, não obstante a Recorrente opor-se à consideração desta perda de ganho de forma autónoma, não é possível dar-lhe razão: a existência de esforços acrescidos para o exercício da profissão do Autor tem necessariamente custos na sua progressão e impedirá a sua reconversão. “A incapacidade funcional constitui, desde modo, um dano patrimonial futuro, que os artigos 562º e 564º impõem se indemnize, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante, não tendo o lesado, pois, sequer de alegar ou provar qualquer perda de rendimentos. Por conseguinte, a incapacidade funcional, ainda que não impeça o lesado de continuar a trabalhar e ainda que dela não resulte perda de vencimento, reveste a natureza de «um dano patrimonial, já que a força do trabalho do homem, porque lhe propicia fonte de rendimentos, é um bem patrimonial, sendo certo que essa incapacidade obriga o lesado a um maior esforço para manter o nível de rendimentos auferidos antes da lesão”, como se escreveu no supra citado acórdão proferido o processo 595/14.1TBAMT.P1.

Entendemos neste caso que, sendo de recorrer a critérios de equidade, considerando a mediatização destes danos, o facto de aqui não se verificar a sua maior incidência (como ocorreria se se apurasse que recorria diretamente às capacidades físicas que sofreram a lesão para o seu exercício, como no processo, também supra citado, com o nº 6244/13.8TBVNG.P1, que não há que empolar o dano sofrido pelo Autor nas suas capacidades física no que se refere à sua capacidade de produzir rendimentos (patrimonial), mas sim ao desvalor que traz ao seu quotidiano e ao desenvolvimento das sua personalidade em todos os demais campos que compõem a sua vida, manifesto e patente, pelo seu relevo, face à diminuição da sua mobilidade, traduzida na dificuldade em correr, no custo em que a simples imobilização em pé por períodos mais longos lhe traz (ato que ocorre com alguma frequência na vida da maioria das pessoas), na diminuição da possibilidade de fazer força com o pé e arcar com pesos, tudo atos correntes da vida de um homem com 30 anos e nas dores que tem em situações vulgares, que interferem necessariamente com a sua usufruir de gozar a vida com maior plenitude, nomeadamente na área desportiva, a que se dedicava a nível não profissional, mas também na tristeza e custo que tais limitações lhe trazem.

A estes desvalores, traduzidos nas incapacidades físicas que lhe advieram do acidente, há que acrescentar, como supra se viu, todos os sofrimentos suportados no período de consolidação das lesões, como os tratamentos, tendo em conta no que consistiram e a sua duração, já supra analisado.

Considerando as decisões jurisprudenciais encontradas, da qual são forte exemplo as supra mencionadas, entende-se mostra-se efetivamente (ainda) adequado o montante indemnizatório global apurado na sentença.

E assim, resumindo ainda mais o que vem sendo analisado:

-- No que que toca à vertente patrimonial do dano biológico, visto que se apurou por via da necessidade de esforços acrescidos, a sua maior dificuldade (e logo capacidade) para o exercício da atividade remunerada que vinha exercendo, entende-se que há que considerar que o Autor perdeu capacidade para ganho económico. Este dano tem que ser ressarcido. É patente que numa pessoa de 30 anos a diminuição da mobilidade e capacidade de ficar imóvel e o padecer de dores trazem necessariamente limitações consideráveis em caso de necessidade de alteração de profissão. No entanto, por ser um dano futuro, mais mediato e menos evidente, o valor alcançado na sentença é elevado e deve ser diminuído, sem prejuízo do aproveitamento desse valor na parte em que diminui a capacidade de gozo da sua vida pelo Autor nas vertentes que não se repercutem diretamente no seu património. Assim, entende-se adequado fixar-se indemnização pelo dano patrimonial consistente nos esforços acrescidos para o exercício da profissão decorrente do dano biológico (que foi fixado em 2 pontos) no valor de 4.000,00 €.
-- Entende-se adequado fixar a compensação pelas consequências do dano biológico no campo não patrimonial do Autor, traduzida na diminuição da sua capacidade para correr, estar muito tempo em pé, fazer força com este, impedindo a atividade desportiva a que se dedicava em tempos de lazer e causando-lhe dores no seu dia-a-dia, nomeadamente com a mudança do tempo, retirando-lhe, em geral, alguma alegria, considerando a sua idade, ainda jovem, traduzido num défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos, em 15.000,00 €.
--Já quanto a outros danos não patrimoniais há que atender às dores que padeceu, avaliadas num grau 4 (numa escala crescente de 7), assim como há que atentar que com o embate o Autor sofreu traumatismo facial esquerdo e torácico anterior, contusão do joelho, do calcâneo e punho direitos, hematomas dispersos, localizados sobretudo na zona do cinto e membros inferiores, fratura do sustentáculo do astrágalo direito que comunica com a superfície articular, cervicalgias, perda do dente nº 27, estando durante três meses em doença, período que mediou entre o acidente e a consolidação das lesões, fez tratamentos médicos e foi submetido a fisioterapia. A localização das lesões sofridas assim como a necessidade de se submeter a fisioterapia e as dores que a Autor padeceu são sofrimentos já de respeito que devem ser compensados. Perante estes padecimentos, se bem que relevantes, não muito prolongados, sendo o “Quantum Doloris” fixado no grau 4 (5), apresenta-se-nos adequada a compensação de 3.000,00 €.
Nada tendo sido arguido pelas partes quanto à condenação em juros, nada há a alterar nessa sede.

V- Decisão

Por todo o exposto julga-se a apelação interposta pela improcedente e em consequência mantém-se a condenação da Ré a pagar ao Autor a quantia de 22.000,00 €, acrescida de juros nos termos definidos na sentença recorrida.
Custas da apelação pela apelante (artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Guimarães, 19 de Junho de 2019

Sandra Melo
Conceição Sampaio
Fernanda Proença Fernandes



1. Desta forma, dá-se “Igual relevância, enquanto dano patrimonial, do designado dano biológico perspetivado como perda de aptidão ou capacidade laboral (agravamento do esforço no exercício da atividade) independentemente da perda de retribuição (dano emergente)… No dano biológico, considerado dano autónomo, está em causa a perda de aptidão ou capacidade laboral. A penosidade em si parece configurar dano moral. Mas essa penosidade implicando perda de capacidade de ganho, resulte esta de uma perda de oportunidades de trabalho e/ou de um desempenho mais difícil, justifica um cálculo de natureza patrimonial pois ocorre sempre um prejuízo quando, pela incapacidade, tem de se trabalhar mais para realizar o mesmo..” cf intervenção de Salazar Casanova a 27 de outubro de 2016 no Colóquio Sobre o Código Civil, disponível em stj.pt/ficheiros/coloquios.Neste sentido vai muita jurisprudência: cf. Acs do STJ de 03/21/2013, no processo 565/10.9TBPVL.S1, rel. Salazar Casanova, Ac STJ de 05/19/2009, no processo 298/06.0TBSJM.S1, rel. Fonseca Ramos e os citados no muito esclarecedor Ac do STJ de 12/11/2012 no processo 269/06.7 GARMR.E1.S1, rel. Isabel Pais Martins, indicando de forma detalhada as várias posições: os Ac. STJ de 19/5/2009 no processo 298/06.0TBSJM.S1, rel. Fonseca Ramos, Ac. STJ de 4/10/2007 no processo 07B2957, rel. Salvador da Costa, Ac. STJ de 6/5/99 no processo 99B222, rel. Ferreira de Almeida).
2. Tem sido a corrente maioritária na jurisprudência portuguesa, aliás por força da hierarquia das normas, que não permite que uma Portaria revogue os artigos do Código Civil que fixam os critérios legais para a atribuição de indemnizações, que os critérios e valores previstos na Portaria n.º 377/2008, de 26-05, a que alude o Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, se destinam tão só a servir de orientação aos lesados no âmbito dos procedimentos obrigatórios para a regularização dos sinistros rodoviários como se esclarece no seu preâmbulo, não vinculando o julgador, embora sejam de ponderar, nomeadamente face á unidade do sistema jurídico. Tem interesse, pois, confirmar que neste diploma se afirma que deve ser considerada indemnizável autonomamente a incapacidade permanente que exija esforços acrescidos no desempenho da atividade profissional habitual do lesado, no artigo 3º alínea b) (referindo-se complementariamente à sua ressarcibilidade também como dano moral na artigo 4º alínea b).
3. Como se salienta no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo 103/2002.L1.S1, após a referência aos danos patrimoniais que podem resultar do dano biológico, mesmo que as lesões não sejam impeditivas da realização do trabalho, desde que importem esforços acrescidos para o mesmo: “Para além disto, terão naturalmente de ser ponderados e ressarcidos os danos não patrimoniais, decorrentes da degradação do padrão de vida da lesada, quer nos aspetos não directamente associados ao exercício da profissão, quer da notoriamente maior penosidade que este passou a representar para a lesada, como forma de, contornando as sequelas incapacitantes, lograr manter o mesmo nível de produtividade e de rendimento auferido.”
4. Neste sentido também se encontra ampla jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, citando-se, pela clareza o seguinte trecho do acórdão proferido no processo 237/13.2TCGMR.G1.S1, de 04/07/2016.: “A afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras atividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais (neste sentido, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015 (proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 7 de Maio de 2014 (proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 10 de Outubro de 2012 (proc. nº 632/2001.G1.S1), e de 20 de Outubro de 2011 (proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1), todos em www.dgsi.pt.)”. Quanto á possibilidade de consideração das consequências do dano biológico, na vertente patrimonial, mesmo nestes casos em que não há uma repercussão direta e imediata no vencimento do lesado, é claro o Acórdão do STJ de 20-05-2010, no processo 103/2002.L1.S1: “pelo menos para quem não está irremediavelmente afastado do ciclo laboral, a perda relevante de capacidades funcionais – embora não imediatamente reflectida nos rendimentos salariais auferidos na profissão exercida – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» do lesado num mercado laboral em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, deste modo, fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar como verdadeiros danos patrimoniais.”
5. Que embora relevante, não é dos mais gravosos, como resulta indiciado do facto de ser prevista na Portaria n.º 679/2009 de 25 de Junho que não são indemnizáveis senão situações de quantum doloris superiores a 3.