Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2254/16.1T8BRG-A.P1.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INCAPACIDADE
NÃO RECONVERSÃO DO SINISTRADO
BONIFICAÇÃO
CUMULAÇÃO
AGRAVAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – A expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho” contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente;

II – Não ocorre incompatibilidade entre o estatuído na alínea b) do n.º 3 do art. 48.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, referente a fixação de pensões nas situações de incapacidade absoluta para o trabalho habitual, e o estatuído na mencionada alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, referente a aplicação do factor de bonificação 1,5, podendo cumular-se os benefícios nelas estabelecidos.

III – Com efeito, os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho.

IV – Assim, não se justifica que se trate diferentemente uma situação em que o sinistrado continua a desempenhar o seu trabalho habitual, noutro posto de trabalho, e outra situação em que o sinistrado está impedido permanente e absolutamente de o realizar, uma vez que, em qualquer dos casos, lhe é exigido um esforço acrescido para se adaptar a desempenhar actividade profissional num novo posto de trabalho, o qual, no caso de o mesmo estar afectado de IPATH, terá de encontrar no âmbito de profissão distinta, devendo por isso o factor de bonificação reflectir-se no cômputo da sua capacidade residual.

V – Se o sinistrado preencher os requisitos para beneficiar do factor de bonificação 1,5, não tendo tal lhe sido reconhecido na decisão inicial, com a qual se conformou, não pode beneficiar do mesmo na decisão do incidente de revisão que constate a inexistência de agravamento das sequelas decorrentes do acidente de trabalho, sob pena de violação do caso julgado, mas, no caso inverso, se ocorrer agravamento, verificam-se os pressupostos para que seja revista a incapacidade, e, assim, para que se lhe aplique o factor de bonificação previsto legalmente, se for o caso.
Decisão Texto Integral:
1. Relatório

Nestes autos emergentes de acidente de trabalho em que é sinistrado T. A. e entidade responsável Companhia de Seguros A, veio aquele requerer, ao abrigo do disposto no art. 145.º do Código de Processo do Trabalho, a realização de exame médico de revisão da incapacidade anteriormente fixada, alegando que se encontra pior das lesões que foram consequência do acidente de trabalho participado.
Realizado o exame médico, e notificadas as partes do respectivo resultado, nada tendo sido requerido, pelo Mmo. Juiz a quo foi proferida sentença de que se transcreve a parte relevante da fundamentação e o dispositivo:
«A posição assumida pelo perito médico do GML de Braga não merece qualquer reparo, pelo que é de concluir que o sinistrado sofreu modificação (agravamento) na sua capacidade geral de ganho, encontrando-se agora afectado de uma incapacidade permanente e parcial de 52,8133%, sendo que o coeficiente de incapacidade anteriormente fixado era de 47,5703%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, conforme conciliação de fls. 67 a 69.
Cumpre, deste modo, decidir em consentaneidade com o vertido no artigo 145º, n.º 5, do Código de Processo do Trabalho.
O regime aplicável é o que resulta da conjugação das disposições dos artigos 47º, 48º, nº 3, alínea b), 50º, nº 2 todos da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro.
3. Em face do exposto, tendo em consideração a factualidade apurada e os citados normativos, julga-se procedente o presente incidente, pelo que, consequentemente:
a) declara-se que o sinistrado, T. A., em consequência do acidente de trabalho a que se referem os presentes autos, apresenta actualmente uma desvalorização permanente parcial para o trabalho (I.P.P.) de 52,8133%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual;
b) aumenta-se a pensão a que tem direito, com efeitos a partir de 01/02/2017 – data da apresentação do requerimento para revisão –, para o montante anual de 4.628,20 €, a pagar nos termos do disposto no artigo 72º, nºs 1 e 2 da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro.
Custas do incidente de revisão pela seguradora.»
O sinistrado, inconformado, interpôs recurso da sentença e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
«1- Na douta sentença proferida, na parte da decisão diz-se que o sinistrado ficou com uma “incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual”.
2- Fixada que está a “incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual”, deveria o Mmo. Juíz ter aplicado o factor de bonificação de 1,5, decorrente do art.5.º das Instruções gerais da TNI, conforme Acórdão Uniformizador n.º10/2014 do STJ, datado de 28 de Maio de 2014, havendo consequentemente omissão de pronúncia, que fere de nulidade a sentença proferida nos termos do art.615.º, al.d, do n.º1 do CPC ex vi da alínea a) do n.º2 do art.1.º do CPT.
3- Nos termos do referido Acórdão do STJ, “A expressão “se a vitima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho” contida na alínea a) do n.º5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto- Lei n.º352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente”
4- O factor de 1,5 é aplicável ao caso concreto, em face das instruções gerais da TNI, em que uma das situações que permitem que a vítima beneficie do factor de 1.5, é o facto de a mesma não ser reconduzível ao posto de trabalho, como é o caso dos autos Termos em que se conclui pedindo seja suprida a nulidade supra referida e proferida decisão que revogue a sentença sindicada e a substitua por outra que aplique o factor de bonificação de 1,5.»
A seguradora apresentou resposta ao recurso do sinistrado, pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, e colhidos os vistos, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a única questão que se coloca a este tribunal é se o sinistrado deve beneficiar da bonificação do factor 1,5 na fixação da incapacidade residual para o trabalho, não obstante se ter reconhecido que está afectado de IPATH, com as consequências jurídicas daí decorrentes.

3. Fundamentação de facto

Os factos materiais relevantes para a decisão da causa são os que decorrem do Relatório supra.

4. Apreciação do recurso

Como se referiu, está em causa saber se ocorre incompatibilidade na aplicação cumulativa do estatuído na alínea b) do n.º 3 do art. 48.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro – referente a fixação de pensões nas situações de incapacidade absoluta para o trabalho habitual – e na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro – referente a aplicação do factor de bonificação 1,5 –, ou se, pelo contrário, o sinistrado pode beneficiar de ambos os regimes.
A questão controvertida tem sido objecto de inúmeros arestos dos tribunais superiores, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, que vêm acolhendo de modo constante a solução preconizada pelo Recorrente.
A título exemplificativo, veja-se o que se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 2015, proferido na Revista n.º 28/12.8TTCBR.C1.S1 (Relator António Leones Dantas), disponível em www.dgsi.pt:
“3 – Esta Secção debruçou-se já várias vezes sobre a questão que constitui objecto da presente revista, conforme se pode alcançar dos acórdãos de 19 de Março de 2009, proferido na revista n.º 08S3920; de 29 de Março de 2012, proferido na revista n.º 307/09.1TTCTB.C1.S1; de 24 de Outubro de 2012, proferido na revista n.º 383/10.4TTOAZ.P1.S1; e de 5 de Março de 2013, proferido na revista n.º 270/03.2TTVFX.L1.S1.
Assim, referiu-se no acórdão de 29 de Março de 2009, proferido na revista n.º 307/09.1TTCTB.C1.S1, o seguinte:
«2. Importa, então, ajuizar se na determinação do valor final da incapacidade do sinistrado deve ser aplicada uma bonificação, consistente na multiplicação pelo factor 1,5 previsto na alínea a) do n.º 5 das «Instruções gerais» da Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro.
Segundo o estabelecido naquele preceito, «[n]a determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número: a) [o]s coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG × 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor».
Assim, para que ocorra aquela bonificação, exige-se que a vítima não seja reconvertível em relação ao posto de trabalho ou que tenha 50 anos de idade ou mais «quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor».
No âmbito de aplicação da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (TNI), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro, este Supremo Tribunal teve a oportunidade de se pronunciar acerca da questão enunciada, no acórdão de 16 de Junho de 2004, Processo n.º 1144/04, cuja orientação foi reafirmada no acórdão de 2 de Fevereiro de 2005, Processo n.º 3039/04, ambos da 4.ª Secção, no qual se concluiu que, tendo o sinistrado ficado afectado de uma IPP de 61% e incapaz para o exercício da profissão habitual, a tal grau de incapacidade deve ser aplicado, para efeitos do cálculo do valor da pensão, o factor de bonificação de 1,5 previsto no n.º 5, alínea a), das Instruções Gerais da TNI, não sendo este incompatível com as disposições da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, nomeadamente com o preceituado no n.º 1, alínea b), do seu artigo 17.º.
(…)»
Deste acórdão veio a ser extraído um sumário com o seguinte teor:
«1. Não ocorre incompatibilidade entre o estatuído na alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, editada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, podendo cumular-se os benefícios nelas estabelecidos.
2. Resultando da matéria de facto provada que o sinistrado foi vítima de acidente quando procedia, como supervisor de construção, à verificação/orientação dos trabalhos de colocação de laje de cimento em cima de um andaime e que este se partiu, tendo caído no chão, o que lhe causou sequelas neurológicas graves, que lhe determinaram incapacidade permanente parcial de 53%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, justifica-se a bonificação do valor final da incapacidade com base na multiplicação pelo factor 1,5 previsto na alínea a) do n.º 5 das «Instruções gerais» da Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro.»
Recentemente esta Secção voltou a debruçar-se sobre esta temática sendo chamada a unificar a jurisprudência no que se refere à interpretação do segmento «se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho», contido na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, tendo afirmado que aquele segmento se refere «às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente».
Na fundamentação deste acórdão referiu-se o seguinte:
«7 - Tomando agora em consideração o texto do referido segmento normativo a sua interpretação meramente literal faz depender a bonificação prevista do facto de a vítima não ser reconvertível em relação ao posto de trabalho.
O conceito de posto de trabalho tem uma utilização frequente no âmbito do Direito do Trabalho, nomeadamente, no domínio dos contratos a termo, onde tem sido entendido como «o conjunto de funções atribuídas ao trabalhador no seio de uma dada organização do empregador. A expressão não deve ser entendida no sentido meramente formal, como mera job description prevista no contrato, mas antes correspondendo às funções efectivamente exercidas pelo trabalhador numa concreta organização empresarial» .
Está em causa, deste modo, o conjunto de tarefas atribuídas em concreto a um trabalhador, tendo como referência o conteúdo da respectiva categoria profissional, embora numa leitura dinâmica e não meramente literal desse conteúdo.
O dispositivo faz depender o reconhecimento do direito à bonificação da incapacidade da não reconvertibilidade da vítima em relação ao posto de trabalho.
Já vimos que, por força do regime da reabilitação, o trabalhador sinistrado tem o direito à reabilitação e à reintegração e que este direito tanto existe nas situações de mera incapacidade parcial permanente, como de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
Importa, pois, saber quando é que o sinistrado se pode considerar não reconvertível em relação ao posto de trabalho, sendo certo que a não reconvertibilidade em causa estará direccionada para as tarefas levadas a cabo pelo sinistrado no posto de trabalho que ocupava quando foi vítima do acidente.
De facto, o segmento «em relação ao posto de trabalho» ao qual se refere a reconvertibilidade aponta para as tarefas executadas pelo sinistrado no posto de trabalho com o qual o acidente se mostra conexionado e é nessa linha que aponta o regime de reabilitação e reintegração profissional.
A reconvertibilidade, por sua vez, exprime na língua portuguesa a susceptibilidade de reconversão e esta é a «adaptação de um trabalhador a uma nova função ou actividade profissional».
A densificação deste conceito, no contexto em que o mesmo se mostra inserido naquele segmento normativo, terá que ser alcançada no quadro da articulação da não reconvertibilidade com o posto de trabalho que o sinistrado ocupava quando sofreu o acidente.
8 – Assim, aquele segmento normativo «não reconvertível em relação ao posto de trabalho», como pressuposto da bonificação prevista naquela alínea, refere-se às situações em que o sinistrado não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao posto de trabalho que desempenhava antes do acidente.
A reconversão em relação ao posto de trabalho prevista naquela norma materializa-se no regresso do sinistrado ao desempenho das funções que tinha quando ocorreu o acidente, apesar das limitações em termos de capacidade que trabalho que do mesmo decorreram.
Pode, assim, afirmar-se que um trabalhador que foi vítima de um acidente de trabalho é reconvertido em relação ao posto de trabalho que tinha antes do acidente quando o pode retomar, apesar das limitações funcionais de que seja portador em consequência do acidente sofrido.
Quando esse regresso não seja possível, quando essa retoma não seja possível, o trabalhador não é susceptível de reconversão nesse posto de trabalho.
Aliás, já na vigência da TNI aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, em vigor, TERESA MAGALHÃES e Outros, abordaram o conteúdo daquele segmento normativo, referindo que «em lado algum se define o conceito de reconvertível, bem assim como as circunstâncias da reconversão ou o tipo de actividade para a qual essa reconversão é considerada (para a actividade específica habitual – avaliação teórica -, ou no seu posto de trabalho – avaliação concreta? Não corresponderá antes a situação de não reconversão a um caso de IPATH?)».
Adite-se que na linha da jurisprudência definida nesta secção os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho.
Tudo para concluir que, à luz da actual redacção da alínea a) do n.º 5 da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais aprovada pelo Decreto-lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, para a aplicação do factor de bonificação 1,5, nela previsto, exige-se que a vítima não seja reconvertível em relação ao posto de trabalho, sem prejuízo das situações em que a bonificação em causa depende da idade do sinistrado.»
5 – Ao contrário do que pretende a recorrente, não há qualquer incompatibilidade entre a bonificação do coeficiente de incapacidade decorrente da alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da TNI e a caracterização da incapacidade sofrida pelo sinistrado como incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
Na verdade, a bonificação incide sobre o coeficiente global de incapacidade apurado e decorre do facto de o sinistrado, por força das sequelas do acidente sofrido, não ser reconvertível em relação ao posto de trabalho. Esta não reconversão em relação ao posto de trabalho reflecte-se na caracterização da incapacidade como permanente e absoluta para o trabalho habitual.
A bonificação prevista na TNI tem uma base médico-legal e decorre da mera constatação da insusceptibilidade de reconversão do sinistrado em relação ao anterior posto de trabalho, sendo alheia às potencialidades que o sinistrado possa ter para desempenhar outras funções.
Por outro lado, a fixação da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, exige a caracterização da capacidade de trabalho residual do sinistrado e daí a possibilidade de intervenção de outro tipo de perícias conforme expressamente a Lei n.º 98/2009, prevê no n.º 4 do artigo 21.º
A bonificação do coeficiente de incapacidade insere-se no processo de fixação da incapacidade parcial permanente derivada das sequelas do acidente, decorre do facto de a capacidade de trabalho residual do sinistrado só poder ser exercitada noutro posto de trabalho e acaba por fixar um dos elementos de referência desta capacidade residual de trabalho.
Daí que, tal como se concluiu no acórdão uniformizador n.º 10/2014, de 28 de Maio de 2014, «os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho».”
Em suma, se os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho, não se justifica que se trate diferentemente uma situação em que o sinistrado continua a desempenhar o seu trabalho habitual, noutro posto de trabalho, e outra situação em que o sinistrado está impedido permanente e absolutamente de o realizar, uma vez que, em qualquer dos casos, lhe é exigido um esforço acrescido para se adaptar a desempenhar actividade profissional num novo posto de trabalho, o qual, no caso de o mesmo estar afectado de IPATH, terá de encontrar no âmbito de profissão distinta, devendo por isso o factor de bonificação reflectir-se no cômputo da sua capacidade residual.
Conclui-se, assim, que não existe incompatibilidade na aplicação simultânea do estatuído na alínea b) do n.º 3 do art. 48.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, referente a fixação de pensões nas situações de incapacidade absoluta para o trabalho habitual, e do estatuído na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, referente a aplicação do factor de bonificação 1,5, podendo cumular-se os benefícios nelas estabelecidos, pelas razões aduzidas no aresto parcialmente reproduzido, e nos demais aí citados, que se acolhem totalmente.
Esta, aliás, é a jurisprudência constante desta Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães, conforme se constata, entre outros, dos Acórdãos proferidos nos seguintes processos: n.º 1510/12.2TTBRG.G1, em 19 de Novembro de 2015 (Relatora Alda Martins), n.º 47/14.0TTBGC.G1, em 1 de Junho de 2017 (Relator Eduardo Azevedo), e n.º 59/10.2TTMTS.4.G1, em 29 de Junho de 2017 (Relatora Vera Sottomayor), o último disponível em www.dgsi.pt.
Em face do exposto, o recurso merece provimento e não procedem as objecções da seguradora.
Sublinha-se, ainda, apesar de a questão não ter sido colocada, que no caso concreto em apreço a solução preconizada não é impedida pelo caso julgado formado pela decisão inicial que, considerando o sinistrado afectado de IPP de 47,5703% com IPATH, não lhe atribuiu o factor de bonificação 1,5.
Efectivamente, nos termos do art. 70.º da Lei n.º 98/2009, de 4/09, com a epígrafe “Revisão”, quando se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada.
Em conformidade, o Código de Processo do Trabalho estabelece no art. 145.º a tramitação inerente à “Revisão da incapacidade em juízo”, dizendo no n.º 6 que, após os exames médicos e outras diligências que sejam ordenadas, o juiz decide por despacho, mantendo, aumentando ou reduzindo a pensão ou declarando extinta a obrigação de a pagar.
Ou seja, o incidente de revisão visa a alteração das prestações a que o sinistrado tem direito em consequência de modificação na sua capacidade de ganho, proveniente das circunstâncias indicadas, e não uma alteração decorrente da reapreciação do mérito da decisão inicial, desiderato reservado aos recursos.
Trata-se, afinal, da concretização, em matéria de prestações decorrentes de acidente de trabalho, do princípio constante do art. 619.º do Código de Processo Civil, segundo o qual, em termos básicos, transitada em julgado a sentença que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, embora, se o réu tiver sido condenado a satisfazer prestações dependentes de circunstâncias especiais quanto à sua medida ou à sua duração, pode a sentença ser alterada desde que se modifiquem as circunstâncias que determinaram a condenação.
Ou seja, se o sinistrado preencher os requisitos para beneficiar do factor de bonificação 1,5, não tendo tal lhe sido reconhecido na decisão inicial, com a qual se conformou, não pode beneficiar do mesmo na decisão do incidente de revisão que constate a inexistência de agravamento das sequelas decorrentes do acidente de trabalho.
Já no caso inverso, se ocorrer agravamento das sequelas resultantes do acidente de trabalho, verificam-se os pressupostos para que seja revista a incapacidade, e, assim, para que se lhe aplique o factor de bonificação previsto legalmente, se for o caso.
Neste sentido vejam-se o Acórdão da Relação de Lisboa proferido no processo n.º 2197/07.0TTLSB.2.L1, em 12 de Março de 2014 (Relatora Alda Martins), e o Acórdão da Relação de Guimarães proferido no processo n.º 700/12.2TTBRG-G1 (Relator Antero Veiga), referindo-se no último:
“Relativamente à questão da aplicação do fator ao grau de incapacidade fixada, proferida a decisão ficou esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (art. 666.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, atual 613º), não podendo, aproveitando um pedido de revisão, sem qualquer alteração em termos de agravamento ou melhoria da lesão ou doença (artigo 70 da L. 98/2009), proceder-se à correção do decidido com base em entendimento diverso sobre a situação pré-existente e base da decisão anterior.
(…) O errado entendimento da lei não obsta ao trânsito, nem é motivo para “revisão “ de sentença.
(…)
Não que a incapacidade não possa ser alterada, como o demonstra o mecanismo de revisão, mas apenas nos termos da lei, ocorrendo alteração do estado de saúde do sinistrado, com agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença. É que a revisão, fundando-se em alteração posterior, não viola o caso julgado.
Claro que a bonificação, e porque como referido se trata apenas de um critério de cálculo, não está em si mesma abrangida por caso julgado. Pode apesar de aplicada (ou não aplicada) por erro de julgamento na decisão inicial, ser aplicada nas posteriores revisões, verificando-se os seus pressupostos, mas deverá sê-lo sem prejuízo do caso julgado, isto é, pressupondo uma alteração da base factual que foi apreciada na primeira decisão (ou decisão precedente).”
Retornando ao caso sub judice, verifica-se que ocorre agravamento das sequelas decorrentes do acidente de trabalho que vitimou o sinistrado, já que inicialmente lhe determinavam uma IPP de 47,5703% e após exame de revisão se constata que lhe determinam uma IPP de 52,8133%, pelo que, estando também afectado de IPATH, se conclui que a decisão de revisão pode e deve fazer reflectir na incapacidade para o restante trabalho o factor de bonificação 1,5.
Em face do exposto, procede o recurso do Apelante, sendo-lhe reconhecida a IPP de 79,21995% (52,8133% x 1,5) com IPATH e devida a correspondente pensão, a cujo cálculo não se procede porque do traslado do recurso não consta qualquer elemento relativo à retribuição auferida pelo sinistrado.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, em fixar ao sinistrado a IPP de 79,21995% com IPATH, desde 1/02/2017, e em condenar a seguradora a pagar-lhe desde tal data a pensão anual e vitalícia correspondente.
Custas pela Apelada.
Guimarães, 19 de Outubro de 2017

(Alda Martins)
(Eduardo Azevedo)
(Vera Sottomayor)

Sumário (elaborado pela relatora):

I – A expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho” contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente;

II – Não ocorre incompatibilidade entre o estatuído na alínea b) do n.º 3 do art. 48.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, referente a fixação de pensões nas situações de incapacidade absoluta para o trabalho habitual, e o estatuído na mencionada alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, referente a aplicação do factor de bonificação 1,5, podendo cumular-se os benefícios nelas estabelecidos.

III – Com efeito, os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho.

IV – Assim, não se justifica que se trate diferentemente uma situação em que o sinistrado continua a desempenhar o seu trabalho habitual, noutro posto de trabalho, e outra situação em que o sinistrado está impedido permanente e absolutamente de o realizar, uma vez que, em qualquer dos casos, lhe é exigido um esforço acrescido para se adaptar a desempenhar actividade profissional num novo posto de trabalho, o qual, no caso de o mesmo estar afectado de IPATH, terá de encontrar no âmbito de profissão distinta, devendo por isso o factor de bonificação reflectir-se no cômputo da sua capacidade residual.

V – Se o sinistrado preencher os requisitos para beneficiar do factor de bonificação 1,5, não tendo tal lhe sido reconhecido na decisão inicial, com a qual se conformou, não pode beneficiar do mesmo na decisão do incidente de revisão que constate a inexistência de agravamento das sequelas decorrentes do acidente de trabalho, sob pena de violação do caso julgado, mas, no caso inverso, se ocorrer agravamento, verificam-se os pressupostos para que seja revista a incapacidade, e, assim, para que se lhe aplique o factor de bonificação previsto legalmente, se for o caso.

(Alda Martins)