Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5989/16.5T8VNF.G1
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: RETRIBUIÇÃO
SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO OU ALIMENTAÇÃO
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/01/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
O carácter não retributivo do subsídio de refeição ou de alimentação previsto nos nºs 1, alª a), e 2 do artº 260º do CT é presunção ilidível.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

Maria intentou acção com processo comum contra Centro Social da Paróquia X.
Pediu a condenação do R no pagamento de 7.201,84€, acrescidos de juros de mora.

Alegou, em súmula: foi admitida em 16.10.2000, por contrato de trabalho a termo certo, para exercer as funções de técnico auxiliar ao apoio domiciliário, mediante a retribuição de 318,23€, passando, em Outubro de 2002, a exercer as funções inerentes à categoria de ajudante familiar/domiciliário 2ª, sendo o salário de 430,00€; por força de portarias de extensão são aplicáveis à relação laboral vários instrumentos de regulamentação colectiva que estabelecem salários mensais e subsídios de alimentação superiores aos por si auferidos; em Outubro de 2005 completou 5 anos avaliados com “bom e efectivo serviço”, pelo que, também por força do IRCT, deveria ter sido promovida a ajudante de acção directa de 1ª, o que não aconteceu; só em janeiro de 2006 é que foi promovida, passando a receber, durante todo esse ano o salário mensal de 495,00€ e o subsídio diário de refeição de 2,00€; tem direito a diferenças salariais entre Janeiro de 2004 a Outubro de 2014; em Novembro de 2014 passou à situação de baixa médica, na qual se manteve até 14.10.2015, data em que recebeu a comunicação da SS de que estava reformada por invalidez, o que comunicou ao R; e, por não o ter recebido, tem direito a retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal relativos ao ano de 2014.

O R contestou alegando, em síntese: a prescrição dos créditos reclamados; a A solicitou-lhe que lhe fosse pago o ordenado mínimo e qualquer valor acima a título de subsídio de alimentação; pagou, para além da retribuição mínima devida, a quantia de 88,00€ mensais que discriminava como subsídio de alimentação, mas que faziam parte da retribuição da A, já que esta os recebia, quer almoçasse na cantina que tinha, quer não almoçasse e mesmo que estivesse de férias ou faltasse; e 8.448,00€ a título de subsídio de refeição configura retribuição, razão pela qual a A age em abuso de direito ao vir reclamar agora diferenças salariais; caso assim não se entenda, deve ser operada a compensação com o crédito que vier a ser reconhecido atento a nulidade por simulação; e pagou a retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal relativos ao ano de 2014.

A A respondeu opondo-se à matéria de excepção e mantendo em regra a sua posição inicial. Termina pedindo a condenação de litigante de má fé.

Foi elaborado saneador, sem se enunciarem o objecto do litígio e os temas de prova e decidindo-se pela improcedência da excepção de prescrição.

Realizou-se audiência de julgamento, altura em que o R aceitou matéria de facto:

“… aceita o teor dos artigo 6.º, do artigo 9.º até dois euros, 12.º e 15.º da petição inicial.
A ré aceita, ainda, que pagou, a título de retribuição, pelo menos, os montantes referidos em 21.º, 26.º, 31.º, 34.º e 37.º da petição inicial”.

Proferiu-se sentença pela qual: “ julgo parcialmente procedente o pedido formulado e, consequentemente:

I) Condeno o réu a pagar à autora:

a) a quantia de 1.145,96€ (1.121,96€ + 24€) a título de diferenças de retribuição, subsídio de alimentação e diuturnidades, e
b) A quantia de 1.094,98€ a título de férias e subsídios de férias e de natal;
c) juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, sobre as referidas quantias, a contar da data do respectivo vencimento (artigo 559.º, 804.º, 805.º e 806.º do Código Civil), e

II) no mais absolvo o réu do pedido.

Custas da acção pela autora e réu na proporção do decaimento, estando o réu isento do pagamento das que lhe caberiam”.

A A recorreu e concluiu:

I – Por mero erro de cálculo terá o Tribunal “a quo” obtido o resultado de €. 1.121,96 (mil, cento e vinte e um euros, noventa e seis cêntimos) a título de diferenças de retribuição, subsídio de alimentação e diuturnidades desde 2004 até 2006, pois basta atentar-se na tabela de fls. 203 da sentença recorrida para se constatar que esse resultado é, ao invés, de €. 1.290,62 (mil, duzentos e noventa euros, sessenta e dois cêntimos);
II – Tendo a apelante pedido a confirmação das datas de vencimento dos créditos que lhe foram reconhecidos [sem prejuízo da conclusão anterior] em I) a) – à exceção da quantia de €. 25,00 (vinte e cinco euros), porquanto relativa a período posterior – e I) b), ambos da decisão proferida, impor-se-á decisão na matéria, o que não se tendo verificado constituirá nulidade que urge ser reparada;
III – O Tribunal recorrido fez uma leitura da lei que o levou a descaracterizar a quantia mensalmente paga pelo recorrido à apelante a título de «subsídio de refeição» desde 2007 até 2014, considerando-a, apenas e tão-somente, parte da retribuição;
IV – De seguida, lançou mão desses montantes pagos pelo recorrido ao longo de 7 anos e imputou-os a título das diferenças salariais e diuturnidades que o mesmo Tribunal reconheceu não haverem sido pelo mesmo pagas em infracção ao que decorria para o mesmo dos Instrumentos de Regulamentação Colectiva aplicáveis;
V – Nem lei nem factos provados permitiam ao Tribunal «a quo» tamanha contorção de interpretação da lei;
VI – Ademais, essa quantia mensal nunca foi paga pelo apelado à apelante aquando dos subsídios de férias e de Natal; nunca foi passível de quaisquer descontos para o Organismo da Segurança Social competente; nunca foi tida em conta para efeitos de reforma da recorrente;
VII – A lei não deixa de considerar “subsídio de refeição” todas as importâncias pagas e tratadas a tal título, mesmo que as mesmas possam ser consideradas “elemento integrante da retribuição do trabalhador” [cf. art. 260º nºs. 1 al. a) e 2 do Cód. Trabalho];
VIII – Com esta inclusão, porém, não mais pretende o legislador do que, precisamente, evitar que o empregador camufle salários que quer pagar ao trabalhador através de items que, não fazendo por regra parte do salário base do trabalhador, não seriam tidas em conta numa possível futura indemnização a conferir a este último;
IX – O Tribunal recorrido subverte tal intuito legislativo e contorce-o totalmente a ponto de desproteger precisamente a trabalhadora, fazendo-a suportar como pagamento por conta de todas as diferenças salariais e diuturnidades que lhe eram devidas durante quase 8 anos aqueles subsídios de refeição que a entidade trabalhadora livremente decidira conceder-lhe.
X – Tampouco teve o Tribunal em conta os prejuízos que adviriam de tal posição para o organismo da Segurança Social (que não auferiu contribuições) e para a própria apelada (que, na sua reforma, não viu espelhados esses montantes).
XI – Deve o apelado ser condenado a pagar à recorrente todas as diferenças salariais e de diuturnidades verificadas entre 2007 e 2014, ou seja, o montante de €. 5.159,22 (cinco mil, cento e cinquenta e nove euros, vinte e dois cêntimos), e não apenas o de €. 25,00 (vinte e cinco euros) reconhecido em I) a) da sentença recorrida, acrescido de juros de mora calculados nos termos das alíneas c) a f) do art. 45º da petição inicial;
XII – Mais deve o recorrido ser condenado no pagamento da totalidade das custas de parte a pagar à apelante, por não estarem as mesmas incluídas na isenção de que o mesmo beneficia;
XII – Sem prejuízo de deve ser dado, primeiramente, cumprimento ao preceituado nos arts. 613º nº 2 e 614 nºs. 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, violou a sentença posta em crise o disposto nos arts. 608º nº 2, 615º nº 1 al. d) do Cód. Proc. Civil, na medida em que não conheceu de questões de que deveria haver tomado conhecimento, e 258º e 260º do Cód. do Trabalho porquanto, tendo descaracterizado as quantias pagas a título de “subsídio de refeição”, imputou-as como pagamentos por conta de diferenças salariais e diuturnidades devidas e não pagas pelo apelado.

Termina referindo “que deve ser julgada procedente a apelação, revogando-se a Sentença recorrida e, em consequência, ser o apelado condenado a pagar à recorrente, em acréscimo, o valor de €. 5.337,88 (cinco mil, trezentos e trinta e sete euros, oitenta e oito cêntimos) – em resultado da procedência das conclusões I e XI”.
Não se deduziu contra-alegação.

Aquando a admissão do recurso o tribunal a quo decidiu:

“Do apontado erro de cálculo: tem inteira razão a recorrente, já que os cálculos relativos à diferença nos meses de Jan a Set 2005 e Out a Dez 2005 constantes no quadro de fls. 203 mostram-se errados sendo que no primeiro caso deveria constar o valor de - 239,92€ e, no segundo, -168,66€.
Consequentemente, o valor total em dívida quanto ao período de 2004 a 2006 é de 1.290,62€ e não de 1.121,96€.

Assim, ao abrigo do disposto no artigo 614.º do CPC, rectifico tal lapso, determinando que:

- no quadro de fls. 203 passe a constar na linha da “diferença” nos meses de Jan a Set 2005 o valor de - 239,92€ e nos meses de Out a Dez 2005 o valor de -168,66€;
- também a fls. 203 no valor total relativo ao período de 2004 a 2006 a quantia de 1.290,62€; e
- no segmento decisório, na al. a), deverá passar a constar “a quantia de 1.314,62€ (1.290,62€ + 24€) …”.
(…)
Da apontada nulidade: vem, por outro lado, a autora arguir a nulidade da sentença proferida por omissão de pronúncia quanto à data de vencimento das dos juros pedidos sobre as quantias constantes no segmento decisório em I) a) e b), assistindo-lhe também razão, já que a sentença proferida não se pronunciou, efectivamente, sobre essa questão.
Assim, ao abrigo do disposto nos artigos 615.º, n.º 1, d) e 617.º, n.º 1 do CPC, passa-se a corrigir o apontado vício.
Sobre as quantias constantes no quadro de fls. 203 (2004 a 2006) são devido juros, tal como peticionado, desde 31/03/2007 e sobre a quantia em falta do período de Outubro a Dezembro de 2010 os juros de mora são devidos desde 31/12/2010.

Quanto aos juros sobre férias e subsídios de férias e de natal, são os mesmos devidos desde 14/10/2015, por ser esta a data a partir da qual foram peticionados pelo autor no artigo 45.º da petição inicial.
(…)”.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do recurso não merecer provimento.
Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Indagar-se-á sucessivamente, sem prejuízo das conclusões do recurso e das questões que se encontrem prejudicadas pelo conhecimento de outras, na rectificação da sentença, da nulidade da mesma, da natureza retributiva do denominado subsidio de refeição no que toca ao período de 2007 a 2014 e das custas

Os factos considerados assentes na sentença:

A) O réu admitiu a autora ao seu serviço no dia 16 de Outubro do ano 2000, mediante contrato de trabalho a termo certo, atribuindo-lhe as funções correspondentes à categoria profissional de “Técnico Auxiliar ao Apoio Domiciliário”.
B) Enquanto tal, e contra o pagamento da retribuição mensal de Esc. 63.800$00 – contravalor de 318,23€, competia à autora dirigir-se ao domicílio dos utentes do Centro e cuidar de lavá-los e vesti-los, de acordo com o seu grau de dependência; recolher roupas sujas e distribuir roupa lavada, fazendo o respectivo transporte, desde a sede do réu até ao domicílio dos utentes e vice-versa; acompanhar os utentes nas suas deslocações; ministrar-lhes medicação prescrita; informar as instituições de eventuais alterações que se verificassem na situação global dos utentes; conduzir viaturas do réu.
C) Em Outubro de 2002, o réu atribuiu à autora as funções inerentes à categoria profissional de “Ajudante Familiar/Domiciliário 2ª”, e passou a pagar-lhe o salário mensal de 430€.
D) Em Janeiro de 2006 o réu promoveu a autora à categoria profissional de ajudante de acção directa de 1ª.
E) Nos anos de 2004, 2005 e 2006, o réu pagou à autora:
a) o salário mensal de 430€ em todo o ano de 2004;
b) o salário mensal de 445€ nos primeiros 8 (oito) meses de 2005;
c) o salário mensal de 445€ no mês de Setembro de 2005;
d) o salário mensal de 445€ nos messes de Outubro, Novembro e Dezembro de 2005; e e) o salário mensal de 495€ durante todo o ano de 2006.
F) Nos anos de 2004, 2005 e 2006, o réu pagou à autora, a título de subsídio de refeição a quantia diária de 2€.
G) De 2007 a 2014 o autor pagou os seguintes valores à autora, a título de retribuição:
a) 506€ durante o ano de 2007;
b) 519€ durante o ano de 2008;
c) 534€ durante o ano de 2009 e 2010;
d) 544€ de Janeiro de 2011 a Outubro de 2014.
H) Findo o mês de Outubro de 2014, a autora adoeceu e passou à situação de baixa médica, tendo permanecido nessa mesma situação até 30 de Outubro de 2015.
I) No dia 14 de Outubro de 2015, a autora recebeu do “Instituto da Segurança Social, IP.” a comunicação de que estava reformada por invalidez, o que foi comunicado ao réu.
J) O réu tem nas suas instalações uma cantina, na qual os funcionários que queiram podem almoçar de forma gratuita.
K) Desde 2007, a autora auferiu a título de subsídio de alimentação o montante diário de 4€.
L) Tal montante foi sempre pago, desde aquela data, quer a autora almoçasse na cantina ou não almoçasse em determinado dia.
M) Tal montante foi sempre pago, desde aquela data, mesmo que a autora estivesse de férias.
N) Desde Agosto de 2007 a Outubro de 2014, com excepção ao mês de Junho de 2008 – em que recebeu 56€ -, a autora recebeu todos os meses o valor de 88€ sob a denominação “subsídio de alimentação”.
O) A autora recebeu do réu a quantia de 484,16€ por conta dos proporcionais do subsídio de Natal correspondente ao serviço prestado entre 1/12/2013 e 31/10/2014.
P) A autora não é filiada em nenhuma associação sindical.
Q) O réu é membro da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS)”.

Da rectificação da sentença

No que respeita à fundamentação de mérito da sentença e ao seu correspondente dispositivo pelo qual o recorrido foi condenada a pagar “a quantia de 1.145,96€ (1.121,96€ + 24€) a título de diferenças de retribuição, subsídio de alimentação e diuturnidades” pretendeu a recorrente a rectificação de molde a corrigir erro de cálculo e, assim, nomeadamente, em vez de 1.121,96€ se considerasse antes o valor de 1.290,62€.
Aquando a admissão do recurso conforme acima se transcreveu o tribunal a quo deferiu esta pretensão.
Atento aos termos processuais posteriores e ao disposto nos artºs 613º e 614º do CPC nada mais se determinará neste âmbito.

Da nulidade da sentença

Em face do dispositivo da sentença quanto a juros moratórios (c) juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, sobre as referidas quantias, a contar da data do respectivo vencimento (artigo 559.º, 804.º, 805.º e 806.º do Código Civil)) e ao por si alegado no nº 45 da petição inicial reportada a essa matéria e onde se descriminam as datas em que venceriam os créditos alegados, a recorrente invocou nulidade nos termos do artº 615º, nº 1, alª d), do CPC.

Concorde-se, ou não sob a forma como esta questão da incidência de juros foi arguida, como irregularidade formal da sentença, ademais sem se observar o artº 77º do CPT sob pena de não ser viável o seu conhecimento, (acórdãos do STJ de 25.10.1995, CJ, III, 281, 14.01.2016, proc.º n.º 359/14.2TTLSB.L1.S1 e do TRL de 25.01.2006 e de 15.12.2005 in www.dgsi.pt), a verdade é que na oportunidade acabada de referir o tribunal a quo apreciou-a e decidiu no sentido pretendido.

Assim, como estamos perante despacho complemento e integrante da sentença e ambas as partes nada requereram nos termos do artº 617º do CPC, nesta dimensão nada mais se determina.
No que concerne à natureza do denominado subsidio de refeição pago no período compreendido entre 2007 e 2014.
Não se questiona a sentença sobre os instrumentos de regulamentação invocados e o alargamento do seu âmbito por portarias de extensão.
Igualmente acontece às referências remuneratórias, inclusive quanto a diuturnidades, e demais clausulado que deles resulta.
Segundo a recorrente o que auferia desde 2007 a título de subsídio de alimentação (montante diário de 4,00€ ou desde Agosto de 2007 a Outubro de 2014, com excepção ao mês de Junho de 2008 - recebidos 56,00€ -, 88,00€ mensais), não tem natureza retributiva.
Assim deveria receber “face à tabela de cálculo constante de fls. 206 da sentença, o retirar de todas as operações ali levadas a cabo sobre os montantes de €. 88,00 (oitenta e oito euros) e €. 56,00 (cinquenta e seis euros) tidos em conta na coluna com o título “Pago pelo réu” e, uma vez refeita a conta, decidir que o apelado tem de ser condenado a pagar à recorrente, para além daquilo em que já o foi [I) a) – devidamente corrigida – e I) b)], a quantia de €. 5.159,22 (cinco mil, cento e cinquenta e nove euros, vinte e dois cêntimos), acrescida de juros de mora dos nos termos das alíneas c) a f) do art. 45º da petição inicial.”.

No entanto estamos inteiramente de acordo com o expendido na sentença sobre esta matéria:

“Vejamos agora se a solução agora preconizada é a mesma para o período de trabalho prestado desde 2007 até 2014.

Os CCT aplicáveis a esta relação laboral mantiveram para este período o direito dos trabalhadores ao fornecimento de uma refeição principal por cada dia completo de trabalho ou, em alternativa ao efectivo fornecimento de refeições, a uma compensação monetária.
Como resulta dos factos provados a autora recebeu, naqueles anos, a retribuição constante em G) e, ainda, a quantia diária de 4€ a título de subsídio de alimentação.

É certo que o réu não logrou provar que tal assim acontecia porque a autora lhe solicitou que lhe fosse pago o ordenado mínimo e que qualquer valor acima que lhe fosse devido, lhe fosse pago a título de subsídio de alimentação, de forma a que o montante líquido mensal que efectivamente lhe era pago fosse o mais elevado possível.

Porém, independentemente de não ter resultado provada a existência daquele invocado acordo, a questão que se coloca é a de saber se, tal como o réu defende, esta quantia paga a título de subsídio de alimentação configura, verdadeiramente, uma parte da retribuição.
De acordo com o artigo 258.º do C. Trabalho “Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho”.
Nas palavras de Júlio Gomes (in Direito do Trabalho, volume I, Relações Individuais de Trabalho, Volume I, pág. 766), a retribuição “tem como características essenciais ser obrigatória (por força da lei, do contrato individual, da convenção coletiva, ou dos usos), ter valor patrimonial e ser contrapartida do trabalho prestado”.
A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, presumindo o legislador constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
Como refere Júlio Gomes “parte-se de uma presunção ilidível de que constitui retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador. Tal presunção acarreta que cabe à parte que alega que uma determinada prestação não tem natureza retributiva demonstrá-lo, podendo falar-se aqui de uma vis atractiva da retribuição”.
De acordo com as disposições conjugadas dos n.ºs 1, a) e 2 do artigo 260.º, não se consideram como retribuição as importâncias recebidas a título de subsídio de refeição, salvo quando essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador.
Trata-se aqui de mais uma presunção ilidível do carácter não retributivo do subsídio de refeição ou de alimentação.
Ora, afigura-se-me que, no caso concreto, o réu logrou ilidir esta presunção do carácter não retributivo do subsídio de refeição ou de alimentação.
De facto, vista a factualidade dada como provada, temos que o réu tem nas suas instalações uma cantina, na qual os funcionários que queiram podem almoçar gratuitamente e que, desde 2007 a 2014, a autora auferiu o dito valor diário de 4€ de subsídio de alimentação, quer almoçasse na cantina, quer não e mesmo que estivesse de férias.
Assim, apesar de desde Agosto de 2007 a Outubro de 2014, com excepção ao mês de Junho de 2008 – em que recebeu 56€ -, a autora ter recebido todos os meses o valor de 88€ sob a denominação “subsídio de alimentação”, a verdade é que, paralelamente, o réu, em cumprimento do IRCT, lhe forneceu uma refeição principal por cada dia completo de trabalho.
Não logrou o réu provar que tal valor a título de subsídio era também pago à autora se esta faltasse, tanto mais que, como resulta dos factos provados aquele montante que normalmente era de 88€ foi pago na quantia de 56€ no mês de Junho de 2008, mês em que, como se disse na fundamentação de facto a autora faltou ao serviço por ter sido operada.

Ora, a constância do valor pago (88€) independentemente do número de dias de cada mês; o facto de tal valor ser pago também no mês de gozo de férias e de ser deduzido apenas quando a autora faltasse (tal como aliás a retribuição o é) e, finalmente, o facto de paralelamente a tal subsídio ser fornecida, gratuitamente, uma refeição à autora na cantina do réu, tudo isto acontecendo durante sete anos em contraposição com o que anteriormente e até então se passava (vejam-se os dias pagos a título de subsídio de alimentação que contam no quadro supra e que traduzem o alegado e aceite pelas partes) leva a tribunal a firmemente se convencer que estamos perante não um subsídio de refeição, mas a uma parte da retribuição da autora.
Aquele valor pago sob a rubrica “subsídio de alimentação” era pago regular e periodicamente à autora em razão da disponibilidade da força de trabalho por ela oferecida - daí ser descontada nas faltas da trabalhadora -, integrando assim o conceito de retribuição, criando na autora a convicção de que constituía um complemento do seu salário.
Conclui-se, portanto, que as quantias pagas à autora a título de subsídio de refeição têm natureza retributiva e, como tal, têm de ser consideradas para apurar das reclamadas diferenças salariais.
(…)
Temos, assim, que à excepção do período entre Outubro e Dezembro de 2010, o réu pagou uma retribuição sempre de valor superior ao que era devido a título de retribuição e diuturnidades desde Janeiro de 2007 a Dezembro de 2014, estando apenas em falta, o pagamento de 24€.”.

E como se menciona no parecer:

“No caso dos autos e por força do estabelecido no(s) respectivo(s) CCT(s) aplicáveis à relação laboral estabelecida entre o Recorrido e a Recorrente (devidamente referenciado(s) na sentença sob recurso e que aqui por razões de brevidade e economia processual nos dispensamos de reproduzir), esta última tinha direito, em primeira linha, ao fornecimento de uma refeição principal por cada dia completo de trabalho (cfr. Cláusula 72.ª, n.º 1) ou em alternativa ao efectivo fornecimento dessa mesma refeição tinha direito a Recorrente a uma compensação monetária de determinado montante por cada dia completo de trabalho (cfr, Cláusula 72.ª, n.º 2), montante esse que foi variando ao longo do período temporal em apreço, i.e., 2007 a 2014.

Da factualidade apurada nos autos extrai-se que o Recorrido, em cumprimento do disposto na aludida norma convencional, disponibilizava diariamente a todos os seus trabalhadores, maxime à Recorrente, na cantina que tem nas suas instalações, uma refeição principal, mormente o almoço (cfr. o facto vertido na alínea J) do elenco dos factos dados como provados).

Verifica-se, ainda, dessa mesma factualidade, complementada com o teor dos respectivos documentos onde a mesma se alicerçou (vd. recibos de vencimento juntos aos autos), que, não obstante o efectivo fornecimento da aludida refeição por parte do Recorrido, o mesmo pagou à Recorrente desde 2007 a quantia de € 4,00 por cada dia útil de trabalho sob a denominação nos recibos de vencimento de subsídio de refeição, quantia essa que sempre lhe foi paga independentemente de a mesma almoçar ou não na referida cantina (cfr. os factos vertidos na alínea K) e L) do elenco dos factos dados como provados).

Do que acima se deixou referido resulta, a nosso ver e em suma, que a mencionada quantia paga à Recorrente só impropriamente foi denominada pelo Recorrido nos respectivos de vencimento da Recorrente como subsídio de refeição, porquanto o pagamento dessa mesma quantia mostrava-se in casu despicienda, não tendo, por isso, manifestamente tal finalidade, uma vez que a Recorrente já tinha previamente assegurado o fornecimento da refeição que o referido subsídio visaria compensar, sendo, ainda, certo que não é verosímil e não resulta alegado e comprovado nos autos que no caso em apreço o Recorrido tenha pretendido satisfazer cumulativamente a obrigação alternativa a que apenas estava adstrito por força da norma do IRCT acima referenciada.

Por outro lado, também não decorre da factualidade revelada nos autos que o pagamento da referida quantia se traduza numa mera liberalidade ou que tenha uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração da disponibilidade para o trabalho.

Assim sendo, há que concluir, em nosso entender e conforme se considerou na sentença sob recurso, que as quantias pagas à Recorrente no período compreendido entre 2007 e 2014 sob a designação de subsídio de refeição se traduzem, afinal, em retribuição camuflada, integrando, assim, por se mostrarem verificados no caso os respectivos requisitos legais, o conceito legal de retribuição (cfr. art.ºs 249.º, n.ºs 1 e 2 do CT de 2003 e 258.º, n.ºs 1 e 2 do CT de 2009), não sendo, por isso, aplicável, ao invés do defendido pela Recorrente, o regime excludente da natureza retributiva contido no art.º 260.º, n.ºs 1 e 2 do actual CT de 2009 e no mesmo art.º 260, n.ºs 1 e 2 do CT de 2003.

Face ao exposto, afigura-se-nos que não merece censura a sentença recorrida ao ter considerado no apuramento das diferenças salariais reclamadas pela Recorrente referentes ao período compreendido entre 2007 e 2014, para além da retribuição base pela mesma auferida, os montantes de natureza retributiva que lhe foram pagos nesse mesmo período sob a denominação de subsídio de refeição.

Finalmente, cumpre, ainda, salientar que como se refere no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.01.2008, proc.º 07S2888 (disponível em www.dgsi.pt), cuja doutrina mantém plena actualidade:

“(...) IV - O art. 94.º da LCT, à semelhança do n.º 5 do art. 267.º do Código do Trabalho, não contém qualquer regra de direito probatório que afaste o princípio geral da liberdade de prova e da livre convicção do julgador de facto, previsto no n.º 1 do artº 655.º do CPC.
V - Os recibos de remunerações emitidos pela ré, fazem prova plena quanto às declarações deles constantes, nomeadamente sobre as verbas neles mencionadas (art.s 374.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, do CC).
VI - Todavia, isso não impede que através do recurso a outros meios de prova, incluindo a testemunhal e por confissão, se proceda à interpretação do contexto do documento (art. 393.º, n.º 3, do CC) e se apure qual a natureza das concretas prestações ou retribuições laborais a que se destinaram os pagamentos inseridos na rubrica em causa. (... )”.”.
Daí que, diremos nós, por muito que se queira qualificar volitivamente a conduta de qualquer das partes no cumprimento do contrato isso não afasta o acerto da construção jurídica adoptada na sentença para a sua decisão de mérito.
Acerto que impede igualmente que se refira que a sentença fez “tábua rasa” daquilo que considerou, mesmo, não provado no processo [2) a 4) dos factos não provados], e tratou-o como se provado fora.”, além do mais por que se trata de matéria com origem numa suposta vontade da recorrente.
No que concerne à circunstância do montante de 88,00€ nunca ser pago a título dos subsídios de Natal e de férias, é questão que a bem ver não logra por si impedir a ilisão da aludida presunção do carácter não retributivo do subsídio de refeição ou de alimentação.

Improcede, pois, o recurso nesta parte.

Das custas

Por fim, “no seguimento” da procedência do recurso, a recorrente pretende que o apelado seja condenado na totalidade das custas de parte, “visto que não está abrangido pela isenção de que, legalmente, o mesmo beneficia”, assim reza a motivação do recurso.
Nas conclusões deste e na sequência de se porfiar pelo respectivo êxito a recorrente mantém igual registo: “mais deve o recorrido ser condenado no pagamento da totalidade das custas de parte a pagar à apelante, por não estarem as mesmas incluídas na isenção de que o mesmo beneficia”.

Na sentença concluindo-se pela procedência parcial do recurso as partes foram condenadas em custas na proporção do decaimento “estando o réu isento do pagamento das que lhe caberiam”.
A recorrente objectivamente apenas se cinge à tributação final do recurso.
Não dá cumprimento ao artº 616º do CPC quanto à sentença nessa parte.

No caso não se aplica o artº 614º, nº 1 do CPC, visto não se estar na sentença perante omissão quanto a custas ou lapso manifesto no que lhes respeita (artº 613º nºs 1 e 2 do CPC).
Está esgotado assim o poder jurisdicional no que respeita à tributação constante da sentença.
E com referência às custas do recurso, por serem a suportar unicamente pela recorrente, em face do anteriormente decidido sobre o autêntico objecto do recurso e segundo o princípio da causalidade do artº 527º do CPC, é questão que se necessariamente se encontra prejudicada.

Por todo o exposto o recurso será julgado improcedente.

Sumário, da única responsabilidade do relator

O carácter não retributivo do subsídio de refeição ou de alimentação previsto nos nºs 1, alª a), e 2 do artº 260º do CT é presunção ilidível.

Decisão

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença.
Custas pela recorrente.
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O acórdão compõe-se de 14 folhas, com os versos não impressos.
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01.03.2018

Eduardo Azevedo
Vera Sottomayor
Antero Veiga