Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4677/16.7T8BRG.G1
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO
SUBSÍDIO DE NATAL
SERVIÇO DOMÉSTICO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1- A impugnação da decisão relativa à matéria de fato com fundamento na errada apreciação da prova deve resultar nos seus diversos requisitos nas conclusões do recurso sob pena de estar vedado ao tribunal ad quem o seu conhecimento.

2- É de rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto, por violação do disposto no artº 640º nºs 1, alª c), do CPC quando não se particulariza, determina ou individualiza para cada matéria visada a decisão em concreto que deva ser proferida.

3 - O artº 12º do DL 235/92, de 24/10 encontra-se tacitamente revogado pelo DL nº 88/96, de 03/07 que consagrou o direito ao subsídio de Natal para a generalidade dos trabalhadores prevendo a sua aplicação aos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho a quaisquer entidades empregadoras, incluindo, expressamente, os trabalhadores de serviço doméstico.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

Joaquina intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra Maria.

Pediu-se:

I. Ser a Ré condenada a reconhecer a ilicitude do despedimento.
II. Ser a Ré condenada a pagar à Autora as retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que, nesta data, se computa em €12720,00 (doze mil setecentos e vinte euros);
III. Ser a Ré condenada a pagar à Autora as seguintes quantias:
a) A indemnização por despedimento ilícito, por que opta, no montante de €8480,00 (oito mil quatrocentos e oitenta euros) sem prejuízo do montante que resultar à data do trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida;
b) A retribuição referente ao mês de outubro de 2015, que ascende a €505,00 (quinhentos e cinco euros).
c) À quantia referente às diferenças salariais, que se computam em €22.108,00 (vinte e dois mil cento e oito euros).
d) Subsídio de Férias referente aos anos de serviço (entre 1999 e 2015), que se venceram em 1 de Janeiro de cada ano, que ascende a €6622,24 (seis mil seiscentos e vinte e dois euros e vinte e quatro cêntimos;
e) Subsídio de Natal referente aos anos de serviço (entre 1999 e 2015), que se venceram em 1 de janeiro de cada ano, que ascende a €6622,24 (seis mil seiscentos e vinte e dois euros e vinte e quatro cêntimos);
f) Montante de € 6060,00 (seis mil e sessenta euros) relativo às retribuições vencidas desde o momento do despedimento até à presente data, bem como as vincendas até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida;
g) A quantia de €397,50 (trezentos e noventa e sete euros e cinquenta cêntimos) a título dos proporcionais de férias e subsídio de férias referentes aos meses de serviço prestado no ano de 2015;
h) Os proporcionais de subsídio de Natal, no montante de €397,50 (trezentos e noventa e sete euros e cinquenta cêntimos)
i) A quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais.
j) Os juros vencidos e os que se vencerem até ao efectivo e integral pagamento.
IV. Ser a Ré condenada a efetuar os descontos devidos junto da segurança social.”.

Alegou-se, designadamente: foi admitida ao serviço da R por contrato verbal e por tempo indeterminado no ano de 1999, para, sob sua ordem, direcção e fiscalização exercer as funções de empregada de limpeza mediante a retribuição mensal de 300.00€; no dia 30.10.2015, sem motivo justificativo foi despedida; verificando-se despedimento tem direito a uma indemnização, por que opta, no montante de 8.840,00€; nunca gozou um único dia de férias; tem o direito de receber férias e subsídio de férias na quantia de 13.244,00€; tem direito aos proporcionais de férias, subsídio de férias, subsídio de Natal referente ao ano da cessação, no valor de 795,00€; em virtude do despedimento ilícito é-lhe devida a quantia de 12.720,00€; e tem direito à quantia de 5.000,00€ a título de danos não patrimoniais, a diferenças salariais que se computam em 22.108,00€ e a salários e a prestações desde o despedimento ilícito até ao trânsito em julgado da sentença no montante de 6.060,00€.

Foi deduzida contestação.

Alegou-se, em súmula: a A começou a prestar serviços de empregada doméstica em início de 2007; deixou de comparecer ao serviço, em Junho de 2014; trabalhava 4 horas por dia; gozava férias no mês de Setembro; e a haver retribuições em dívida sempre estariam prescritas, em virtude de o contrato ter cessado em Junho de 2014, portanto, há mais de um ano aquando da propositura da presente acção.
Elaborado saneador, não se indicaram o objecto do litígio e os temas de prova.
Realizou-se audiência de julgamento.

Proferiu-se sentença pela qual se decidiu: “julgo parcialmente procedente a acção, e, consequentemente:

a) condeno a Ré a pagar à Autora, o montante de 6.150,00 €, acrescido dos juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento; e
b) absolvo a Ré do restante peticionado.”.

A R recorreu e concluiu:

i. A Sentença recorrida julgou incorrectamente provado, desde logo, o facto inscrito na fundamentação de facto como ponto d): “A partir de Novembro de 2015, não mais a Autora trabalhou para a Ré”.
ii. Recorrente e Recorrida apresentaram versões completamente antinómicas para o mesmo facto – cessação do contrato.
iii. O tribunal a quo deu como provada a versão que a Autora apresentou no seu articulado, sem que tivesse sido produzida qualquer prova neste sentido.
iv. Aliás, o Tribunal valorou e considerou credível o depoimento da testemunha Alberto para prova da data de início de contrato, para horário de trabalho e gozo de férias e não considerou para a cessação, o que não se entende e não se aceita!
v. Também não valorou o tribunal a quo quer do depoimento de parte da Recorrente quer dos depoimentos das suas testemunhas em audiência de julgamento, que põem seriamente em causa a versão alegada pela Autora no que diz respeito à cessação do contrato.
vi. Ora, não obstante nenhuma testemunha ter precisado a data da cessação do contrato, todos os depoimentos foram no sentido de a Autora ter cessado funções pouco depois da morte do marido da Ré que ocorreu em 30 de janeiro do ano de 2013.
vii. Nunca poderia o tribunal dar como provado a cessação do contrato em novembro de 2015, que é apenas a versão alegada pela Autora, quando a versão da Ré, de que a Autora cessou funções em Junho de 2014 é claramente corroborada pelos referidos depoimentos em todos os outros aspectos.
viii. Pelo que se impunha uma decisão diversa no que diz respeito à data de cessação do contrato!
ix. Não se pode a Ré conformar que tendo-se apurado factos que seriamente põem em causa a versão da Autora no que diz respeito à cessação do contrato de trabalho e tendo de resto se provado factos completamente contrários aos que a Autora alega, do que diz respeito à restante factualidade dada como provada, e consequentemente considerar a versão alegada pela Autora a este respeito, sob pena violar os mais elementares princípios de direito, maxime o princípio da descoberta da verdade material.
x. O tribunal a quo fez tábua rasa de todos os depoimentos das testemunhas da mesma que abalaram seriamente esse facto e todos os outros que não se provaram, como se poderá comprovar pela audição dos depoimentos.
xi. Sendo totalmente incoerente e manifestamente violador dos princípios elementares de direito, concretamente o princípio da justiça material, dar como provado um facto alegado na petição inicial da Autora quando resultou provado que todos os restantes factos alegados pela mesma eram manifestamente falsos!
xii. Outro aspecto de integral desarmonia é o Tribunal a quo referir na sua decisão que a Ré não logrou provar “que alguma vez tivesse pago o subsídio de Natal e o subsídio de férias”.
xiii. Entendemos que da prova produzida em sede de julgamento, impõe-se, uma decisão diversa quanto à falta de pagamento dos indicados subsídios, pois, resulta dos depoimentos das testemunhas que a Recorrente pagava os subsídios de férias e natal, como se poderá comprovar pela audição dos depoimentos.
xiv. O Tribunal a quo tomou uma decisão com base num critério formal, sem ter tratado de apurar as concretas circunstâncias, ou sem ter valorado, como se impunha, a prova produzida em sede de julgamento.
xv. Apenas por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que a quantia relativa ao subsídio de Natal dos anos 2007 a 2014 é de € 1 650,00 e não de € 2 400,00, como atribuiu o Tribunal a quo, por aplicação do artigo 12º do DL 235/92, de 25 de outubro.
xvi. Ora, aplicada a quantia de 50% da parcela pecuniária correspondente a um mês nos primeiros cinco anos e a quantia igual à retribuição corresponde a um mês nos anos seguintes, perfaz o total de € 1650,00.
xvii. Pelo que, a manter-se a condenação da Recorrente nos moldes da decisão recorrida, a quantia de € 2 400,00 deverá ser corrigida para a quantia de € 1 650,00 por aplicação do supra referido normativo legal.”.

Termina, referindo: “deverá o presente recurso ser declarado procedente e em consequência:

1. Ser a Ré/Recorrente absolvida dos pagamentos a que foi condenada a efetuar à Autora.
2. Se assim não se entender, deve a Ré ser condenada a pagar a quantia de € 1 650,00, a título de subsídios de Natal, em vez de € 2400,00, como resulta da decisão recorrida.”.

Não se contra-alegou.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Sem prejuízo do não conhecimento de questões que fiquem prejudicadas pela decisão de antecedentes, indagar-se-á, sucessivamente, da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, da prescrição dos créditos, da sua inexistência e do montante em divida de subsídio de Natal.

Na sentença considerou-se assente:

a) Em Janeiro de 2007, a Autora foi admitida pela Ré, mediante celebração de contrato verbal, para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções de empregada de limpeza na residência desta, mediante a retribuição mensal de 300,00 €.
b) A autora passou assim a trabalhar para a Ré entre as 14,00 e as 18,00 horas, de segunda a sexta-feira.
c) Durante o tempo que trabalhou para a Ré, sempre a Autora gozou 15 dias de férias no mês de Setembro, altura em que aquela também se ausentava da sua residência para gozar férias no Algarve.
d) A partir de Novembro de 2015, não mais a Autora trabalhou para a Ré.”.
Posto isto.

Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Sobre o objecto do recurso, ainda que introdutoriamente, a recorrente refere que o mesmo “tem como objecto toda a matéria de facto … da decisão proferida nos presentes autos”. Mas obviamente que assim não resulta do alegado na sua motivação e conclusões.

Neste âmbito a respectiva economia expositiva apenas incide sobre a matéria dada como assente sobre o momento da cessação do contrato, “d) A partir de Novembro de 2015, não mais a Autora trabalhou para a Ré”.

Não abrange, consequentemente, a matéria do pagamento dos subsídios.

Quanto a esta o tribunal a quo conclui pela aplicação do ónus de prova que entende onerar a recorrente e assim decide contra esta partindo do pressuposto, por seu turno, que a recorrida alegou devidamente o seu direito nos termos do artº 342º, nº 1 do CC.

Face a isto a recorrente invoca trechos de depoimentos da prova oral para inferir que efectuou o pagamento e que nada deve.

Nestes termos pelos quais o tribunal a quo na parte da sentença em que se decidiu a matéria de facto nem sequer se pronunciou sobre qualquer matéria de facto que as partes tivessem alegado nos seus articulados, sem prejuízo do que abaixo se decidirá em termos de direito substantivo sobre a sorte da lide, não se pode concluir então que se tenha impugnado a decisão sobre a matéria de facto a analisar nos termos conjugados dos artºs 640º e 662º do CPC.

Com efeito ainda, na petição inicial, como antevisto, invoca-se unicamente o direito aos subsídios de férias e de Natal ao longo do período de tempo em que o vínculo laboral se manteve e em conformidade peticionou-se. Enquanto isso, na contestação impugna-se genericamente, pelo que sempre sem qualquer eficácia (artº 574º do CPC), o pronunciamento desse direito e, excepcionando-se a prescrição de créditos, retiram-se ilações inconsequentes da conduta processual da recorrida nesta matéria, concluindo-se que “Sem prescindir, ainda que não estivessem prescritos estes créditos, não é consentâneo nem aceitável que, em relação aos subsídios de férias e de natal, a Autora estivesse todos estes anos sem receber, num total de sete anos, ou 17 anos como alega, e só agora, os venha reclamar” e “só demonstra que a Autora sempre recebeu aquilo a que tinha direito, pois não é crível que alguém no seu perfeito juízo trabalhe de segunda a sábado, seis horas e meia por dia, por € 300,00/mês, sem gozar férias e sem os correspondentes subsídios de férias e de natal!”

Portanto, essa parte da sentença respeitante à decisão sobre a matéria de facto só poderia ser alheia a qualquer factualidade que tivesse sido alegada pelas partes quanto aos subsídios em causa, sendo certo que mesmo que houvesse interesse para a descoberta da verdade, indo ao conhecimento do tribunal no decurso da audiência de julgamento, nesta nada foi decidido ou requerido para aditamento à matéria controvertida, ao abrigo do artº 72º do CPT. E este preceito nunca poderia vir ao caso nesta oportunidade. É que a sua não utilização na audiência de julgamento (aditamento de factos relevantes à boa decisão da causa não alegados pelas partes, tutelando-se o interesse processual de quem deles possa beneficiar) a consistir na prática de irregularidade sempre se encontraria sanada por não ser tempestivamente arguida (artºs 195º a 202º do CPC).

Mas no que concerne à impugnação tendente à modificação da matéria de facto também constatamos que não se indica no recurso decisão em concreto alternativa à do tribunal a quo. O mais que se aproxima para esse efeito é, designadamente: “todos os depoimentos foram no sentido de a Autora ter cessado funções pouco depois da morte do marido da Ré que ocorreu em 30 de janeiro do ano de 2013, portanto com base nestes depoimentos nunca poderia o tribunal dar como provado a cessação do contrato em novembro de 2015, que é apenas a versão alegada pela Autora, quando a versão da Ré, de que a Autora cessou funções em Junho de 2014 é claramente corroborada pelos referidos depoimentos em todos os outros aspectos”; “Dos depoimentos prestados em audiência de julgamento resultaram claramente provados factos que põem em causa a versão da Autora no que diz respeito a esta data, dos quais resulta uma proximidade com a data referida no articulado da Ré – junho de 2014, facto que o tribunal a quo não podia desvalorizar!”; “Não obstante a data precisa de cessação do contrato de trabalho não ter sido referida pelas testemunhas, o tribunal a quo não poderia ter desconsiderado estes depoimentos que relatam factos que situam a data de cessação muito próxima da morte do marido da Ré, abalando assim seriamente a versão alegada pela Autora!”; “Pelo que se impunha uma decisão diversa no que diz respeito à data de cessação do contrato!”; “Não se pode a Ré conformar que tendo-se apurado factos que seriamente põem em causa a versão da Autora no que diz respeito à cessação do contrato de trabalho e tendo de resto se provado factos completamente contrários aos que a Autora alega, do que diz respeito à restante factualidade dada como provada, nomeadamente data de inicio de contrato, horários de trabalho, férias, não poderá o tribunal a quo considerar não se ter apurado data certa para a cessação do contrato, e consequentemente considerar a versão alegada pela Autora a este respeito, sob pena violar os mais elementares princípios de direito!!”; e, “Efetivamente, a data precisa não se apurou, mas há uma simultaneidade na indicação de verão de 2014 por parte das testemunhas acima referidas, facto que não foi valorado pelo tribunal a quo e não poderia deixar de ser sob pena de se por em causa o Princípio da verdade material.”.

Como se afirma também no parecer:

“Com efeito, a Recorrente nem no corpo das suas alegações nem nas respectivas conclusões do recurso deixou inequivocamente expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre o ponto de facto impugnado, limitando-se, apenas, a referir de forma genérica "( ... ) que se impunha uma decisão diversa no que diz respeito à data da cessação do contrato. ( ... )".

Acresce, ainda, que de acordo com o que se consegue implicitamente depreender da respectiva narrativa recursória, a decisão diversa alegadamente pretendida pela Recorrente tanto pode ser no sentido de se considerar como não provado o ponto da matéria de facto em apreço ou como provado que A partir de Junho de 2014, não mais a Autora trabalhou para a Ré, sendo certo que em ambas as hipóteses e com vista à congruência de tais decisões impunha-se que a Recorrente também tivesse concomitantemente impugnado a matéria de facto julgada não provada, maxime a factualidade vertida nos art.ºs 9.º a 11.º e 21.º da sua contestação, o que efectivamente não sucedeu no caso em apreciação.”.

A omissão da designação da decisão que vimos aludindo não é, pois, substituível por meras considerações acerca dos fragmentos de prova que se transcreveram no recurso e pela nomeação em conjunto de matéria mediante alocuções. De tudo isto resulta ainda que a nomeação casuística de factualidade na impugnação é exercício no qual não se descortina a decisão sem equívocos ou ambiguidades perfilhada pela recorrente para o citado segmento da que o tribunal a quo considerou apurado ou provado.
A impugnação de que tratamos tem regras. As advenientes dos termos conjugados dos artºs 635º, nº 4 e 640º do CPC.
Os requisitos devem resultar sinteticamente das conclusões do recurso sob pena de estar vedado ao tribunal ad quem o seu conhecimento.

Segundo Amâncio Ferreira “expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão” (Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª ed, 172 e 173).

Elas desempenham um papel fundamental não apenas porque sintetizam as razões que estão subjacentes à interposição do recurso, mas porque definem o seu objecto.

Por sua vez o artº 640º do CPC, com a epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
De harmonia com o previsto no n.º 2 do mesmo preceito no caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

“a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante;
b) …”.

Não há lugar a qualquer despacho de aperfeiçoamento para o efeito (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, 127).

A impugnação da matéria de facto não visa a concretização de um segundo julgamento que inclua a reapreciação global e genérica de toda a prova.

Tem apenas por fim um segundo grau de apreciação da matéria de facto, de modo a colmatar eventuais erros de julgamento, nos concretos pontos de facto que ao recorrente se impõe assinalar.

Cabe a quem recorre da matéria de facto, identificar o facto, que em concreto foi dado como provado (ou não provado) e que não deveria ter sido dado como tal, identificar a prova que apontava em sentido oposto, ou, pelo menos, em sentido diferente, e apresentar o facto tal como deveria ter sido dado como provado.

Existe actualmente um inequívoco e exigente ónus de alegação por parte de quem recorre, que tem, desde logo, de apresentar a resposta que considera correcta, às questões de facto impugnadas” (ac do STJ de 03.12.2015, procº 1348/12,7TIBRG.G1.S1).

A criação do ónus de alegação no que respeita à delimitação do objecto da impugnação e à respectiva fundamentação, encontra-se justificada no preâmbulo do DL nº 39/1995, de 15.02 (que veio estabelecer a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida): “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.

Como refere Abrantes Geraldes (ob citada) “importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor.

Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.

Expendeu-se ainda no acórdão do STJ de 22.10.2015 (www.dgsi.pt) que “o sentido e o alcance dos requisitos formais da impugnação da decisão de facto previstos no nº 1 do artº 640º do CPC devem ser equacionados à luz das razões que lhes estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza da própria decisão de facto.”.

As especificações consagradas no mesmo artº 640º relacionam-se, pois, com a inteligibilidade da própria impugnação bem como com a unidade da prova; com o facilitar, à outra parte e ao tribunal da localização precisa dos problemas a resolver no meio de um processo que pode ter centenas de factos e dezenas de documentos e depoimentos, por um lado, só assim também se garantindo o exercício do contraditório de quem tem interesse no desfecho do recurso, por outro, e evitando-se que o tribunal viole o seu dever de independência e equidistância, assim como, a relatividade do decidido face à idealizada pretensão do impugnante.

A sua observância não surge, pois, desproporcionada.

Em nada diminui o grau de violação da norma a circunstância de se contra-alegar ou do tribunal ad quem admitir que se entende a finalidade da impugnação e os meios em que se apoia.

Não é seguramente este argumento que norteia o rigor da interpretação da lei face a qualquer realidade concreta sob pena de imperar a subjectividade e se neutralizar a eficácia da norma.

É que sendo natural que se divirja pode não ser reconhecível o entendimento do homem médio enquanto intérprete da impugnação.
E a prevalência da substância sobre a forma não poderá consistir na negação de regras do processo que são intrinsecamente instrumentais do exercício de direitos substantivos.

Não se argumente ainda que há casos em que não é difícil descortinar quais são as respectivas partes da decisão colocadas em causa pela impugnação e o sentido que se pretende apropriado para as mesmas através da confrontação do alegado com as questões, a matéria considerada provada e não provada e a dimensão temporal dos depoimentos.

Este exercício é em vão colocando em crise os princípios do contraditório, do dispositivo e da igualdade de armas entre as partes.
Assim, no caso concreto, ao não se individualizar inequivocamente a decisão em concreto que deve ser proferida relativamente à factualidade censurada a impugnação da decisão da matéria de facto violando o disposto no artº 640º, nºs 1, alª c) deve ser rejeitada.

Ainda assim sempre dirá que nada haverá a determinar nos termos do artº 662º do CPC.

Menciona a recorrente que a decisão recorrida ao afirmar que ““no caso em apreço, não se apurou data certa para a cessação do contrato; sabe-se apenas que a partir de novembro de 2015 a Autora deixou de trabalhar para a Ré” … leva inevitavelmente a questionar, como apurou o tribunal a quo este facto, com base em que prova deu o tribunal a quo como provado este facto? Com base em que depoimento ou meio de prova? Como pôde o próprio tribunal a quo referir na decisão que se logrou apurar data concreta para a cessação do contrato e dar como provado que a Autora deixou de trabalhar para a Ré em novembro de 2015, quando o mesmo tribunal refere na mesma sentença que não se apurou data certa para a cessação do contrato de trabalho??”. Quando em boa verdade não foi produzida qualquer prova neste sentido! Mais, o tribunal a quo apenas valorou e considerou credível o depoimento da testemunha Alberto para prova da data de início de contrato, para horário de trabalho e gozo de férias e não considerou para a cessação!”.

Ora, afigura-se-nos inexistir qualquer incongruência do tribunal a quo na formulação destes considerandos e do seu encandeamento e o facto citado dado como assente já que é óbvio que a afirmação provada “a partir de Novembro …” permite referir não se ter apurado data certa.

De resto nem os mesmos ocorrem durante a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o que seria crucial para operar tal normativo na perspectiva da adequabilidade legal da fundamentação.

E quanto à menção acerca da testemunha faz toda a diferença o que se fez constar na sentença para se fundamentar a convicção do tribunal a quo para podermos concluir pela inexistência de contradição formal: “Por isso, os factos dados por provados, resultam, por um lado, de confissão – porque não foram objecto de impugnação – e, por outro, do depoimento da testemunha da Ré, Alberto, que, por ter sido seu empregado entre 1992 e 2012 e nessa qualidade pernoitar em casa dela, explicou pormenorizadamente a relação contratual estabelecida entre as partes, nomeadamente, o início do contrato, o horário de trabalho praticado pela Autora, o gozo de férias no mês de Setembro, explicação essa coincidente com a que consta do articulado da Ré.
Nenhum das testemunhas inquiridas, conseguiu, no entanto, explicar a data precisa e a causa da cessação do contrato de trabalho.”.

Indefectivelmente o legislador não pretendeu que o julgador através da fundamentação assumisse a presunção de que a sua análise crítica convenceria os destinatários da sua correcção. Antes sim, sendo claro, permitisse esse convencimento, dando-se a entender sobre as razões que o levaram a formar a sua convicção, e viabilizasse, designadamente ainda, o controle da sua função de julgador em caso de recurso.

Mas quanto a isto não se duvida que no caso o modo expositivo usado na fundamentação de forma alguma comprometeu a compreensão dos meios de prova conforme o julgador os apreendeu e a matéria questionada em cada proposição sua.

E certo é que como foi concebida, sucessivamente, de forma evidente ressaltam os concretos meios de prova que determinaram a sua decisão num sentido ou noutro sobre a realidade controvertida.
Nela é feita análise crítica da prova e são assegurados os raciocínios e seus percursos que presidiram à opção sobre a matéria de facto perante si discutida, sendo admitida ou repudiada.

Nessa confrontação sem dúvida ressalta formalmente também que a convicção através da prova é adquirida de forma justificada, coerente e admissível, nada se constatando que seja em detrimento das regras de experiência comum.

Por tudo não se fazem afirmações inconciliáveis entre si. Sem premissas incompatíveis, cada uma delas subsiste utilmente por si. Nesta medida, nada se lhe há-de apontar.

Tudo, nesta perspectiva, insusceptível de afectar a transparência da decisão.

Não será necessário um exercício de exegese exigente para se concluir deste modo.
E tanto assim é que da impugnação da decisão da matéria de facto só pode resultar que a recorrente entendeu tal percurso imanente à lógica do julgador exteriorizado na fundamentação.

Como refere Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, II, 249) a exigência legal da fundamentação “impõe que, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, se estabeleça o fio condutor entre a decisão da matéria de facto (resultado) e os meios de prova que foram usados na aquisição da convicção (fundamentos) fazendo a respectiva apreciação crítica, nos seus aspectos mais relevantes.”.

Por tudo isto, por fim, não se pode dizer que o processo lógico ou subjacente à formação da convicção do juiz ou a exteriorização da formação dessa convicção, através do exame crítico da prova de molde a permitir aos destinatários da decisão conhecer o percurso que permitiu dar como provados ou não provados os factos, não subjaz à fundamentação.
Mantendo-se incólume a matéria facto nada haverá a decidir quanto à matéria da excepção de prescrição.
A recorrente só a ela retorna em virtude de porfiar pela alteração da factualidade e sem discordar da decisão em si proferida a esse título.
O mesmo acontece à parte condenatória relativa à retribuição Outubro de 2015.
Retomando a questão dos subsídios temos que a recorrida alegou a factualidade constitutiva para o reconhecimento da relação laboral, em cumprimento do disposto no artº 342º, nº 1 do CC.

Demonstrada a mesma e o período de tempo pelo qual o respectivo vínculo se manteve cumpriu ainda o ónus de alegar o valor que entendia em dívida respeitante aos subsídios.

Por seu turno, tudo quanto respeitasse a matéria de excepção peremptória enquanto consubstanciada em factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado tinha a recorrente o ónus de alegar e provar, nos termos do artº 342º, nº 2 do CC, sob pena de ver contra si decidida a questão (artºs 346º e 799º do CC).

Em resultado do acima referido quanto à impossibilidade de ser entendida como impugnação da decisão sobre a matéria de facto e não tendo sido atendido o surgimento de factos quanto ao eventual pagamento dos subsídios na audiência de julgamento que, embora não articulados, o tribunal aí considerasse relevantes para a decisão da causa, resulta lógico que na sentença se escrevesse: “Contudo, não logrou a Ré provar - a quem incumbia o respectivo ónus probatório - que alguma vez tivesse pago à Autora o subsídio de Natal e o subsídio de férias, bem como a retribuição do mês de Outubro de 2015”.

E por fim não poderia haver decisão diversa do tribunal a quo senão a de condenar a recorrente no pagamento dos montantes das parcelas desses subsídios.

Por fim, subsidiariamente, quanto ao subsídio de Natal a recorrente pretende que seja apenas condenada a pagar o montante de 1.650,00€, por aplicação do artigo 12º do DL 235/92, de 25.10.

Mais uma vez fazemos nosso o que no parecer se referiu, pelo que de novo é improcedente o recurso:

“Finalmente e em termos subsidiários, vem a Recorrente manifestar o seu inconformismo quanto ao já acima mencionado segmento decisório da sentença sob recurso que a condenou a pagar à Recorrida o montante global de € 2.400,00, a título do subsídio de Natal dos anos de 2007, 2008, 2009, 2010 e 2011, 2012, 2013 e 2014.

A Recorrente funda o seu inconformismo no disposto no artº 12.º do Dec. Lei n.º 253/92, de 25.10, daí concluindo que apenas deveria ter sido condenada no pagamento da quantia global de € 1.650,00.
Em nosso entender não tem razão a Recorrente.

Na verdade, como se refere no segmento decisório em apreço, o aludido art.º 12.º do Dec. Lei n.º 253/92 foi tacitamente revogado pelo Dec. Lei n.º 88/96, de 03.07 [cfr., entre outros, o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18/12/2013 ali citado, em cujo sumário se mostra consignado que: "( ... ) I - O Dec-Leí n.º 88/96, de 03/07, veio consagrar o direito ao subsidio de Natal para a generalidade dos trabalhadores prevendo a sua aplicação aos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho a quaisquer entidades empregadoras, incluindo, expressamente, os trabalhadores de serviço doméstico. II - Assim, o artigo 12º do Dec.-Lei n.º 235/92, de 24/10, encontra-se tacitamente revogado. ( ... )"], pelo que nenhuma censura merece aquele segmento decisório ao ter considerado para efeitos do cálculo dos valores dos subsídios de Natal em que a Recorrente foi condenada o disposto no regime geral do Código do Trabalho, maxime no seu art.º 263.º (vd. Art.º 254.° do CT/2003).”.

O aresto citado fundou-se nestes termos:

“Conforme o disposto no artigo 12.º do D.L. n.º 235/02 de 24/10, o trabalhador do serviço doméstico tinha direito a um subsídio de Natal não inferior a 50% da parcela pecuniária da retribuição correspondente a um mês.
O D. L. n.º 88/96 de 03/07 veio consagrar o direito ao subsídio de Natal para a generalidade dos trabalhadores prevendo a sua aplicação aos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho a quaisquer entidades empregadoras, incluindo os trabalhadores de serviço doméstico - artigo 1.º, n.º 1, sendo que, os trabalhadores tinham direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição – artigo 2º, n.º 1 do mesmo D.L..

Assim sendo, somos levados a concluir que o citado artigo 12.º, do D.L. n.º 235/92, se encontra tacitamente revogado pelo artigo 1º, n.º 1, do D. L. n.º 88/96[2 No mesmo sentido da derrogação desta norma, cfr. o acórdão da R.L. de 25/09/2013, disponível em www.dgsi.pt].

Na verdade, a não ser assim, não faz qualquer sentido a referência expressa que é feita neste último aos trabalhadores do serviço.

Aliás, sendo óbvia a intenção de estender o subsídio de Natal a todos os trabalhadores e de valor igual a um mês de retribuição, não se vislumbra qualquer justificação para que aos trabalhadores do serviço doméstico continuasse a ser aplicado o disposto no citado artigo 12.º. Conhecendo o legislador a existência de um regime específico para o serviço doméstico, não sendo sua intenção abranger os respectivos trabalhadores, então não o teria dito, como efectivamente o fez, no citado n.º 1, do artigo 1.º do D.L. n.º 88/96.

Este D.L. veio a ser revogado pela Lei n.º 99/2003 de 27/08 (C.T. de 2003) e este pela Lei n.º 7/2009 de 12/02 (C.T. de 2009), razão pela qual é aplicável o disposto no artigo 263º, deste C.T..
Resta dizer que também não colhe o argumento da impossibilidade de revogação do artigo 12.º do D.L. n.º 235/92 pelo D.L. n.º 88/96, por força do disposto no n.º 3, do artigo 7.º do C.C.. A lei geral, em regra, não altera normas especiais com previsões para casos particulares, no entanto, pode fazê-lo se outra for a intenção inequívoca do legislador (n.º 3, do artigo 7.º, do C.C.).
Ora, como já referimos, ao referir-se expressamente aos trabalhadores do serviço doméstico, entendemos que foi intenção inequívoca do legislador do D.L. n.º 88/96 derrogar o disposto no artigo 12.º do D.L. n.º 235/92 de 24/10.
Face ao que ficou dito, a sentença recorrida não padece de qualquer erro na determinação da norma aplicável no que respeita ao subsídio de Natal.”
Pelo exposto vai ser julgado improcedente o recurso.

Sumário, da única responsabilidade do relator

1- A impugnação da decisão relativa à matéria de fato com fundamento na errada apreciação da prova deve resultar nos seus diversos requisitos nas conclusões do recurso sob pena de estar vedado ao tribunal ad quem o seu conhecimento.
2- É de rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto, por violação do disposto no artº 640º nºs 1, alª c), do CPC quando não se particulariza, determina ou individualiza para cada matéria visada a decisão em concreto que deva ser proferida.
3 - O artº 12º do DL 235/92, de 24/10 encontra-se tacitamente revogado pelo DL nº 88/96, de 03/07 que consagrou o direito ao subsídio de Natal para a generalidade dos trabalhadores prevendo a sua aplicação aos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho a quaisquer entidades empregadoras, incluindo, expressamente, os trabalhadores de serviço doméstico.

Decisão

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença.
Custas pela recorrente.
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O acórdão compõe-se de 17 folhas, com os versos não impressos.
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20.09.2018