Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
422/16.5PAVNF
Relator: FÁTIMA FURTADO
Descritores: INIMPUTABILIDADE
CONCURSO DE CRIMES
PRAZO DE INTERNAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Em caso de concurso de crimes, o limite máximo do internamento de inimputáveis que praticaram factos ilícitos típicos e que devam ser considerados perigosos terá de coincidir com o da pena correspondente ao crime mais grave.

II) O limite mínimo do internamento encontra-se fixado apenas quando o facto ou factos praticados pelo inimputável correspondam a crime contra as pessoas ou crime de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a cinco anos.

III) Para todos os outros casos o limite mínimo do internamento não está estabelecido na lei penal, pelo que é unicamente o prazo máximo de internamento que o Tribunal tem de fixar.
Decisão Texto Integral:

I. RELATÓRIO

No processo comum coletivo n.º 422/16.5PAVNF, da instância central de Guimarães, 2ª secção criminal, Juiz 3, da comarca de Braga, foi submetido a julgamento o arguido E. A., com os demais sinais dos autos.
O acórdão, proferido a 17 de março de 2017 e depositado no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo:
«Nestes termos e face ao exposto, o Tribunal julga parcialmente improcedente a acusação deduzida contra E. A. e, em consequência:
Absolve o arguido da prática de dois crimes de furto qualificado p. e p. pelo art. 203º71 e 204º/2 e) do C.P., pelos quais vem acusado;
Julga extinto o procedimento criminal em consequência da homologação da queixa, quanto ao crime de furto p. e p. pelo art. 203º/1 do C.P., relativo ao Apenso A);
Condena o arguido pela prática de dois crimes de furto qualificado p. e p. pelo art. 203º71 e 204º/2 e) do C.P., e, em consequência, aplica ao arguido a medida de segurança de internamento em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, pelo período de 18 (dezoito) meses;
Comunique à entidade hospitalar competente para o internamento a presente decisão.
Declara cessada, após trânsito, a medida de coacção aplicada ao arguido;
Deposite.»
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Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, que remata com as seguintes conclusões:
«1 - A nossa discordância reporta-se apenas à medida de segurança de internamento fixada, por entendermos, salvo o devido respeito por opinião contrária, que tem que ser fixado limite máximo correspondente ao limite superior da pena aplicável ao crime cometido pelo arguido considerado inimputável e perigoso.
2. O presente recurso é, assim, restrito à matéria de direito.
3. Foi dado como provada a prática pelo arguido de dois crimes de furto qualificado p. e p. pelos artº203º e 204º, nº2, al. e) do Código Penal.
4.O limite máximo da medida de internamento é o limite superior da pena aplicável ao crime cometido em conformidade com o disposto no artº92º, nº2 do Código Penal.
5.No caso de concurso de crimes, como o dos presentes autos, a Jurisprudência dos Tribunais Superiores vem decidindo que o limite máximo da medida de internamento é o do limite superior da pena aplicável ao crime mais grave e com exceção do artº91º, nº2 do Código Penal não há lugar à fixação de um limite mínimo.
6.Ao fixar uma medida de segurança de internamento de 18 meses o Tribunal teceu considerações atinentes à culpa que neste caso não são aplicáveis e as relativas à prevenção especial e à função legalmente reservada ao Tribunal de Execução de Penas.
7. O Tribunal teria que fixar o limite máximo da medida de internamento em oito anos, correspondente ao limite máximo da pena de prisão aplicável a cada um dos crimes de furto qualificado p. e p. pelo artº203º e 204º, nº2, al. e) do Código Penal cometido pelo arguido internando.
8. Encontram-se violadas as disposições legais previstas nos artºs 40º, 77º, 91º a 96º do Código Penal e artºs 501º, 502º, 504º do CPP e artºs 138º, 156º a 163º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
Em face do exposto, deverá ser revogado o Acórdão em apreço e substituído por outro que aplique ao arguido a medida de segurança de internamento com o limite máximo de oito anos, correspondente ao limite máximo da pena de prisão aplicável a cada um dos crimes de furto qualificado p. e p. pelo artº203º e 204º, nº2, al. e) do Código Penal cometido pelo arguido internando.»
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O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho datado de 21 de abril de 2017.
Não houve resposta ao recurso.
Nesta Relação, a Exma. Senhora Procuradora-Geral adjunta emitiu douto parecer, pronunciando-se pelo provimento do recurso.
Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem resposta.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer Cfr. artigo 412.º, nº 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
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1. Questão a decidir
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada a questão a decidir circunscreve-se à fixação da duração máxima do período de internamento do arguido.
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2. Factos Provados
Segue-se a enumeração dos factos provados e não provados, constantes do acórdão recorrido:
«INQ. 422/16.5PAVNF
1.º No dia 03 de Julho de 2016, pelas 00h52m, pessoa cuja identidade não se logrou apurar deslocou-se ao estabelecimento de restauração "…" sito na Av. M… n.º, em …, propriedade de C. R. com o propósito de subtrair os objectos de valor ou dinheiro que lá encontrasse.
2.º Na execução desse plano, arremessou um paralelo na direcção da porta principal daquele estabelecimento, quebrando o vidro, provocando assim uma abertura por onde depois acedeu ao seu interior, e daí retirou e levou consigo:
- um computador portátil, de marca HP, com carregador, no valor de € 800,00;
- € 5,50 em dinheiro.
INQ. 389/16.0PAVNF (APENSO B)
6.º No dia 18 de Junho de 2016, pelas 18h45, pessoa cuja identidade não se logrou apurar dirigiu-se ao café "C… ", sito no interior do terminal rodoviário, na Rua H…, propriedade de J. L. com o propósito de lá retirar os objectos de valor ou dinheiro de conseguisse.
7.º Na execução desse plano, com uma chave de fendas, estroncou a porta daquele estabelecimento, acedendo desse modo ao seu interior, sendo que depois, do interior da caixa registadora daquele estabelecimento, retirou a quantia monetária €120,00.
8.º Nesse mesmo dia, pelas 21h15, o arguido deslocou-se àquele estabelecimento, e daí retirou e levou consigo duas máquinas de brindes, tendo estas o valor global de € 590,00 (cada uma tinha o valor unitário de € 70,00, e o respectivo interior de cada uma, entre brindes e dinheiro, correspondia a € 225,00), propriedade H. C..
Ao actuar da forma supra descrita, o arguido fê-lo de forma livre e com a intenção de retirar dali aqueles objectos que fez seus e integrou no seu património, o que quis e conseguiu, através do estroncamento daquela porta, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que estava a actuar contra a vontade e sem autorização do seu proprietário, muito embora carecesse do discernimento para avaliar a ilicitude da sua conduta e se determinar de acordo com tal avaliação.
INQ 398/16.9PAVNF (APESNO C)
9.º No dia 23 de Junho de 2016, pelas 00h40m, pessoa cuja identidade não se logrou apurar dirigiu-se ao estabelecimento comercial "P… ", sito na Rua …, propriedade de P. L., com o propósito de retirar do seu interior os bens que ali encontrasse.
10.º Na execução desse plano, com o auxílio de um paralelo, partiu o vidro da porta, daquele estabelecimento, provocando uma abertura, por onde depois acedeu ao seu interior e, da caixa registadora, retirou a quantia de €110,00 (cento e dez euros) em numerário, que fez sua, levando-a consigo e integrando-a no seu património.
11.º Ao actuar da forma supra descrita, fê-lo de forma livre e com a intenção de retirar dali aquele dinheiro que fez seu e integrou no seu património, o que quis e conseguiu, através da destruição do vidro daquela porta, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que estava a actuar contra a vontade e sem autorização do seu proprietário, muito embora carecesse do discernimento para avaliar a ilicitude da sua conduta e se determinar de acordo com tal avaliação.
INQ. 60/12.2PAVNF (APENSO D)
12.º No dia 01 de Fevereiro de 2016, pelas 06h05m, o arguido deslocou-se à "C… ", na altura explorada por M. J., sita na Av. M… em Famalicão, com o propósito de retirar do seu interior os objectos com valor que encontrasse.
13.º Na execução desse plano o arguido quebrou o vidro inferior da porta daquele estabelecimento, provocando assim uma abertura, por onde depois acedeu ao seu interior, donde depois retirou:
- duas máquinas de brindes, que continham no seu interior €130,00 em dinheiro;
- uma máquina registadora no valor de € 700,00 contendo €15,00 em dinheiro no seu interior;
- duas caixas de vinho do porto, no valor de € 48,00;
- uma caixa de chicletes, no valor de € 7,00;
- um frasco de rebuçados, no valor de € 10,00;
- duas caixas de vinho branco no valor de € 28,80;
- uma caixa de vinho tinto, no valor de € 24,40;
- uma caixa de garrafas de whiskey;
- um tablet;
- a quantia de monetária € 61,95 e ainda diversos maços de tabaco no valor de € 273,90, que se encontravam no interior duma máquina de distribuição de tabaco aí existente, propriedade da empresa Internacional Tabacos, SA.
14.º Ao actuar da forma supra descrita, o arguido fê-lo de forma livre e com a intenção de retirar dali aqueles objectos que fez seus e integrou no seu património, o que quis e conseguiu, através da destruição do vidro daquela porta, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que estava a actuar contra a vontade e sem autorização do seu proprietário, muito embora carecesse do discernimento para avaliar a ilicitude da sua conduta e se determinar de acordo com tal avaliação.
15.º O arguido, desde os 14 anos de idade, consome produtos estupefacientes, nomeadamente haxixe e cocaína, padecendo ainda de esquizofrenia paranóide, não tendo qualquer ocupação profissional com carácter de regularidade, tendo já sido internado por diversas vezes em instituições hospitalares psiquiátricas, no âmbito de diversos internamentos compulsivos consecutivos, decorrentes do abandono sistemático da mediação que lhe é prescrita sempre que lhe é dada a respectiva alta clínica, pelo menos desde o ano de 2011, no âmbito do proc. de internamento compulsivo n.º 733/11.6TBPRT, a correr termos na IL de Famalicão – Secção Criminal J3.
16.º Com efeito, o arguido, à data dos factos, padecia (e ainda padece) de anomalia psíquica grave – esquizofrenia paranóide (associada a dependência de substâncias), descompensada pelo uso de tóxicos, com estado de défice psicótico residual, com embotamento da esfera cognitiva, volitiva e afectiva, sendo que, em regime institucional e cumprindo terapêutica regular, poderá ser capaz de se apresentar estável (se abstinente de drogas), mas, em situação de liberdade, tem tendência a abandonar a medicação, revelando-se incapaz de se comportar conforme o normativo social.
17.º Destarte, o arguido, no momento da prática daqueles factos, padecia daquela anomalia psíquica grave que o incapacitava de avaliar a ilicitude dos seus actos acima descritos e de se determinar de acordo com essa avaliação, devendo assim ser considerado inimputável,
18.º E, atendendo à natureza e gravidade da sua doença, à ausência de consciência que demonstra, ao tipo de factos por si praticados, associado ao consumo de substâncias psicotrópicas, existe risco de reincidência em comportamentos da mesma natureza ou similares, pelo que deve ser considerado perigoso para a prática de factos semelhantes.
19. Do Relatório de perícia médico-legal de fls. 356 a 359, resulta que, “durante o período a que se referem os factos, o arguido padecia de esquizofrenia paranóide associada à dependência de substâncias; como tal não tinha capacidade de avaliar a ilicitude dos factos em apreço nem de se determinar de acordo com essa avaliação, pelo que deve ser considerado inimputável para os factos em apreço; na data actual encontra-se estabilizado e abstinente de drogas nãos e avaliando perigosidade nestas circunstâncias. O risco de recaída e descompensação é apreciável nesta fase, sendo o internamento em ala psiquiátrica prisional mais adequado às necessidades clínicas do examinado. Apresenta capacidade de entendimento das penas e sua abrangência, mas limitada pelos défices próprios do estado residual psicótico que apresenta”.

20. Do relatório social do arguido consta:
E. A. concluiu o 6º ano de escolaridade, percurso este que foi condicionado por problemas de desenvolvimento manifestados ainda em tenra idade. A família refere que o arguido foi acompanhado durante a infância em consultas de neurologia.
Aos 18 anos, E. A. integrou o programa Primeiro Emprego promovido pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, no âmbito do qual firmou contrato com uma empresa de artes gráficas. No entanto, as suas experiências laborais foram sempre de curta duração e sem impacto expressivo na aquisição de competências profissionais.
Foi também naquela altura que o arguido experienciou o consumo de substâncias
estupefacientes, período que coincide também com a instalação de um quadro de esquizofrenia, cuja manifestação dos sintomas conduziu a internamentos desde 1995, alguns deles de forma compulsiva.
E. A. nunca se desvinculou do agregado materno. A dinâmica familiar era prejudicada pelo comportamento agressivo do arguido que assumia frequentemente atitudes intimidatórias e ameaçadoras. Não obstante, a família mantinha atitude de apoio, procurando colmatar as necessidades básicas do arguido, sobretudo no que diz respeito aos problemas de saúde.
Após um internamento em Jul./2013, com vista a o afastar das redes sociais nocivas e influenciadoras e proporcionar um ambiente mais estável, E. A. permanecia parte da semana em casa da irmã residente em Viana do Castelo, onde colaborava com o cunhado que o recompensava pelos serviços prestados, sendo o valor gerido pela irmã.
Decorridos três meses, o arguido regressou de vez ao agregado da mãe. Verificou-se novamente a instabilidade que para o efeito contribuiu o não cumprimento do plano da toma da medicação, com exceção da injectável controlada pelo centro de saúde, e a manutenção do hábito aditivo.
E. A. era acompanhado em consultas de psiquiatria no Hospital de Braga e também no Centro de Respostas Integradas (CRI) de Braga com data de entrada no serviço em 10.03.2000.
À data dos factos constantes na acusação, apesar de integrado no agregado materno, o arguido costumava ausentar-se por dois ou três dias de casa e vagueava pelas ruas do Porto, sobretudo nas zonas ligadas ao consumo e tráfico de estupefacientes, apresentando-se negligente com a higiene pessoal.
Mãe e arguido residiam num apartamento de tipologia 3 inserido num complexo habitacional de cariz social, onde existem alguns problemas sociais.
O orçamento doméstico baseava-se nos valores provenientes da reforma e da pensão de sobrevivência por falecimento do marido da mãe, no total de 450€, a qual procurava complementar a receita doméstica com a venda de produtos confeccionados em casa, mas cujo rendimento era pouco significativo. E. A. beneficiava da pensão de invalidez, no valor de 237€, que era rapidamente gasto pelo próprio, geralmente canalizado para a aquisição de droga.
Recorria ainda a pedidos de quantias monetárias à mãe, retirando-lhe dinheiro mesmo sem a sua permissão.
E. A. não se encontrava integrado em nenhuma actividade estruturadora do seu quotidiano, privilegiando o convívio com elementos de risco. No período que antecede a aplicação da medida de internamento, arrumava carros e chegou ao extremo de procurar restos de comida no lixo.
Em termos de saúde, era acompanhado pelo serviço de psiquiatria do Hospital de Vila Nova de Famalicão e havia abandonado a comunidade terapêutica do Projecto Homem em Abrantes há poucos dias, onde permaneceu cerca de quinze dias. E. A. assume que não seguia a prescrição medicamentosa com excepção da toma do injectável (Aldol), informação corroborada pelos serviços clínicos.
A família expressa dificuldade em controlar o seu comportamento mesmo com a intersecção de terceiros. A comunidade local considera que, atendendo aos problemas de que é portador, pode ser usado por terceiros para a prática de ilícitos.
A mãe considera não haver condições para que E. A. regresse ao agregado familiar sem antes se sujeitar ao tratamento ao consumo de substâncias estupefaciente de forma a precaver a assunção de comportamentos agressivos. A comunidade terapêutica do Projecto Homem, em Abrantes, possui vaga para integração em programa geral com duração de ano e meio.
De forma a estruturar o seu quotidiano, a família considera que a sua integração numa instituição vocacionada para lidar com indivíduos com problemáticas semelhantes, como a APPACDM, seria também uma alternativa positiva.
E. A. encontra-se desde 15.07.2016 afecto à Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental do Estabelecimento Prisional de … sujeito à medida de coacção de internamento preventivo na Clínica de Psiquiatria e Saúde Mental do Estabelecimento Prisional de … (EPSCB) à ordem dos presentes autos.
No âmbito do processo nº 804/15.0PPPRT da Comarca do Porto – Porto – Instância Local - Secção Criminal – J1, no qual é acusado da prática do crime de roubo, tem audiência de julgamento designada para 23.01.2017.
Aquando da sua entrada na clínica de psiquiatria, E. A. não apresentava ideias delirantes. Apesar da sintomatologia esquizofrénica e algum de deterioração cognitiva, o arguido aparenta estabilidade do ponto de vista psicopatológico que para o efeito tem contribuído a adesão terapêutica.
Embora não apresente capacidade para avaliar a ilicitude dos factos, ao nível comportamental, o arguido considera-se influenciável e expressa a necessidade de controlo.
Recebe visitas regulares da mãe que as realiza com sacrifício atendendo ao tempo de viagem e falta de transporte próprio.
E. A. evidenciou problemas de comportamento desde a infância, que se agudizaram com o seu envolvimento no consumo de estupefacientes do qual se tornou adicto, condicionando a sua relação com as principais figuras de suporte, sobretudo mãe, e o desenvolvimento de uma actividade ocupacional.
A dificuldade em abandonar o hábito aditivo, apesar da submissão a tratamentos especializados e do suporte da família, e alguma negligência com a toma de medicação, com excepção do injectável, contribuíram para a assunção de comportamentos agressivos, os quais eram dirigidos sobretudo à figura materna.
Apesar da manutenção dos laços afectivos entre o arguido e os demais elementos da família de origem, os mesmos evidenciam algumas dificuldades no controlo e supervisão do quotidiano do arguido, dificultado pelo consumo de drogas.
Em meio institucional, beneficia da intervenção clínica especializada na área da psiquiatria, expressando maior estabilidade comportamental, condição que pode ser interrompida caso não adira ao tratamento/acompanhamento prescrito e mantenha o consumo de drogas.
21º Do CRC do arguido consta a seguinte condenação:
No processo Comum Singular nº 1199/12.9TAVNF do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, foi o arguido condenado por decisão de 07/11/2013, transitada em 09/12/2013, pela prática em Abril de 2012, de um crime de ameaça agravada p. e p. pelo art. 153º/1 e 155º/1 do C.P., de uma medida de segurança de 8 meses de internamento, extinta em 14/09/2014.

2.2. Factos não provados: Não se provou:
1. Inquérito 422/16.5PAVNF
- Que o arguido haja praticado os factos de 3 de Julho de 2016, no estabelecimento de restauração “…”;
- Que ao actuar da forma supra descrita, o arguido o haja feito de forma livre e com a intenção de retirar dali aqueles objectos que fez seus e integrou no seu património, o que quis e conseguiu, através da destruição do vidro daquela porta, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que estava a actuar contra a vontade e sem autorização do seu proprietário, muito embora carecesse do discernimento para avaliar a ilicitude da sua conduta e se determinar de acordo com tal avaliação.
2- Inquérito 389/16.0PAVNF ( Apenso B)
- Que o arguido tenha praticado os factos no dia 18 de Junho de 2016, pelas 18h45, no café “C…”, sito no interior do terminal rodoviário e que, quanto a esses factos tenha atuado com a intenção de dali retirar a quantia monetária de 120,00 Euros, fazendo-a sua e integrando-a no seu património.
3- Inquérito 398/16.9PAVNF ( Apenso C)
- Que o arguido tenha praticado os factos ocorridos no dia 23 de Junho de 2016, pelas 00h40, no estabelecimento comercial “P…” e que, quanto a esses factos tenha atuado com a intenção de dali retirar a quantia monetária de 110,00 Euros, fazendo-a sua e integrando-a no seu património.»
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3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

O acórdão recorrido considerou que o arguido E. A. é inimputável; que praticou dois crimes de furto qualificado p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal; e que por virtude da anomalia psíquica de que padece e da gravidade dos factos praticados há fundado receio de que venha a praticar outros factos da mesma espécie; aplicando-lhe uma medida de internamento em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança. O que não foi impugnado e se encontra devidamente fundamentado por referência à factualidade considerada apurada e ao disposto nos artigos 20.º, n.º 1 e 91.º, n.º 1 do Código Penal.
O ponto controvertido é unicamente a fixação do período de internamento em 18 meses, contra o que se insurge o recorrente Ministério Público.
Vejamos.
O internamento de inimputáveis que praticaram um ou mais factos ilícitos típicos e que devam ser considerados perigosos, encontra-se regulado nos artigos 91.º e segs. do Código Penal Diploma a que pertencem todas as disposições legais doravante referenciadas sem menção da respetiva origem..
O limite mínimo do internamento encontra-se fixado na lei, no n.º 2 do artigo 91.º, mas apenas nos casos em que estejamos perante crime contra as pessoas ou crime de perigo comum puníveis com pena de prisão superior a 5 anos.
Para todos os outros casos, nos quais se inclui o dos autos – em que temos dois crimes contra a propriedade – o limite mínimo do internamento não está fixado na lei penal.
Cessando o internamento quando o Tribunal de Execução das Penas verificar que findou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 92.º.
A revisão da situação do internado pode ser apreciada a todo o tempo se for invocada a existência de causa justificativa da cessação do internamento, sendo-o obrigatoriamente decorridos dois anos sobre o início do internamento ou sobre a decisão que o tiver mantido, conforme prevê o artigo 93.º.
Tudo sempre com ressalva do prazo mínimo de internamento, quando o houver.
Quanto ao prazo máximo do internamento, a lei, no n.º 2 do artigo 92.º, fá-lo corresponder ao limite máximo da pena aplicável ao tipo de crime cometido pelo inimputável Apenas excecionalmente, nos casos do n.º 3 do artigo 92.º, e sempre em casos de crimes puníveis com pena de prisão superior a oito anos, podendo funcionar a prorrogação do internamento por períodos sucessivos de dois anos, até se verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem..
Em casos de concurso de crimes, como acontece nos autos, e embora a lei não preveja expressamente essa hipótese, cremos que tal limite terá de coincidir com o da pena correspondente ao crime mais grave, nos termos do citado n.º 2 do artigo 92.°, a não ser que se verifique a situação descrita no n.º 3 da mesma disposição legal.
Na verdade e como a propósito se pode ler no acórdão do STJ, de 16.10.2013, relatado por Maia Costa Proc. n.º 300/10.1GAMFR.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt., «a lei não prevê outro limite para além do estabelecido nesse preceito [n.º 2 do art. 92.º]. Por outro lado, o art. 77.º do CP não admite o cúmulo jurídico de penas abstratas. Por fim, a acumulação material dos limites máximos das molduras penais redundaria numa medida completamente desproporcionada, violando-se assim o disposto no n.º 3 do art. 40.º do CP. A única solução que se mostra compatível com o sistema é, pois, a aplicação do n.º 2 do art. 92.°: o limite máximo da medida de internamento, em caso de concurso de crimes, é o da pena correspondente ao crime mais grave.»
Esta é também a solução que, citando Paulo Pinto de Albuquerque Comentário do Código Penal, 2.ª ed. p. 332 e 333., se defende no acórdão recorrido.
O limite máximo do internamento no caso em apreço é pois de oito anos de prisão, por corresponder ao limite máximo da pena aplicável a ambos os ilícitos típicos praticados pelo arguido, p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 2, al. e) do Código Penal.
Ora, nestes casos, é unicamente o prazo máximo de internamento que o Tribunal que o decreta tem e pode fixar.
É que a medida de segurança de internamento de inimputáveis é um verdadeiro tratamento a que o internado vai ser submetido, que termina quando a perigosidade criminal que o determinou tiver cessado. Estando apenas legalmente definido, e em regra, o seu prazo máximo, findo o qual o internado tem de ser posto em liberdade, independentemente de ter ou não cessado aquele seu estado de perigosidade, por imposição constitucional, já que o artigo 30.º, n.º 1 da Constituição afasta definitivamente as medidas de segurança sem duração definida, ainda que, no n.º 3 do mesmo preceito, admita a sua prorrogação sucessiva, mas sempre mediante decisão judicial.
Não obstante, o Tribunal a quo, no acórdão recorrido, depois de estabelecer (e bem, como já vimos) que o limite máximo do internamento era de oito anos, encetou em seguida um procedimento à revelia da lei, de determinação de um concreto período de internamento, que fixou num quantum de 18 meses, o que lhe está manifestamente vedado, não podendo por isso subsistir.
Impondo-se a revogação desse ponto do acórdão e fixando-se, em sua substituição, apenas a duração máxima da medida de segurança de internamento, pelo tempo correspondente a oito anos.
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III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação de Guimarães, em conceder provimento ao recurso, em consequência do que se revoga o acórdão recorrido, na parte que fixa em 18 (dezoito) meses o período da medida de segurança e, em sua substituição, se fixa unicamente o prazo máximo de duração dessa medida de segurança em 8 (oito) anos, não havendo limite mínimo.
Sem tributação.
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Guimarães, 11 de julho de 2017
(Elaborado e revisto pela relatora)