Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
735/14.0TTBRG.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: FALTA DE COMPARÊNCIA A JULGAMENTO
FACTOS PESSOAIS
PERÍODO EXPERIMENTAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/14/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – A cominação prevista no n.º 2 do art. 71.º do Código de Processo do Trabalho cinge-se, expressamente, aos «factos alegados pela outra parte que forem pessoais do faltoso», pelo que não se estende, por um lado, a factos atinentes a relações jurídicas estabelecidas entre terceiros, e, por outro lado, a juízos de valor ou matéria de direito aduzidos nos articulados pela parte presente no julgamento.

II – Sendo o período experimental legal de 90 dias (art. 112.º, n.º 1, al. a) do Código do Trabalho), e tendo o contrato de trabalho por tempo indeterminado se iniciado no dia 1 de Fevereiro de 2014, o termo daquele prazo completou-se no dia 1 de Maio do mesmo ano, pelo que a cessação do contrato por decisão unilateral do empregador no dia seguinte é ilícita.
Decisão Texto Integral:
1. Relatório

A. F. intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra X – SERVIÇOS DE RESTAURAÇÃO E CATERING, LDA., pedindo que se declare a ilicitude do seu despedimento e que se condene a R. a pagar-lhe a indemnização de antiguidade, à data no valor de 3.780,00 €, para além das retribuições que se vencerem desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença.

Para o efeito alega, em síntese, que trabalhava desde Junho de 2010 como assistente de bordo no comboio Alfa Pendular, ao serviço da Y, Lda., mediante contrato de trabalho alegadamente a termo, estando de baixa médica desde 16/08/2013.
Que a concessão daquele transporte passou para a R. em 1/10/2013, data a partir da qual todos os trabalhadores da Y passaram sem perda de direitos e regalias para a R., inclusive a A., que, todavia, assinou um alegado contrato de trabalho a termo de seis meses, que aquela lhe apresentou.

Que, como a A. recusou assinar um novo contrato de trabalho a termo ou uma rescisão amigável do contrato, foi ilicitamente despedida pela R. no dia 2/05/2014, sob a alegação de se encontrar ainda no período experimental.
A R. contestou, alegando, em síntese, que, quando passou a explorar o serviço do Alfa Pendular, se deparou com o facto de os trabalhadores não terem vínculo contratual com a Y mas sim com a empresa de trabalho temporário S, não tendo ocorrido transmissão de estabelecimento.

Não obstante, com conhecimento do Sindicato, tendo alguns trabalhadores demonstrado aptidão, foram convidados a celebrar contrato de trabalho com a R., o que abrangeu a A., com início em 2/02/2014.

A A. assinou um contrato de trabalho a termo cujo motivo era a «substituição de férias», o qual, por lapso, não constava daquele, tendo-se recusado a assinar outro para rectificação do mesmo com a alegação de que já era efectiva.
A R. denunciou tal contrato de trabalho por carta registada com aviso de recepção enviada em 17/04/2014, da qual, apesar de devolvida sem recebimento, a A. teve inteiro conhecimento, pelo que foi indevidamente que a mesma se apresentou ao serviço no dia 2/05/2014.

Termina, pedindo a sua absolvição do pedido e a condenação da A. como litigante de má fé em sanção nunca inferior a 5.000,00 €.
A A. veio apresentar resposta à contestação, que foi mandada desentranhar por despacho de fls. 59, que transitou em julgado.
Tendo os autos prosseguido, na data designada para a realização da audiência de julgamento apenas compareceram a A., o seu mandatário e as testemunhas por si arroladas, em face do que foi proferido o seguinte despacho:

«Dada a ausência do legal representante da R., que não justificou atempadamente a sua falta, nem se fez representar por mandatário com poderes especiais de representação, nos termos do disposto no art. 71.º, n.º 2 do C.P.T., considero provados todos os factos alegados pela A., que sejam pessoais da R., a discriminar na sentença.
Uma vez que a R., regularmente notificada, não compareceu nem se fez representar por legal representante ou mandatário judicial com poderes de representação e os especiais para confessar, desistir ou transigir, condeno-a na multa que se fixa em 2 UC.
Notifique.»

Após, pelo mandatário da A. foi dito que prescindia do depoimento das testemunhas arroladas.
Proferiu-se sentença que terminou com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a acção, e, consequentemente:

a) declaro a ilicitude do despedimento;
b) condeno a Ré a pagar à A., a quantia de 20.160,00 €, bem como as retribuições que forem devidas desde 23/08/2017 até ao trânsito em julgado desta sentença;
c) absolvo a Ré do restante peticionado.
Custas por Autora e Ré, na proporção do respectivo decaimento.»

A R., inconformada, interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

«1. Mal andou o douto Tribunal a quo, pois estando em causa saber se houve um despedimento ilícito , o tribunal a quo não podia, no ponto c) da decisão, dar este como provado.
2. Pois trata-se de matéria de direito e não de factos.
3. Tal como facto dado como provado em h).
4. As expressões referidas fazem parte do conceito legal do contrato de trabalho, assumindo, por isso, um significado eminentemente jurídico, o que obsta a que sejam incluídas na decisão da matéria de facto.
5. Devia o douto tribunal debruçar-se sobre esta questão da existência da cedência do contrato de trabalho.
6. Tal como referiu a Ré na sua contestação “ os trabalhadores, nos quais se insere a autora, não tinham vínculo contratual jurídico com a anterior entidade Y”
7. Nesta exacta medida, inexiste nos autos a aplicação de qualquer transmissão de trabalhadores ao abrigo dos acordos colectivos de trabalho que versam sobre o sector.
8. A Autora, conforme foi explicado na contestação, iniciou a sua relação laboral com a ora Ré em 2 de Fevereiro de 2014.
9. Não por força da transmissão dos contratos de trabalho, como deu erradamente por provado o tribunal a quo, mas por força de um contrato de trabalho temporário (substituição de férias).
10. Não apurou, o tribunal a quo, que a Autora não tem os descontos legais não só nesse período que esteve a laborar para a Ré (por força de um erro informático), mas também anteriormente a 2014.
11. Não se debruçando o douto tribunal sobre esta questão extraiu erradas ilações jurídicas.
12. Deve denotar-se que “o art. 71º, n.º 2 do CPT actualmente em vigor corresponde ao art. 89º, n.º 3 do CPT de 1981, tendo a norma actual deixado de consagrar o efeito cominatório pleno que naquela se previa, ou seja, a condenação no pedido (dando seguimento à orientação seguida na reforma do CPC de 1995), passando, em seu lugar, a estabelecer um efeito cominatório semi-pleno, ou seja, a considerar provados os factos alegados pela parte presente no julgamento que sejam pessoais do faltoso” .
13. O efeito cominatório semi-pleno, decorrente do artigo 71º, nº 2 do CPT, apenas determina que se devam ter por confessados os factos alegados pela outra parte que forem pessoais do faltoso– cabendo ao juiz sindicar da suficiência e concludência jurídica da factualidade assente por confissão ficta, em termos do preenchimento ou não da fattispecie subjacente ao pedido deduzido.
14. Assim, inexiste suporte fáctico para a declaração da ilicitude do despedimento, bem como da condenação da Ré no pagamento de 20.160,00€ à Autora.
15. O tribunal ao fixar a matéria de facto dada como provada deveria atender que o thema decidendum da acção.
16. O objecto da acção não gira à volta da resposta exactas que se dê às afirmações feitas pela parte.
17. Tratam-se de questões que carecem de apuramento através da produção de meios de prova e de pronúncia final do tribunal.
18. Destarte deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, deverá a sentença recorrida ser revogada, por vício de mérito, e substituído por outro que decida em conformidade com o exposto.»
A A. apresentou resposta ao recurso da R., pugnando pela sua improcedência.
Recebidos os autos nesta Relação, o Senhor Procurador Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões que se colocam a este tribunal são as seguintes:

- modificação da decisão sobre a matéria de facto, designadamente eliminando-se o que consta sob as alíneas c) e h), na medida em que alegadamente contêm meras conclusões de direito;
- apreciação da factualidade provada à luz do direito aplicável, na medida em que o art. 71.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho não estabelece um efeito cominatório pleno.

3. Fundamentação de facto

Os factos provados são os seguintes:

a) A A. encontra-se filiada no Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Norte que, por sua vez, integra a FESAHT – Federação dos Sindicatos da agricultura, alimentação, Bebidas, Hotelaria e turismo de Portugal.
b) A R. explora por sua conta e risco uma empresa cuja actividade consiste na criação, aquisição e exploração a bordo de comboios, de dia ou de noite, em Portugal ou no estrangeiro, em gares ou estações, de serviço de hotelaria - restauração ferroviários, nomeadamente a linha do Alfa Pendular no circuito Braga – Lisboa – Braga, onde a A. trabalhava.
c) A A. exercia as suas funções profissionais na linha do Alfa Pendular no circuito Braga – Lisboa – Braga desde a data da sua admissão, Junho de 2010, sob a autoridade, direcção e fiscalização de outrem. (alterado em conformidade com o ponto 4.1. infra)
d) E encontrava-se a A. classificada com a categoria de “assistente de bordo”, exercendo as funções inerentes a essa categoria profissional.
e) Assim exercia as tarefas consubstanciadas em preparar os carrinhos com os produtos e proceder à sua venda ao lugar; servir os pequenos-almoços, fazer a marcação e servir as refeições requeridas pelos clientes, assim como o serviço ao lugar; receber o dinheiro dos produtos vendidos; nas portas dos comboios, fazer serviço de acolhimento aos passageiros; preparar o serviço de boas vindas na classe conforto, incluindo jornais, revistas e auriculares; colaborar com o chefe de bordo nas suas funções, substituindo-o nas suas ausências ou impedimentos; zelar pelas especificações e normas de qualidade, pré-definidas, na empresa.
f) Em 16 de Agosto de 2013, a A. entrou na situação de baixa médica por “risco clínico” por gravidez, ficando de licença de parto a partir de Setembro de 2013.
g) Em 1 de Outubro de 2013, a concessão dos transportes Alfa Pendular deixou de ser exercida pela Y e passou para a ora R..
h) (eliminado em conformidade com o ponto 4.1. infra)
i) Na altura do início de exploração dos Alfas pela R., a A., que se encontrava em licença de parto, entrou em contacto com o responsável dos serviços administrativos e recursos humanos da R., Sr. Manuel, com o intuito de o informar do fim da licença de maternidade, que ocorreria em 24 de Janeiro de 2014, e colocá-lo ao corrente da sua situação.
j) Já em Dezembro de 2013 o Sr. José, responsável de operações da R., havia dito à A. a facilidade da sua integração na nova empresa mal terminasse a licença de parto.
k) No entanto, em Janeiro de 2014, o Sr. José convenceu a A. de que seria melhor optarem por um contrato inicial de seis meses, depois do qual passaria a efectiva pelos «procedimentos normais».
l) No dia 1 de Fevereiro, reiniciou a A. as suas funções profissionais sob a autoridade, direcção e fiscalização da R., numa escala provisória para substituir um colega que se encontrava de férias.
m) E no mês seguinte passou a fazer a escala fixa que anteriormente realizava na Y.
n) Em 15 de Fevereiro de 2014, foi-lhe dado pela R. um alegado contrato a termo certo válido por seis meses, que a A. assinou.
o) No dia 24 de Abril de 2014, foi a A. chamada ao escritório do Sr. José, que ali se encontrava na companhia da D. Maria, que se identificou como sendo a sócia gerente da R..
p) Pretendiam ambos, e nesse sentido tentaram persuadir a A., a assinar um outro contrato de trabalho com a data de início a 1 de Fevereiro de 2014 e o termo a 30 de Abril do mesmo ano, alegando que a R. «não havia assinado aquele primeiro contrato e estar a A. sem contrato de trabalho».
q) A A. não aceitou aquele contrato e não o assinou, porque entendia já vir o seu contrato de trabalho da Y e porque a justificação apresentada para aquele contrato não era plausível e nem sequer verdadeira.
r) Foi nesse sentido a A. muito pressionada pelo Sr. José, pelo Sr. Vasco e pela D. Maria, que tudo utilizaram, desde a ameaça de despedimento até à promessa de um novo contrato, logo a seguir.
s) Não o conseguindo, deram-lhe o dia para reflectir e decidir.
t) Dirigiu-se à Segurança Social, onde constatou que, apesar de lhe ter pago os salários até ali, a R. não lhe havia realizado os respectivos descontos legais, facto de que deu nota no dia seguinte, 25 de Abril de 2014, à D. Maria e ao Sr. José.
u) A D. Maria negou, mas os senhores Vasco e José, depois de consultarem a contabilidade, vieram informar ter-se tratado de um esquecimento da empresa, comprometendo-se a resolver a situação. v) Pretendeu de seguida a D. Maria a assinatura da A. para uma rescisão amigável, que esta recusou.
w) No dia 2 de Maio de 2014, a R. não atribuiu qualquer função à A.. x) Esta deslocou-se aos escritórios da R. e após algumas insistências sobre o motivo da não atribuição de funções nesse dia, a D. Maria disse estar a A. despedida, uma vez que se encontrava ainda no período experimental.
y) E logo de seguida exigiu que a A. entregasse imediatamente o seu uniforme e a sua credencial de viagem.
z) Como, no momento, pela surpresa e estupefacção, a A. se recusasse, o Sr. José, que também apareceu, pediu-lhe que aguardasse um pouco, após o que compareceu a PSP, que havia sido chamada pela D. Maria, cujos agentes nada fizeram.
aa) A A. retirou-se após a D. Maria reiterar o seu despedimento, confirmando que não mais trabalharia a A. para a empresa.
bb) Em 5 de Maio de 2014, a A. enviou carta à R. relatando o sucedido e solicitando o impresso para vir a auferir o subsídio de desemprego.
cc) Em 5 de Maio de 2014, recebeu a A. uma carta enviada pela R. em que esta a informava que no dia 17 de Abril já lhe tinha remetido uma missiva em que prescindia dos seus serviços.
dd) À data da cessação do contrato de trabalho, a R. pagava-lhe a remuneração base de 504,00 €.

4. Apreciação do recurso

4.1. Cumpre, em 1.º lugar, conhecer do pedido de modificação da decisão sobre a matéria de facto, designadamente eliminando-se o que consta sob as alíneas c) e h), na medida em que alegadamente contêm meras conclusões de direito.

A matéria em causa é a seguinte:

c) A A. exercia as suas funções profissionais na linha do Alfa Pendular no circuito Braga – Lisboa – Braga desde a data da sua admissão, Junho de 2010, sob a autoridade, direcção e fiscalização da Y – Serviços de Restauração, Catering e Hotelaria, Lda..
h) Todos os trabalhadores que constituíam o quadro de pessoal dos aludidos Alfas Pendulares que até àquele momento exerciam a sua actividade profissional sob a direcção e fiscalização da Y passaram para a ora R., sem perda de quaisquer direitos e regalias, nos termos constantes da relação dos trabalhadores afectos à concessão cessante.
Dispunha o n.º 4 do art. 646.º do Código de Processo Civil de 1961 que se têm por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito, assim como as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes. E, embora não se contemplassem directamente as respostas sobre a matéria de facto vagas, genéricas e conclusivas, foi-se consolidando na jurisprudência o entendimento de que aquela disposição era de aplicar analogicamente a tais situações, sempre que a matéria em causa se integrasse no thema decidendum, por se reconduzirem à formulação de juízos de valor que se devem extrair de factos concretos, objecto de alegação e prova.

Ora, não obstante a eliminação do preceito mencionado no Código de Processo Civil de 2013, é de considerar que se deve manter aquele entendimento, interpretando, a contrario sensu, o actual n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados.

Isto é, o que o tribunal pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida são os factos e não as conclusões ou juízos de valor a extrair dos mesmos à luz das normas jurídicas aplicáveis, que é uma operação intelectual distinta(1).

Retornando ao caso em apreço, e no que concerne à alínea c), a R. sustenta que é conclusiva e não factual a utilização da fórmula «sob a autoridade, direcção e fiscalização».

Porém, compulsando a contestação, constata-se que a R. admite que a A. exercia as suas funções profissionais na linha do Alfa Pendular no circuito Braga – Lisboa – Braga no âmbito dum contrato de trabalho, só que, segundo ela, outorgado entre a A. e a S e não entre a A. e a Y.

Ora, embora se concorde que a fórmula «sob a autoridade, direcção e fiscalização» é conclusiva quando o thema decidendum é o da natureza da relação jurídica que une duas pessoas, entende-se que nada obsta à sua utilização quando essa questão é pacífica.

O que sucede é que, por aplicação do disposto no art. 71.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, nos termos do qual, se alguma das partes faltar injustificadamente e não se fizer representar por mandatário judicial, se consideram provados os factos alegados pela outra parte que forem pessoais do faltoso, o tribunal não podia dar como provado que tal contrato de trabalho era com a Y, na medida em que a R. o impugnou e não está em causa um facto pessoal seu mas sim um facto atinente à alegada relação jurídica entre terceiros, a saber, a A. e a Y.

Na verdade, são factos pessoais aqueles que a parte, seja pessoa física ou pessoa colectiva, não desconhece, ou em relação aos quais não lhe é lícito invocar desconhecimento, o que não acontece com as vicissitudes da relação jurídica que eventualmente tenha se estabelecido entre a A. e a Y.

Em face do exposto, embora com fundamento legal diverso, a pretensão da R. procede parcialmente, ficando a alínea em causa a ter a seguinte redacção (alteração acima introduzida no local próprio):

c) A A. exercia as suas funções profissionais na linha do Alfa Pendular no circuito Braga – Lisboa – Braga desde a data da sua admissão, Junho de 2010, sob a autoridade, direcção e fiscalização de outrem.

Relativamente à alínea h), levanta-se a mesma questão, na parte em que, com referência a uma relação dos trabalhadores afectos à concessão cessante, da autoria da Y, se determina quem eram os trabalhadores desta e que entre eles estava a A., pois, mais uma vez, trata-se de matéria que a R. impugnou e não está em causa um facto pessoal seu mas sim um facto atinente à alegada relação jurídica entre terceiros, a saber, a A. e a Y.

Acresce que todo o teor desta alínea é manifestamente conclusivo, porquanto está pejado de conceitos e conclusões de direito para caracterizar a alegada transmissão de estabelecimento, sendo certo que, esta sim, era uma das questões do thema decidendum.

Na verdade, a manter-se na factualidade dada como provada a afirmação aludida, o juízo sobre o direito da trabalhadora a ver o seu alegado contrato de trabalho com a Y transmitido para a R. decorreria automaticamente da mesma, sem necessidade de intervenção do tribunal na indagação, interpretação e aplicação das regras de direito a factos concretos (não alegados nem provados) da situação equacionada.

Ora – sublinha-se –, “[a] cominação prevista no n.º 2 do art. 71.º do Código de Processo do Trabalho cinge-se, expressamente, aos «factos alegados pela outra parte que forem pessoais do faltoso», não se estendendo aos juízos de valor ou matéria de direito aduzidos nos articulados pela parte presente no julgamento”. (2)

Assim, “[c]omo é evidente, a cominação estabelecida para a falta de contestação do R. – num sistema que há muito abandonou a figura do efeito cominatório pleno, previsto anteriormente para determinadas formas menos solenes de tramitação processual – não supre a falta de alegação por parte do A. de um facto essencial, indispensável à procedência da acção: a revelia operante do R. apenas determina que se devam ter por confessados os - precisos - factos articulados pelo demandante, cabendo naturalmente ao juiz sindicar da suficiência e concludência da matéria de facto assente, cumprindo obviamente julgar a acção improcedente quando, apesar da situação de revelia, os factos confessados forem insuficientes para alcançar ou suportar o efeito jurídico pretendido.” (3)

Deste modo, a afirmação em apreço não deve ser aceite como integrando o acervo factual, por ser ostensivamente conclusiva, pelo que se decide a sua eliminação (alteração acima introduzida no local próprio).

4.2. Importa, então, proceder à apreciação da factualidade provada à luz do direito aplicável.

Antes de mais, todavia, sempre se dirá que o tribunal recorrido também o fez, não tendo aplicado o art. 71.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho como se ele estabelecesse um efeito cominatório pleno, mas apenas como impondo que se considerem provados os factos alegados pela A. que são pessoais da R. faltosa, embora nessa operação tenha errado nas situações acima referidas, o que é questão bem diferente.

Conforme resulta da factualidade provada relevante, com as alterações determinadas, a A. exercia as suas funções profissionais na linha do Alfa Pendular no circuito Braga – Lisboa – Braga desde a data da sua admissão, Junho de 2010, sob a autoridade, direcção e fiscalização de outrem.

Em 1 de Outubro de 2013, a concessão dos transportes Alfa Pendular deixou de ser exercida pela Y e passou para a ora R..
No dia 1 de Fevereiro (de 2014), reiniciou a A. as suas funções profissionais sob a autoridade, direcção e fiscalização da R., numa escala provisória para substituir um colega que se encontrava de férias.
Em 15 de Fevereiro de 2014, foi-lhe dado pela R. um alegado contrato a termo certo válido por seis meses, que a A. assinou.
No dia 2 de Maio de 2014, a R. não atribuiu qualquer função à A..
Esta deslocou-se aos escritórios da R. e após algumas insistências sobre o motivo da não atribuição de funções nesse dia, a D. Maria disse estar a A. despedida, uma vez que se encontrava ainda no período experimental.
E logo de seguida exigiu que a A. entregasse imediatamente o seu uniforme e a sua credencial de viagem.

Como, no momento, pela surpresa e estupefacção, a A. se recusasse, o Sr. José, que também apareceu, pediu-lhe que aguardasse um pouco, após o que compareceu a PSP, que havia sido chamada pela D. Maria, cujos agentes nada fizeram.
A A. retirou-se após a D. Maria reiterar o seu despedimento, confirmando que não mais trabalharia a A. para a empresa.
Em 5 de Maio de 2014, recebeu a A. uma carta enviada pela R. em que esta a informava que no dia 17 de Abril já lhe tinha remetido uma missiva em que prescindia dos seus serviços.

Assim, antes de mais, sublinha-se que, não obstante se saiba que a A. exercia as suas funções profissionais na linha do Alfa Pendular no circuito Braga – Lisboa – Braga desde a data da sua admissão, Junho de 2010, sob a autoridade, direcção e fiscalização de outrem, e que em 1 de Outubro de 2013 a concessão dos transportes Alfa Pendular deixou de ser exercida pela Y e passou para a ora R., desconhece-se se a A. exercia aquelas funções para a Y e em que termos, inclusive se a situação se mantinha na data mencionada.

Em face do exposto, não se demonstrou que tivesse ocorrido qualquer transmissão para a ora R. de um contrato de trabalho ou relação laboral que ligasse a A. e a Y, mas apenas que a A. trabalhou para a R., no âmbito dum contrato de trabalho por tempo indeterminado, entre 1 de Fevereiro e 2 de Maio de 2014, sendo ilicitamente despedida nesta data.

Com efeito, por um lado, a A. já trabalhava para a R. desde o dia 1 de Fevereiro de 2014, quando, em 15 desse mês, lhe foi dado pela R. um alegado contrato a termo certo válido por seis meses, que a A. assinou. Acresce que não se demonstrou que esse «alegado contrato a termo certo válido por seis meses» efectivamente o seja, já que não consta dos autos o documento respectivo, de modo a se conferir o seu conteúdo e assinatura pela R., sendo certo que esta reconhece que o mesmo omitia a justificação da aposição do termo e a A. alude a que o mesmo nem chegou a ser assinado pela empregadora.

Por outro lado, embora no dia 5 de Maio de 2014 a A. tenha recebido uma carta enviada pela R. em que esta a informava que no dia 17 de Abril já lhe tinha remetido uma missiva em que prescindia dos seus serviços, não se fez qualquer prova da veracidade deste facto, pelo que se tem de concluir que o contrato de trabalho se manteve até ao dia 2 de Maio de 2014, data em que terminou por iniciativa da R. nos termos acima especificados.

Assim, o comportamento da R. configura um despedimento ilícito, na medida em que efectuado sem base legal, designadamente por ter ocorrido fora do período experimental.

Com efeito, sendo o período experimental legal de 90 dias (art. 112.º, n.º 1, al. a) do Código do Trabalho), e tendo o contrato de trabalho se iniciado no dia 1 de Fevereiro de 2014, o seu termo completou-se no dia 1 de Maio do mesmo ano. Acresce que, nos termos da cláusula 5.ª, n.º 3, al. a) do Acordo de Empresa da R., publicado no BTE n.º 17, de 2014, o período experimental na empresa é de apenas 60 dias.

Sobre uma situação semelhante, veja-se o Acórdão da Relação de Évora de 26 de Outubro de 2017 (4), com o seguinte sumário:

“i) O prazo do período experimental está fixado em dias, pelo que estes devem ser contados de forma contínua.
ii) Sendo o período experimental de 90 dias e tendo a empregadora feito cessar o contrato de trabalho dois dias após este prazo, tal equivale a um despedimento ilícito.”

Posto isto, constata-se que na sentença recorrida se decidiu nos seguintes termos:

«Assim, tendo em conta que a A. trabalhou sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré desde 01/10/2013 até 02/05/2014 – altura em que a sócia gerente da Ré lhe disse que estava despedida, exigindo-lhe a entrega imediata do seu uniforme e credencial de viagem – e que nessa data auferia a retribuição mensal de 504,00 €, e que não lhe pagou as retribuições devidas, e uma vez que se trata de despedimento ilícito, tem direito, para além da indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais causados, a todas as retribuições em falta, bem como as que deixou de auferir desde trinta dias antes da data da propositura da presente acção até ao trânsito em julgado da sentença (artigo 390º, nº 2, alínea b) do mesmo Código).

Consequentemente, nos termos do disposto no artigo 391º, nºs 1 e 2, tem a A. direito a receber a indemnização por despedimento (pela qual optou), a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, não podendo ser inferior a três meses, contando-se, para o efeito, todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
Uma vez que nada ficou provado que leve a concluir por um grau elevado de ilicitude, aquela indemnização será calculada com base no valor de uma retribuição mensal por cada ano de antiguidade.

Assim, tendo em conta o critério legal acima enunciado, tem direito ao montante de 1.512,00 € (504,00 € x 3), a título de indemnização por antiguidade (artigo 391º, nº 1 e 3 do CT).
Para além da indemnização por antiguidade, tem ainda direito às prestações já vencidas, que desde o dia 23/07/2014 até 23/08/2017, perfaz o montante de 18.648,00 € (504,00 € x 37 meses).
Em suma, para além das prestações que se vencerem, desde 23/08/2017 até ao trânsito em julgado da sentença, tem desde já direito a receber o montante global líquido de 20.160,00 €.»
Ora, concordando esta Relação que o contrato de trabalho entre as partes era por tempo indeterminado e que o despedimento da A. perpetrado pela R. foi ilícito, estas considerações mantêm inteira pertinência, não relevando para o cálculo da indemnização de antiguidade que aquele se tenha iniciado em 1 de Fevereiro de 2014 e não em 1 de Outubro de 2013.
Improcede, pois, o recurso.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Guimarães, 14 de Junho de 2018

(Alda Martins)
(Eduardo Azevedo)
(Vera Sottomayor)


Sumário (elaborado pela Relatora):

I – A cominação prevista no n.º 2 do art. 71.º do Código de Processo do Trabalho cinge-se, expressamente, aos «factos alegados pela outra parte que forem pessoais do faltoso», pelo que não se estende, por um lado, a factos atinentes a relações jurídicas estabelecidas entre terceiros, e, por outro lado, a juízos de valor ou matéria de direito aduzidos nos articulados pela parte presente no julgamento.

II – Sendo o período experimental legal de 90 dias (art. 112.º, n.º 1, al. a) do Código do Trabalho), e tendo o contrato de trabalho por tempo indeterminado se iniciado no dia 1 de Fevereiro de 2014, o termo daquele prazo completou-se no dia 1 de Maio do mesmo ano, pelo que a cessação do contrato por decisão unilateral do empregador no dia seguinte é ilícita.

(Alda Martins)



1. Neste sentido, entre muitos outros, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2015, proferido no processo n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1 (disponível em www.dgsi.pt).
2.Cfr. o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 2007, proferido no âmbito do processo n.º 06S2304, disponível em www.dgsi.pt.
3. Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 7256/10.9TBCSC.L1.S4, disponível em www.dsgi.pt.
4.Disponível em www.dgsi.pt.