Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1644/15.1T8CHV.G2
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: ARTICULADO SUPERVENIENTE
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
EFICÁCIA DO CASO JULGADO PENAL CONDENATÓRIO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE DIREITO PROBATÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator):

1- Para efeitos do disposto no art. 644º, n.º 2, al. d) do CPC, impõe-se distinguir a rejeição do articulado ou do meio probatório da pretensão formulada nesse articulado ou da relevância do meio de prova para a relação material controvertida ou sobre a relação processual.

2- Apenas se subsume à previsão legal da norma enunciada em 1) e, consequentemente, a decisão é imediatamente recorrível, sob pena de se consolidar na ordem jurídica, quando o tribunal indefere o articulado ou o meio de prova requerido exclusivamente com fundamento na não verificação dos pressupostos formais que permitem apresentar esse articulado ou requerer esse meio de prova.

3- Para efeitos da al. h) do n.º 2 do art. 644º do CPC, “decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil” são exclusivamente aquelas cujos efeitos jurídicos se produzem de modo irreversível na esfera jurídica da parte interessada, traduzindo-se a posterior revogação dessa decisão numa “vitória de pirro”.

4- O articulado superveniente destina-se a carrear para os autos factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito, quer esses factos sejam objetivamente superveniente, isto é, ocorridos historicamente em data posterior à apresentação dos articulados ditos “normais” previstos no CPC, quer esses factos sejam subjetivamente supervenientes, isto é, embora historicamente anteriores a esses articulados, o apresentante do articulado superveniente apenas deles teve conhecimento em data posterior, e não a carrear (ou requerer) meios de prova, já que estes não são “factos”, mas meios legalmente admissíveis para a demonstração da realidade dos “factos”.

5- O art. 623º do CPC estabelece uma presunção ilidível da verificação dos factos em que se tenha baseado a decisão condenatória penal, transitada em julgado, de que são beneficiários os terceiros em quaisquer ações cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da ou relacionada com a prática da infração penal.

6- A possibilidade de ilidir essa presunção não se aplica ao arguido, parte na ação cível em que se discutam relações jurídicas dependentes da ou relacionada com a prática da infração penal, em relação ao qual os factos julgados provados na sentença penal condenatória, transitada em julgado, fazem prova plena contra aquele, não podendo este vir discutir esses factos em posterior ação cível em que figure como autor ou como réu.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.
*
A. G., residente na Rua … Chaves, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra José, residente na Rua … Lixa, Maria, residente na Rua … Gondomar, e M. T., residente na Estrada … Aljubarrota, pedindo que se:

a- declare nulo, com efeitos retroativos, o negócio de compra e venda entre o Autor e o 1º Réu, por ser falso;
b- se declare nulas as subsequentes transmissões da propriedade;
c- condene a ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, na impossibilidade, o valor correspondente;
d- ordene o cancelamento do registo sobre o veículo a favor da 3ª Ré; e
e- ordene o registo de aquisição do veículo a favor do Autor.

Para tanto alega, em síntese, ser proprietário do veículo automóvel de matrícula GY e que no dia 25/05/2012, ou em data próxima, entregou-o a um tal João, pessoa que lhe foi apresentada como negociante de automóveis, na zona da Lixa, dado ser sua intenção proceder à venda desse veículo;

O referido indivíduo informou o Autor que o podia ajudar na venda, mas que para o efeito, teria de levar o veículo para um stand, motivo pelo qual aquele entregou-o ao referido indivíduo e, bem assim a respetiva chave para que este o colocasse, em exposição, no stand;
Também entregou a esse indivíduo o título de registo de propriedade e o certificado de seguro, a pedido daquele;

No dia seguinte à entrega do veículo o dito indivíduo solicitou ao Autor uma fotocópia do bilhete de identidade e a assinatura deste num folha em branco, ao que o último recusou e ainda nesse dia, tendo ficado assustado com aquele pedido, informou o indivíduo que já tinha comprador para a viatura e solicitou-lhe a sua devolução, mas este informou-o que não era possível, pois a viatura já tinha ido para Angola, ao que o Autor logo se insurgiu, mas João ameaçou-o que se apresentasse queixa, que iria ter problemas;
Essas ameaças vieram a convencer o Autor a participar a subtração do veículo às autoridades;

De todo o modo, na diligência a que se votou, o Autor assumiu que o que declarava era mentira e, no mesmo ato, veio a apresentar queixa contra João, a qual deu origem ao Processo n.º 426/12.7GBCHV, que corre termos nos Serviços do Ministério Público de Chaves;
Em 08/08/2012, o Autor teve conhecimento que a viatura figurava inscrita no registo como sendo propriedade do 1º Réu e como tendo sido importada, ostentando agora a matrícula NB;

Acontece que o Autor não vendeu essa viatura ao 1º Réu, nem deste recebeu o respetivo preço, sendo a assinatura que consta da declaração de venda como sendo do punho do Autor falsa;
Por sua vez, o 1º Réu vendeu essa viatura à 2ª Ré, que a registou como sendo sua propriedade em 14/08/2012;

A 2ª Ré vendeu essa viatura à 3ª Ré, que registou a propriedade da mesma em seu nome em 13/07/2015.
A 2ª e 3ª Rés contestaram arguindo a exceção dilatória da ilegitimidade passiva das mesmas para a presente ação;
Impugnaram grande parte da factualidade alegada pelo Autor, alegando que conforme se encontra plasmado no processo-crime e cópias que anexa, o Autor entregou esse veículo voluntariamente ao João para que este o vendesse à consignação.
Concluem, pedindo que por via da procedência daquela exceção, se absolva os Réus da instância ou, subsidiariamente, do pedido.

Deduziram incidente de intervenção principal provocada de Manuel e de João, sendo o primeiro a pessoa que terá adquirido a viatura a um tal João, e o segundo, o indivíduo a quem o Autor terá colocado essa viatura à consignação para venda, a fim de que as Rés se possam defender e eventualmente possam ser ressarcidas pelo eventual prejuízo que lhes decorra da perda da viatura em caso de procedência da presente demanda.

Indeferiu-se o incidente de intervenção principal provocada deduzido pelas 2ª e 3ª Rés, fixou-se o valor da causa e proferiu-se saneador-sentença em que se julgou improcedente a exceção dilatória da ilegitimidade passiva deduzida pelas mesmas Rés e após conheceu-se do mérito da causa, julgando-se a ação totalmente improcedente e absolveu-se os Réus de todos os pedidos que contra eles vinham deduzidos.

Inconformado com o assim decidido, o Autor interpôs recurso daquela decisão para esta Relação de Guimarães, que, por acórdão de 12/07/2016, proferido a fls. 126 a 131, anulou o saneador-sentença e determinou que o tribunal a quo, caso entenda que a causa pode ser decidida com base nos fundamentos invocados naquela decisão que anulou, observe previamente o disposto no art. 3º, n.º3 do CPC e só depois profira decisão que, então, considere ser a adequada.

Na sequência do superiormente decidido o tribunal a quo convidou o Autor a concretizar a matéria constitutiva do direito de propriedade que alega sobre o veículo, convite este que o último acatou, apresentando o articulado de fls. 143.
Realizou-se audiência prévia, onde se fixou o valor da ação, proferiu-se despacho saneador, em que se julgou improcedente a exceção dilatória da ilegitimidade passiva suscitada pelas Rés, fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, não tendo sido apresentadas reclamações.
Realizada audiência final foi proferida sentença, que julgou a ação parcialmente procedente e que consta da seguinte parte dispositiva:

“Pelo exposto, tudo visto e ponderado, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

a) Declarar nulo e de nenhum efeito, o negócio de compra e venda efetuado entre o autor e o 1.º réu José sobre o veículo automóvel melhor identificado em 1) dos factos provados;
b) Declarar nulas e de nenhum efeito, as subsequentes transmissões do direito de propriedade sobre o mesmo veículo automóvel melhor identificado em 1) dos factos provados, efetuadas entre o 1.º réu José e a 2.ª ré Maria e entre esta e a 3.ª ré M. T.;
c) Determinar a restituição ao autor pela 3.ª ré M. T. do veículo automóvel melhor identificado em 1) dos factos provados;
d) Determinar o cancelamento do registo sobre o mesmo veículo automóvel melhor identificado em 1) dos factos provados e ao qual foi atribuída a matrícula portuguesa NB, a favor dos réus, a que correspondem, respetivamente, a ap. 02658, de 13.08.2013, a ap. 01081, de 14.08.2013 e a ap. 07025, de 13.07.2015;
e) Julgar improcedente o pedido de registo de aquisição do mesmo veículo automóvel melhor identificado em 1) dos factos provados a favor do autor.
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Custas a cargo do autor e dos réus na proporção de ¼ para o autor e ¾ para os réus (cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.
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Após trânsito em julgado, extraia certidão desta sentença e:

- Comunique à respetiva Conservatória do Registo Automóvel;
- Comunique à Autoridade Tributária e Aduaneira – Alfândega ;
- Remeta ao processo de inquérito n.º 426/12.7GBCHV que correu termos na Comarca de Vila Real – Ministério Público – Chaves – Procuradoria da Instância Local – Secção de Inquéritos;
- Remeta aos Serviços do Ministério Público junto deste Tribunal para os efeitos tidos por convenientes”.

Inconformada com esta sentença veio a 3ª Ré, M. T., interpor o presente recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:

I. Vem a decisão de recurso interposto da sentença do Tribunal de 1ª Instância, datada de 01.08.2017, que decidiu: “Pelo exposto, tudo visto e ponderado, decide-se julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência: a) Declarar nulo e de nenhum efeito, o negócio de compra e venda efetuado entre o autor e o 1.º réu José sobre o veículo automóvel melhor identificado em 1) dos factos provados; b) Declarar nulas e de nenhum efeito, as subsequentes transmissões do direito de propriedade sobre o mesmo veículo automóvel melhor identificado em 1) dos factos provados, efetuadas entre o 1.º réu José e a 2.ª ré Maria e entre esta e a 3.ª ré M. T.; c) Determinar a restituição ao autor pela 3.ª ré M. T. do veículo automóvel melhor identificado em 1) dos factos provados; d) Determinar o cancelamento do registo sobre o mesmo veículo automóvel melhor identificado em 1) dos factos provados e ao qual foi atribuída a matrícula portuguesa NB, a favor dos réus, a que correspondem, respetivamente, a ap. 02658, de 13.08.2013, a ap. 01081, de 14.08.2013 e a ap. 07025, de 13.07.2015; e) Julgar improcedente o pedido de registo de aquisição do mesmo veículo automóvel melhor identificado em 1) dos factos provados a favor do autor.
II. A decisão da matéria de facto que deu como provados os factos vertidos sob os nºs 5 a 12, e 18 viola os elementares princípios de apreciação e valoração da prova, bem como quanto àqueles em que só é admissível a sua prova por documento ou confissão, pelo que não podiam ter sido dados como provados como foram;

QUESTÃO PREVIA

A- Junção de Certidão
II. A Recorrente anexa, às presentes alegações, certidão do processo n. 1230/12.8JAPRT, que correu termos no 1º. Juízo do Tribunal de Vila Real, em que foi condenado o aqui Autor/ Recorrido, pelo crime de simulação de crime, p.p. pelo art. 366º, n.1, do Código Penal.
III. Processo do qual apenas teve conhecimento em sede de Audiência.
IV. A Recorrente, assim que tomou conhecimento, havia tentado juntar cópia de tais documentos aos autos, através de articulado superveniente, a 17.04.2017, depois do depoimento do Autor, na primeira sessão da audiência, a 3.04.2017, onde este proferiu que, sobre o objecto da ação, havia sido proferida decisão, em sede criminal, onde este havia sido condenado, - declarações de parte, gravação do dia 03.04.2017, ficheiro 20170403144640_12528517_2871893, entre os seguintes minutos: 17:37m a 18:38m Juiz de Direito: e então, então depois o que e que aconteceu? Autor: Depois, depois aconteceu que... O que aconteceu de me dizerme o que e que tinha acontecido ao carro? Quando me disse que “o seu carro foi pra”, você diga me o que e que aconteceu ? “ O seu carro foi para Angola com mais três ou quatro, com matrículas falsas de outros carros!”…... E pronto. E aí olhe foi quando eu pensei que nunca mais vou ver o carro, nunca mais vou ver o carro tenho de tratar do abate do carro em Espanha, e foi então quando eu simulei um roubo, ah... e a seguir contei logo a verdade, também, paguei por isso. Juiz de Direito: Tudo isso em Espanha? Autor: não, não, em Portugal, paguei por isso por simular esse roubo Juiz de Direito: Esse crime, sim. Autor: e depois contei a verdade do que e se passou. E o senhor inspetor que me atendeu pronto então agora faça queixa, queixa dele (...).
V. O Tribunal a quo indeferiu a junção de tal articulado superveniente a 18.05.2017, ordenando o seu desentranhamento, não tendo valorado os documentos que o acompanhavam,
VI. indicando que, os factos consubstanciadores do crime em causa no referido processo-crime não consubstanciam a matéria objeto dos presentes autos, e que importava apurar por forma a que o Tribunal pudesse conhecer dos pedidos formulados nestes autos - não integrando causa de pedir destes autos.
VII. Ora a Recorrente só obteve conhecimento da condenação do Autor em sede criminal, na primeira sessão do julgamento e diligentemente investigou e tentou informar os autos, com as informações pertinentes que naquele processo apurou.
VIII. Embora, não tendo sido considerado pelo Tribunal a quo, o que e certo e que o julgamento em primeira instância veio introduzir, através do depoimento do Autor/Recorrido um elemento novo, elemento de novidade, que torna necessária a consideração de prova documental adicional, que até aquele momento se mostrava desfasada do objeto da ação ou inútil relativamente a este.
IX. E que o tribunal a quo não valorou nem de per se procurou indagar.
X. O Autor/Recorrido nunca informou previamente os Autos que havia sido condenado, em sede criminal, por ter simulado um crime de “carjacking”,
XI. E que tal processo estava intrinsecamente ligado com este.
XII. Embora em oposição e também contrário, aos interesses do processo-crime que interpôs e que nestes Autos juntou.
XIII. Isto é “TRÊS ESTÓRIAS” e um facto – a venda.
XIV. O Recorrido apenas, referiu nestes Autos que havia apresentado queixa-crime por burla contra o “João”, no âmbito do processo 426/12.7 GBCHV.
XV. O que é certo é que o Autor/Recorrente foi condenado em processo sumaríssimo, por simulação de crime, pelo facto de: “No dia 17/07/2012, cerca das 18:16, o arguido compareceu nas instalações da Polícia de Segurança Publica desta cidade de Vila Real e aí, em face do agente A. V. então de serviço, disse o seguinte : ” (…) encontrava-se no interior do seu veículo de matrícula espanhola GY, marca Volkswagen Golf, cor cinza metalizado, parado junto ao Mercado Municipal, na Rua …. Surgiram-lhe dois indivíduos aparentemente jovens, estatura média e enquanto um deles lhe pediu informações o outro entrou para o lado do passageiro da frente encostando-lhe uma pistola junto a cintura.

Seguidamente o que lhe pediu informações entrou para o banco de trás e mandaram-no seguir durante cerca de 100 metros, altura em um deles mandou-o sair e o de trás passou para o volante e puseram-se em fuga para parte incerta. Das características dos indivíduos pouco mais se recorda dado o inesperado e a rapidez do acontecimento, apenas que atuaram de forma normal, de cara destapada, que um aparentava rondar os 30 anos de idade e o que empunhava a pistola tinha a tez morena e o que lhe pedira as informações falava corretamente português. Disse ainda que os documentos do veículo que é sua propriedade, estava no porta-luvas. (…) E prosseguindo, Na realidade, porém, nada do que o arguido disse na Polícia de Segurança Publica e na Polícia Judiciaria aconteceu realmente nomeadamente: a) Naquele dia o VW Golf de matrícula GY referenciado pelo arguido não se achava em Vila Real, e não foi nele que o arguido se fez transportar de Chaves para esta cidade, antes veio no veículo Mitsubishi Colt de matrícula AT, pertença do seu amigo A. C. junto com a sua (do amigo) companheira F. R.. b) Naquele dia não houve ninguém que o tivesse abordado achando-se ele no interior do VW Golf e que mediante a exibição de uma pistola ou qualquer arma de fogo o tivesse mandado sair daquele seu veículo, conduzindo-o depois dali para fora e que dele se tivesse apropriado. O que se passou, isso sim, foi que ao tempo o arguido se achava em dificuldades económicas, tendo vendido o VW Golf em Chaves para peças; “
XVI. Atendendo, a informação inserta na douta acusação, em processo sumaríssimo, acabada de transcrever e a não oposição do ora Recorrido, então arguido, conforme decisão de condenação do mesmo de fls. …, foi o mesmo condenado pelo crime de simulação de crime.
XVII. Tendo ficado dado como facto assente que o ora Recorrido vendeu o veículo VW Golf para peças, já que na altura passava por dificuldades económicas.
XVIII. Por isso, não pode vir agora o Autor/Recorrido suscitar ou pedir a invalidade – nulidade - de um negócio de compra e venda celebrado entre ele e o 1º R. quando, de antemão este sabia bem que o primeiro negócio por si celebrado foi um negócio de compra e venda para peças, nos termos dos art.874 e 879., do Código Civil.
XIX. Assim, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 651., 425., e 423, todos do CPC, o documento que ora se junta ó totalmente admissível e a sua junção com as alegações de recurso, neste caso, em que do decorrer do julgamento proferido em primeira instância torne necessária a consideração desse documento, por força da informação carreada para os autos pelo próprio A., o que desde já SE REQUER. ADEMAIS,
XX. a novidade da questão decisória em sede penal e justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão e pelos factos nela assentes.
XXI. E, neste sentido, deveria o tribunal a quo, no âmbito do principio da cooperação e dentro dos poderes de cognição do próprio tribunal, ter providenciado, pelo dever de esclarecimento e de consulta tendente à descoberta da verdade e à justa composição do litígio, providenciando, mesmo oficiosamente, dado existir uma condenação anterior do A., com matéria de facto assente, e que a ele vincula diretamente, pela busca da certeza do que, realmente, se havia passado naqueles outros autos de processo-crime que pudesse vincular os presentes autos.
XXII. Mas, o que é facto é que nada disso foi feito e ultrapassaram-se os efeitos de uma decisão penal condenatória e, preteriu-se o princípio da cooperação, estatuído nos artigos 5º. e 7º., do CPC, bem como o principio do contraditório e o principio da ampla defesa da ora Recorrente, assim como os princípios constitucionais de igualdade.

B- Da Eficácia da Decisão Penal Condenatória

XXIII. O art. 623, do CPC, ao conferir a natureza de presunção ilidível à decisão penal condenatória relativamente a terceiros, pressupõe, enquanto regra geral implícita, a eficácia direta dos factos em causa nessa condenação, relativamente aos que foram parte no processo penal.
XXIV. Esta eficácia direta, excluindo, portanto, a natureza de simples presunção desses factos, impede que sobre essa matéria seja produzida, na subsequente ação cível, travada entre os que foram parte no processo penal que resultou em condenação, - neste caso o Autor/Recorrido -, qualquer tipo de prova que vise contraditar ou acrescentar algo a essa factualidade resultante da condenação penal.
XXV. No caso sub judice a sentença penal condenatória do Recorrido, que já havia fixado os factos referentes a venda do veículo automóvel para peças, impõe-se a sua consideração aqui ao julgador, em sede de fixação da matéria de facto, enquanto fonte de prova a considerar.
XXVI. A factualidade apurada, corresponde à que emergiu do julgamento crime do aqui Autor/Recorrido, pela prática de um crime de simulação de crime, p. e p. pelo art. 366º, n.1, do Código Penal.
XXVII. Vale aqui a constatação, que serviu no processo-crime para aplicação do regime deste artigo, em processo sumaríssimo, através da condenação deste na pena de 100 (cem dias) de multa, à taxa diária de 6,00 (seis) euros, a qual não mereceu qualquer oposição pelo aí arguido/Recorrido, como patenteia a matéria de facto em causa na condenação proferida no processo penal: “ O que se passou, isso sim, foi que ao tempo o arguido se achava em dificuldades económicas, tendo vendido o VW Golf em Chaves para peças; “
XXVIII. Assim, o Autor/Recorrido ao não indicar que havia sido condenado pelo crime de simulação de crime, ocultando os factos assentes determinados naquela decisão condenatória em processo-crime, ocultou informação relevante aos autos que determinou na insuficiência da defesa por parte da ora Recorrente,
XXIX. bem como tentou ultrapassar uma presunção inilidível, relativamente a si, cujos efeitos diretos e matéria de facto assente afasta qualquer outro tipo de prova que a vise contraditar.
XXX. Havendo, mesmo, um comportamento abusivo e de má-fé.
XXXI. O art. 623º, do CPC, refere-se aos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como aos respeitantes às formas do crime.
XXXII. Reconhecido que a condenação penal pressupõe uma exaustiva e oficiosa indagação de toda a matéria de facto relevante, não poderá, em todo o caso, recusar-se também que essa eficácia se encontra necessariamente limitada aos factos – efetivamente – apurados na acção penal, tal como proferido no Ac. do STJ de 09.04.2003. I – Os factos assentes na sentença penal não podem ser objeto de discussão em posterior ação cível por parte daqueles, como é forçosamente o caso do arguido, em relação a quem já funcionou o princípio do contraditório. II – O arguido, nunca tem, por isso, a possibilidade de elidir a presunção estabelecida pelo art. 674° – A do C.P. Civil.”
XXXIII. A fixação dos factos em processo-crime, no quadro de uma condenação definitiva, vale diretamente numa posterior ação cível na qual se discutam relações jurídicas dependentes dos factos que alicerçaram a afirmação da prática da infração penal, quando nessa ação cível sejam partes os que tiveram intervenção como sujeitos processuais no processo penal.
XXXIV. Neste sentido, deverá, nos termos do art. 623., 662., n.1, e 662., n.2, al. a), do CPC, ser modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto passando desta a constar a matéria factual assente no processo-crime n.1230/12.8JAPRT, que o ao arguido e ora Autor/Recorrido aceitou, mormente: “ O que se passou, isso sim, foi que ao tempo o arguido se achava em dificuldades económicas, tendo vendido o VW Golf em Chaves para peças;

QUANTO AOS FACTOS:

XXXV. Nos factos 5 a 7 e 10 a 12 a Exma. Sra. Juiz a quo deu tal matéria como provada, fundada nas declarações de parte prestadas pelo recorrido e testemunha/interessado, que, considerando aquele Tribunal, confirmou os factos em causa, e que foram merecedoras de credibilidade porque se mostram consentâneas com as regras da experiência.
XXXVI. Mas, as declarações de parte do Recorrido e testemunha/interessado, não foram, em nada, consentâneas com as regras da experiência de um homem com uma cultura média, com as regras da experiência comum de vida.
XXXVII. Pelas declarações de parte do Recorrido, na audiência de julgamento, gravação do dia 03.04.2017, ficheiro 20170403144640_12528517_2871893, entre os minutos 00:55m a 05:22m, já transcritas nas alegações, não é crível, nem consentâneo com as regras da experiência comum de vida, que este, ou alguém entregue um bem de valor elevado a uma pessoa totalmente desconhecida, só porque outra pessoa, alegadamente, lha indicou.
XXXVIII. Nem tão pouco, é crível que lhe entregue, tal como referiu o Recorrido, no artigo 7., da sua petição inicial, os documentos, designadamente, título de registo de propriedade e certificado de seguro.
XXXIX. O Recorrido, na sua petição inicial, afirma concludentemente, no artigo 4., que “Como era intenção do A. vender o veículo, aquele João informou o A. que o poderia ajudar.”
XL. Indicando que foi o tal João – AFINAL – a testemunha F. M. -, quem foi ter com o Autor,
XLI. quando o próprio Recorrido, em sede de declarações de parte vem indicar, que Autor: Fui falar com esse senhor e, e claro passado algum tempo … (…) Juiz de Direito: O senhor foi ter com esse tal senhor que se apresentou como João? Autor: E ele disse que me poderia ajudar a vender o carro mas tinha de ir pro standrer dele.
XLII. O Recorrido afirma, no artigo 3., da sua petição inicial, que foi apresentado a individuo, negociante de automóveis, aquela data, na zona da Lixa, quando afinal, depois, em sede de julgamento indica, que afinal era em Penafiel: Juiz de Direito: E onde e que ficava o stand ele disse-lhe? Autor: Em Penafiel...... Juiz de Direito: sim. Autor: Em Penafiel, em Penafiel.. ahh depois passado algum tempo aconteceu a entrega do carro, confiei-lhe o carro, e falou-se em, em … Cante (imperceptivel)
XLIII. Ademais, no artigo 20., daquele articulado de petição inicial volta o Recorrido a referir a “zona da Lixa”, - que afinal não era Penafiel... “ Procurou o A. saber do paradeiro, tendo-se deslocado por diversas vezes para a zona da Lixa e concelhos limítrofes em busca do automóvel e do indivíduo – João,”
XLIV. Ora, dos factos alegados pelo Recorrido – em completa desarticulação dos alegados pelo interessado e testemunha João que não notificado compareceu em sede de Audiência e foi inquirido na qualidade de testemunha – o Recorrido no seu articulado de petição inicial, e os factos por si pronunciados em sede de julgamento há verdadeira contradição, sobre acontecimentos importantíssimos da trama da situação que envolveu o veículo automóvel, em causa nos autos,
XLV. E, que não se esquecem ou sequer se dão como lapsos.
XLVI. O uso das regras da experiência comum, aplicável na resolução das questões de facto, fortalece o princípio da livre apreciação da prova, como meio de descoberta da verdade, mas esta sujeito e subordinado a razão e a lógica, através da necessária objetivação e motivação com todos os elementos carreados para os autos, para assim se alcançar, inequivocamente, tão só pelas regras da experiência comum de vida, uma conclusão aceitável.
XLVII. E os factos dados como provados pelos itens 5. a 7. bem como nos itens 10 a 12., não assentam numa conclusão aceitável ou sequer lógica pelas regras da experiência comum.
XLVIII. Pelo que os mesmos enfermam de erro ostensivo na apreciação e valoração da prova, que não escapa ao homem de cultura media, que não oferecem credibilidade alguma, em clara preterição dos artigos 607., n.4. e 5., do CPC.
XLIX. Neste sentido, impõe-se uma decisão diferente, devendo aqueles itens serem declarados como NÃO PROVADOS, sendo os mesmo retirados, dos factos dados como provados, na sentença ora recorrida. Já,
L. No ponto 8. dos factos dados como provados, considerou a Exma. Sra. Juiz do tribunal “a quo” que, atenta a prova produzida, terá ficado demonstrado que o Recorrido entregou a F. M. – o então João – os documentos relativos ao referido veículo automóvel, nomeadamente, o documento de inspeção técnica de veículos e o certificado de matrícula e que o veículo foi levado juntamente com os referidos documentos.
LI. Porém, os documentos remetidos aos autos pela Alfândega, no Porto, como fazendo parte integrante dos documentos originais que acompanharam a legalização do veículo em causa em Portugal, além do título de registo de propriedade (certificado de matrícula) e da declaração de venda, encontrava-se junto o documento de inspeção técnica de veículos e o Certificado de Homologação ou Conformidade individual do Veículo.
LII. Já na petição inicial o Autor/Recorrido indica, no art. 7. do seu articulado, quanto aos documentos entregues, que “Entregou também o A. ao João, a solicitação deste ultimo, os documentos relativos ao veículo, designadamente o Titulo de Registo de Propriedade e Certificado de Seguro.”
LIII. Contudo, em lado algum foi referido pelo Recorrido que havia entregue qualquer documento intitulado Certificado de Homologação ou Conformidade individual do Veículo, mas este documento faz parte dos documentos enviados pela Alfândega aos presentes autos, LIV. Tal como não foi referido quem obteve o documento de inspecção técnica de veículos.
LV. Porém, mais uma vez, tais documentos instruíram o processo de legalização da viatura.
LVI. E, das declarações de parte do Recorrido, na audiência gravação do dia 03.04.2017, ficheiro 20170403144640_12528517_2871893, entre os seguintes minutos:
05:21m a 08:20m, resultam, expressamente, quatro conclusões, completamente contraditórias :  a instâncias do Tribunal, primeiro alegou ter entregue a viatura a F. M. (o dito João) o titulo de propriedade e o livrete;  a instâncias do Advogado não se recordava daquele documento, que da pelo nome de “Ficha de Homologação”, emitido em 09.07.2010;  depois, tal documento, para ele, já era o livrete do carro;  e, no fim, afinal deram-lhe tal documento aquando da compra do carro.
LVII. Tudo isto sem contar que nem uma única referência ao certificado de seguro, ou esclarecimentos sobre aquele foram prestados pelo Recorrido…
LVIII. E, muito menos foi explicado, ou produzida prova sequer, quanto ao documento de inspecção técnica de veículos.
LIX. Mesmo embora, pegando nas palavras do Recorrido quanto ao livrete, mesmo havendo uma identificação, para o mesmo, quanto a ficha de homologação e o livrete do veiculo, seria fácil, para este, numa primeira abordagem, reconhecer tal documento como o chamado livrete do carro, coisa que não o fez.
LX. Assim, tratando-se, por isso, de documentos autênticos – Ficha de homologação (certificado numero...) e Tarjeta de Inspeccion Técnica de Vehículos, nos termos do art. 363º, nº 2, do Código Civil, que não ou nunca foram entregues pelo Recorrido, segundo as suas alegações, nos autos, mas que apareceram na Alfândega, a conclusão sobre o processo de legalização do aludido veículo deveria ter sido outra.
LXI. Os artigos 8. 9. e 18. dos factos dados como provados, pelo Tribunal a quo, enfermam de inexatidão e errada valoração de prova documental, nomeadamente, documentos autênticos sujeitos ao principio de prova legal.
LXII. Pelo que se impõe, sem qualquer margem para dúvida, que tais itens não se podem manter como provados.
LXIII. A Exma. Sra. Juiz do Tribunal “a quo”, na motivação da decisão recorrida assenta a mesma na prova por declarações de parte do Recorrido, para dar como provados os factos ora em causa, constante dos autos, a qual como vimos, não é de todo sequer suficiente para serem dados como provados tais factos.
LXIV. E, até pelas declarações do próprio interessado que foi testemunha nos autos, embora sendo parte, pois foi quem comprou o veículo, o que sucede é que no âmbito deste processo, nunca sequer logrou o Recorrido identificar de forma correcta, por forma a que aquele pudesse ser notificado.
LXV. E nesse sentido, por não ter sido produzida a prova por quem competia fazê-lo, nos termos do princípio geral do ónus da prova, previsto no artigo 342º do CC, segundo o qual “Àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado”, teriam aqueles factos ser dados como NÃO PROVADOS.
LXVI. Pelo exposto, deverão os mesmos pontos ora controversos ser alterados, por não provados. Assim,
LXVII. Impõe-se que o Tribunal da Relação, use os poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, perante a manifesta desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos indicados.
LXVIII. Concluindo-se que o Tribunal “a quo” violou os artigos 607º n. 4 e 5, do CPC, e art. 342º do CC.

QUANTO AO DIREITO:

LXIX. Não andou bem o Tribunal “a quo” no que concerne à subsunção do direito aos factos, por quatro ordens de razões: inaplicação das regras da venda em consignação, violação do princípio do trato sucessivo e pelo indeferimento da informação junta com o articulado superveniente bem como pelo não convite ao aperfeiçoamento de tal articulado, para além de ter decidido para além do que lhe foi solicitado.

A- Venda em consignação
LXX. O contrato de consignação, também designado, por estimatório ou de venda à consignação, é uma das subespécies ou variante do contrato compra e venda, que não se encontra tipificada legalmente, mas que dela aparece autonomizada.
LXXI. Este tipo de contrato, em termos gerais, é referido na doutrina como o contrato “nos termos do qual uma das partes remete à outra tantas unidades de certa mercadoria, para que esta as venda, com direito a uma participação nos lucros e a obrigação de restituir as unidades não vendidas”, cfr. o prof. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil, 2ª ed. actualizada, Coimbra Editora, pág. 404.
LXXII. De tal figura contratual inominada não ocorre, pelo menos com efeito automático da sua celebração, ao contrário do que sucede com o contrato de compra e venda (puro), transmissão da propriedade do consignante para o consignatário, ficando este apenas obrigado a entregar o preço da mercadoria vendida ou, então, a devolver a mercadoria que não vendeu.
LXXIII. Resulta, assim, também de tal que a obrigação do pagamento pelo consignatário do preço acordado pelo fornecimento da mercadoria pelo consignante não é, ao contrário do que sucede com o contrato de compra e venda, um efeito essencial ou necessário do contrato, mas tão só um efeito alternativo à obrigação da devolução da mercadoria (não vendida).
LXXIV. Ou seja, a obrigação do pagamento do preço não se impõe, imediatamente ao consignatário, com a celebração do contrato, em relação a toda a mercadoria fornecida, mas só em relação àquela que vier a vender, pois quanto à não vendida fica tão só sujeito à obrigação de a devolver, sem ter que pagar o respetivo preço, e isso para o caso de não querer ficar com ela - neste sentido, assim decidiu ainda o Acórdão da Relação de Lisboa de 11.05.05.2006, processo 3461/2006-6, in www.dgsi.pt/jtrl. Transpondo in casu
LXXV. A certidão junta pelo Recorrido, relativa ao processo 426/12.7GBCHV, conjuntamente com na sua petição inicial, na página 31, logo no início da mesma, no tocante ao despacho de arquivamento do processo-crime em causa, consta o seguinte: “ No dia 24 de Maio de 2012, cerca das 23H00 recebeu um contacto do n. 960340121 pertencente ao João tendo combinado entregar-lhe o carro no dia seguinte. Assim, no dia 25/05/2012, efetuou a entrega do veículo ao João, que o levou para ser vendido a consignação. ”(sublinhado nosso) .
LXXVI. Tal factualidade foi alegada especificadamente pela ora Recorrente, no seu articulado de contestação, mormente nos artigos 61. e 89.,
LXXVII. e, dado que a certidão foi junta pelo Recorrido e a prova considerada assente, valem e prevalecem aqui os princípios constantes dos artigos 371., do CC, e seguintes, no tocante a força probatória de documento autêntico, bem como os princípios da prova por confissão, do artigo 352., do CC.
LXXVIII. Segundo dispõe este preceito legal a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.
LXXIX. E, o que é um facto é que o Recorrido reconheceu e confessou, perante aqueles autos de processo crime que entregou o veiculo automóvel, em questão nos presentes autos, a João, para ser vendido à consignação.
LXXX. Pelo que tal facto, embora não tendo sido considerado pelo Tribunal a quo, tem de ser integrado na matéria dada como provada, dando-se o mesmo como PROVADO, nos termos do artigo 352º., do CC., nos poderes do artigo 662, do CPC. Ademais,
LXXXI. Perante tal prova impõe-se alterar a subsunção jurídica in casu, alterando-se a solução jurídica seguida na douta sentença a quo, porquanto a mesma pretere a prova constante de documento autêntico, nos termos do artigo 371., do CC., confessado pelo Autor, no âmbito do artigo 352. do mesmo diploma legal.

B- Principio do Trato Sucessivo

LXXXII. O art. 29º do Decreto-Lei n. 54/75, de 12.2. indica que são aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao registo de automóveis, as disposições relativas ao registo predial, mas apenas na medida indispensável ao suprimento das lacunas da regulamentação própria e compatível com a natureza de veículos automóveis e das disposições contidas naquele diploma e no respetivo regulamento.
LXXXIII. Deste modo, regem em matéria de registo automóvel alguns dos princípios do direito registral que vigoram na nossa ordem jurídica, entre os quais se destaca, para o presente caso, o princípio do trato sucessivo.
LXXXIV. Com efeito, o registo predial, neste caso, automóvel, pretende patentear a história da situação jurídica da coisa, desde a data da descrição até à atualidade e para isso exige-se um nexo ininterrupto entre os vários sujeitos que aparecem investidos de poderes sobre a coisa.
LXXXV. E através dele visa-se garantir a quem possui uma inscrição ou reconhecimento de direito suscetível de ser transmitido, ou de mera posse, que não possa, à sua revelia, ser lavrada uma nova inscrição definitiva sobre o prédio - cfr. Oliveira Ascensão, "Direitos Reais", 1978, págs. 385/6; Mouteira Guerreiro, "Noções de Direito Registral", 2ª ed., pág. 26.
LXXXVI. No registo automóvel, a observância do princípio do trato sucessivo impõe que o registo seja feito com base em requerimento subscrito pelo comprador e confirmado pelo vendedor, através de declaração de venda apresentada com o pedido de registo ou com base em requerimento subscrito conjuntamente pelo vendedor e pelo comprador, art. 25º, n.1, als. a) e b) do Dec. Lei n.55/75, de 12.2, pressupondo-se, em qualquer dos casos, a intervenção do titular inscrito.
LXXXVII. Ora no caso sub judice o Autor/ Recorrido funda a sua pretensão na invalidade do negócio de compra e venda celebrado entre si e o 1. R. - José, por falso.
LXXXVIII. E, funda toda a sua pretensão na presunção da titularidade do registo e dos direitos inscritos no registo automóvel.
LXXXIX. E, indica e tenta provar que nunca celebrou contrato algum com o 1º R.
XC. Contudo, esqueceu de esclarecer o Tribunal a quo que o negócio que celebrou, inicialmente, foi com a testemunha (e interessado) F. M., na altura identificado como João.
XCI. Pois, foi a esta testemunha que Manuel, também testemunha nos presentes autos, comprou o veículo em causa, por €14.000,00.
XCII. E o que é um facto é que o negócio que deu origem a este processo fica por esclarecer no âmbito dos presentes autos.
XCIII. Ficou patente que o 1.R. José, indicou que não celebrou contrato algum, não pagou qualquer preço, nem sequer viu a viatura automóvel, mas que tão só acedeu a um pedido de F. M. para legalizar e registar o automóvel em seu nome e, para que aquele veículo fosse vendido.
XCIV. No entanto, e, como já se disse, o primeiro negócio celebrado entre o Autor/Recorrido não foi com o 1º. R., mas sim com a testemunha F. M..
XCV. Entidade que não é parte nos presentes Autos e que aparece e é inquirida como testemunha, quando de facto, tem um interesse patrimonial e pessoal no desfecho da lide.
XCVI. Desfecho esse que o não atinge, por o Recorrido nem sequer e com o contacto daquele, ter esclarecido os Autos com quem verdadeiramente contratou a venda da viatura.
XCVII. Porém este negócio não foi registado, dando cumprimento as partes ao ónus que sobre si impendia e, o tribunal desvalorizou a prova e o sucedido e ainda, a documentação de prova e as declarações contraditórias do Recorrido, inseridas no âmbito do processo nº. 1230/12.8 JAPRT; o qual já com trânsito em julgado.
XCVIII. Analisada a prova constante dos autos, urge distinguir duas situações:

- a informação constante da certidão relativa ao processo-crime 427/12.7GBCHV, onde é patente que o Autor entregou a viatura a João – F. M., à consignação;
- a informação constante da certidão relativa ao processo-crime nº. 1230/12.8 JAPRT, onde está como facto assente, em decisão penal condenatória do Autor, que este vendeu o automóvel, para peças.
XCIX. Quanto à primeira situação, é necessário esclarecer se a testemunha F. M., vendeu ou não a viatura e não entregou o preço ao Recorrido; ou se desejou ficar com a viatura e não pagou o preço acordado ao Recorrido.
C. E, quanto a segunda situação deve ficar patente e registado, a venda do veículo automóvel para peças do Recorrido a F. M. ou João, por forma a respeitar-se o princípio do trato sucessivo e ainda, da verdade material.
CI. Concluindo-se pelos factos e conclusão da Decisão obtida no âmbito do processo crime nº. 1230/12.8 JAPRT e não outra Decisão em plena contradição com aquela. Aliás,
CII. no art. 7., da petição inicial, o Autor/Recorrido refere que, além do veiculo e das chaves do mesmo, entregou e, passa-se a citar: “Entregou também o A. ao João, a solicitação deste último, os documentos relativos ao veículo – designadamente o Título de Registo de Propriedade e Certificado de Seguro.”
CIII. Mas, dos documentos que instruíram o processo de legalização e registo do veículo em Portugal, enviados aos autos pela Alfândega, consta, também, o Certificado de Homologação ou Conformidade individual do Veículo, o chamado COC, com o n. ..., emitido pela Volkswagen Skoda Audi.
CIV. Este documento nunca acompanha os documentos nas viaturas pois trata-se de um documento técnico, apenas utilizado para registo e legalização num país terceiro.
CV. Conforme prescreve o artigo 8., n.2. a 5, do Decreto-Lei 128/2006, de 5 de Julho – na senda do Comunicação Interpretativa da Comissão Europeia n.º 96/C143/2004, entretanto atualizada pela Comunicação interpretativa n.º 2007/C 68/04, no respeitante a veículos com homologação europeia:

2— Só podem ser matriculados os veículos que possuam certificado de conformidade válido, sendo da responsabilidade do requerente da matrícula garantir que cada veículo matriculado possui aquele certificado.
3— A atribuição da matrícula é anotada no original do certificado de conformidade, após a emissão do respetivo certificado de matrícula, em termos a definir por despacho do Diretor-Geral de Viação.
4— A entrega do certificado de conformidade só é efetuada desde que solicitada pelo proprietário do veículo.
5— O proprietário do veículo ou o respetivo fabricante devem conservar o certificado de conformidade em bom estado e em condições de ser apresentado na Direcção-Geral de Viação, sempre que tal seja solicitado.
CVI. Ora, da letra da lei resulta que o certificado de conformidade só é entregue desde que o proprietário o solicite.
CVII. E, o artigo 12., n.1, do mesmo diploma legal, respeitante a secção de veículos novos importados ou admitidos individualmente, dispõe que:

- O pedido de matrícula para os veículos com homologação CE de modelo deve ser acompanhado dos seguintes elementos:
. o Original do certificado de conformidade do veículo;
. o Documento comprovativo do pagamento, garantia ou isenção do imposto automóvel, se aplicável.
CVIII. Tal diploma legal veio na senda da uniformização de procedimentos e legislação, dentre os Estados-Membros da União Europeia, no respeito pelo Principio do Primado e do Efeito Direto do Direito Europeu.
CIX. E, no caso concreto, apesar do Autor/Recorrido não ter entregue tal documento ao “João” - F. M., conforme o afirma no artigo 7º da sua petição inicial,
CX. nem ter solicitado o certificado de homologação, conforme o que alegou em sede de declarações de parte supra transcritas,
CXI. bem como, ainda, não ter celebrado qualquer negócio com o 1. R.,
CXII. tal documento aparece, como que miraculosamente, na Alfândega a instruir o processo de legalização do veículo em Portugal.
CXIII. Documento esse que apenas poderia ter sido obtido pelo Recorrido e em momento antes à declaração do roubo do veículo.
CXIV. Pelo que o Recorrido sabia precisamente o ato que praticou, desconhecia era que o agente da VW confirma através das alfândegas os registos e ainda, tal cruzamento de dados é dado a conhecer às seguradoras.
CXV. Ora, tal documento não foi valorado nem tão pouco ponderado pelo Tribunal a quo.
CXVI. De facto, dos factos dados como provados consta do ponto 8 que o Autor/Recorrido entregou a F. M. “os documentos relativos ao referido veículo automóvel, designadamente, o respetivo documento da inspeção técnica de veículos e o certificado de matricula” .
CXVII. Mas nenhuma diligência foi realizada no sentido de se apurar de que forma “obteve” F. M. tal documento.
CXVIII. Nem tal questão foi diligentemente colocada a referida testemunha – F. M..
CXIX. Entidade interessada nos presentes Autos, que adquiriu a viatura e ainda, que não foi identificada pelo Recorrido.
CXX. Pois do seu depoimento, constante na gravação do dia 03.04.2017, ficheiro 20170403144640_12528517_2871893, nada consta a tal respeito.
CXXI. Pelo que tal prova não foi devidamente valorada como deveria ter sido pelo Tribunal “a quo”. Ademais,
CXXII. No âmbito do processo-crime nº. 1230/12.8JAPRT, foi dado como facto assente que o A/Recorrido vendeu o VW Golf para peças, na cidade de Chaves, atendendo a sua situação de debilidade económica.
CXXIII. Pelo que, só, assim, poderia existir o Certificado de Homologação ou Conformidade individual do Veículo, o chamado COC, com o n. ..., emitido pela Volkswagen Skoda Audi, para o 1º R. poder solicitar a legalização do veículo em Portugal, bem como o documento de inspeção técnica de veículos.
CXXIV. E, factos que tiveram que temporalmente ocorrer em data anterior à declaração de roubo.
CXXV. Ora sendo documentos juntos pela Alfândega, no Porto, como fazendo parte integrante dos documentos originais que acompanharam a legalização do veículo em causa em Portugal,
CXXVI. E, na petição inicial o Autor/Recorrido indica, no art. 7º do seu articulado, que “Entregou também o A. ao João, a solicitação deste último, os documentos relativos ao veículo, designadamente o Título de Registo de Propriedade e Certificado de Seguro”
CXXVII. Tendo presente os temas de prova fixados na audiência prévia, de 31.01.2017, mormente, o ponto 2, ficou fixado como controvertido “a entrega, pelo autor, do veículo e respetivos documentos a indivíduo negociante de automóveis para que este procedesse a sua venda;”
CXXVIII. Mas, que de tal não foi produzida prova.
CXXIX. Até porque na audiência de julgamento, o Recorrido indicou que entregou, apenas, o “livrete” e o título de propriedade.
CXXX. Mal andou o digníssimo tribunal a quo que não se pronunciou sobre os referidos documentos – Certificado de homologação e Tarjeta de Inspeccion Técnica de Vehiculos nem os mesmos foram valorados, constituindo tal uma nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos da al. c) e d), do artigo 615, do CPC.

C- Indeferimento da Informação/Documentos junta com o articulado

CXXXI. Como já supra indicado, a Recorrente teve conhecimento na primeira audiência de julgamento, a 3 de Abril de 2017, no decorrer das declarações de parte do Recorrido que sobre o objeto da ação, este havia sido condenado em sede criminal.
CXXXII. A Recorrente investigou e chegou à conclusão que tal condenação deu-se no âmbito do processo 1230/12.8JAPRT, que correu termos no 1º Juízo, do Tribunal Judicial de Vila Real, pelo crime de simulação de crime p.p. pelo art. 366º, do Código Penal, no qual foi condenado a pena de 100 (cem) dias de multa, a taxa diária de 6,00 (seis) euros.
CXXXIII. E, dada a pertinência da informação constante nesses autos para a descoberta da verdade material, e para demonstrar as contradições dos factos alegados pelo Recorrido, fez chegar cópia simples dessa mesma informação ao tribunal a quo, através de articulado superveniente, no dia 17 de Abril.
CXXXIV. Sucede que o tribunal a quo, a 18 de Maio, ordenou o seu desentranhamento: “ Em face do exposto, por ser legalmente inadmissível e se revelar absolutamente anómalo na normal tramitação deste processo, determino o desentranhamento do requerimento em referência (fls. 205 a 230) e sua devolução à parte apresentante. ”
CXXXV. E, considerou na sua fundamentação que “Por outro lado, os factos consubstanciadores do crime em causa no referido processo crime não consubstanciam a matéria objeto dos presentes autos e a qual importa apurar por forma a que o Tribunal possa conhecer dos pedidos formulados nestes autos, dito de outro modo, não integram a causa de pedir destes autos. ”
CXXXVI. Sucede porém que os factos consubstanciadores do crime em causa em tudo consubstanciam matéria objeto dos presentes autos.
CXXXVII. Matéria que foi subtraída pelo Recorrido, pois que apenas juntou certidão dos autos que correram termos sob o nº 426/12.7GBCHV,
CXXXVIII. esquecendo, por exemplo, de elucidar os presentes autos, do porquê de só apresentar queixa crime no dia 17.07.2012, quando, alega que os factos ocorreram a 25.05.2012...??
CXXXIX. Ou o porquê de ter entregue ao comprador e testemunha, a entidade F. M. toda a documentação da viatura, inclusive o Certificado de conformidade e homologação da mesma, o designado COC, que apenas é utilizado para registo num país terceiro e que necessita de ser pedido pelo proprietário e, que por esse facto, nunca acompanha os documentos nas viaturas, bem como a Tarjeta de Inspeccion Técnica de Vehículos??
CXL. Ora, a Recorrente requereu que fosse reinquirido o autor à matéria constante do crime e os motivos das suas contradições com as declarações que prestou em audiência e desta feita vir declarar a verdade nos presentes autos, mas tal não procedeu pelo tribunal a quo.
CXLI. Nos termos do artigo 423, n.3, do CPC, a junção poderá ocorrer, ate ao encerramento da discussão em 1ª instância mas, neste caso, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento, e os que provem factos posteriores a ele ou que, provando factos anteriores, se formem posteriormente ou se tornem necessários em virtude de ocorrência posterior.
CXLII. Na audiência de 3.04.2017 foi referido pelo A./Recorrido, a instâncias da Meritíssima Juiz a quo, conforme declarações que se podem conferir na gravação áudio da audiência de julgamento, sob a referência 20170403144640_1258517_2871893, a partir do minuto 17:37 segundos, o que de seguida se transcreve: (...) “Juiz de Direito: e então e então depois o que e que aconteceu? Autor: Depois, depois aconteceu que... O que aconteceu de me dizer-me o que e que tinha acontecido ao carro, Quando me disse que “o seu carro foi pra”, você diga me o que e que aconteceu verdadeiramente ao meu carro? “ O seu carro foi para Angola com mais três ou quatro, com matrículas falsas de outros carros!”…... E pronto.. E aí olhe foi quando eu pensei que nunca mais vou ver o carro, nunca mais vou ver o carro tenho de tratar do abate do carro em Espanha, e foi então quando eu simulei um roubo, ah... e a seguir contei logo a verdade, também, paguei por isso Juiz de Direito: Tudo isso em Espanha? Autor: não, não, em Portugal, paguei por isso por simular esse roubo Juiz de Direito: Esse crime.” Autor: e depois contei a verdade do que se passou. E o senhor inspetor que me atendeu pronto então agora faça queixa, faça queixa dele (...).
CXLIII. A Recorrente alegou, justificou e provou no seu articulado superveniente, que a sua apresentação não foi possível até momento temporal anterior, pois só dele tomou conhecimento na primeira sessão da audiência de julgamento.
CXLIV. mas não foi atendida.
CXLV. Pelo que foi preterido o art. 423, do CPC, e o direito da Recorrente ao seu direito a defesa e ao contraditório,
CXLVI. O princípio do contraditório tem o seu assento, primeiro no artigo 20º da CRP, sendo recebido e desenvolvido pelo legislador ordinário no artigo 3º n.º 3, do CPC.
CXLVII. O articulado superveniente tem por desiderato permitir carrear para os autos os factos essenciais a que alude o art. 5, n.1, do CPC,
CXLVIII. O art. 423., do CPC permite a junção ulterior de prova documental que se tornou necessária em sequência de ocorrência posterior.
CXLIX. In casu, foi aduzida matéria nova no depoimento do Autor/Recorrido, pertinente para a discussão dos autos em referência, e, cuja junção aos autos dos documentos anexos ao articulado superveniente da Recorrente, se revela, por demais importante para a demonstração das contradições e falsidades alegadas pelo Autor/Recorrido no decorrer de todo o processado, já alegado pela Recorrente na sua Contestação.
CL. Tendo-se ordenado que o articulado e os seus documentos fossem desentranhados, com fundamento de o mesmo não ser legalmente admissível, bem como pelo facto dos factos consubstanciadores do crime em causa, no processo crime, não integrarem a causa de pedir dos presentes autos, CLI. Tal despacho ofendeu o disposto nos artigos 20º da CRP, 3º nº 3 do CPC e 590º, n.3º do CPC.
CLII. A relação material controvertida relatada pelo Recorrido revela demasiadas incongruências e factos contraditórios face ao confronto das suas declarações com os factos constantes e dados como assentes nos processos 426/12.7GBCHV e 1230/12.8JAPRT.
CLIII. Pelo que, mal andou o Tribunal a quo ao não promover a busca da verdade material garantindo, desta forma, a justa composição do litígio.

D- Uso anormal do processo e litigância de má-fé

CLIV. A conduta processual do Recorrido, ao sonegar a informação e o conhecimento oportuno aos autos quer da existência de um processo-crime - 1230/12.8JAPRT-, do 1º. Juízo, do Tribunal Judicial de Vila Real, quer da sua condenação, no âmbito desse mesmo processo, com a determinação de todos os factos dados como assentes, nesses autos,
CLV. cuja condenação e trânsito em julgado são anteriores a propositura dos presentes autos, com força vinculativa iure et de iure, relativamente a si, anterior ao aqui invocado como causa de pedir (falsidade do negocio de compra e venda celebrado entre o Autor e o 1. R., com a consequente declaração de nulidade das transmissões subsequentes),
CLVI. quer, só pela junção da certidão do processo 426/12.7GBCHV,
CLVII. quer por ausência da pessoa a quem vendeu a viatura para peças, que embora interessado nos Autos e no desfecho da lide, viria a ser inquirida como testemunha.
CLVIII. Tudo são comportamentos produzidos, nitidamente, com o propósito de torpedear a eficácia da defesa da ora Recorrente e que geram a convicção segura de que o Recorrido se serviu do processo para praticar um acto ilegal, inadmissível por lei, o qual foi o de requerer a falsidade do negócio celebrado entre este e o 1. R – José.
CLIX. Com efeito, o Recorrido sabia perfeitamente - conforme já acima se deixou dito - que havia vendido o veículo automóvel.
CLX. E, sabia também que o primeiro negócio celebrado, não foi o negócio cuja falsidade ora se requer nos presentes autos, mas sim o negócio de compra e venda da referida viatura objeto nos presentes autos, para peças, pois tal facto se encontrava dado como assente no âmbito do processo 1230/12.8JAPRT, e que ele vinculava.
CLXI. Ora fica patente, do seu comportamento, em todos os processos que a sua conduta, os factos por si aduzidos e as histórias por si contadas, em todos em si contraditórios, visavam e visam obter para si um locupletamento, completamente inadmissível,
CLXII. impedindo o uso do referido automóvel pela sua atual e legitima proprietária.
CLXIII. Visando um fim que lhe estava completamente vedado e proibido por lei, nos termos do artigo 623º., do CPC.
CLXIV. Fez pois o Autor, ora Recorrido um uso anormal do processo, pelo que a decisão final sempre deveria obstar a esse objetivo anormal por si prosseguido, nos termos do disposto no artigo 612º do CPC.
CLXV. Para além disso, omitiu o Recorrido factos essenciais e relevantes para a justa decisão da causa e alterou conscientemente a verdade dos factos na dedução da respectiva pretensão com vista a impedir a descoberta da verdade.
CLXVI. Fez pois um uso do processo manifestamente reprovável, assim incorrendo em responsabilidade por litigância de má-fé, geradora da respetiva condenação em multa e em indemnização à parte contrária, face ao disposto no artigo 542º do CPC, sendo o conteúdo dessa indemnização a arbitrar oportunamente através do incidente regulado no artigo 543. do mesmo diploma.

D- Do excesso de Pronuncia

CLXVII. Os pedidos formulados pelo Autor nos pontos a), c) e d), da sua petição inicial foram: a) ser declarado nulo, com efeitos retroativos, o negócio de compra e venda entre o A. e o 1º R. por ser falso, b) serem declaradas nulas as subsequentes transmissões da propriedade c) devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou, na impossibilidade, o valor correspondente.
CLXVIII. Sucede que nada foi prestado entre a ora Recorrida e o Autor.
CLXIX. Mas sim entre este e a testemunha F. M..
CLXX. E, considerando os factos provados, em sede de julgamento, também nada foi prestado o Autor e o 1º Réu, por isso nada havia a ser restituído entre eles. Não obstante,
CLXXI. A sentença recorrida incorreu na nulidade por excesso de pronúncia porquanto conheceu das subsequentes transmissões do direito de propriedade sob o veículo em causa, para a 2ª R. bem como para a ora Recorrente, ordenando o cancelamento do registo efetuado para estas duas adquirentes.
CLXXII. Sucede que, o Autor não pediu que tais negócios fossem apreciados, nem tal pouco levantou qualquer vício intrínseco de tais registos, nos termos do art. 16., do Código do Registo Predial, aplicável ex vi, por força do art. 29., do Decreto-Lei 54/75, de 12.02.
CLXXIII. Nem tão pouco solicitou o cancelamento do registo a favor do 1ª R. e da 2ª R, pelo que nunca o Tribunal a quo poderia ter determinado o cancelamento de tais registos, pois que tão só solicitou a nulidade do “primeiro negócio“, e o cancelamento do registo do veículo a favor da ora Recorrente. Ademais,
CLXXIV. Não requereu o Autor qualquer nulidade dos negócios celebrados posteriormente ao primeiro registo, pois que nada se encontra requerido em seus articulados.
CLXXV. Assim, tendo presente a decisão do tribunal a quo, bem como o estatuído no artigo 17., do Código do Registo Predial, atendendo a que os registos apresentados a favor do 1.R e da 2R. não foram alvo de qualquer pedido de declaração de nulidade ou cancelamento, nem tão pouco os negócios que lhe deram cobertura, a decisão recorrida enferma da nulidade prevista na 2. parte da al. d), do artigo 615, do CPC.
CLXXVI. O que se requer.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis que mui doutamente serão supridos deve o presente recurso ser dado como procedente e provado, e proferido douto Acórdão que revogue a decisão recorrida.
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal da Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação resumem-se ao seguinte:

a- se a junção do documento de fls. 312 verso a 341 nesta fase de recurso, em anexo às alegações de recurso apresentadas pela apelante, é legalmente admissível;
b- se a sentença recorrida é nula por:
b.1- omissão de pronúncia; ou
b.2- por excesso de pronúncia;
c- se o tribunal a quo incorreu em violação de regras de direito probatório ao não dar como provados:
c.1- os factos julgados como provados no processo crime n.º 1230/12.8JAPRT, designadamente, que: “ao tempo o Autor se achava em dificuldades económicas, tendo vendido o VW Golf, em Chaves, para peças”;
c.2- os factos alegados pela 2ª e 3ª Ré nos pontos 61º e 89º da contestação, quando esses factos foram alegadamente confessados pelo Autor no processo crime n.º 426/12.7GBCHV e se, consequentemente, se impõe julgar como provado que: “No dia 25/05/2012, o Autor efetuou a entrega do veículo a João, que o levou para ser vendido à consignação”;
d- se o tribunal a quo incorreu em erro na fixação da matéria de facto que julgou como provada nos pontos 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º e 18º da sentença recorrida e se, reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela não prova desses factos;
e- se ao proferir o despacho de 18/05/2017, em que ordenou o desentranhamento dos autos do denominado “articulado superveniente” apresentado pela 2ª e 3ª Ré e, bem assim das fotocópias extraídas do processo-crime n.º 1230/12.8JAPRT, da Instância Local, Secção Criminal, Juiz 1, do Tribunal de Vila Real, Comarca de Vila Real, que então apresentaram e, bem assim as diligências de prova que então requereram, o tribunal a quo incorreu em violação do direito da apelante à defesa, à igualdade e ao contraditório;
f- se a sentença recorrida, na sequência da impugnação da matéria de facto e das eventuais alterações que, nessa sequência, lhe possam ser introduzida, ou independentemente dessas alterações, se pode manter ou se antes padece dos erros de direito que a apelante lhe imputa ao julgar parcialmente procedente a ação; e
g- se a sentença recorrida padece de erro de direito ao não ter condenado o apelado como litigante de má-fé.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DA FACTO

O tribunal a quo julgou provados e não provados os seguintes factos:

1) Através de acordo de compra e venda celebrado a 28.07.2010, o autor adquiriu o veículo automóvel de marca Volkswagen, modelo Golf, com o quadro … e matrícula GY à sociedade comercial X – Automóviles PR, S.A., com sede na Carret…, Espanha.
2) O autor pagou pela compra do veículo automóvel identificado em 1) o preço de € 22.700,00 à referida sociedade comercial X – Automóviles PR, S.A..
3) O veículo automóvel acima identificado foi registado no Registro General de Vehículos de La Dirección General de Tráfico, em Espanha, com data de matriculação a 29.07.2010, constando como titular do respetivo direito de propriedade o ora autor.
4) Desde a data referida em 1), o autor passou a utilizar a identificada viatura de forma exclusiva, em proveito pessoal, para se deslocar nas mais diversas movimentações do seu quotidiano, cuidando da sua reparação e limpeza, levando-a às inspeções técnicas periódicas, pagando os respetivos encargos e contra-ordenações.
5) Como era sua intenção vender o veículo automóvel acima identificado, o autor abordou F. M., que lhe havia sido apresentado como sendo negociante de automóveis e que à data referiu ao autor chamar-se “João”.
6) O referido F. M., informou-o que o poderia ajudar, mas que, para esse efeito, teria de levar o veículo para um stand.
7) Por esse motivo, no dia 25.05.2012, o autor entregou o identificado veículo automóvel e a respetiva chave a F. M., para que o colocasse em exposição no stand, para venda.
8) Entregou também o autor a F. M., a solicitação deste último, os documentos relativos ao referido veículo automóvel, designadamente, o respetivo documento da inspeção técnica de veículos e o certificado de matrícula.
9) O veículo foi, por isso, levado por F. M., juntamente com os referidos documentos.
10) No dia 26.05.2012, o autor entregou a F. M., a solicitação deste, uma fotocópia do seu bilhete de identidade.
11) Nesse mesmo dia 26.05.2012, F. M. solicitou ainda ao autor a sua assinatura numa folha em branco, tendo o autor recusado.
12) No dia seguinte, o autor por ter ficado assustado com o pedido, contactou F. M. via telefónica, informando-o que já tinha comprador para o veículo, solicitando consequentemente a devolução da viatura.
13) Sucede que F. M. informou o autor que tal já não era possível, uma vez que o veículo já se encontrava desmantelado, informando-o mais tarde que o mesmo veículo já tinha ido para Angola.
14) Porque o autor tinha seguro sobre o referido veículo contra todos os riscos, mais sugeriu F. M. ao autor que simulasse a subtracção ou o desaparecimento do mesmo veículo.
15) Apesar de inicialmente se ter insurgido contra tal sugestão, o autor acabou por participar a subtracção do veículo automóvel às autoridades.
16) De todo o modo, na diligência a que se votou, assumiu que o que declarava era mentira e no mesmo ato apresentou queixa contra indivíduo que identificou como João, a qual deu origem ao processo de inquérito n.º 426/12.7GBCHV, que correu termos na Comarca de Vila Real – Ministério Público – Chaves – Procuradoria da Instância Local – Secção de Inquéritos.
17) A 13.06.2012 o veículo automóvel acima identificado em 1) foi importado para Portugal em nome de José, ora réu, tendo-lhe sido atribuída a matrícula portuguesa NB.
18) Com o pedido de importação do referido veículo automóvel, foram apresentados junto da Autoridade Tributária e Aduaneira – Alfândega os documentos referidos em 8) e uma declaração de venda onde consta o ora réu José como comprador do mesmo veículo e como vendedor o ora autor, tendo ficado a constar desse mesmo documento que o preço da venda foi de € 13.500,00.
19) Todavia, a assinatura aposta na declaração de compra e venda referida em 18) não foi feita pelo punho do autor.
20) O autor não manifestou em momento algum ao réu José, a sua vontade de lhe vender o referido veículo automóvel, nem este manifestou vontade de o comprar.
21) O réu José não pagou ao autor, nem a qualquer outra pessoa em nome deste, o respetivo preço do veículo automóvel identificado em 1), nem este veículo foi entregue ao predito réu.
22) O autor não recebeu qualquer preço pela transmissão do veículo automóvel identificado em 1).
23) O despachante oficial do processo de importação foi J. B..
24) A propriedade do veículo automóvel identificado em 1) foi registada a favor do réu José a 13.08.2013.
25) A propriedade do veículo automóvel identificado em 1) foi registada a favor da ré Maria a 14.08.2013.
26) A propriedade do veículo automóvel identificado em 1) foi registada a favor da ré M. T. a 13.07.2015, tendo-lhe o referido veículo automóvel sido entregue.
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2. FACTOS NÃO PROVADOS

Resultaram não provados os seguintes factos com interesse para a decisão:

a) O autor entregou a F. M. o certificado de seguro do veículo automóvel identificado em 1).
b) O autor recusou entregar a F. M. fotocópia do seu bilhete de identidade.
c) Desde o momento em que o autor manifestou a sua discordância com o destino dado ao veículo, F. M. ameaçou-o de que se apresentasse queixa iria ter problemas, ameaças que convenceram o autor a participar a subtracção do veículo às autoridades.
d) O réu José vendeu à ré Maria o veículo automóvel identificado em 1).
e) A ré Maria vendeu à ré M. T. o veículo automóvel identificado em 1).
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Estabelece o art. 663º, n.º 2 do CPC que o acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607º a 612º”.
Por sua vez, estatui o art. 608º, C.P.C. que, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art. 278º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica (n.º 1) e que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2).

Como é bom de ver, são razões de economia e de celeridade processual que impõem a solução enunciada naquele n.º 1 do art. 608º, dado que em caso de procedência de alguma exceção que leve à absolvição da instância, automaticamente fica prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos de recurso invocados pelos apelantes.

Dentro desta filosofia compreende-se que sendo suscitadas nulidades da sentença recorrida, a jurisprudência considere que se deverá conhecer dessas nulidades, antes de se entrar no conhecimento dos restantes fundamentos de recurso, uma vez que a procederem as nulidades invocadas, tal poderá impedir, tornando inútil, o conhecimento daqueles outros fundamentos de recurso (1).

Decorre do que se vem dizendo que tendo a apelante invocado a nulidade da sentença com fundamento em omissão de pronúncia e em excesso de pronúncia se imponha conhecer, de imediato, desses invocados vícios, uma vez que, reafirma-se, caso procedam, tal poderá implicar que os demais fundamentos de recurso que aduz fiquem prejudicados.

B.1- Da nulidade da sentença recorrida – causas de nulidade da sentença versus erro de julgamento.

Sustenta a apelante que o tribunal a quo não considerou a certidão respeitante ao processo-crime que correu termos sob o n.º 1230/12.8JAPRT, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo Local Criminal de Vila Real, em que foi dado como assente que o Autor/apelado vendeu o VW Golf objeto dos presentes autos, para peças, atendendo à sua situação de debilidade económica, sequer que aquele tribunal tomou em consideração que foram juntos aos autos pela Alfândega, no Porto, como fazendo parte integrante dos documentos originais que acompanharam a legalização daquele veículo em Portugal, o certificado de homologação ou conformidade individual do veículo, sequer se pronunciou ou valorou o denominado “certificado de homologação e Tarjeta de Inspeccion Técnica de Vehículos”, concluindo que ao assim proceder, a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia.

Mais sustenta que aquela sentença é nula por excesso de pronúncia uma vez que os pedidos formulados pelo Autor nas alíneas a), c) e d), da sua petição inicial foram: a) ser declarado nulo, com efeitos retroativo, o negócio de compra e venda entre o A. e o 1º R. por ser falso, b) serem declaradas nulas as subsequentes transmissões da propriedade c) devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou, na impossibilidade, o valor correspondente.

Acontece que nada foi prestado entre a ora Recorrida e o Autor, mas sim entre este e a testemunha F. M..
Considerando os factos provados, em sede de julgamento, também nada foi prestado entre o Autor e o 1º Réu, por isso, nada havia a ser restituído entre eles.
Não obstante, a sentença recorrida incorreu na nulidade por excesso de pronúncia, porquanto conheceu das subsequentes transmissões do direito de propriedade sob o veículo em causa para a 2ª R., bem como para a ora Recorrente, ordenando o cancelamento do registo efetuado para estas duas adquirentes.
O Autor não pediu que tais negócios fossem apreciados, nem tão-pouco levantou qualquer vício intrínseco de tais registos, nos termos do art. 16º, do Código do Registo Predial, aplicável ex vi, por força do art. 29º, do Decreto-Lei 54/75, de 12.02, nem tão pouco solicitou o cancelamento do registo a favor do 1º R. e da 2ª R, pelo que nunca o Tribunal a quo poderia ter determinado o cancelamento de tais registos, pois que tão só solicitou a nulidade do “primeiro negócio“, e o cancelamento do registo do veículo a favor da ora Recorrente.
Ademais o Autor não requereu a declaração de qualquer nulidade dos negócios celebrados posteriormente ao primeiro registo, pois que nada se encontra requerido em seus articulados.

Conclui que assim sendo, tendo presente a decisão do tribunal a quo, bem como o estatuído no artigo 17º, do Código do Registo Predial, atendendo a que os registos apresentados a favor do 1º Réu e da 2ª Ré não foram alvo de qualquer pedido de declaração de nulidade ou cancelamento, nem tão pouco os negócios que lhe deram cobertura, a decisão recorrida enferma da nulidade prevista na 2ª parte da al. d), do artigo 615º do CPC.
Vejamos se assiste razão à apelante ao assacar aqueles vícios à sentença recorrida.
Como é sabido, as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade: a) por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e b) como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC (2).

Os vícios determinativos de nulidade da sentença, que se encontram taxativamente enunciados no referido art. 615º do CPC., reportam-se à estrutura ou aos limites da sentença, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais da sentença ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal.
Respeitam a vícios da estrutura da sentença os fundamentos enunciados nas alíneas b) - falta de fundamentação - e c) - oposição entre os fundamentos e a decisão -, e respeitam a vícios atinentes aos limites da sentença, os enunciados nas alíneas d) - omissão ou excesso de pronúncia - e e) - pronuncia ultra petitum.

Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (3).

Diferentemente desses vícios, são os erros de julgamento (error in iudicando), os quais contendem com erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de uma distorção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error iuris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa.

Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, sendo que esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença (vícios formais), mas ao mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in iudicando, atacáveis em via de recurso (4).

Acresce precisar que os vícios da decisão da matéria de facto nunca constituem causa de nulidade da sentença, designadamente por omissão de pronúncia, dado que a matéria de facto encontra-se sujeita a um regime de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou a contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação -, a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação, não constituindo, por conseguinte, causa de nulidade da sentença, mas antes sendo suscetíveis de dar lugar à atuação pela Relação dos poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto operada pela 1ª Instância, nos termos do disposto nos n.º 1 e 2 do art. 662º do CPC (5).

B.1.1- Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Dispõe o art. 615º, n.º 1, al. d) que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse conhecer ou quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Os vícios a que este preceito se reporta – omissão e excesso de pronúncia - encontram-se em consonância com o comando do n.º 2 do art. 608º do mesmo Código, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Trata-se da concretização prática do princípio do dispositivo, segundo o qual “o processo é coisa ou negócio das partes”, é “uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, cumprindo ao juiz arbitrar “a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado”, princípio esse de que, entre outras consequências, decorre que cabe às partes, através do pedido, causa de pedir e da defesa, circunscreverem o thema probandum e decidendum (6), mas também do princípio do contraditório, que na sua atual dimensão positiva proíbe a prolação de decisões surpresa (art. 3º, n.º 3 do CPC), ao proibir-se a indefesa e, consequentemente, ao reconhecer-se às partes o direito de conduzirem ativamente o processo e contribuírem para a decisão a ser nele proferida.

Como consequência, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos e todas as causas de pedir e exceções invocadas e, bem assim de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitada/arguida pelas partes – logo se o tribunal não conhecer de exceção ou exceções do conhecimento oficioso, mas não suscitada(s) pelas partes, o não conhecimento desta(s), não invalida a sentença por omissão de pronúncia) cuja conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes da sentença, que as partes tenham invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC), sequer a não apreciação de todos os argumentos aduzidos pelas mesmas para sustentarem a sua pretensão.

No caso, as questões que foram submetidas pelo Autor/apelado à apreciação do tribunal foram, única e exclusivamente, a da nulidade do contrato de compra e venda entre aquele e o 1º Réu e, bem assim dos contrato de compra e venda subsequentes celebrados entre o 1º Réu e a 2ª Ré e entre esta e a 3ª Ré/apelante, decorrente daquele apelado não ter vendido o veículo automóvel de que se arroga proprietário a quem quer que fosse, apenas o tendo entregue a um indivíduo de nome João, que se prontificou a ajudá-lo na venda, para que esse indivíduo o colocasse, em exposição, num stand, não tendo celebrado com o 1º Réu qualquer contrato de compra e venda respeitante àquele veículo de marca “VW”, modelo “Golf”, matrícula GY e com chassis ..., sendo a assinatura aposta na declaração da venda dessa viatura falsa, por não ser da sua autoria, e como decorrência dessa nulidade, dever ser restituído tudo o que tiver sido prestado em consequência da mesma e das vendas subsequentes e se ordenar o cancelamento do registo sobre o veículo a favor da 3ª Ré/apelante, e ser determinado o registo da aquisição dessa viatura a favor do Autor/apelado.

Toda a matéria alegada pelas 2ª e 3ª Rés em sede de contestação, com exclusão da exceção dilatória da ilegitimidade passiva destas para a presente ação, de que se conheceu em sede de despacho saneador, onde essa exceção foi julgada improcedente, decisão essa que, entretanto, transitou em julgado, é matéria de mera impugnação, não integrando, por isso, quaisquer “questões” que cumprisse ao tribunal conhecer.
Ora, basta ler a sentença recorrida para fácil ser concluir que nela o tribunal a quo (bem ou mal) conheceu de todas aquelas “questões” que lhe foram submetidas pelo apelado, pelo que é manifesto que essa sentença não padece do invocado vício da nulidade por omissão de pronúncia que a apelante lhe assaca.
Precise-se que as razões invocadas pela apelante – o facto de o tribunal não ter alegadamente valorado determinados elementos probatórios, mais concretamente, a prova documental que identifica, a saber: certificado de homologação e Tarjeta de Inspeccion Técnica de Vehículos -, não consubstancia qualquer causa de nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, mas eventual erro de julgamento, na vertente de error facti, atacável e sindicável em via de recurso, em sede de impugnação da matéria de facto, onde caso se venha a verificar assistir razão à apelante e aqueles meios probatórios imponham efetivamente solução diversa quanto à matéria de facto julgada provada e não provada pelo tribunal a quo, dará lugar aos poderes de rescisão ou de cassação do julgamento feito pela 1ª Instância, de acordo com o regime legal estatuído no art. 662º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Nesta conformidade, sem maiores delongas, improcede o vício da nulidade da sentença recorrida com fundamento em pretensa omissão de pronúncia.

B.1.2- Da nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia.

Como dito, ocorre o vício da nulidade da sentença por excesso de pronúncia quando o juiz conhecer de “questões” de que não podia conhecer, isto é, de causas de pedir ou de exceções não invocadas e de que este não podia conhecer oficiosamente (7).

Como bem diz a apelante, o apelado pediu, em sede de petição inicial, que se: a) declare nulo, com efeitos retroativos, o negócio de compra e venda entre aquele e o 1º Réu; b) se declare nulas as subsequentes transmissões da propriedade; c) se condene a restituição de tudo o que tiver sido prestado ou, na impossibilidade, o valor correspondente; d) se ordene o cancelamento do registo sobre o veículo a favor da 3ª Ré; e d) se ordene o registo do veículo a favor do Autor.
A causa de pedir em que o Autor faz ancorar estes pedidos é, relembra-se, a circunstância de não ter celebrado qualquer contrato de compra e venda com ninguém, designadamente, com o 1º Réu, mediante o qual tivesse transferido para o último a propriedade sobre a viatura automóvel de que se arroga proprietário e que identifica na petição inicial e de as subsequentes compras e vendas celebradas entre os Réus, isto é, a celebrada entre o 1º Réu e a 2ª Ré e entre a 2ª Ré e a 3ª Ré, ora apelante, serem nulas.

Mais uma vez, basta ler a sentença recorrida para se verificar que nela o tribunal a quo não incorreu em excesso de pronúncia, na medida em que não conheceu de pedidos que não lhe tivessem sido formulados, sequer ancorou esses pedidos em causas de pedir distintas das que vinham alegadas pelo Autor (relembra-se, não foram invocadas pelas Rés exceções em sede de contestação, à exclusão da exceção dilatória da ilegitimidade passiva destas para a presente ação, a qual ficou, em definitivo, decidida em sede de despacho saneador).

Sustenta a apelante que assim não é porque, em função da matéria de facto que ficou julgada como provada na sentença recorrida, nada foi prestado entre o Autor e o 1º Réu, mas sim entre este e a testemunha F. M., além de que nessa sentença o tribunal a quo conheceu das subsequentes transmissões do direito de propriedade sob o veículo para a 2ª Ré, bem como para a apelante, ordenando o cancelamento do registo destas duas aquisições, quando o Autor não pediu que tais negócios fossem apreciados, sequer levantou qualquer vício intrínseco de tais registos, sequer, ainda, solicitou o cancelamento de tais registos, mas apenas o cancelamento do registo do veículo a favor da apelante.
Diga-se frontalmente que os argumentos aduzidos pela apelante são claramente artificiosos e sem qualquer sustentação fáctica e jurídica.
O Autor pede que se declare a nulidade do negócio de compra e venda entre aquele e o 1º Réu, por ser falso, alicerçando este pedido, relembra-se, na circunstância de nenhum contrato de compra e venda ter celebrado com ninguém, incluindo com o 1º Réu tendo por objeto o veículo de que se arroga proprietário, mediante o qual tivesse transferido para o último a propriedade sobre esse veículo, alegando, inclusivamente, que a assinatura que se encontra aposta na declaração de venda não é da sua autoria, sendo falsa.
Como não pode desconhecer a apelante, a circunstância do Autor ter entregue o veículo em causa nos autos à testemunha F. M., é facto totalmente irrelevante para efeitos deste e dos outros pedidos deduzidos pelo Autor, porque este alega que nunca vendeu essa viatura ao referido indivíduo, nem sequer tal se quedou como provado (bem ou mal) na sentença recorrida.

Aliás, ao apelar à matéria de facto que se quedou como provada e não provada, a apelante já está a apelar ao mérito da causa, pretendendo que porque em função da matéria que se apurou, o Autor entregou essa viatura à testemunha F. M., a quem a vendeu (matéria esta, bem ou mal, não julgada como provada na sentença recorrida, se mal, trata-se de vício que contende já com um erro de julgamento na vertente de error facti, não determinativo de nulidade da sentença recorrida por excesso ou omissão de pronúncia), quem tem de a restituir ao Autor é F. M., pelo que o tribunal ao condenar a 3ª Ré a restituir a viatura ao Autor incorreu em erro de direito, posto que em função dos efeitos da nulidade estabelecidos no art. 289º do CC, era o F. M. que teria de restituir essa viatura ao Autor.

Olvida no entanto a apelante, que o Autor até podia ter entregue a viatura em causa ao identificado F. M., como de resto se encontra apurado na sentença recorrida, mas que o Autor alegou não ter vendido essa viatura a ninguém, incluindo ao referido F. M., que, em sede de petição inicial, identificou como conhecendo por João.

Consequentemente, o que está em discussão nos autos e que neles releva (é esta a questão e a consequente causa de pedir) é saber se o apelado era proprietário da viatura em causa quando a respetiva propriedade foi “transmitida” para o 1º Réu e se aquele não vendeu (art. 342º, n.º 1 do CC) a viatura em causa a ninguém, incluindo a esse 1º Réu, e não se a entregou àquele 1º Réu ou a terceiro, já que a entrega não opera a transmissão da propriedade, mas sim a compra e venda.

Ora, reafirma-se, segundo a alegação do Autor em sede de petição inicial e segundo o que foi, inclusivamente, dado como provado na sentença recorrida (bem ou mal pelo tribunal a quo, já que se mal, reafirma-se, tal consubstancia erro de direito, na vertente de error facti, a ser suscitado pela apelante e a ser sindicado por esta Relação em sede de impugnação da matéria de facto) é que apesar de ter entregue essa viatura a F. M., não a vendeu ao último, sequer a vendeu ao 1º Réu, que apesar de, segundo a declaração de venda, a ter adquirido por compra ao Autor, essa compra não corresponde à verdade ontológica, isto é, histórica efetivamente acontecida, sendo a assinatura que se encontra aposta na declaração de compra e venda como sendo do punho do Autor falsa, não tendo o último manifestado, em momento algum, ao 1º Réu a sua vontade de lhe vender o referido veículo automóvel, nem este manifestou vontade de lho comprar, sequer pagou ao Autor, nem a qualquer outra pessoa, em nome deste, o respetivo preço, nem este entregou esse veículo ao predito 1º Réu.

Segundo o que se encontra alegado pelo Autor em sede de petição inicial, o 1º Réu vendeu esta viatura à 2ª Ré que, por sua vez, a vendeu à 3ª Ré, versão dos factos esta que, inclusivamente, bem ou mal, não foi julgada como provada na sentença recorrida, onde apenas se encontra dado como provado que a propriedade desse veículo automóvel foi registada a favor do 1º Réu a 13/08/2013, a favor da 2ª Ré em 14/08/2013 e a favor da apelante a 13/07/2015, a quem aquele foi entregue.

Ora, ainda que se tivesse provado a versão dos factos alegada pelo Autor em sede de petição inicial, nos termos da qual o 1º Réu teria vendido aquele veículo à 2ª Ré e esta, por sua vez, à 3ª Ré, estas sucessivas vendas seriam nulas, dado que não sendo o 1º Réu proprietário desse veículo, por não o ter validamente adquirido ao Autor, seu proprietário, essas sucessivas vendas que o 1º Réu efetuou à 2ª Ré e esta à 3ª Ré consubstanciariam vendas de coisa alheia.
Ora, implicando a nulidade dos negócios a destruição retroativa desses negócios, visando o art. 289º, n.ºs 1 e 2 do CC, recolocar as partes contratantes nesses negócios inválidos na situação em que se encontrariam caso esses negócios inválidos nunca tivessem sido celebrados, impõe-se que a 3ª Ré/apelante restitua o veículo ao Autor, seu legítimo proprietário.
Precise-se que, como dito, tudo o que se vem referindo contende com erro de direito, na vertente de error facti (quanto à matéria de facto que foi julgada como provada e não provada na sentença recorrida) e na eventual subsunção dessa factualidade ao direito aplicável, erros esses que, a verificarem-se, são atacáveis em via de recurso e não vícios determinativos da nulidade da sentença recorrida, seja por excesso de pronúncia, seja por omissão de pronúncia.
Confessa-se que não logramos enxergar onde ocorre o excesso de pronúncia, sequer onde a apelante pretende chegar quando sustenta que o Autor nada lhe prestou, mas que antes entregou o veículo à testemunha F. M., a não ser argumentos artificiosos da apelante, que esquece que estando apurado que o apelado não vendeu aquele veículo a ninguém, incluindo ao 1º Réu (tal como vinha alegado pelo apelado em sede de petição inicial), as subsequentes compra e vendas que este fez à 2ª Ré e que esta, por sua vez, realizou àquela apelante, são vendas de bens alheios e como tal nulas, até porque se não se transmitiu a propriedade sobre a viatura do apelado para o 1º Réu e, por conseguinte, não sendo o 1º Réu proprietário dessa viatura, este não podia transmitir para a 2ª Ré e esta para a apelada aquilo que não tinha na sua esfera jurídica – a propriedade sobre a viatura em causa.

Argumenta a apelante que o Autor/apelado não pediu que os negócios de compra e venda celebrados entre o 1º Réu e a 2ª Ré e entre esta e a apelante fossem apreciados e declarados nulos.

Nada mais erróneo. É que o Autor é expresso em pedir: a) que seja declarado nulo, com efeitos retroativos, o negócio de compra e venda entre o Autor e o 1º Réu, por ser falso e, bem assim b) que sejam declaradas nulas as subsequentes transmissões de propriedade (sublinhado nosso).

Logo o Autor é expresso em pedir que se aprecie a nulidade da compra e venda entre ele e o 1º Réu e, bem assim da nulidade das compras e vendas subsequentes, isto é, as efetuadas entre o 1º Réu e a 2ª Ré e entre esta última e a 3ª Ré, e se declare a nulidade de todas elas.

Continua a apelante alegando que o Autor não solicitou o cancelamento do registo a favor do 1º Réu e da 2ª Ré, pelo que nunca o tribunal poderia determinar o cancelamento desses registos.
Salvo o devido respeito, mais um artifício da apelante. É certo que o Autor/apelado não pediu expressamente que se ordenasse o cancelamento do registo a favor do 1º Réu, sequer a favor da 2ª Ré, mas apenas que se ordene “o cancelamento do registo sobre o veículo a favor da 3ª Ré”.

No entanto, é indiscutível, não merecendo, aliás, nenhuma discussão com o mínimo de racionalidade, que ao pedir expressamente que se ordene o cancelamento do registo sobre o veículo a favor da 3ª Ré, neste pedido está implícito o pedido do Autor de cancelamento do registo do veículo a favor da 2ª Ré (compra e venda inválida anterior), assim como está implícito o pedido de cancelamento do registo do veículo a favor do 1º Ré (compra e venda que antecede a efetuada entre 1º Réu e 2ª Ré, que, inclusivamente, será inexistente), posto que isto não é só uma decorrência dos efeitos da nulidade explanados no art. 289º, n.ºs 1 e 2 do CC, como é, inclusivamente, uma consequência das regras do trato sucessivo vigentes em termos de registo, regras essas que a apelante não se cansou de invocar.

Termos em que sem maiores delongas, improcede a pretensa nulidade da sentença recorrida com fundamento em alegado excesso de pronúncia.
*
A apelante juntou aos autos, nesta fase de recurso e em anexo às suas alegações, a certidão de fls. 312 verso a 341, extraída dos autos de Processo Sumaríssimo, que correram termos sob o nº 1230/12.8JAPRT, da Comarca de Vila Real, Instância Local, Secção Criminal, Juiz 1, de Vila Real, onde se vê que o aqui Autor, ali arguido, por sentença transitada em julgado em 13/05/2013, foi condenando pela comissão, a título de autoria material, de um crime de simulação de crime, previsto e punido pelo art. 366º, n.º 1 do CP, na pena de cem dias de multa à taxa diária de 6,00 euros, com fundamento nos seguintes factos:

No dia 17/07/2012, cerca das 18h16m, o arguido compareceu nas instalações da Polícia de Segurança Pública de Vila Real e aí, em face do agente A. V., então de serviço, disse o seguinte:

“(…) encontrava-se no interior do seu veículo de matrícula espanhola GY, marca Volkswagen Golf, de cor cinzenta metalizada, parado junto ao Mercador Municipal, na Rua …. Surgiram-lhe dois indivíduos aparentemente jovens, estatura média e enquanto um deles lhe pediu informações o outro entrou para o lado do passageiro da frente encostando-lhe uma pistola junto à cintura. Seguidamente o que lhe pediu informações entrou para o banco de trás e mandaram-no seguir durante cerca de 100 metros, altura em que um deles mandou-o sair e o de trás passou para o volante e puseram-se em fuga para parte incerta (…). Disse ainda que os documentos do veículo, que é sua propriedade, estavam no porta-luvas. Neste cenário não lhe provocaram qualquer ferimento físico. Avalia o veículo em 16.000,00 euros (…).
Na altura acrescentou ainda que pretendia que fosse instaurado procedimento criminal por tais factos.
Nesse mesmo dia, um pouco mais tarde, agora nas instalações da Polícia Judiciária de Vila Real, em face da Inspetora S. M., então de serviço, o arguido relatou o seguinte em desenvolvimento do que antes dissera na PSP:

“Que no dia de hoje, pelas 14h00, deslocou-se a Vila Real, vindo de Chaves para dar um passeio. Veio estacionar o seu automóvel de marca VW Golf, de cor cinzenta metalizada, com a matrícula GY, na Rua …, zona do Mercado Municipal, perto do café Paris. Veio a dar um passeio apeado até à Avenida … (…).
Na realidade, porém, nada do que o arguido disse na Polícia de Segurança Pública e na Polícia Judiciária aconteceu realmente. Nomeadamente (…).
O que se passou, isso sim, foi que ao tempo o arguido se achava em dificuldades económicas, tendo vendido o VW Golf em Chaves para peças; e como alguém lhe tivesse sugerido que participasse falsamente o furto do carro à seguradora para assim se apropriar da indemnização que lhe seria devida pelo seguro contra todos os riscos de que então beneficiava, vai daí o arguido decidiu proceder como acima descrito. (…).
O arguido procedeu consciente e livremente, sabendo que relatava factos que nunca tinham acontecido, que tais factos constituíam crime, que à PSP e PJ competia precisamente conduzir uma investigação pública ao respeito, que dessa forma dava lugar à realização de diligências inúteis, que podia fazer perigar a realização da justiça e que por isso a sua atuação era punida e censurada por lei. (…).

Justifica a apelante a junção desta certidão apenas neste momento recursório, mais concretamente, em anexo às alegações de recurso que apresentou da sentença recorrida, com a circunstância de apenas ter tido conhecimento que o aqui Autor/apelado fora julgado e condenado pelos descritos factos em sede de audiência final realizada no âmbito dos presentes autos; que já tinha tentado juntar aos autos cópia daquela certidão através de articulado superveniente de 17/04/2017, depois do depoimento de parte do Autor em que tomou conhecimento daquela condenação, mas que o tribunal a quo indeferiu essa junção e ordenou o desentranhamento dos autos desse articulado superveniente, indicando erroneamente que os factos consubstanciadores do crime em causa não consubstanciam a matéria objeto dos presentes autos e que neles importava a apurar.

Mais alega que o julgamento em 1ª Instância veio introduzir, através do depoimento do apelado um elemento novo, elemento de novidade esse que torna necessária a consideração de prova documental adicional, que até àquele momento se mostrava desfasada do objeto da ação ou inútil relativamente a este, por desconhecimento, uma vez que aquele apelado nunca tinha informado os autos que tinha sido condenado em sede criminal, por ter simulado um crime de “carjacking”, isto quando tinha entregue o veículo para venda, tendo apenas referido que havia apresentado queixa crime por burla contra João no âmbito do Processo n.º 426/12.7GBCHV.

Continua a apelante sustentando que perante a não oposição do Autor/apelado aos factos que lhe eram imputados na acusação no âmbito daquele processo n.º 1230/12.8JAPRT, aquele veio a ser condenado pelo crime de simulação de crime no âmbito daquele processo-crime, tendo aí sido dado como provado que o aqui Autor/apelado vendeu o veículo, já que na altura passava por dificuldades económicas, não podendo agora o mesmo vir, no âmbito dos presentes autos, suscitar e pedir a nulidade do negócio de compra e venda que celebrou.

Conclui que nos termos das disposições dos arts. 651º, 425º e 423º do CPC, a junção desse documento com as alegações de recurso é totalmente admissível e necessária face à sentença proferida em 1ª Instância, perante a eficácia dessa decisão penal condenatória que, inclusivamente, reclamava que perante as declarações do Autor, o tribunal a quo tivesse, no âmbito do princípio da cooperação e dentro dos poderes de cognição do próprio tribunal, providenciado pelo esclarecimento da verdade e da justa composição do litígio, providenciando, mesmo oficiosamente, pela busca da certeza do que realmente se havia passado naqueles autos de processo-crime e que pudesse vincular o tribunal.

Urge assim verificar se estão reunidos os requisitos legais que permitem à apelante juntar aquele documento, mais concretamente, a referida certidão aos autos nesta fase de recurso, em anexo às alegações que apresentou.

No entanto, conforme resulta da alegação da apelante e, bem assim do despacho proferido na ata de audiência final de 18/05/2017 (fls. 236 e 237) esta, em 17/04/2017, apresentou articulado superveniente, juntando em anexo a esse articulado superveniente fotocópia de peças extraídas daquele processo-crime, tendo esse articulado e a junção aos autos desses documentos sido indeferidos pelo tribunal a quo, que ordenou o seu desentranhamento dos autos, pelo que como questão prévia incumbe indagar se essa decisão transitou em julgado e, em caso positivo, se por via desse trânsito, mesmo que estivessem preenchidos os requisitos legais que permitissem à apelante juntar aquela certidão aos autos na presente fase de recurso, o caso julgado formal operado por aquela anterior decisão, que indeferiu a junção aos autos desse documento e ordenou a sua devolução à apelante, impede que esta agora junte aos autos certidão desses documentos.

Conexionado com esta problemática, a apelante vem colocar em crise no âmbito da presente apelação a decisão proferida pelo tribunal a quo na referida sessão de audiência final de 18/05/2017, que não admitiu o articulado superveniente que apresentara em 17/04/2017 e que não admitiu a junção aos autos daquelas fotocópias extraídas do processo criminal, além de outras diligências de prova que aí foram requeridas pela mesma apelante, despacho esse que consta do seguinte teor (cfr. ata de fls. 236 a 237):

“Vieram as rés Maria e M. T. através de requerimento que juntaram aos autos a fls. 205 e seguintes e que apelidaram de “articulado superveniente” requerer a junção aos autos de um documento, a saber, fotocópias retiradas do processo-crime n.º 1230/12.8JAPRT e, bem assim, requerer a alteração do pedido e da causa de pedir em conformidade com o resultado desse processo-crime ou, em alternativa, a reinquirição do autor à matéria constante do crime e os motivos das suas contradições com as declarações que prestou em audiência e desta feita vir declarar a verdade nos presentes autos, mais declarando não prescindir que perante a prova produzida (diga-se, documentos juntos pelas rés), que se venha a declarar a inutilidade superveniente nos presentes autos e declarar a extinção a instância por venda do veículo ou, em contrário, ser notificado o autor para junto dos presentes autos informar porque preço e para venda foi o veículo ou peças transacionadas.

Requer ainda que seja ordenada a extração de certidão da petição inicial e juntas as declarações do autor para efeitos de instauração de novo procedimento criminal contra este por prática reiterada de crime de simulação de crime.

Cumpre decidir:
O requerimento ora apresentando carece, em absoluto, de qualquer fundamento legal.
No que se refere à alteração do pedido ou da causa de pedir o mesmo apenas poderá ser efetuado em conformidade com o disposto nos artigos 264º e 265º do Código de Processo Civil, hipótese que não se verifica nos presentes autos tanto mais que, logicamente, não podem as rés alterar pedido que não deduziram nos autos.
Por outro lado, os factos consubstanciadores do crime em causa no referido processo crime não consubstanciam a matéria objeto dos presentes autos e a qual importa apurar por forma a que o Tribunal possa conhecer dos pedidos formulados nestes autos, dito de outro modo, não integram a causa de pedir destes autos.
Sem prejuízo, a verdade é que o autor prestou já no âmbito destes autos declarações de parte onde igualmente declarou que participou às competentes autoridades um crime que segundo o próprio assumiu, não ocorreu.
De todo modo, não é este o momento próprio para que o tribunal se pronuncie quanto ao mérito da prova produzida, sendo certo que o fará em sede de sentença.
Ademais e uma vez mais não se vislumbra, de igual forma, qualquer fundamento para a extinção da presente lide por inutilidade superveniente da lide, ao contrário de que, uma vez mais, propugnam as rés, sendo certo que a invocada venda do veículo de nenhum modo se revela suscetível de fundar tal inutilidade, sendo que é a ocorrência ou não dessa venda que importa, ao invés, apurar nestes autos.

Relativamente à requerida extração de certidão, oportunamente, na senda da apreciação da prova produzida que vier a ser feita pelo Tribunal, aferirá o Tribunal da sua pertinência. Por fim, igualmente não revela o documento cuja junção aos autos ora se requer qualquer pertinência para o apuramento da verdade material dos factos em causa nestes autos e, por conseguinte, para a boa decisão da causa, sendo certo que conforme se referiu já, o próprio autor assumiu aquando das suas declarações a prática do crime de simulação do crime em causa, como resulta aliás do teor da própria petição inicial e sendo certo ainda que a junção nesta fase processual do predito documento sempre se revelaria extemporâneo, não admitindo a junção aos autos do mesmo documento.
Em face do exposto, por ser legalmente inadmissível e se revelar absolutamente anómalo na tramitação deste processo, determino o desentranhamento do requerimento em referência (fls. 205 a 230) e sua devolução à parte apresentante.
Custas do incidente anómalo a cargo das rés requerentes, fixando-se a respetiva taxa de justiça em 1 UC.
Notifique”.

Sustenta a apelante que contrariamente ao que consta desse despacho, os factos consubstanciadores do crime em causa em tudo consubstancia matéria objeto dos presentes autos, pelo que ao assim decidir, o tribunal a quo subtraiu à apelante essa matéria, uma vez que o apelado apenas juntou aos autos certidão dos autos que correram termos sob o n.º 426/12.7GBCH, esquecendo-se, por exemplo, de elucidar os presentes autos do porquê de só apresentar queixa-crime no dia 17/07/2012, quando alega que os factos ocorreram em 25/05/2012, ou o porquê de ter entregue ao comprador e testemunha e entidade F. M. toda a documentação da viatura, inclusive o certificado de conformidade e homologação da mesma, que apenas é utilizada para registo num país terceiro e que necessita de ser pedido pelo proprietário da viatura e que, por esse facto, nunca acompanha os documentos nas viaturas, bem como a Tarjeta de Inspeccion Técnica de Vehículos.

Conclui que ao assim decidir o tribunal a quo violou o disposto nos arts. 423º do CPC, o direito da apelante à igualdade, à defesa e ao contraditório, consagrados nos arts. 20º da CRP e 3º, n.º 3 do CPC e, bem assim o disposto no art. 590º, n.º 3 do CPC.
Conforme resulta do que se vem explanando, a apelante vem, nas suas alegações de recurso que interpôs da sentença final, colocar em crise o despacho proferido pelo tribunal a quo em 18/05/2017, que indeferiu o articulado superveniente que apresentara, não admitiu a junção aos autos da cópia da certidão cuja junção aos autos agora opera com as suas alegações de recurso e, bem assim que indeferiu outras diligências probatórias então requeridas, isto é, a reinquirição do apelado em sede de declarações de parte, pelo que urge verificar se este despacho era objeto de recurso autónomo ou se apenas podia ser impugnado em termos de impugnação da sentença final.

Caso o dito despacho proferido em 18/05/2017 seja impugnável autonomamente, impõe-se verificar se o mesmo transitou em julgado e, no caso positivo, se o caso julgado formal operado pelo mesmo impede que a apelante agora venha requerer a junção daquela certidão no âmbito da presente apelação e, no caso negativo, quais as consequências jurídicas daí decorrentes, nomeadamente, se estão recolhidos os requisitos legais que permitem a junção desse documento na presente fase do recurso ou se independentemente desses requisitos, a sua junção aos autos deve ser admitida.

Desta feita, dada a interligação deste fundamento de recurso traduzido em apelante vir agora colocar em crise, com os fundamentos que aduz, o despacho proferido em 18/05/2017, com a questão da junção aos autos daquele documento com as alegações de recurso que apresentou em relação à sentença recorrida, até por razões lógico-jurídicas, impõe-se conhecer: a) se o despacho proferido em 18/05/2017, era recorrível autonomamente e, nesse caso, se o mesmo transitou em julgado; b) caso esse despacho não fosse recorrível autonomamente e não tenha transitado em julgado, conhecer dos respetivos fundamentos; c) caso aquele despacho proferido em 18/05/2017 tenha transitado em julgado, se o caso julgado formal por ele operado, onde além do mais, se decidiu pela não admissão da junção aos autos da cópia da certidão extraída do processo-crime n.º 1230/12.8JAPRT, constitui obstáculo processual intransponível para que a apelante junte aos autos essa certidão na presente fase de recurso, em anexo às suas alegações de recurso; e d) caso não exista esse obstáculo processual, se estão verificados os requisitos que permitem à apelante juntar esse documento na presente fase de recurso, em anexo às suas alegações de recurso, ou se independentemente da verificação desses requisitos, se impõe admitir a sua junção aos autos.

B.2- Da impugnação do despacho proferido em 18/05/2017.

Mediante o despacho proferido em 18/05/2017, o tribunal a quo não admitiu o articulado superveniente apresentado pela apelante e pela 2ª Ré, sequer a junção pelas últimas das fotocópias das peças processuais extraídas dos autos de Processo criminal n.º 1230/12.8JAPRT, que correram termos pela Instância Local, Secção Criminal, Juiz 1, do Tribunal de Vila Real, sequer a reinquirição do Autor/apelado em sede de declarações de parte, que aquelas solicitaram em alternativa à alteração do pedido e da causa de pedir que formularam nesse articulado superveniente.
Através desse despacho o tribunal a quo não só não admitiu aquele articulado superveniente e a apresentação daqueles documentos e demais diligências de prova que então foram requeridas pela apelante e pela 2ª Ré, como ordenou o desentranhamento dos autos desse articulado superveniente e documentos.

Preceitua o art. 644º, n.º 2, al. d) do CPC, que “cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal da 1ª instância: do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova”.

O art. 644º, n.º 2 do CPC elenca os casos em que para além da decisão proferida em 1ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente (al. a), do n.º 1), e do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decide do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos (al. b), do n.º 1), que são objeto de recurso autónomo e em relação aos quais a parte vencida que não se conforma com o decidido, tem de interpor recurso autónomo e imediato, sob pena da decisão proferida se consolidar na ordem jurídica, operando caso julgado.
Destarte, em relação a todos os casos elencados nos n.ºs 1 e 2 do art. 644º do CPC, a parte vencida tem o ónus de interposição imediata de recurso, para que impeça a formação de caso julgado (8).
O prazo de interposição desse recurso em relação aos casos elencados no n.º 2 do art. 644º do CPC é de quinze dias (art. 638º, n.º 1 do CPC).
No entanto, na esteira dos ensinamentos de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (9), conforme se escreve no já enunciado acórdão desta Relação de 25/05/2016, “há que se distinguir a rejeição do articulado da pretensão nele formulada (…). Há rejeição do articulado quando o tribunal, sem analisar a causa – isto é, o conteúdo do articulado sobre a relação material controvertida, ou sobre a relação processual, decide sobre os pressupostos formais da sua admissibilidade”.

Consequentemente, como se pondera no dito aresto desta Relação, para efeitos de subsunção da rejeição de articulado ou meio de prova na al. d), do n.º 2 do art. 644º do CPC, ou seja, para indagar se aquela concreta decisão que não admitiu o articulado ou o meio de prova requerido é ou não passível de apelação autónoma, “importa distinguir a rejeição do articulado da pretensão nele formulada, pois que apenas há rejeição do articulado quando o tribunal, sem analisar a causa – isto é, o conteúdo do articulado sobre a relação material controvertida, ou sobre a relação processual, decide sobre os pressupostos formais da sua admissibilidade”.
Quando o tribunal rejeita o articulado ou o meio de prova, não com fundamento exclusivo na inadmissibilidade dos mesmos por claudicação dos respetivos pressupostos formais para a apresentação desse articulado ou para a apresentação/requerimento do meio de prova, mas com fundamentos substanciais, isto é apreciando o conteúdo desse articulado ou a relevância desse meio de prova sobre a relação material controvertida ou sobre a relação processual, então o caso não se subsume à al. d), do n.º 2 do art. 644º do CPC, pelo que essa decisão, nos termos do n.º 3 do art. 644º do CPC, pode ser impugnada no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1, onde se insere a sentença final.

No caso presente, conforme decorre da decisão proferida pelo tribunal a quo a fls. 237 a 238, aquele tribunal não rejeitou o articulado superveniente, sequer a junção aos autos das fotocópias retiradas do processo-crime n.º 1230/12.8JAPRT, bem como a reinquirição do apelado em sede de declarações de parte, exclusivamente, com fundamento em não estarem verificados os pressupostos formais que permitiam a apresentação daquele articulado e meios de prova naquele concreto momento processual em que a apelante e a 2ª Ré os apresentaram, mas com fundamento em pressupostos substanciais, analisando o conteúdo desse articulado superveniente e a importância desses meios de prova sobre a relação material controvertida e sobre a relação processual.

Com efeito, conforme se lê nesse despacho, no denominado articulado superveniente apresentado pela apelante e pela 2ª Ré, estas requereram a junção aos autos de fotocópias extraídas do processo-crime n.º 1230/12.8JAPRT e, bem assim requereram a alteração do pedido e da causa de pedir em conformidade com o resultado desse processo-crime ou, em alternativa, a reinquirição do autor à matéria constante do processo-crime e os motivos das suas contradições com as declarações que prestou em audiência e desta feita vir declarar a verdade nos autos, mais declarando que perante aqueles documentos não prescindir que se venha a declarar a inutilidade superveniente nos presentes autos e declarar a extinção da instância por venda do veículo ou, em contrário, ser notificado o Autor para junto dos autos informar porque preço e para venda foi o veículo ou peças transacionado.
A propósito da requerida alteração do pedido e causa de pedir, ponderou o tribunal a quo, que inexiste fundamento legal para deferir a pretensão da apelante e da 2ª Ré porque essa alteração apenas podia ser operada em conformidade com o disposto nos arts. 264º e 265º do CPC, e nunca pelas Rés. Logo, apreciou-se o conteúdo do denominado articulado superveniente sobre a relação material controvertida e, inclusivamente, sobre a relação processual.

Quanto ao conteúdo desse denominado articulado superveniente e às fotocópias extraídas do processo-crime e à requerida reinquirição do Autor/apelado, ponderou-se que “os factos consubstanciadores do crime em causa no referido processo-crime não consubstanciam a matéria objeto dos presentes autos e a qual importa apurar por forma a que o Tribunal possa conhecer dos pedidos formulados nestes autos, dito de outro modo, não integram a causa de pedir destes autos”, sem prejuízo de ser verdade “que o autor prestou já no âmbito destes autos declarações de parte onde igualmente declarou que participou às competentes autoridades um crime que, segundo o próprio assumiu, não ocorreu”, não relevando “o documento cuja junção aos autos ora se requerer qualquer pertinência para o apuramento da verdade material dos factos em causa nestes autos e, por conseguinte, para a boa decisão da causa, sendo certo que, conforme se referiu já, o próprio autor assumiu aquando das suas declarações a prática de crime de simulação em causa, como resulta aliás do teor da própria petição inicial…”. Logo, na apreciação que fez quanto à relevância do denominado articulado superveniente e daquela prova documental, junta aos autos pela apelante e pela 2ª Ré e quanto à pretendida reinquirição do Autor em sede de declarações de parte, mais uma vez, o tribunal apreciou o conteúdo desse articulado e teve em consideração o que aí vinha requerido, bem como a relevância daqueles meios de prova na relação material controvertida e na relação processual.

Quanto à requerida declaração da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide que igualmente vinha requerida pela apelante e 2ª Ré naquele, por elas denominado, articulado superveniente, o tribunal a quo fundou a decisão na circunstância de não vislumbrar qualquer fundamento para a extinção da instância “sendo certo que a invocada venda do veículo de nenhum modo se revela suscetível de fundar tal inutilidade, sendo que é a ocorrência ou não dessa venda que importa, ao invés, apurar nestes autos”. Consequentemente, mais uma vez, aquele tribunal apreciou o conteúdo desse articulado sobre a relação material controvertida.

Resulta do que se vem dizendo que tendo o tribunal ancorado a sua decisão em não admitir a junção aos autos pela apelante e pela 2ª Ré do denominado articulado superveniente, da fotocópia das peças extraídas do processo-crime n.º 1230/12.8JAPRT, juntas em anexo pelas mesmas e para deferir a reinquirição do Autor/apelado em sede de declarações de parte, tendo em consideração o conteúdo desse articulado, do que aí vinha por elas requerido e da importâncias daqueles meios probatórios sobre a relação material controvertida e sobre a relação processual, não admitindo esse articulado e meios de prova, sequer as demais pretensões que a apelante e a 2ª Ré nele formularam, não se está perante um caso subsumível ao disposto no art. 644º, n.º 2, al. d) do CPC, em que aquela decisão tinha de ser objeto de recurso autónomo.
Note-se que essa decisão não se subsume igualmente à al. h) do n.º 2 do art. 644º do CPC, posto que, como se sabe, os contributos doutrinários e jurisprudenciais sobre o que se entender por “decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil” produzidos no âmbito do CPC, antes da revisão operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, continuam perfeitamente atuais e vigentes na atual redação do CPC, devendo entender-se que a expressão “absolutamente” utilizada pelo legislador, quer significar que resultado operado pela decisão seria de todo irreversível ainda que a impugnar-se aquela em sede de sentença final, viesse a ser dada razão ao apelante.

Deste modo, para que se verifique a previsão daquela al. h), do n.º 2 do art. 644º do CPC, “não basta que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processo, ainda que nesta se inclua a sentença final. Mais do que isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso da decisão interlocutória não passará de uma vitória de pirro, sem qualquer reflexo no resultado da ação ou na esfera jurídica do interessado” (10).

Ora, no caso, é apodíctico que aquela decisão assim proferida pelo tribunal a quo na sessão de audiência final de 18/05/2017, tem efeitos meramente processuais, podendo, quando muito, caso venha a ser revogada, levar à inutilização dos termos processuais subsequentes à sua prolação, não acarretando indiscutivelmente efeitos irreversíveis na esfera jurídica da apelante, pelo que essa decisão não se subsume manifestamente na aludida al. h), do n.º 2 do art. 644º do CPC.
Significa isto que a decisão em análise, proferida em 18/05/2017, não se subsume ao disposto no art. 644º, n.º 2, als. d) e h) do CPC, pelo que não era, sequer é, autonomamente recorrível e, como tal, por força do n.º 3 desse preceito, apenas era suscetível de ser impugnada, como faz a apelante, no recurso que viesse a ser interposto das decisões previstas no n.º 1 daquele art. 644º, ou seja, no caso, em sede de recurso que a apelante interpôs da sentença final, de onde decorre que aquela decisão não transitou em julgado, antes se impõe verificar se assiste razão à apelante nos vícios que lhe imputa.

B.2.1- Do articulado superveniente.

Preceitua o art. 588º, n.º 1 do CPC, que “os factos constitutivos, modificativos ou extintivos que foram supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão”, acrescentando o seu n.º 2 que se dizem “supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo do prazo marcado nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência”.

Abstraindo dos requisitos formais que se reportam ao momento da apresentação do articulado superveniente (n.º 3), conforme decorre do preceito que se acaba de transcrever, a apresentação de articulado superveniente destina-se a introduzir factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que é exercido no processo, quer esses factos tenham ocorrido historicamente em momento posterior à apresentação pelo apresentante do articulado superveniente dos articulados ditos “normais” que lhe assistem – Autor: p.i. e réplica, esta no caso de ser apresentada reconvenção; Ré: contestação – superveniência objetiva -, quer factos que embora tenham ocorrido historicamente em data anterior à apresentação dos ditos articulados “normais”, a parte apresentante do articulado superveniente apenas deles teve conhecimento após o momento da apresentação desses articulados ditos “normais” – superveniência subjetiva.

Na superveniência subjetiva, conforme decorre do n.º 2 do art. 588º, não basta ao apresentante alegar que apenas teve conhecimento dos factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que aduz no articulado superveniente em momento posterior à apresentação do seu articulado dito “normal”, como terá de fazer prova desse seu conhecimento posterior.

No denominado articulado superveniente junto aos autos pela apelante e pela 2ª Ré em 17/04/2017, as mesmas não aduziram quaisquer factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que o Autor/apelado vem exercer nos autos, mas como infra se verá, limitaram-se a juntar aos autos um meio de prova, a saber: fotocópias extraídas do processo-crime n.º 1230/12.8JAPRT, cuja certidão juntaram agora, em anexo às alegações de recurso, aos autos, a fls. 341 verso e ss., a requerer a reinquirição do apelado em sede de declarações de parte, isto é, outro meio de prova, e a formular várias pretensões: alteração do pedido e causa de pedir, extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e extração de certidão e respetiva remessa ao Ministério Público para procedimento criminal a instaurar contra o apelado.

Embora aquele documento, conforme infra se verá, tenha uma especial força probatória, o mesmo porque não consubstancia “facto”, mas um dos diversos meios legalmente admissíveis para a demonstração da realidade dos “factos”, evidentemente que não consubstancia facto constitutivo, modificativo ou extintivo do direito que o Autor vem exercer nos presentes autos.
Logo, como bem ponderou o tribunal a quo aquele articulado, denominado pela apelante e pela 2ª Ré de “articulado superveniente”, não configura efetivamente qualquer articulado superveniente.

De igual modo nenhuma censura nos merece o despacho recorrido quando nele o tribunal a quo indeferiu a pretensão deduzida pela apelante e pela 2ª Ré no por elas denominado “articulado superveniente” no sentido de se alterar a causa de pedir e o pedido em conformidade com o resultado do processo-crime n.º 1230/12.8JAPRT, cujas fotocópias as mesmas, como se disse, juntaram em anexo a esse denominado “articulado superveniente”.
É que como bem pondera o tribunal a quo, a alteração do pedido e da causa de pedir apenas pode ter lugar nos casos enunciados nos arts. 264º (por acordo das partes) e 265º (em consequência de confissão feita pelo Réu e aceite pelo Autor – n.º 1 – ou por iniciativa do Autor – n.º 2.

Consequentemente, nunca podia a apelante e a 2ª Ré pretender, por iniciativa sua, que são Rés nos presentes autos, pretender operar uma alteração do pedido e/ou da causa de pedir, iniciativa essa que apenas cumpria ao Autor tomar nos casos permitidos pelos aludidos dipositivos legais dos arts. 264º e 265º do CPC.

De igual forma, tratando-se de juntar um meio de prova – fotocópias extraídas do sobredito processo-crime – e requerer a reinquirição do Autor em sede de declarações de parte (outro meio de prova), é indiscutível que tal como também decidiu (bem) o tribunal a quo, ainda que aquele meio de prova (a documental) que a apelante e a 2ª Ré juntaram aos autos, tivesse uma especial força probatória, nunca o mesmo, sequer as declarações de parte do apelado, podia operar a extinção da lide por inutilidade superveniente da lide, dado que são meros meios de prova.

No que respeita à pretensão da apelante e da 2ª Ré, também por elas formulada no por elas denominado “articulado superveniente”, em ser extraída certidão da petição inicial e juntas as declarações do Autor, ser tudo remetido ao Ministério Público para efeitos de instauração de novo procedimento criminal contra o Autor por prática reiterada do crime de simulação do crime, bem andou igualmente o tribunal a quo, posto que conforme decorre do art. 366º, n.º 1 do CP, são elementos objetivos típicos do crime de simulação “a denúncia de crime, contra-ordenação ou infração disciplinar inexistente às autoridade competente ou na criação de uma suspeita da prática de um crime, contra-ordenação ou infração disciplinar inexistentes, sem que se proceda à imputação desse ilícito a uma pessoa concreta” (11), quando a instauração da presente ação cível pelo autor e as declarações de parte que prestou não preenchem nenhum daqueles elementos objetivos típicos do enunciado ilícito-penal, não se encontrando, consequentemente, preenchida a previsão legal do art. 242º, n.º 1, al. b) do CPP. De resto, ainda que assim não fosse, essa questão não tem quaisquer reflexos no âmbito da presente ação cível e, quando muito, podia acarretar responsabilidade disciplinar para a Digna Magistrada Judicial que presidiu à audiência final, que não cuidara em denunciar um crime de que teve conhecimento no exercício das suas funções, apesar de para ela a denúncia ser obrigatória.

Por último, igualmente nenhuma censura nos merece a decisão recorrida quando nela se indeferiu a reinquirição do autor à matéria do referido processo-crime e para as demais finalidades enunciadas pela apelante e pela 2ª Ré no por elas denominado “articulado superveniente”, quando, conforme infra se verá, a matéria a que aquelas pretendiam que o Autor fosse reinquirido, encontrava-se subtraída ao princípio da livre apreciação da prova.

Resulta do que se vem dizendo que nenhuma censura nos merece a decisão recorrida, proferida em 18/05/2017, na parte em que não admitiu o denominado “articulado superveniente” apresentado pela apelante e pela 2ª Ré, ordenou o seu desentranhamento dos autos e indeferiu as pretensões acima identificadas por elas formuladas nesse, por elas denominado “articulado superveniente”, e as condenou em uma UC de taxa de justiça pelo incidente anómalo que geraram, e isto independentemente de se impor revogar essa decisão na parte em que não admitiu a junção aos autos das fotocópias extraídas do processo-crime n.º 1230/12.8JAPRT e ordenou o seu desentranhamento dos autos, uma vez que feita a ablação desta parte da decisão, resta efetivamente o incidente anómalo por elas gerado, ao apresentarem o enunciado, por elas denominado, “articulado superveniente” e as pretensões infundadas que nele deduziram.

Termos em que, na improcedência dos fundamentos recursórios aduzidos pela apelante, confirma-se aquela decisão proferida em 18/05/2017, a fls. 237 e 238, na parte em que não admitiu o denominado “articulado superveniente” apresentado pela apelante e pela 2ª Ré, ordenou o desentranhamento dessa peça dos autos e indeferiu as pretensões acima identificadas por elas formuladas nesse, por elas denominado “articulado superveniente”, e as condenou em uma UC de taxa de justiça pelo incidente anómalo que geraram.
Resta apreciar se assiste razão às apelantes na crítica que fazem ao referido despacho proferido pelo tribunal a quo em 18/05/2017, quando não admitiu a junção aos autos das fotocópias extraídas do processo-crime n.º 1230/12.8JAPRT, cuja certidão agora junta em anexo às suas alegações de recurso, e ordenou o desentranhamento dos autos desse documento.

B.2.2- Da junção aos autos em 17/04/2017, das fotocópias extraídas do processo-crime n.º 1230/12.8JAPRT

Como é sabido, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 423º do CPC, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
A prova documental pode ainda ser junta aos autos até ao 20º dia anterior à da data em que se realize a audiência final, mas neste caso a parte apresentante fica sujeita a multa, exceto se provar que não pôde oferecer o documento com o articulado (n.º 2 do art. 423º do CPC).

Posteriormente ao vigésimo dia que antecede a data fixada para a realização da audiência final e em que esta venha efetivamente a realizar-se, ainda podem ser juntos documentos até ao encerramento da discussão em 1ª Instância (12), desde que se verifique alguma das seguintes hipóteses: a) se a sua apresentação não tiver sido possível até àquela data-limite, caso em que a junção deve ter lugar logo que isso se tornou possível, sem aguardar qualquer dilação; ou b) a junção se tenha tornado necessária em consequência de ocorrência posterior.

Enuncie-se que este regime legal atualmente vigente é substancialmente distinto daquele que vigorava antes da revisão operada ao CPC pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, em que o limite para apresentação posterior de documentos era o encerramento da discussão em 1ª instância (embora sujeito a multa, exceto se o apresentante provasse que não pode juntar o documento em causa com o articulado), o que tinha por efeitos provocar, frequentes vezes, o adiamento da audiência final ou a suspensão dos trabalhos, de modo a assegurar o exercício do contraditório, além dessa junção em plena audiência final funcionar como elemento de pressão e perturbador dos depoimentos em curso e fomentar a deslealdade processual entre as partes, que iam libertando documentos, ao longo da audiência final, à medida que a prova ia sendo produzida e das suas conveniências, com as inerentes perturbações para os depoimentos em curso e prejuízos para a celeridade processual.
Pondo termo a estas práticas, numa manifestação de efetividade do princípio da boa-fé processual e promovendo a celeridade processual, na sequência da revisão ao CPC operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/6, estabeleceu-se como regra, que a partir do vigésimo dia em que se venha a realizar a audiência final, não é admitida a junção aos autos de documentos, por forma a garantir o efetivo contraditório e que a audiência final se realize na data designada, sem pressões e sem incidentes.
Essa regra, como dito, apenas comporta duas exceções elencadas no n.º 3 daquele art. 423º.
Os casos excecionais em que é admitida a junção de documentos a partir do 20º dia que antecede a realização efetiva da audiência final e até ao encerramento da discussão nela realizada, são: a) a impossibilidade da parte de juntar aos autos esses documentos até àquele prazo limite dos 20 dias que antecedem a realização da audiência final, ou b) a junção se tornar necessária em virtude de ocorrência posterior a esse prazo-limite.
No que respeita à impossibilidade da parte de juntar aos autos esses documentos até vinte dias antes da realização da audiência final, essa impossibilidade pode ser: a) objetiva, isto é, o documento só foi produzido após aquele prazo-limite e não podia ser antes porque respeita a factos ocorridos historicamente em data posterior a esse prazo-limite; ou b) subjetiva, isto é, quando a parte só teve conhecimento da existência desse documento ou dos factos a que se reporta após o decurso desse prazo limite, apesar dos mesmos serem anteriores.
Note-se que tal como supra se referiu em relação ao articulado superveniente, também quanto à superveniência subjetiva de documentos, não basta à parte apresentante do documento invocar que só teve conhecimento da existência do mesmo depois do decurso daquele prazo-limite, uma vez que essa impossibilidade de junção pressupõe que o desconhecimento da existência do documento não derive de culpa sua. Logo, caberá à parte apresentante alegar e provar factos dos quais decorra que o desconhecimento da existência do documento até ao vigésimo dia anterior à realização da audiência final não ficou a dever-se a negligência sua (13).
Quanto à outra situação em que a lei admite excecionalmente a junção aos autos de documentos nos vinte dias que antecedem a realização da audiência final e até ao encerramento da discussão nesta – a junção se tornar necessária em virtude de ocorrência posterior –, o elemento legitimador dessa junção tardia assenta na “ocorrência posterior” ao decurso desse prazo limite, nomeadamente por o documento em causa se destinar à prova ou contraprova de factos ocorridos após o termo desse prazo limite, o que não é o caso “quando uma testemunha alude a um facto, ainda que em sentido contrário ao pretendido pelo apresentante, se se tratar de um facto já alegado ou de um facto probatório”. É que nesses casos “a ocorrência que torna necessária a apresentação deste meio de prova é a pretérita alegação da matéria, cabendo a situação no n.º 1” (14) do art. 423º, e não o depoimento da testemunha, mero meio de prova da matéria assim anteriormente alegada pelas partes.

Assentes nestas premissas, alega a apelante que apenas teve conhecimento que o apelado tinha sido condenado pela comissão, a título de autoria material, de um crime de simulação de crime, previsto e punido pelo art. 366º, n.º 1 do CP, no âmbito do identificado processo criminal que correu termos pela Instância Local de Vila Real, Secção Criminal, Juiz 1, da Comarca de Vila Real, com o n.º 1230/12.8JAPRT, na sequência das declarações de parte prestadas pelo apelado na sessão de audiência final que teve lugar no âmbito dos presentes autos em 03/04/2017, na sequência do que, diligentemente investigou e tentou informar os autos desse facto, mediante a junção aos autos, em 17/04/2017, daquelas fotocópias extraídas do referido processo-crime.

Mais sustenta que antes o apelado nunca tinha informado verbalmente os autos que tinha sido previamente condenado por ter simulado um crime de “carjacking” e que tal processo estava intrinsecamente ligado ao presente, mas apenas que tinha apresentado queixa crime por burla contra João, no âmbito do Processo n.º 426/12.7TBCHV.

Conclui a apelante que não teve como juntar aos autos aquele documento em data anterior a 17/04/2017 (é isto que se extrai da sua alegação) por desconhecer os factos a que se reporta o documento em causa.

Decorre do exposto que não obstante o apelado tenha sido condenado no âmbito do enunciado processo-crime n.º 1230/12.8JAPRT, por sentença transitada em julgado em 15/03/2013 (cfr. certidão de fls. 312 verso a 341) e, consequentemente, antes da propositura da presente ação em 11/08/2015 (cfr. fls. 34 verso), a apelante alega uma situação de impossibilidade subjetiva para juntar aos autos aqueles documentos em data anterior a 17/04/2017, pelo que urge verificar se a mesma logrou fazer prova dessa situação de impossibilidade subjetiva que a terá, sem culpa sua, impedido de juntar aos autos as referidas fotocópias em data anterior ao apontado dia 17/04/2017.

Conforme se vê da petição inicial, nela o apelado jamais identificada aquele processo n.º 1230/12.8JAPRT, sequer dá a conhecer que no âmbito desse processo criminal tinha sido condenado, por sentença transitada em julgado, pela comissão de um crime de simulação de crime, limitando-se a alegar nos pontos 17º e 18º da p.i. que perante as ameaças de João ficou convencido “a participar a subtração do veículo às autoridades”, mas que “de todo o modo, na diligência a que se votou, assumiu que o que declarava era mentira e no mesmo ato apresentou queixa contra João, a qual deu origem ao Processo n.º 426/12.7GBCH, que corre termos na Comarca de Vila Real – Ministério Público – Chaves – Procuradoria da Inst. Local – Secção de Inquéritos”.

Deste modo, tal como alega a apelante acontecer, efetivamente, em sede de petição inicial, sequer posteriormente, até à sessão de audiência final em que prestou declarações de parte, o apelado não deu notícia nos autos da enunciada condenação penal de que tinha sido alvo, por sentença transitada em julgado, e conexão dos factos em que assentou essa sua condenação com os factos em discussão no presente processo.
Precise-se, aliás, que a acima transcrita alegação do apelado vertida na petição inicial, inculca, inclusivamente, a qualquer intérprete externo que com ela se visse confrontado que apesar do apelado alegar que veio a “assumir que o que declarava” às autoridades era “mentira”, que aquele não sofrera qualquer sanção, designadamente, penal, por via dessa sua “mentira”, posto que, de contrário, não o deixaria certamente de dizer.
Logo, tal como sustenta a apelante acontecer, não só o apelado não lhe deu conhecimento daquela pretérita condenação penal de que tinha sido alvo, como não identificou o processo em que tinha sido objeto dessa condenação, sequer a conexão dos factos pelos quais foi penalmente sancionado com aqueles que estavam a ser discutidos nos presentes autos cíveis, pelo que é indiscutível que apenas com as declarações de parte prestadas pelo apelado na sessão de julgamento aquela apelante teve conhecimento dessa pretérita condenação do apelado e, consequentemente, teve possibilidades materiais de carrear para os presentes autos os elementos documentais relativos a esse processo-crime, que juntou aos mesmos em 17/04/2017.

Aqui chegados, perante a comprovada impossibilidade subjetiva da apelante em juntar aos autos aqueles documentos em data anterior a 17/04/2017, é indiscutível que contrariamente ao propugnado pelo tribunal a quo, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 423º do CPC, a junção aos autos pela apelante e pela 2ª Ré das fotocópias extraídas do identificado processo-crime n.º 1230/12.8JAPRT era tempestiva.

Argumenta o tribunal a quo que aqueles elementos probatórios documentais eram irrelevantes para os autos, porquanto “os factos consubstanciadores do crime em causa no referido processo-crime não consubstanciam a matéria objeto dos presentes autos e a qual importa apurar por forma a que o Tribunal possa conhecer dos pedidos formulados nestes autos, dito de outro modo, não integram a causa de pedir destes autos”, não revelando “o documento cuja junção aos autos ora se requer qualquer pertinência para o apuramento da verdade material dos factos em causa nestes autos e, por conseguinte, para a boa decisão da causa”, posição esta que não podemos subscrever dada a eficácia probatória extraprocessual legal da sentença condenatória transitada em julgado.
Vejamos.

B.2.3- Da eficácia probatória extraprocessual da sentença penal condenatória transitada em julgado.

Determina o art. 623º do CPC que a condenação proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração.
Regula este normativo, à semelhança do que acontecia no precedente art. 674º do CPC, o caso de ter havido condenação por ilícito penal, por sentença transitada em julgado, estabelecendo uma presunção ilidível quanto aos pressupostos da punição, aos elementos típicos legais e às formas do crime (arts. 10º a 30º do CP) em relação a terceiros em quaisquer ações civis em que se discutam relações dependentes da prática dessa infração.

Deste modo, se alguém é condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência, por sentença transitada em julgado, em posterior ação cível em que se discuta a questão da responsabilidade civil decorrente dos factos constitutivos desse crime, ou outras questões conexas com o mesmo, os terceiros gozam de uma presunção iuris tantum e, consequentemente, ilidível da existência dos factos constitutivos em que se tenha baseado a decisão condenatória proferida no processo criminal, transitada em julgado.

Note-se que o que está aqui em causa não é a eficácia do caso julgado penal, mas a definição da eficácia probatória legal extraprocessual da própria sentença penal condenatória transitada em julgado, com o recurso ao estabelecimento de uma presunção ilidível dos factos em que se tenha baseado a condenação, de que são beneficiários os terceiros em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da ou relacionada com a prática da infração penal (15).

Os factos julgados provados na sentença condenatória criminal transitada em julgado presumem-se ex lege verdadeiros em relação aos sujeitos de ação de natureza civil em que se discutam relações jurídicas dependentes da ou relacionadas com a prática do crime, presunção essa que é invocável por terceiros ou contra terceiros que sejam partes dessa ação civil, mesmo que não tenham intervindo no processo penal, podendo esses terceiros elidir essa presunção mediante prova em contrário.
Precise-se que é pacífico na doutrina e na jurisprudência que a possibilidade de elidir a presunção dos factos julgados como provados na sentença condenatória criminal transitada em julgado nunca é concedida ao arguido, a quem já foi concedida, no processo-crime em que foi julgado e condenado, por decisão definitiva, a possibilidade de aí exercer o contraditório, juntar as provas que teve por pertinentes e avocar as razões de facto e de direito.
Note-se que o que se acaba de referir é aplicável ao arguido quer este tenha sido julgado no âmbito do processo penal em processo ordinário, sumário, abreviado ou sumaríssimo, posto que além do referido art. 623º do CPC, não estabelecer qualquer distinção, também é este o sentido da ratio legis da norma em causa.

Com efeito, embora no processo sumaríssimo a lei substitua a audiência de julgamento por um procedimento de notificação de proposta de pena ao arguido, conforme decorre do disposto nos arts. 394º e 396º do CPP, é nomeado defensor ao arguido que não tenha constituído ou defensor nomeado (art. 396º, n.º1, al. a) do CPP), essa notificação é feita por contacto pessoal ao arguido (n.º 2 do art. 396º) e por uma das formas previstas nas als. a), b) e c) do n.º 1 do art. 113º do CPP ou por telecópia (n.º 1 daquele art. 113º) ao seu defensor (n.º 3 daquele art. 396º), juntamente com o requerimento do Ministério Público, requerimento esse que corresponde materialmente a uma acusação (16) e que contém, por escrito, as indicações tendentes à identificação do arguido, a descrição dos factos que lhe são imputados, a menção das disposições legais violadas, a prova existente, o enunciado sumário das razões pelas quais o Ministério Público entende que ao caso não deve concretamente ser aplicada pena de prisão (n.º 1 do art. 394º), a indicação precisa das sanções concretamente propostas e da quantia exata a atribuir a título de reparação, quando esta deva ser aplicada (n.º 2 do art. 394º do CPP), bem como a informação do direito de o arguido se opor à sanção e da forma de o fazer, a indicação do prazo para a oposição e do seu termo final e a menção dos efeitos da oposição e da não oposição (n.º 2 do art. 396º).
Perante essa notificação, assiste ao arguido o direito de se opor àquele requerimento, caso em que o processo é reenviado pelo juiz para a outra forma de processo que lhe couber, valendo o requerimento do Ministério Público como acusação (art. 398º do CPP).

Ao arguido assiste o direito a não se opor, caso em que o juiz, por despacho, procede à aplicação da sanção, acrescentando condenação em custas (n.º 1 do art. 393º do CPP), valendo esse despacho como sentença condenatória (n.º 2 do mesmo art. 393º), tendo a força e o âmbito do caso julgado material próprio de uma sentença condenatória proferida em processo comum (17).
Decorre do exposto, que o despacho proferido em processo sumaríssimo é em tudo igual a uma sentença condenatória proferida em processo comum.

A não oposição do arguido, a quem foram asseguradas todas as garantias de defesa, podendo, inclusivamente, opor-se ao requerimento do Ministério Publico, fazendo transitar o processo para uma forma mais solene de processo, do que de tudo foi devidamente informado, significa que aquele confessa, admitindo como verdadeiros todos os factos que lhe são imputados no requerimento do Ministério Público, isto é, na acusação pública que contra ele é deduzida, os quais passam, consequentemente, a integrar a sentença condenatória, dela fazendo parte integrante do elenco dos factos julgados como provados.
Como dito, o arguido nunca tem a possibilidade de elidir a presunção estabelecida no art. 623º do CPC.
Quanto a ele os factos assentes na sentença penal condenatória transitada em julgado, consideram-se definitivamente provados, fazendo prova plena contra o mesmo, não podendo ser por ele discutidos em posterior ação cível em que se discutam relações jurídicas dependentes da ou relacionadas com a prática da infração penal (18).

No caso, conforme se vê da certidão junta aos autos a fls. 312 verso a 341, que a apelante sustenta corresponder às fotocópias que tinha extraído do processo-crime n.º 1230/12.8JAPRT e que tinha junto aos autos em 17/04/2017, o que não foi contestado pelo apelado, pelo que impera concluir que assim é, este foi condenado, no âmbito daquele processo, por sentença transitada em julgado em 13/05/2013, pela comissão, a título de autoria material, de um crime de simulação de crime, previsto e punido pelo art. 355º, n.º 1 do C.P., na pena de cem dias de multa, à taxa diária de seis euros, constando entre o elenco dos factos de que foi acusado e pelos quais foi condenado que o mesmo “ao tempo se achava em dificuldades económicas, tendo vendido o VW Golf em Chaves para peças; e como alguém lhe tivesse sugerido que participasse falsamente o furto do carro à seguradora para assim se apropriar da indemnização que lhe seria devida pelo seguro contra todos os riscos de que então beneficiava, vai daí o arguido decidiu proceder como acima descrito”.

Resulta do exposto, que tal como sustenta a apelante acontecer, contrariamente ao que vem alegado pelo aqui apelado em sede de petição, este, arguido naqueles autos de processo-crime, na sentença condenatória de que foi alvo, devidamente transitada em julgado, encontra-se definitivamente assente que o apelado se achava em dificuldades económicas e que, por isso, vendeu o veículo objeto dos presentes autos, em Chaves, para peças.

Conforme referido, por força da eficácia probatória legal extra processual daquela sentença condenatória, devidamente transitada em julgado, essa factualidade encontra-se definitivamente assente, fazendo prova plena contra o Autor/apelado no âmbito dos presentes autos cíveis, não podendo este neles colocar em crise que não tivesse vendido o veículo automóvel, em Chaves, para peças, devido às dificuldades económicas com que então se debatia, pretendendo antes não ter vendido esse veículo, mas que apenas o entregou no dia 25/05/2012, ou em data próxima, a um indivíduo, de nome João, pessoa que lhe foi apresentada como sendo negociante de automóveis na zona da Lixa, e que se prontificou a ajudá-lo na venda desse veículo, a quem o entregou, a pedido deste, para que o mesmo o colocasse em exposição num stand, juntamente com o respetivo título de registo de propriedade e certificado de seguro.

Com efeito, encontra-se, em definitivo, assente na sentença condenatória penal que o apelado vendeu essa viatura em Chaves, para peças, devido às dificuldades económicas com que se debatia, sendo que por força da eficácia probatória extra processual legal daquela sentença condenatória, esses factos assim julgados provados fazem prova plena contra o apelado, não podendo, reafirma-se, por ele ser colocados em crise no âmbito da presente ação cível ou noutra ação cível qualquer em que se discutam relações dependentes da ou relacionadas com a prática pelo mesmo da enunciada fração criminal.

Significa isto que estando em discussão nos presentes autos apurar-se a alegada não venda dessa viatura por parte do apelado – é nisto que reside a causa de pedir por ele invocada e em que aquele sustenta os pedidos que aduz –, essa causa de pedir encontra-se subtraída ao princípio da livre apreciação da prova, pelo que quanto a ela, em rigor, logo que teve conhecimento do trânsito em julgado daquela sentença condenatória, que julgou provados aqueles factos, o tribunal a quo nem sequer devia ter admitido a produção de prova quanto à mesma, fosse testemunhal, fosse por declarações de parte.

É precisamente por isso mesmo que anteriormente referimos que o despacho proferido pelo tribunal a quo em 18/05/2017, quando não admitiu a pretensão da apelante e da 2ª Ré no sentido de ser reinquirido o apelado à matéria daquele processo-crime e para as demais finalidades enunciadas no por elas denominado “articulado superveniente”, não nos merecia censura.

Estando assente na sentença penal condenatória, transitada em julgado, que o veículo automóvel foi vendido pelo apelado, em Chaves, para peças, devido às dificuldades económicas com que este então se debatia, e tendo aquela sentença força probatória plena quanto a estes concretos factos contra o apelado, esses factos consideram-se plenamente provados nos termos do n.º 5 do art. 607º do CPC, estando excluídos do princípio da livre apreciação da prova do julgador, que por imposição legal, sem qualquer margem de subjetivismo, os tem de considerar assentes e incontestados.

Mais. O que se acaba de concluir impõe, inclusivamente, que a Relação, assim como o Supremo Tribunal de Justiça, sempre que verifiquem, em sede de recurso, que a matéria julgada como provada ou não provada pelo tribunal a quo se mostra desconforme às enunciadas normas de direito probatório, que no caso, reafirma-se, impõem que se considere plenamente provado que o apelado vendeu o referido veículo em Chaves, para peças, devido às dificuldades económicas com que então se debatia, interfira, mesmo oficiosamente na matéria julgada provada pelo tribunal a quo, isto é, independentemente daquela ser ou não impugnada pelo(s) recorrente/s), dado que o julgamento fáctico assim feito se encontra afetado por erro de direito probatório material, impondo-se tornar a matéria julgada provada e não provada conforme a essas mesmas regras de direito probatório material (19).

É precisamente devido à apontada eficácia probatória extra processual legal da sentença penal condenatória transitada em julgado, fixada pelo art. 623º do CPC, que nos impede de subscrever a decisão proferida pelo tribunal a quo de 18/05/2017, posto que contrariamente ao que nela é postulado por aquele tribunal, as fotocópias extraídas pela apelante e pela 2ª Ré do referido processo-crime n.º 1230/12.8JAPRT e por elas juntas aos autos, tinham importância decisiva, em sede probatória, para o desfecho dos presentes autos.

Aliás, perante a enunciada força probatória daquela sentença penal condenatória, com os reflexos jurídicos acabados de enunciar no âmbito dos presentes autos, embora tenhamos para nós que o princípio do inquisitório previsto no art. 411º do CPC não descaracteriza, sequer inviabiliza o princípio base do processo civil do dispositivo, sequer afasta o princípio da auto-responsabilidade que impende sobre as partes e, muito menos, serve para suprir omissões daquelas, impunha-se que mal o tribunal a quo se apercebeu da eventualidade do apelado ter sido julgado e condenado em processo-crime por factos conexionados com aqueles que se encontravam em discussão nos presentes autos, nomeadamente, perante a junção pela apelada e pela 2ª Ré das fotocópias que extraíram daquele processo-crime, tivesse lançado mão dos seus poderes inquisitoriais e tivesse requisitado certidão da sentença condenatória proferida contra o apelado naquele processo crime, com nota do respetivo trânsito em julgado, por forma a obstar à prática de atos inúteis, designadamente, probatórios, produzindo inutilmente prova testemunhal ou por declarações de parte, e por forma a obstar incorrer em erro de direito probatório material, conforme veio a acontecer.

Resulta do que se vem dizendo que se é certo que o documentos juntos aos autos pela apelante e pela 2ª Ré em 17/04/2017, consubstancia meras fotocópias extraídas do processo crime n.º 1230/12.8JAPRT e como tal insuscetíveis de fazerem prova da enunciada força probatória, impunha-se que o tribunal a quo, não tivesse ordenado o seu desentranhamento dos autos, mas antes fizesse uso do princípio do inquisitório e tivesse requisitado certidão da sentença condenatória proferida nesses autos, com nota do respetivo trânsito, com os sobreditos desideratos.

Termos em que, na procedência deste fundamento de recurso, revoga-se o despacho proferido a fls. 237 e 238, em 18/05/2017, na parte em que ordenou o desentranhamento das fotocópias extraídas do processo n.º 1230/12.8JAPRT, que correu termos pela Instância Local, Secção Criminal de Vila Real – Juiz 1, do Tribunal da Comarca de Vila Real, e a sua devolução às apresentantes.

A procedência do recurso quanto à enunciada decisão intercalar impunha, em princípio, que se anulasse os atos subsequentes, como vista a que o tribunal a quo, no uso do princípio do inquisitório, requisitasse ao processo n.º 1230/12.8JAPRT, que correu termos pela Instância Local, Secção Criminal de Vila Real – Juiz 1, do Tribunal da Comarca de Vila Real, certidão da sentença condenatória aí proferida, com nota do respetivo trânsito em julgado.
Acontece que a apelante juntou essa certidão aos presentes autos a fls. 312 verso a 341.
A enunciada sentença condenatória, transitada em julgado, do aqui apelado no âmbito daquele processo-crime, onde se considerou como provado que aquele vendeu o veículo automóvel, em Chaves, para peças, devido às dificuldades económicas com que então se debatia, tem reflexos exclusivamente probatórios no âmbito dos presentes autos, impedindo que neles, sob pena de postergação da regra de direito probatório material fixada pelo art. 623º do CPC, se dê como provados factos que contrariem a prova plena dos factos assim julgados provados naquela sentença penal condenatória transitada em julgado.
A violação dessa regra de direito probatório, a verificar-se, apenas dá lugar aos poderes de rescisão ou de cassação da matéria de facto julgada como provada e não provada pela 1ª Instância, nos termos do art. 662º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

Significa isto, que tendo a apelante junto aos autos a referida certidão, em anexo às suas alegações de recurso, atentaria gravemente contra a celeridade e a economia processuais, estar a ordenar-se o desentranhamento daquela certidão dos autos (caso se viesse a constatar não estarem preenchidos os requisitos legais enunciados no n.º 1 do art. 651º do CPC que permitiam à apelante juntar essa certidão aos autos com as suas alegações de recurso – como não se verifica, já que os factos a cuja prova se destina estão em discussão nos autos desde o primeiro momento e a apelante teve conhecimento da ocorrência dos factos a que e reporta aquele documento, tal como confessa acontecer, na sequência das declarações de parte prestadas pelo apelado em audiência final), para, de seguida, se estar a anular a sentença recorrida para que o tribunal a quo providenciasse exclusivamente pela junção aos autos dessa mesma certidão e proferisse nova sentença de acordo com as regras de direito probatórios materiais aplicáveis ao caso e supra enunciadas.
Porque assim é, não sendo lícito ao tribunal realizar no processo atos inúteis (art. 130º do CPP), admite-se a junção aos autos da certidão de fls. 312 verso a 341.

B.3- Da violação de regras de direito probatório.

Sustenta a apelante que o tribunal a quo incorreu em violação de regras de direito probatório ao não dar como provados os factos julgados como provados no processo-crime n.º 1230/12.8JAPRT, designadamente que “ao tempo o Autor se achava em dificuldades económicas, tendo vendido o VW Golf, em Chaves, para peças”.

Imputa igual vício à sentença recorrida, ao não julgar como provados os factos alegados nos pontos 61º e 89º da contestação, sustentando que esses factos foram confessados pelo apelado no processo-crime n.º 426/12.7GBCHV, que correm termos na Comarca de Vila Real, Ministério Público de Chaves, Procuradoria da Instância Local, Secção de Inquéritos, cuja certidão o apelado juntou aos autos a fls. 15 a 33.
Enuncie-se que tal como decorre do que se vem explanando, é um facto que o tribunal a quo incorreu em violação da regra de direito probatório material estabelecida no art. 623º do CPC, ao dar como provados os factos vertidos nos pontos 6º, 7º, 11º, 12º, 13º e 22º que constam do seguinte teor:

6- O referido F. M., informou-o que o poderia ajudar, mas que para esse efeito, teria de levar o veículo para um stand.
7- Por esse motivo, no dia 25/05/2012, o Autor entregou o identificado veículo automóvel e a respetiva chave a F. M., para que o colocasse em exposição no stand, para venda;
11- Nesse mesmo dia 26/05/2012, F. M. solicitou ainda ao Autor a sua assinatura numa folha em branco, tendo o Autor recusado.
12- No dia seguinte, o Autor por ter ficado assustado com o pedido, contactou F. M. via telefónica, informando-o que já tinha comprador para o veículo, solicitando consequentemente a devolução da viatura.
13- Sucede que F. M. informou o Autor que tal já não era possível, uma vez que o veículo já se encontrava desmantelado, informando-o mais tarde que o mesmo veículo já tinha ido para Angola.
22- O Autor não recebeu qualquer preço pela transmissão do veículo automóvel identificado em 1)”.

Com efeito a factualidade assim julgada como provada contraria os factos assentes na sentença penal, transitada em julgado em 13/05/2013, nos autos n.º 1230/12.8JAPRT, da Instância Local, Secção Criminal de Vila Real, Juiz 1, da Comarca de Vila Real, que condenou o apelado, ali arguido, pela comissão, a título de autoria material, de um crime de simulação de crime, previsto e punido pelo art. 366º, n.º 1 do CP, na pena de cem dias de multa, à taxa diária de seis euros, e onde se julgou como provado que o apelado, ali arguido, por ao tempo se achar em dificuldades económicas, vendeu aquele veículo, em Chaves, para peças.
Os factos assim julgados como provados na referida sentença penal, transitada em julgado, reafirma-se, fazem prova plena contra o apelado e ali arguido, não podendo por ele serem contrariados no âmbito dos presentes autos.

Deste modo, ao ter dado como provada a matéria acima identificada nos pontos 6º, 7º, 11º, 12º, 13º e 22º dos factos julgados como provados na sentença recorrida, o tribunal a quo incorreu em flagrante violação de regras de direito provatório material, mais concretamente do estatuído nos arts. 623º e 607º, n.º 5 do CPC, impondo-se, consequentemente anular aquelas respostas.
No entanto, diversamente do pretendido pela apelante, do que se acaba de dizer não decorre que o tribunal a quo tivesse de julgar como provados na sentença recorrida os factos julgados como provados no identificado processo n.º 1230/12.8JAPRT, designadamente que “ao tempo o Autor se achava em dificuldades económicas, tendo vendido o VW Golf, em Chaves, para peças”.
É um facto que esta matéria fáctica se encontra definitivamente assente naquele processo-crime e que a mesma não pode ser contrariada pelo apelado na presente ação cível.
No entanto, abstraindo dos factos complementares e instrumentais a que se reporta o n.º 2 do art. 5º, que manifestamente não é o caso daqueles factos assim julgados como provados na referida sentença condenatória, transitada em julgado, nos termos dos arts. 5º, n.º 1 e 607º, n.º 4 do CPC, na sentença o juiz tem de julgar como provados e não provados os factos essenciais alegados pelo Autor e que constituem a causa de pedir por ele invocada para sustentar os pedidos que formula e, bem assim os factos essenciais em que se baseiam as exceções invocadas pelos Réus, os quais, como se referiu, com exclusão da exceção dilatória da ilegitimidade passiva, conhecida, em definitivo, no despacho saneador, não invocaram outras exceções.
A causa de pedir invocada pelo apelado para ancorar os seus pedidos foi a de que não teria vendido aquela viatura, mas que apenas se limitou a entregá-la, mais as respetivas chaves, titulo de registo de propriedade e certificado de seguro, a um indivíduo, que lhe foi apresentado como sendo negociante de automóveis, da zona da Lixa, que se prontificou a ajudá-lo na venda dessa viatura, para que este a colocasse em exposição no stand.
São estes factos essenciais e integrativos da causa de pedir invocados pelo apelado, aos quais o tribunal tinha de responder.
Encontrando-se, em definitivo, provado no identificado processo-crime, fazendo prova plena contra o apelado, que o último vendeu essa viatura, em Chaves, para peças, por via das dificuldades económicas com que então se debatia, impunha-se, e impõe-se, ao tribunal julgar como não provados os factos essenciais integrativos da causa de pedir alegados pelo apelado na medida em que estes contrariem a prova plena dos factos julgados provados no processo criminal, e não julgar como provados os factos que foram julgados provados neste processo-crime.

Por outro lado, ainda que os factos alegados pela apelante e pela 2ª Ré nos pontos 61º e 68º da contestação tivessem sido confessados pelo apelado no processo-crime n.º 426/12.7GBCHV, cuja certidão se encontra junta aos autos a fls. 15 a 33, nunca o tribunal a quo, sequer esta Relação, pode dar como provados esses factos, isto é, que no dia 25/05/2012, o Autor efetuou a entrega do veículo a João, que o levou para ser vendido à consignação, uma vez que essa factualidade contraria a eficácia probatória legal extra processual da sentença penal condenatória, transitada em julgado, proferida nos autos de processo-crime n.º 1230/12.8JAPRT, onde se encontra julgado provado e, consequentemente, com força probatória plena contra o apelado, que este vendeu aquele veículo, em Chaves, para peças, devido às dificuldades económicas com que então se debatia.
Termos em que, na procedência parcial dos fundamentos de recurso aduzidos pela apelante, anula-se as respostas dos pontos 6º, 7º, 11º, 12º, 13º e 22º dos factos julgados como provados na sentença recorrida, que passam a figurar no elenco dos factos julgados como não provados na sentença recorrida.

B.5- Da impugnação da matéria de facto.

Sustenta a apelante que o tribunal a quo incorreu em erro de direito ao julgar como provados os factos vertidos nos pontos 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º e 18º na sentença recorrida e pretende que, uma vez reponderada a prova produzida, se conclua pela não prova dessa factualidade.
Os factos julgados como provados nos pontos 6º, 7º, 11º e 12º na sentença recorrida foram anulados por violação de regras de direito probatório material, pela que a impugnação desta factualidade se encontra prejudicada.
Quanto aos restantes factos julgados provados nos pontos 5º, 8º, 9º, 10º e 18º na sentença recorrida e que a apelante impugna, incumbe precisar que o direito à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não subsiste a se mas antes tem caráter instrumental face à decisão de mérito.

Significa isto que por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processuais, o tribunal ad quem deve abster-se de reapreciar a matéria de facto quando os factos concretos objeto da impugnação forem insuscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às várias soluções plausíveis de direito, nenhuma relevância jurídica assumirem, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequentemente. Logo, o princípio da limitação dos atos consagrado no art. 130º do CPC, deve ser observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto quando a análise da situação concreta evidenciar, ponderando todas as soluções plausíveis da questão de direito que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projeta na decisão de mérito a proferir (20).

No caso, independentemente da sorte que viesse a ter a impugnação da matéria de facto vertida nos pontos 5º, 8º, 9º, 10º e 18º dos factos julgados como provados na sentença recorrida feita pela apelante, perante a precedente anulação das respostas dos pontos 6º, 7º, 11º, 12º, 13º e 22º dos factos julgados como provados nessa mesma sentença, que passaram a constar do elenco dos factos nela julgados como não provados, tendo presente as várias soluções plausíveis de direito aplicáveis ao caso, nenhuma utilidade teria aquela apreciação. É que fundando o apelante os seus pedidos na circunstância de não ter vendido o veículo automóvel, mas apenas se limitou a entregá-lo, mais as respetivas chaves, título de registo de propriedade e certificado de seguro, a um indivíduo, que lhe foi apresentado como sendo negociante de automóveis, da zona da Lixa, que se prontificou a ajudá-lo na venda do mesmo, para que este o colocasse em exposição no stand, perante a não prova desta factualidade, reafirma-se, independentemente da sorte que viesse a ter a impugnação daquela outra factualidade, a sorte da presente ação encontra-se, em definitivo, traçada.

Termos em que, por falta de utilidade para a decisão de mérito a proferir, rejeita-se o recurso de impugnação da matéria de facto apresentado pela apelante quanto aos pontos 5º, 8º, 9º, 10º e 18º dos factos julgados como provados na sentença recorrida.

Introduzidas as alterações acima enunciadas aos pontos 6º, 7º, 11º, 12º, 13º e 22º dos factos julgados como provados na sentença recorrida, cuja resposta se anulou e cuja factualidade passou a constar do elenco dos factos julgados como não provados, impõe-se verificar se a sentença recorrida se pode manter ou se antes, tal como postula a apelante, se impõe a sua revogação.

B.6- Do direito

O apelado instaurou a presente ação alegando como causa de pedir para os vários pedidos que deduz, o facto de ser proprietário do veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca “VW”, modelo “Golf”, matrícula GY e chassis ... e de não o ter vendido a ninguém, incluindo ao 1º Réu, mas apenas o ter entregue, mais as respetivas chaves, título de registo de propriedade e certificado de seguro, a um indivíduo de nome João, que lhe foi apresentado como sendo negociante de automóveis, da zona da Lixa, e que se prontificou a ajudá-lo na venda desse veículo, para que esse indivíduo o colocasse em exposição num stand.

Mais alegou que em data anterior a 08 de agosto de 2012, veio a ter conhecimento que aquele veículo de que é proprietário tinha sido importado, ostentando agora a matrícula portuguesa NB e que figurava como proprietário do mesmo o 1º Réu, pessoa a quem não vendeu aquele, sequer de quem não recebeu o respetivo preço, sendo que a assinatura que consta da declaração da venda como sendo da sua autoria é falsa, posto que não é do seu punho.
Finalmente alegou que este 1º Réu vendeu essa viatura à 2ª Ré, a qual, por sua vez, a vendeu à 3ª Ré.
Decorre do exposto que para obter êxito na presente demanda, o apelante tinha de provar (art. 342º, n.º 1 do CC.) que não vendeu o veículo automóvel a ninguém, mas antes, como alega ter acontecido, que se limitou a entregá-lo ao referido individuo de nome João, que alegadamente se prontificou a ajudá-lo nessa venda, para que este João o colocasse em exposição num stand.

Com efeito, à procedência dos pedidos formulados pelo apelante não basta que se tenha provado que a 13/06/2012 aquele veículo foi importado para Portugal em nome do 1º Réu e que com o pedido de importação foram apresentados junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, Alfândega, os documentos a inspeção técnica e o certificado de matrícula do veículo em causa e, bem assim a declaração de venda onde consta o nome do 1º Réu como comprador e o do apelado como de vendedor, ficando a constar, desse mesmo documento, que o preço da venda foi de 13.500,00 euros, e que a assinatura aposta nessa declaração de compra e venda não foi feita pelo punho do apelado, não tendo este último manifestado em momento algum ao 1º Réu Albino a sua vontade de lhe vender o dito veículo automóvel, nem este manifestou-lhe a vontade de lho comprar, não tendo o 1º Réu pago ao apelado, nem a qualquer outra pessoa em nome deste, para dele receber o preço do veículo, nem que esse veículo tivesse sido entregue pelo apelado ao predito Réu (pontos 18º a 21º da matéria de facto provada).

É que sendo o contrato de compra e venda de veículo automóvel meramente consensual (art. 219º do CC), tratando-se de um contrato com eficácia real ou contrato real, na medida em que a transferência da propriedade se dá por mero efeito do contrato (arts. 408º, n.º 1, 874º e 879º, al. a) do CC) (21), que, como se disse, pode ser celebrado entre apelado e um comprador qualquer sem observância de forma escrita, impunha-se que o apelado tivesse feito prova em como não vendeu aquele veículo a terceiro, terceiro esse que, como é bom de ver, poderá ter vendido ao 1º Réu esse veículo, já com a assinatura do apelado aposta na declaração de venda falsificada.
Ora, não tendo o apelado logrado fazer prova em como não tivesse vendido aquele veículo, conforme era seu ónus fazer (art. 342º, n.º 1 do CC), antes estando assente, como se viu, na sentença condenatória, transitada em julgado, proferida nos autos de processo n.º 1230/12.8JAPRT, da Instância Local, Secção Criminal de Vila Real, Juiz 1, que o apelado, aí arguido, vendeu essa viatura, em Chaves, para peças, dadas as dificuldades económicas com que então se debatia, factualidade esta que faz prova plena contra o mesmo, impera concluir pela improcedência da presente ação, impondo-se a consequente revogação da sentença recorrida quando julga a ação parcialmente procedente.

B.6- Da litigância de má-fé

Insurge-se a apelante contra a sentença recorrida ao não ter condenado o apelado como litigante de má-fé, sustentando que este sonegou a informação e o conhecimento oportuno aos autos da existência do processo-crime n.º 1230/12.8JAPRT, em que foi condenado por sentença transitada em julgado, com o propósito de torpedear a eficácia da defesa daquela, servindo-se do processo para praticar um ato ilegal, o qual foi requerer a falsidade do negócio celebrado com o 1º Réu, apesar de bem saber que tinha vendido o veículo em causa e que o primeiro negócio que tinha celebrado não foi o negócio cuja falsidade requer, mas sim o negócio de compra e venda da referida viatura para peças.
Vejamos se assiste razão à apelante.

Dispõe o art. 542º, n.º 1 do CPC que “tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.

“Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão” (artigo 542º, nº2, do CPC).
A litigância de má-fé traduz-se na violação do dever de boa-fé que o art. 266º- A do CPC de 1961 já impunha às partes e que agora é reforçado no atual vigente CPC pelos princípios da cooperação (art. 7º do CPC), dever de boa-fé processual (art. 8º do CPC) e dever de recíproca correção (art. 9º d0 CPC), visando o instituto em causa que a conduta dos litigantes se afira por padrões de probidade, verdade, cooperação e lealdade.

Pelo interesse de natureza pública que subjaz à garantia de uma litigância pelas partes dentro dos referidos padrões e, consequentemente, de uma utilização adequada e própria dos meios e mecanismos processuais, a litigância de má-fé opera oficiosamente, apenas estando a condenação em indemnização à parte contrária dependente do pedido do beneficiário.
Verificando o tribunal a litigância com má-fé, material ou processual, cumpre-lhe condenar o litigante doloso ou que agiu com negligência grave, mesmo que a outra parte não haja requerido tal condenação.
A concretização das situações de litigância de má-fé exige, no entanto, alguma flexibilidade por parte do intérprete, tendo presente que está em causa o exercício do direito fundamental de acesso ao direito (art. 20º da CRP), não podendo aquele instituto traduzir-se numa restrição injustificada e desproporcionada daquele direito fundamental.

Acresce que não convém olvidar a natureza polémica e argumentativa do Direito, o caráter aberto, incompleto e autopoiético do sistema jurídico, a omnipresente ambiguidade dos textos legais e contratuais e as contingências probatórias quer na vertente da sua produção, quer na vertente da própria valoração da prova produzida, e que com o passar dos tempos, teses jurídicas que inicialmente se afiguram peregrinas, vieram a tornar-se teses dominantes.
Dir-se-á assim, que à semelhança da liberdade de expressão numa sociedade democrática, o direito fundamental de acesso ao direito só deve ser penalizado no seu exercício quando, de forma segura, se possa concluir que o seu exercício é desconforme com a sua teleologia subjacente, traduzindo-se na violação dos deveres de probidade, verdade e cooperação e numa utilização dos meios processuais com o objetivo de entorpecer a realização da justiça.
Por isso, o tipo subjetivo da litigância de má-fé apenas se preencherá em caso de dolo ou negligência grave.

Com efeito, e ao contrário do que sucedia antes da reforma processual civil de 1995/1996, efetuada pelos Decretos-Lei n.º 329-A/95 de 12.12 e 180/96 é, atualmente, sancionável, a título de má-fé, não apenas a lide dolosa, mas também aquela em que são violadas, com culpa grave ou erro grosseiro, as regras de conduta processual conformes com a boa-fé.

Refere-se no relatório do referido Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12.12 que “como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagra-se expressamente o dever da boa-fé, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por ação ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjetivos.”

Menezes Cordeiro, escreve que “no Direito processual – 1995/96 - valem o dolo e a negligência grave: não a comum. A jurisprudência, ainda que sublinhando o alargamento que a relevância agora dada à negligência (grave) significa, restringe esse alargamento às prevaricações substanciais; nas processuais – art. 456º/2, d) - apenas relevaria o dolo …A própria negligência grave é entendida como ‘imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesto aos olhos de qualquer um” (22).

No mesmo sentido Teixeira de Sousa, escreve que “a infração do dever do honeste procedere pode resultar de uma má-fé subjetiva, se ela é aferida pelo conhecimento ou não ignorância da parte, ou objetiva, se resulta da violação dos padrões de comportamento exigíveis” (23).

Deste modo, a parte age com má-fé se sabe que não tem razão ou se descurou completamente a ponderação da sua conduta, acabando por alegar factos não verdadeiros ou obstar à normal composição do litígio (24).

Assentes nestas premissas, é um facto incontroverso que o apelado não cuidou em informar, em sede de petição inicial, ter sido objeto de sentença condenatória, transitada em julgado, pela comissão de um crime de simulação de crime no âmbito do processo n.º 1.230/12.8JAPRT e que essa condenação se relacionava com os factos em discussão nos presentes autos.
No entanto, fê-lo em sede de declarações de parte que prestou em audiência final.

Esta posição do apelado, exclui, a nosso ver, a possibilidade daquele ter agido intencionalmente com o propósito de sonegar nos autos a referida informação.

Acresce que a eficácia probatória legal extra processual da sentença penal condenatória, transitada em julgado, consubstancia matéria que envolve complexos conhecimentos técnico-jurídicos, nem sempre fáceis de descortinar, pelo que dificilmente se poderá concluir que o facto de o apelado não ter trazido aos autos informação sobre a existência daquela sentença penal condenatória antes da audiência final em que prestou declarações de parte e, bem assim que os factos pelos quais foi condenado se relacionavam com aqueles que se encontravam em discussão nos presentes autos, comporte necessariamente uma posição temerária da parte deste e que, ao assim proceder, aquele tivesse, dolosa ou com negligência grave, agido com o propósito de sonegar essas informações aos autos.
Resulta do exposto que perante os dados que se acabam de enunciar, bem andou o tribunal a quo ao não condenar o apelado como litigante de má-fé, posição essa que aqui se reitera e confirma.
**
Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, acordam em julgar a presente apelação parcialmente procedente e, em consequência:

a- revogam parcialmente o despacho proferido em 18/05/2017, a fls. 237 a 238, na parte em que não admitiu a junção aos autos das fotocópias extraídas do processo n.º 1230/12.8JAPRT, da Instância Local, Secção Criminal de Vila Real, Juiz 1, da Comarca de Vila Real, confirmando o restante aí decidido;
b- admitem a junção aos autos da certidão de fls. 312 verso a 341, extraída do processo n.º 1230/12.8JAPRT, da Instância Local, Secção Criminal de Vila Real, Juiz 1, da Comarca de Vila Real;
c- anulam as respostas dos pontos 6º, 7º, 11º, 12º, 13º e 22º dos factos julgados como provados na sentença recorrida, que passam a constar do elenco dos factos nela julgados como não provados;
d- revogam a sentença recorrida, julgando a ação improcedente e absolvem os réus do pedido.
*
Custas da apelação pelo apelado, uma vez que apesar da apelação interposta pela apelante apenas ter obtido parcial provimento, a parte em que viu a apelação a improceder, nenhum reflexo jurídico teve na decisão final (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
*
Guimarães, 17 de maio de 2018---

José Alberto Moreira Dias
António José Saúde Barroca Penha
Eugénia Maria Marinho da Cunha



1. Ac. RL de 29/10/2015, Proc. n.º 161/09.3TCSNT.L1-2, in base de dados da DGSI.
2. Ac. STA. de 09/07/2014, Proc.00858/14, in base de dados da DGSI.
3. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
4. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
5. Ac. RC de 20/01/2015, Proc. 2996/12.0TBFIG.C1, in base de dados da DGSI.
6. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374.
7. Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, pág. 372.
8. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., pág. 189, lendo-se na nota 298 daquela pág. 189, que “para que se impeça a formação de caso julgado, a parte vencida tem o ónus de interposição do recurso (Ac. do STJ, de 19/11/15 e Ac. RE de 30/11/16, em www.dgsi.pt)”. A propósito do art. 644º, n.º 2, al. d) do CPC, aquele autor escreve, a fls. 198, nota 314 “cfr. (…) Ac. RG, de 25/05/16 (www.dgsi.pt) sobre a delimitação do normativo”. RG. de 25/05/2016, Proc. 1514.1TBMG-B.G1, in base de dados da DGSI, onde se lê: “Para efeitos da subsunção na al. , do nº 2 do art. 644º do CPC, ou seja, para que concreta decisão seja passível de apelação autónoma, importa distinguir a rejeição do articulado quando formulada, pois que, apenas há rejeição do articulado quando o tribunal sem analisar a causa, isto é, o conteúdo da articulado sobre a relação material controvertida, ou sobre a relação processual decide sobre os pressupostos formais da sua admissibilidade.
9. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Os Artigos da Reforma”, vol. II, 2014, págs. 68 e 69.
10. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 203. Ac. RL. de 16/10/2009, Proc. 224298/08.4YIPRT-B.L1-8, in base de dados da DGSI.
11. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal à luza da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 857.
12. Paula Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2013, Almedina, págs. 340 e 341. No mesmo sentido de que o encerramento da discussão em 1ª Instância é o limite máximo até ao qual o art. 423º, n.º 3 do CPC, consente a junção aos autos de documentos, verificados que estejam os requisitos legais que enuncia, vide Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, 2014, Almedina, pág. 352, nota 829. Ainda Pais de Amaral, “Direito Processual Civil”, 2106, 12ª ed., pág. 320.
13. Ac. RC. de 20/01/2015, Proc. 2996/12.0TBFIG-G1, in base de dados da DGSI.
14. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit., pág. 341.
15. Acs. STJ. de 11/03/2003, Proc. 03B2998; de 09/04/2003, Proc. 04B1764; de 25/02/2010, Proc. 667/2002.L1-8, todos in base de dados da DGSI.
16. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Processo Penal À luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 984.
17. Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pág. 990.
18. Acs. STJ. de 14/02/2002, Rev. n.º 3849/01-2ª, Sumários, 2/2002; de 09/12/2004, Proc. 04B1764; de 13/01/2010, Proc. 1164/07.8TTPRT.S1; RL. de 25/02/2010, Proc. 667/2002.L1-8, estes in base de dados da DGSI; RP. de 08/11/2007; CJ, 2007, t. 5º, pág. 168.
19. Abrantes Geraldes, “Sentença Cível”, janeiro de 2014, pág. 20.
20. Acs. STJ de 17/05/2017, Proc. 4111/13.4TBBRG; RG. de 18/12/2017, Proc. 730/16.5T8GMR.G1; de 18/12/2017, Proc. 3892/16.8TBRG.G1; de 09/04/2015, Proc. 4649/11-8TBBRG.G1; RP. de 07/05/2012, Proc. 2317/09.0TBVLG.P1; RC. de 24/02/2012, Proc. 219/10.6T2VGS.C1; 27/05/2014, Proc. 104/12.0T2AVR.C1, todos in base de dados da DGSI.
21. Acs. STJ. de 24/02/77, BMJ 264º, pág. 179; de 03/03/98, BMJ 475º, pág. 629; RL. de 03/11/87, CJ, t. 5º, pág. 88; de 11/01/1990, Proc. 0004586; RP. de 26/02/2009, Proc. 0835944, estes in base de dados da DGSI.
22. Menezes Cordeiro, “Litigância de Má Fé, Abuso de Direito de Ação e Culpa “In Agendo”, Almedina 2006, pág. 26.
23. Teixeira de Sousa, ob. cit., págs. 62 e 63.
24. Neste sentido, lê-se no Ac. do STJ, de 28/05/2009, Proc. 09B681, in base de dados da DGSI: “Para a condenação como litigante de má-fé, exige-se que o procedimento do litigante evidencie indícios suficientes de uma conduta doloso ou gravemente negligente, o que requer grande cautela para evitar condenações injustas, designadamente quando «assente em provas, como a testemunhal, cuja fiabilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico, como judiciosamente se ponderou no Acórdão do Supremo Tribunal de 11.12.2003. Tal é exigência legal que deflui imediatamente como corolário, do axioma antropológico da dignidade da pessoa humana proclamado pelo art. 1º da nossa Lei Fundamental, pois ninguém porá em causa o caráter gravoso e estigmatizante de uma condenação injusta como litigante de má-fé. É esta dignidade, proclamada legal, constitucional e supranacionalmente, impeditiva de que a simples impugnação per positionem da versão de uma das partes seja considerada como integrando «mala fides» sempre que a versão aposta à alegada seja provada, antes se exigindo que ela seja imputável subjetivamente ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteração consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata), que não se basta com qualquer espécie de negligência, antes se exigindo a negligência grave, grosseira (a faute lorde do direito francês ou a Leichtfertigkeit do direito alemão”. Na mesma linha, Ac. STJ. de 13/03/2008, Proc. 07B3843, in base de dados da DGSI: “A reforma de 1995/1996 alargou o conceito de litigância de má-fé – até aí apenas concebida como uma modalidade de dolo processual, consistente na “utilização maliciosa e abusiva do processo” – estendendo-a às condutas processuais gravemente negligentes. A condenação como litigante de má-fé assenta num juízo de censura incidente sobre um comportamento inadequado à ideia de um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de direito”