Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
393/15.5JABRG.G1
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
ELEMENTOS TÍPICOS DO ILÍCITO
CONSUMAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/28/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Em todos os números do artigo 368º-A do Código Penal que pune o crime de branqueamento é exigido dolo por parte do agente branqueador.
II) Porém, o nº2 deste preceito legal faz menção a um elemento subjectivo específico que consiste em duas finalidades perseguidas pelo agente, finalidades que podem ser alternativas ou não.
III) Assim, para que o agente pratique o crime de branqueamento é necessário que este tenha determinada intenção ou finalidade aquando da prática do crime, referindo-se uma à origem dos bens, e a outra à responsabilização de uma pessoa. Ou seja, o agente tem de atuar com o fim de dissimular a origem ilícita da vantagem ou com o fim de evitar que o autor ou participante das infrações previstas no n.º1 seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal.
IV) Para que se mostre preenchido o elemento subjectivo do ilícito em apreço é pois necessário, para além do mencionado dolo especifico, que o agente saiba qual a origem dos bens e/ou rendimentos (elemento intelectual do dolo), que pratique alguma das condutas típicas ciente de que aqueles bens ou produtos resultam da prática de algum dos crimes subjacentes. É ainda indispensável que queira (elemento volitivo), por si ou através de outra pessoa, praticar alguma ou algumas daquelas condutas
Acompanhamos o entendimento perfilhado pela maioria dos autores e seguido na decisão recorrida, no sentido de que as condutas em causa no branqueamento de capitais podem ser preenchidas por qualquer uma das modalidades de dolo, sendo bastante para que o agente seja punido que represente como possível que os bens em questão estão relacionados com os crimes precedentes.
Decisão Texto Integral:
Desembargadora Relatora: Cândida Martinho
Desembargador Adjunto: António Teixeira.

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. Relatório

1.
No processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, com o número 393/15.5JABRG, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Central Criminal de Guimarães, realizado o julgamento foi proferido acórdão que, para além do mais, condenou os recorrentes A. M. e A. V. nos seguintes termos:
a)A arguida A. M., pela prática de um crime de branqueamento p. e p. pelo art. 368º/1 e 2 do C.P., na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão suspensa, pelo mesmo período, sujeita a regime de prova a definir pela DGRSP.
b) O arguido A. V., pela prática de um crime de branqueamento p. e p. pelo art. 368º/1 e 2 do C.P., na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão suspensa, pelo mesmo período, sujeita a regime de prova a definir pela DGRSP.
Na sequência da procedência do pedido cível formulado pela ofendida C. C., Lda, foram ainda condenados:
- A demandada A. M. a pagar à demandante, a título de danos patrimoniais, a quantia de 9 925,75 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efetivo e integra pagamento;
- O demandado A. V. a pagar à demandante, a título de danos patrimoniais, a quantia de 2 500,00 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efetivo e integra pagamento.

2.
Não se conformando com essa condenação, vieram os mencionados arguidos recorrer do acórdão, extraindo da motivação dos seus recursos as conclusões que a seguir se transcrevem:
Conclusões apresentadas pela arguida A. M.:

A) A aqui Recorrente foi condenada pela prática de:
a) um crime de branqueamento p. e p. pelo art. 368º/1 e 2 do C.P., na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão suspensa, pelo mesmo período, sujeita a regime de prova a definir pela DGRSP e ainda,
b) foi condenada a pagar à demandante, a título de danos patrimoniais, a quantia de 9 925,75 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.
B) Entende a Recorrente que a douta sentença recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada por provada – art. 410º, nº 2, al. a) do CPP.
Porquanto,
C) Analisados na sua integralidade os depoimentos das testemunhas C. M., gravado na plataforma informática em utilização do tribunal a quo, sob o ficheiro n.º 20191118101553_5727221_2870532 e com a duração de 19 minutos e 38 segundos e da testemunha L. F., gravado na plataforma informática em utilização do tribunal a quo, sob o ficheiro n.º 20191118103532_5727221_2870532 e com a duração de 12 minutos e 48 segundos, apesar de ter sido esta última quem fez a atualização da página e forneceu as credenciais, porquanto terá recebido um email supostamente do Banco ..., solicitando que procedesse à atualização dos dados, desconhecem as testemunhas em absoluto quem é a aqui Recorrente, nunca tendo sido apresentados ou privado com a Recorrente e desconhecem também a totalidade dos meandros do esquema descrito nos autos e quais as funções que caberiam a cada um dos participantes se é que haviam vários intervenientes.
D) Assim também resulta do depoimento prestado em juízo pela testemunha M. P., Inspetora da Polícia Judiciária da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica e gravado na plataforma informática em utilização do tribunal a quo, sob o ficheiro n.º 20191118095616_5727221_2870532, com a duração de 19 minutos e 35 segundos, do qual podemos também facilmente verificar que:
a) a testemunha apenas teve intervenção na elaboração do “relatório final e eventualmente alguma diligência final”, limitando-se depois a descrever o modus operandi do tipo de crime pelo qual a Arguida foi acusada.
E) Mas quando inquirida a testemunha M. P. pela Defensora da aqui Recorrente, sobre a participação em concreto da Arguida na prática do crime de que foi acusada. Sobre se tinha a certeza de que a Arguida disponibilizou a sua conta bancária ou se podia sequer afirmar com certeza que foi a Arguida que procedeu posteriormente ao levantamento de quantias e/ou à compra de divisas, a testemunha, esquivou-se sempre às questões refugiando-se na experiência e nas convicções próprias – conforme depoimento da testemunha transcrito nas motivações supra e que aqui se considera por integralmente reproduzido.
F) Com efeito, dos autos e dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento e nos quais o tribunal a quo se baseou para dar por provado a factualidade vertida nos pontos 1º a 14º, conforme fundamentação constante na douta sentença de que ora se recorre nenhuma testemunha afirmou, confirmou ou infirmou em juízo, ou sequer podia fazê-lo, que a Arguida “Em data não concretamente apurada, mas anterior a 16 de Abril de 2015, (…) estabeleceu contactos com indivíduos, cuja identidade não foi possível concretizar, os quais lhes solicitaram a colaboração, através de um esquema por eles elaborado, com vista aos arguidos aceitarem transferências e converterem quantias em dinheiro de que se pretendiam apropriar (…)”, ou que a Arguida “Cientes das funções que lhes cabiam no esquema descrito, a arguida A. M. facultou a sua conta bancária com o nº.........-7 (…) com vista a receber(em) dinheiro de transferências bancárias provenientes de contas bancárias de terceiros, acedidas sem o consentimento e conhecimento dos respetivos titulares, cabendo depois aos arguidos A. M. e A. V., usando o cartão multibanco associado às suas contas bancárias acima identificadas, adquirirem moeda estrangeira nas lojas das entidade Xcambio, SA ou Ytransfers, ficando para cada um deles a compensação acordada com os citados indivíduos”.
G) Pelo que, entende a Arguida que atenta a prova produzida nos autos, e analisada pelo tribunal a quo, este apenas poderia ter dado por provado, quanto aos pontos agora em análise, que:
“3º
Em data não concretamente apurada, mas anterior a 16 de Abril de 2015, indivíduos, cuja identidade não foi possível concretizar, terão elaborado um esquema, a fim de efetuaram transferências e converterem quantias em dinheiro de que se pretendiam apropriar, montantes que iriam subtrair de contas bancárias de terceiros, contra a vontade dos titulares dessas contas.
(…)

Indivíduos, cuja identidade não foi possível concretizar, efetuaram para a conta bancária da Arguida com o nº .........-7, transferências bancárias provenientes de contas bancárias de terceiros, acedidas sem o consentimento e conhecimento dos respetivos titulares”.
H) Destarte, julgando V. Exas. por insuficiente a prova testemunhal apresentada nos autos para aferir que a Arguida terá estabelecido contactos prévios com terceiros e/ou que estaria ciente das suas funções num esquema elaborado por esses terceiros, quando desacompanhada de qualquer outro tipo de prova mais objectiva (por exemplo escutas, vigilâncias, emails…) ainda que meramente indiciária, cumprirá concluir que não há qualquer meio de prova dos factos vertidos nos pontos 3º e 6º que permitam tirar qualquer dilação quanto à atuação da Arguida, pelo que, deverão os mesmo ser alterados nos termos acima descritos.
Acresce,
I) Quanto à demais factualidade dada por provada, nomeadamente quanto aos pontos 15º e 17º que, julgou o tribunal a quo por provada a factualidade ali vertida com fundamento no “teor da informação da Xcâmbio S.A., de fls.157 a 169 e 249, da qual resultou que os pagamentos dos câmbios de moeda estrangeira foram efetuados com recurso ao cartão multibanco da instituição bancária de que a arguida é titular, resultando ainda dessa informação que foi aberta na Xcâmbio, uma ficha de cliente, titulada pela arguida A. M., tendo junto aos autos a cópia do cartão de cidadão da arguida, que estava na posse da entidade cambiária, o que pressupõe a intervenção pessoal na transação consubstanciada na compra de divisas estrangeiras”.
J) Sucede porém que, a Arguida em sede de contestação apresentada em juízo e admitida pelo tribunal a quo havia impugnado as alegadas assinaturas, que foram apresentadas como sendo suas e constantes dos documentos de fls. 168 e 169 dos autos, porquanto, são as mesmas falsas. Falsidade que é percetível pela simples comparação a olho nu, porquanto as assinaturas apostas nos documentos fundamento da decisão do tribunal em nada são coincidentes com as assinaturas apostas pela Arguida, e a título de exemplo, na informação constante de fls. 109 dos autos, no seu cartão de cidadão, conforme cópia constante de fls. 167, ou com a assinatura apostas nos autos de constituição de arguida de fls. 118, no TIR de fls. 119 ou do auto de interrogatório de arguida de fls. 120 e 121 dos autos.
K) Contudo, e apesar de impugnadas, em sede de contestação, as assinaturas nos documentos em causa e constantes de fls. 157 a 169 e 249 o tribunal a quo não fez qualquer análise crítica daqueles documentos e desconsiderou na totalidade a defesa apresentada pela Recorrente.
L) Destarte, tendo a Arguida impugnado a veracidade das assinaturas e tendo o tribunal a quo, sem ter sido realizada qualquer outra diligência probatória apenas admitido os documentos na sua integralidade e mais tendo fundamentado a sua decisão com os documento em causa atribuindo-lhes força probatória plena apesar de impugnados, incorreu o tribunal em violação da lei processual – cfr. artigos 169.º do CPP e artigos 362.º e seguintes do Código Civil.
M) Mais agiu o tribunal em clara violação do princípio in dúbio pro reo, já que é o tribunal que afirma que é pelo facto de os documentos assinados constarem na posse da entidade cambiária que “pressupõe a intervenção pessoal (da Arguida) na transação consubstanciada na compra de divisas estrangeiras”. E que é da mesma prova documental recolhida nos autos que se retira que “que os arguidos A. M. e A. V., para além de terem disponibilizado as suas contas bancárias para viabilizarem a concretização de transferências, ainda terão utilizado os cartões associados às suas contas, para comprar divisas estrangeiras, em casas de câmbio, o que pressupõe uma consciência e vontade de colaboração com o(s) angariador (es)”
N) Acresce ainda também que a testemunha M. P. a instâncias da Defensora da Recorrente, não soube igualmente explicar o porquê de número de telemóvel associado ao contrato apresentado pela Xcâmbio como sendo da Arguida, ser diferente do telemóvel que esta indicou aquando da abertura de conta na Banco ..., que por sinal é o mesmo que indicou perante a Polícia Judiciária aquando da sua constituição como Arguida, a fls… Assim como também não pôde a testemunha confirmar que nos dias, horas e locais onde foram realizadas as compras de divisas, foi a aqui Recorrente que utilizou o seu respetivo cartão de débito associado à sua conta bancária, que foi aquela que introduziu o respetivo código PIN, e/ou que tenha sido a sua identificação exibida e conferida pelos funcionários das agências em causa.
O) Veja-se que nos autos, documento de fls. 157 verso, apenas consta a seguinte informação prestada pela Xcâmbio – Instituição de Pagamento S.A. nos exatos termos que se transcrevem: “Verificámos que dos vários pagamentos de moeda estrangeira, forma pagos com recurso a um cartão multibanco da instituição bancária Banco ...”. Mas cartão de quem??? Associado a que conta bancária??? Cartão de crédito??? Cartão de débito???
P) É que informar a instituição que os pagamentos terão sido efetuado com recurso a um cartão multibando da instituição bancária Banco ... é muito diferente da conclusão a que chegou o tribunal a quo, que expressamente diz na fundamentação da sentença que “quanto à sua participação nos factos de que vem acusada alicerçou-se no teor da informação da Xcâmbio S.A., de fls.157 a 169e 249, da qual resultou que os pagamentos dos câmbios de moeda estrangeira foram efetuados com recurso ao cartão multibanco da instituição bancária de que a arguida é titular”.
Q) Nestes termos, desde logo porque há uma clara violação das normas processuais e porque da demais prova nada resulta que a Arguida tenha efetivamente praticado o factualidade de que é acusada cumpre concluir também pela alteração dos demais pontos dados por provados, mais concretamente os pontos 15º e 17º, dando-se por integralmente não provados e consequentemente concluir pela absolvição da Arguida atento o princípio in dúbio pro reo.
Sem prescindir, e por mero dever de patrocínio

II – DO DOLO – DA APLICAÇÃO DO DIREITO

R) O tribunal a quo configurou a atuação da Recorrente como se esta se tivesse conformado com um possível resultado, ou seja com dolo eventual.
S) Sucede que, e de acordo com as anotações do Professor Doutor Paulo Pinto de Albuquerque, ao artigo 368.º-A do Código Penal, publicada in Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, da editora Universidade Católica Editora, com as quais a Recorrente integralmente concorda:
“18. O tipo subjectivo do crime de branqueamento previsto no n.º 3 é congruente com o tipo objectivo. O mesmo não se passa com o tipo subjectivo do crime previsto no n.º 2, na medida em que este tipo de inclui um elemento subjectivo adicional: a intenção de dissimular a origem ilícita da vantagem ou a intenção de evitar que o autor ou participante das infrações previstas no nº 1 seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal.
19. Em ambos os casos, o agente não tem de conhecer o concreto facto típico ilícito que esteve na origem da vantagem, nem o local onde foi praticado, nem os seus autores (n.º4). É suficiente que o agente saiba que a vantagem provém de um crime pertencente ao elenco do n.º 1 e que esse conhecimento seja contemporâneo ao momento da realização da operação. Mas não basta que ele configure a possibilidade da proveniência ilícita da vantagem (como pretende, VITALINO CANAS, 20004:163). Quem quer esconder a origem ilícita da vantagem é porque sabe que essa vantagem tem proveniência ilícita. Esta é uma verdade lapalissiana que se impõe na interpretação do tipo subjectivo do n.º 3. Portanto, o dolo de dissimular ou esconder a origem da vantagem é incompatível com o dolo eventual (ver anotação ao artigo 14.º). Por maioria de razão, a intenção de dissimular a origem da vantagem, prevista no n.º 2, é incompatível com o dolo eventual. Como também é incompatível com o dolo eventual a intenção de evitar que alguém seja perseguido por um crime que cometeu (ver anotação ao artigo 367.º). Dito de outro modo, quer o tipo subjectivo congruente do n.º 3, quer mesmo o tipo incongruente do n.º 2 são incompatíveis, tal como estão formulados, com o dolo eventual, exigindo que o agente conheça a proveniência ilícita da vantagem” (negrito nosso).
T) Ora, o que efetivamente se verificou nos autos é que o tribunal a quo mesmo assim condenou a Arguida e condenou-a apesar de ter julgado por provado que esta além de não conhecer todos os meandros e agentes do esquema que terá sido elaborado por terceiros não identificados, podia também não saber qual a proveniência do dinheiro que foi transferido para a sua conta, ou seja, admite o tribunal por provado que a Arguida poderia não saber a proveniência do dinheiro mas que ainda assim se conformou com a sua possibilidade de ser ilícita e condenou-a por considerar estar assim preenchido o tipo subjectivo do crime, na modalidade de dolo eventual.
U) Mas, se o tribunal admite e dá por provado que a Arguida poderia não saber a origem ilícita do dinheiro transferido para a sua conta, terá também que admitir e dar por provado que igualmente não podia a Arguida poder querer dissimular aquilo que desconhecia.
V) É que aquilo que o preceito pune é o acto praticado por aquele que pretende efetivamente dissimular a origem ilícita de uma qualquer vantagem, ou evitar que o participante de uma infração não seja punido criminalmente, mas também assim tem o Agente que obrigatoriamente ter conhecimento da prática de uma infração por esse terceiro, o que aqui no caso dos autos também não foi concretizado esse conhecimento por parte da Recorrente.
W) Destarte, porque entende a Recorrente que o tipo de dolo eventual, conforme concretizado pelo tribunal a quo não é compatível com o tipo de crime de branqueamento de capitais pelo qual foi a Arguida acusada e condenada, deverá a douta sentença recorrida ser modificada, maxime em conformidade com as motivações articuladas e ser a Recorrente absolvida dos crimes de que é acusada com todas as consequências legais.
Sem prescindir,

III – DA MEDIDA DA PENA

X) Nestes termos,
a) considerando os limites impostos pelo disposto no 203.º do Código Penal, conjugado com o disposto nos artigos 47.º, n.º 1 e 71.º também ambos do Código Penal,
b) o facto de a Arguida não ter quaisquer antecendentes criminais
c) aliado ao facto de se encontrar social e familiarmente inserida
d) de se poder concluir tratar-se de uma situação episódica e por conseguinte com diminutas exigências de prevenção e ainda
e) considerando os anos já decorridos desde a suposta prática dos factos de que é acusada cumpre também concluir que, qualquer condenação sempre deverá ser determinada pela aplicação do mínimo legal, isto é, dois anos de pena de prisão sempre suspensa na sua execução, termos em que igualmente se peticiona.

Por último,
IV – DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL

Y) Considerando o supra exposto, e sendo o presente recurso julgado totalmente procedente, por via do mesmo deverá ser também modificada a sentença recorrida no que à condenação no pedido de indemnização diz respeito, maxime em conformidade com as motivações articuladas.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e por via do mesmo ser modificada a sentença recorrida, maxime em conformidade com as conclusões articuladas, fazendo-se, assim, a acostumada
JUSTIÇA! »

Conclusões apresentadas pelo recorrente A. V.:
«A. O Recorrente foi condenado pela prática de um crime de branqueamento p. e p. pelo artigo 368.º n.º1 e 2 do C.P. na pena de dois anos e dez meses de prisão suspensa, pelo mesmo período, sujeita a regime de prova a definir pela DGRSP, bem como no pagamento à demandante, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 2 500,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
B. Como adiante se comprovará, aquele acertamento jurídico não pode ser aceite, por não encontrar fundamentos fácticos que alicercem aquela decisão.
C. O direito que lhe é subsumível jamais permite tal condenação.
D. Neste sentido, deve a decisão a quo ser revogada e alterada por uma outra que absolva o aqui Recorrente do crime de que vinha acusado e por que foi condenado.
E. Atenta a prova produzida nos presentes autos, nomeadamente, a prova documental e testemunhal, verifica-se que há um evidente erro na sua apreciação.
F. Nesse sentido, em prol da Verdade e da Justiça, impõe-se a reapreciação da mesma, mormente, da prova testemunhal gravada, a fim de se fazer o adequado acertamento jurídico à realidade fáctica em que se sustenta a presente relação material controvertida.
G. Dispõe o artigo 428.º do Código do Processo Penal que as relações conhecem de facto e de direito. Por sua vez o artigo 431.º aliena c) do mesmo diploma legal, determina que sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada, se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º.
H. Estipula o n.º 3 do artigo 412.º do CPP que, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; as provas que devem ser renovadas.
I. Neste sentido, o n.º 4 daquele normativo legal impõe que quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
J. Usando o Recorrente da prerrogativa concedida pelos dispositivos legais acima enunciados, passa, de seguida, a indicar os concretos pontos factuais que, no seu entendimento merecem decisão diversa da prolatada na decisão a quo e, bem assim, os concretos meios de prova produzidos que impõem essa modificação.
K. Ponto 3. dos factos dados como provados
“Em data não concretamente apurada, mas anterior a 16 de Abril de 2015, cada um dos arguidos estabeleceu contactos com indivíduos, cuja identidade não foi possível concretizar, os quais lhes solicitaram a colaboração, através de um esquema por eles elaborado, com vista aos arguidos aceitarem transferências e converterem quantias em dinheiro de que se pretendiam apropriar, montantes que iriam subtrair de contas bancárias de terceiros, contra a vontade dos titulares dessas contas.”
L. Ponto 6. dos factos dados como provados
“Cientes das funções que lhes cabiam no esquema descrito, a arguida A. M. facultou a sua conta bancária com o nº.........-7, enquanto o arguido A. V. facultou a sua conta bancária com o nº .........6, com vista a receberem dinheiro de transferências bancárias provenientes de contas bancárias de terceiros, acedidas sem o consentimento e conhecimento dos respetivos titulares, cabendo depois aos arguidos A. M. e A. V., usando o cartão multibanco associado às suas contas bancárias acima identificadas, adquirirem moeda estrangeira nas lojas das entidade Xcambio, SA ou Ytransfers, ficando para cada um deles a compensação acordada com os citados indivíduos.”
M. Ponto 16. dos factos dados como provados
“Por seu lado, o arguido A. V. no dia 17 de Abril de 2015, usando o cartão multibanco associado à sua conta bancária do Banco ... com o nº nº.........6, conforme o previamente acordado, adquiriu moeda estrangeira em lojas da entidade Xcambio, SA e Ytransfers, que depois entregou a terceiras pessoas cuja identidade não se logrou apurar, recebendo a compensação que havia previamente acordado, de valor não concretamente apurado.”
N. Ponto 18. dos factos dados como provados
“Os arguidos A. M. e A. V., ao atuarem da forma acabada de descrever, representaram como possível que o dinheiro que recebiam nas respetivas contas bancárias proviesse de atividades delituosas cometidas de forma organizada e com recurso a tecnologia informática da prática de factos ilícitos típicos, conformando-se com esse resultado, tendo ainda agido com o propósito concretizado de adquirir moeda estrangeira através de empresas multinacionais reputadas.”
O. Ponto 19. dos factos dados como provados
“Sabiam ainda os arguidos que com essa atuação estavam a introduzir na economia regular e lícita aquelas quantias, no caso da arguida A. M. o montante de € 9.925,75 e do arguido A. V. o montante de € 2.500,00, que admitiram como possível, serem provenientes de atividades delituosas cometidas de forma organizada e com recurso a tecnologia informática, tendo assim procedido ambos os arguidos com o objetivo concretizado de impedir que fosse estabelecida qualquer relação direta entre essas quantias e os crimes dos quais as mesmas eram vantagens, assim obstando a que os seus autores fossem implicados e responsabilizados pelas suas práticas.”
P. Ponto 20. dos factos dados como provados
“Mais sabiam os arguidos que, ao disponibilizarem as respetivas contas bancárias para receberem aquelas quantias em dinheiro e ao adquirirem depois moeda estrangeira usando o dinheiro dessa forma obtido, utilizando o sistema bancário e financeiro legítimos para fazerem transitar o dinheiro, estavam a colocar em causa a pretensão estadual ao confisco do produto e das vantagens do crime, bem como a introduzir na economia legal quantias monetárias que admitiram ser provenientes de práticas ilícitas, conformando-se com tal resultado, contaminando-a, e dando a essas quantias a aparência de licitude.”
Q. Ponto 21. dos factos dados como provados
“Ao atuarem da forma descrita, agiram cada um dos arguidos A. M. e A. V. com o propósito de colaborarem com a atuação ilícita dos indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, fornecendo-lhes a identificação da conta bancária de cada um dos arguidos, para facilitar a atuação daqueles nas transferências de dinheiro de terceiros que lhes não pertenciam e do qual pretendiam apoderar-se, como vieram a fazer.”
R. Ponto 22. dos factos dados como provados
“Os arguidos A. M. e A. V. agiram igualmente com o propósito concretizado de obter proveito económico da colaboração prestada aos indivíduos que procederam às transferências das quantias em dinheiro para as contas bancárias, cujos únicos titulares eram eles, sendo-lhes indiferente a proveniência ilícita do referido dinheiro, bem sabendo que aquele valor não lhes pertencia nem a ele tinham direito.”
S. Ponto 23. dos factos dados como provados
“Os arguidos A. M. e A. V. agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.”
T. Entendeu o Tribunal a quo considerar tais itens como “PROVADOS”, fundamentando, tal convicção, no que ao aqui Recorrente diz respeito, nos seguintes termos que, com a devida vénia sempre respeitadora passamos a transcrever:
U. No mais, quanto à participação do arguido A. V. nos factos de que vem acusado – cfr. Ponto 16º - enquanto um dos titulares da conta mula para onde foi efetuada uma transferência de 2 500,00 Euros -, louvou-se o tribunal no teor dos elementos bancários relativos à conta nº .........6, de que é o referido arguido é titular (fls.91 a 97), da qual resulta que tal conta foi aberta no dia 21/05/2014 (mostrando-se já encerrada), que associado à conta foi emitido o cartão nº .........9, em nome do arguido (o qual foi entretanto cancelado), constando ainda dos autos o extrato relativo ao período em análise, que confirma a concretização de uma transferência tendo aquela conta como destino, no valor de 2 500,00 euros, realizada em 17/04/2015, oriunda da conta titulada pela sociedade demandante, bem como vários débitos subsequentes, relacionados com empresas de câmbio.
V. Na verdade, do extrato da conta bancária acima identificada, resulta claramente que, após a transferência de 2 500,00 Euros, efetuada para a conta titulada pelo arguido, foram efetuados vários débitos, relacionados com empresas de câmbio (Xcâmbio, S.A., e Ytranfers).
W. Por outro lado, retira-se da informação prestada pela Xcâmbio S.A., de fls.157 a 169 e 249 (ainda que, relativa à participação da arguida A. M.), bem como do depoimento da Exma. Inspetora, que descreveu o modus operandi neste tipo de crimes, que, o branqueamento dos valores transferidos, implica por parte dos money mules, a transformação do valor obtido em numerário, normalmente operada através de compra de divisas estrangeiras em casas de câmbio, sendo que os pagamentos dos vários câmbios de moeda estrangeira terão sido efetuados, no caso em apreço, com recurso ao cartão multibanco associado à conta da instituição bancária Banco ..., transação que pressupõe necessariamente a identificação do titular da conta (que pressupõe a exibição de cópia do cartão de cidadão) e, por isso, implica a intervenção pessoal do aqui arguido.
X. De resto, não é crível que o arguido tenha emprestado, sem qualquer contrapartida, o cartão da sua conta e respetivo código a um terceiro, ainda para mais, desconhecido - irmão de um amigo, que nem soube identificar – e se tenha desinteressado do destino que esse desconhecido deu ao cartão e à conta a que o mesmo está associada, ao ponto de só ter cancelado esse cartão e respectiva conta, muito tempo depois, apesar de admitir que teve conhecimento que esse desconhecido e sua família abandonaram o país.
Y. Neste particular, nenhuma credibilidade mereceram as declarações do arguido A. V., que em julgamento procurou sustentar a tese de que desconhecia as transferências efetuadas para a sua conta e a proveniência ilícita dos dinheiros transferidos, sustentando que um irmão de um amigo lhe pediu emprestado o cartão da conta de que é titular e o respetivo código, explicando apenas que não tinha conta e precisava de uma conta de terceiro, para receber uma transferência. Diz que acedeu ao pedido, dada a confiança da pessoa e a partir daí, perdeu o rasto do cartão, tendo vindo a saber que essa pessoa e esses familiares tinham abandonado o país, mas apesar disso só encerrou a conta muito tempo depois. Nunca foi a uma casa de câmbio. Não explica porque criou a conta. Não conhece a arguida.
Z. Da prova documental e testemunhal produzida, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, não se provaram os factos dados por assentes na decisão a quo, mormente no que concerne:
AA. Não se provou que os arguidos soubessem que o dinheiro que recebiam nas suas contas bancárias tinha sido obtido através de um esquema que criava páginas da internet falsas e semelhantes às das instituições bancárias Banco ..., concebidas por pessoas não identificadas, com o propósito de obterem os códigos e acesso à conta bancária da sociedade ofendida e, dessa forma, acederem à conta através desses códigos, sem conhecimento e consentimento da ofendida, única legalmente autorizada a movimentar essa conta.
BB. Sendo certo, que o ónus da prova daqueles os factos, integradores do ilícito penal de que o aqui Recorrente vinha acusado impendia sobre o Ministério Público, dominus do processo penal. Tal, aliás, é o que prescreve o art. 48.º e seguintes do CPP.
CC. Porém, desde já se deixa sublinhado que, ao contrário do que tenta transparecer a decisão a quo, a verdade é que, analisada aturadamente toda a prova produzida, nenhuma responsabilidade criminal pode ser assacada ao aqui Recorrente.
DD. Porquanto, feita uma análise aturada da prova produzida e carreada para os presentes autos, não resultaram provados os factos pelos quais o arguido veio acusado e condenado.
EE. Comecemos pelo testemunho da Sra. Inspetora da Polícia Judiciária da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica, cujo depoimento foi gravado pelo citius no dia 18/11/2019, no ficheiro 20191118095616_5727221_2870532. FF. Interrogada pela defensora do aqui Recorrente se conseguiram apurar com alguma segurança se o Recorrente aceitou emprestar a conta para a receção das quantias para a mesma foram transferidas, a testemunha respondeu entre o minuto 15:43 até ao minuto 15:57 “Por aquilo que eu me recordo foi transferido para a conta dele ou terá sido transferido. Se ele não deu permissão, eu desconheço”.
GG. Ao minuto 18:10 é questionada sobre a existência de imagens de videovigilância ou algum documento assinado pelo recorrente, ao que a testemunha Respondeu ao minuto 18:15 até ao minuto 18:46: “imagens de videovigilância foi o que eu já referi, não sei. Não foi possível obter. Relativamente aos documentos, eu não me recordo de ter visto nem analisado, de constar dos autos.”
HH. No decorrer da prestação do seu depoimento a Sra. Inspetora nada referiu sobre o aqui Recorrente.
II. Não soube dizer se existiam quaisquer provas sobre o envolvimento do arguido na realização do crime pelo qual foi condenado.
JJ. Explicou apenas ao tribunal o modus operandi deste tipo de criminalidade.
KK. Destarte, facilmente se conclui que do depoimento da Sra. Inspetora nada se pode retirar que incrimine o aqui Recorrente.
LL. A informação prestada a fls 157 a 169 e 249 pela Xcâmbio S.A. em momento algum referem a presença do arguido nas suas lojas para compra de divisas estrangeiras.
MM. Dizem claramente que não dispõem de informações sobre o aqui Recorrente.
NN. Não existindo a confirmação por parte da Xcâmbio S.A. de que o arguido se deslocou às suas lojas para compra de divisas estrangeiras, quer através de qualquer documento escrito/assinado pelo arguido, quer através da disponibilização das imagens de videovigilância, não pode, com todo o respeito, o tribunal a quo “achar” que o Recorrente atuou da forma descrita.
OO. Tão assim é, que o próprio tribunal recorrido apenas menciona que “sendo que os pagamentos dos vários câmbios de moeda terão sido efetuados, no caso em apreço, com recurso ao cartão multibanco associado à conta da instituição bancária Banco…”. (negrito e sublinhado nosso)
PP. O tribunal recorrido não consegue afirmar, e nem o podia fazer face à ausência de prova, que efectivamente foi o arguido que se deslocou à referida instituição e com o seu cartão multibanco procedeu à compra de divisas estrangeiras.
QQ. Não conseguindo provar o supra descrito, também não pode concluir que houve intervenção pessoal do arguido.
RR. O facto de a transacção pressupor a identificação do titular da conta e respectiva exibição do Cartão de Cidadão não significa que o arguido tenha comprado divisas estrangeiras.
SS. Nunca saberemos se porventura um qualquer funcionário das referidas lojas de câmbio não teria um qualquer acordo com o orquestrador de todo este esquema, em que lhe facilitava a compra de dividas estrangeiras.
TT. Tanto assim poderá ser, que não existe qualquer registo em relação ao arguido nas referidas instituições, como existe em relação à arguida A. M..
UU. É referido no acórdão recorrido que os arguidos agiram com a intenção de evitar que os angariadores e membros da estrutura criminosa, ainda que estes desconhecessem a sua completa identificação, fossem criminalmente responsabilizados pela forma ilícita como acederam a esses fundos.
VV. Ora, como é que o arguido iria agir com a intenção de ocultar a actividade ilícita dos angariadores e membros da estrutura criminosa se, e como o próprio acórdão refere, desconheciam a sua identidade e por consequência desconhecia quais os intentos dos angariadores?
WW. Não é plausível que o arguido tivesse auxiliado alguém que desconhecia (!) muito menos com o intuito que lhe é atribuído no acórdão recorrido.
XX. Não é o facto de um irmão de um amigo solicitar ao arguido o seu número de conta e posteriormente o seu cartão multibanco que faz com que o arguido seja parte do esquema criminoso perpetrado por essa pessoa.
YY. Tal atuação não evidencia colaboração do arguido nem que o mesmo tenha atuado com consciência e com conhecimento do esquema montado.
ZZ. Igualmente não ficou provado que o arguido tivesse recebido qualquer compensação pela sua, alegada, intervenção no esquema mencionado nos autos.
AAA. O simples facto de ter existido a “passagem” de valores pela conta do arguido não é prova suficiente para que se possa concluir que o mesmo havia acordado com um terceiro, que nunca se conseguiu apurar a sua identidade, ceder a sua conta para que pudesse ocultar a proveniência de tais valores.
BBB. É ainda referido que o arguido não explica porque criou a conta.
CCC. No seu depoimento, gravado pelo citius no dia 04/12/2019 no ficheiro 20191204155814_5727221_2870532, ao minuto 5:17 o arguido referiu: “foi a minha avó que organizou isso tudo.” Referindo-se, claramente, à abertura da sua conta.
DDD. Não corresponde à verdade quando o tribunal a quo diz que o arguido não explica porque criou a conta.
EEE. Toda a decisão do tribunal a quo é baseada em suposições e não em factos.
FFF. Pressupõe-se que o arguido agiu com o intuito de ocultar a actividade ilícita dos angariadores e membros da estrutura criminosa, pressupõe-se que o mesmo obteve um qualquer ganho com a sua, alegada, participação em todo este esquema.
GGG. Pressupõe-se muita coisa, mas efectivamente nada se prova.
HHH. Ao longo de toda a acusação e da leitura aturada do acórdão de que se recorre, não é aduzido um único facto concreto que consubstancie/alicerce a convicção do Tribunal a quo, e que fundamente a condenação do Arguido aqui Recorrente.
III. Isto é, não é justificada factualmente a condenação do Arguido num crime branqueamento, por total míngua de prova documental e testemunhal que o sustente. É certo que a livre apreciação da prova, à luz do art. 127º do Código de Processo Penal, é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
JJJ. O valor da prova não se encontra pré-estabelecido, sendo que o tribunal aprecia a prova segundo a sua livre convicção. Contudo, essa livre apreciação da prova terá de ser sempre devidamente fundamentada e motivada, tal como refere o n.º 2 do art 374º do Código de Processo Penal, sob pena de nulidade do douto acórdão nos termos da al. A) do n.º 1 do art. 379º do Código de Processo Penal, que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.
KKK. Sendo notória a ausência de prova testemunhal e documental produzida no decurso dos presentes autos, que comprove que o Recorrente tenha praticado o crime pelo qual foi condenado, dúvidas não podem subsistir de que, em prol da Verdade e do Direito a resposta correta a dar à factualidade sub judice deve ser dada por NÃO PROVADA.
LLL. Deste modo, o Tribunal a quo não procedeu à interpretação devida da prova carreada nos presentes autos, porquanto, da prova produzida a única factualidade que ressuma é que o Arguido, aqui Recorrente, não teve qualquer participação direta ou indireta na produção do crime em causa!
MMM. Assim, é notório que o Tribunal a quo cometeu um manifesto erro na apreciação da matéria de facto.
NNN. Refere o acórdão recorrido de que “para o preenchimento do tipo objectivo do crime é necessário, que o agente ao efectuar qualquer operação no procedimento mais ou menos complexo de conversão, transferência ou dissimulação, tenha conhecimento da natureza das actividades que originaram os bens ou produtos a converter, transferir ou dissimular e a intenção de dissimular a origem ilícita das vantagens ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções sejam criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal(negrito e sublinhado nosso).
OOO. “… é evidente que os arguidos A. M. e A. V., praticaram os elementos objectivos do crime de branqueamento, ao facultarem as suas contas para a concretização das transferências e ao contribuírem para a dissimulação dessas quantias, por via da compra de moeda estrangeira, utilizando o cartão associado a essas contas.”
PPP. Se não se conseguiu provar que o arguido agiu da forma descrita, não lhe podendo ser imputado o crime pelo qual foi acusado logo, não se encontra preenchido o elemento objectivo do crime de branqueamento.
QQQ. Continua o acórdão recorrido “Do mesmo jeito, também praticaram os elementos subjetivos do crime de branqueamento, porquanto os arguidos, ao efetuarem as operações de dissimulação do dinheiro transferido para as suas contas (através da compra de moeda estrangeira, em casas de câmbio, através do cartão associado aos contas para as quais essas quantias foram transferidas, admitiram como possível a natureza ilícita das atividades que originaram os produtos a dissimular (elemento intelectual do dolo) conformando-se com o resultado (elemento volitivo do dolo), tendo atuado com a intenção de evitar que os autores fossem perseguidos criminalmente, ainda que não conhecessem de forma detalhada o esquema criminoso nem os autores ou todos os autores dessas estrutura criminosa com a qual colaboraram.”
RRR. Mais uma vez, nada resultou provado para que o Tribunal a quo possa retirar tal conclusão e preencher o elemento subjectivo do crime.
SSS. Não se encontrando preenchido o elemento objectivo e subjectivo do crime, teria, salvo melhor opinião, o tribunal que absolver o arguido!
TTT. Tanto mais que, segundo o Princípio in dúbio pro reo, a classificação de qualquer facto em desfavor do arguido apenas se pode verificar quando a prova for inequívoca, precisa e direta.
UUU. É nítida a violação do Tribunal a quo do Princípio in dúbio pro reo, que consiste num princípio geral do direito processual penal, sendo a expressão, em matéria de prova, do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido, constante do artigo 32.° n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
VVV. Deste modo, por tudo o quanto foi dito sobre a matéria de facto e de direito, deveria o tribunal a quo ter absolvido o Recorrente.
WWW. No que concerne ao pedido cível, sendo o arguido absolvido do crime pelo que foi condenado, deverá aquele ser improcedente por não provado e em consequência ser o arguido absolvido.
XXX. Caso assim não se entenda, o que não se concebe, nem concede, mas cuja exposição se fará por mero exercício de raciocínio, importa sublinhar que a pena a que o aqui Recorrente foi condenado afigura-se manifestamente exagerada, e não consentânea com as exigências de prevenção geral e especial.
YYY. Como já referido, a finalidade da aplicação de qualquer pena está contida no n.º 1 do art. 40º do Código Penal, o qual consiste na “proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, sendo que, o n.º 2 daquele normativo legal estipula que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
ZZZ. Significa isto que a pena, enquanto instrumento político-criminal de proteção de bens jurídicos, tem uma função de paz jurídica, típica da prevenção geral, cuja graduação deve ser sempre proporcional à culpa do agente.
AAAA. Sendo certo que, deve dar-se sempre preferência e prevalência a penas não privativas de liberdade. Ora, cada arguido deve ser punido segundo a sua culpa, cfr. N.º 1 do art. 71º do Código Penal.
BBBB. “A culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas - sejam de prevenção geral positiva, de integração ou antes de intimidação, sejam de prevenção especial positiva ou negativa, de socialização, segurança ou de neutralização.” (Figueiredo Dias, “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Facto”, 1993, Editorial Notícias, p. 230). CCCC. “Por outro lado, as exigências de prevenção geral definem os parâmetros onde se irá determinar, de acordo com as exigências de socialização, a medida da pena a aplicar” (obra e página citadas).
DDDD. O Arguido, aqui Recorrente, foi condenado numa pena de prisão de dois anos e dez meses suspensa por igual período na sua execução, pena demasiado elevada.
EEEE. No juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas), bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir).
FFFF. A proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais, implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, positiva ou de integração, servindo para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal. A reintegração do agente na sociedade, outra das finalidades da punição, está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.
GGGG. No caso dos autos, de acordo com a prova carreada, a considerar-se provado/assente que o Arguido praticou o crime de que vinha acusado, deverá a pena ser reduzida para o seu mínimo legal.
HHHH. Em prol da verdade, da justiça e do direito deve a decisão a quo ser revogada e alterada por uma outra, nos exatos termos acima enunciados.
IIII. Foram violados, os artigos 40º, 71º, 368.º n.º 1 e 2 do Código Penal e 32º da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos e nos melhores de direito, devem as presentes alegações de recurso ser recebidas, e provadas, nos termos supra descritos, e em consequência, revogar-se a decisão a quo, substituindo-a por uma outra que absolva o Recorrente do crime de branqueamento p. e p. pelo artigo 368.º n.º1 e 2 do C.P.
Sem prescindir, caso assim não se entenda, deve a decisão a quo ser revogada e substituída por uma outra que se compatibilize com a factualidade que resulta da prova produzida e que respeite as exigências de prevenção geral e especial enunciadas nas Conclusões, com a qual farão V/ Exas. a devida e aliás acostumada JUSTIÇA! »

3.
O Exmo Procurador da República junto da primeira instância respondeu aos recursos, pugnando pela improcedência de ambos.

4.
Neste Tribunal da Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos:

a)Que o acórdão colocado sob apreciação não é nulo porquanto procedeu a uma eficiente fundamentação e elaboração de um exame crítico das provas produzindo juízos de racionalidade e de valor fora de um qualquer arbítrio e mera subjectividade;
b)Que o acórdão recorrido não possui o vício do erro notório na apreciação da prova, nem violou o princípio in dubio pro reo que aquele vício demanda, pois que, analisado o seu texto, não possui vícios de raciocínio, não dá por provados factos que contrariam, com toda a evidência e segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica e as regras da experiência comum, não dando ele a conhecer que tendo o tribunal a quo chegado a um estado de dúvida razoável, objectiva e motivável, isto é insanável, mesmo assim ainda fez uma opção desfavorável aos arguidos na apreciação da prova;
c)Que tal acórdão não possui o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, pois que, através da sua leitura, não resulta a verificação de uma lacuna ou hiato factuais que não permitam chegar à solução jurídica adequada à situação em causa, à solução justa do caso, demonstrando ele que foram considerados os elementos integrantes do objecto do processo e foram investigados, por isso, todos os elementos julgados relevantes para a decisão;
d)Que a matéria de facto especificamente impugnada pelos recorrentes deverá ser declarada intangível por incumprimento insuperável do dever de especificação das provas que imponham decisão diversa da estabelecida, que não existem, a não ser quanto à constante do ponto 15 da matéria de facto provada que deverá ser objecto de um definido acrescentamento ficando a ter a redacção “Na posse de tais quantias, a arguida A. M., ou alguém por si autorizado, nos dias 1 e 17/04/2015 …” e à do ponto 16 que, por sua vez, e por adição de igual referência, ficará a constar “ Por seu lado, o arguido A. V., ou alguém por si autorizado, no dia 17/04/2015...”, tendo-se feito uso quanto a toda ela, adequado e pertinente uso de prova documental e indirecta, ou incidental, dos factos, mormente para a revelação do dolo;
e)Que da factualidade dada como provada nos pontos 18 a 23 se retira que os arguidos agiram com dolo, mas dolo eventual, pois que o resultado verificado não foi por eles directamente querido nem previsto como consequência lateral necessária das condutas realizadas, mas que o aceitaram na eventualidade de ele vir a produzir-se, verificando-se, assim, uma sobreposição do seu interesse (em vista da obtenção da finalidade do seu agir) ao desvalor do ilícito e das suas consequências, ou seja, manifestando eles a sua total indiferença pela realização do facto, conformando-se com o risco de produção daquele resultado ilícito.
f)Que as penas aplicadas aos arguidos e que se fixaram já próximas do seu limite mínimo, sendo penas adequadas e proporcionais, respeitaram o estabelecido nos artigos 40 e 71 do CPenal; e
g)Que o recurso do arguido relativamente à matéria cível deverá ser rejeitado nos termos previstos no art.º 400, n.º2 do CPPenal, faltando ao MºPº interesse em contraditar relativamente ao recurso da arguida.
h)Que os recursos devem ser julgados, então, com limitada procedência.

5.
Cumprido o art. 417º,nº2, do C.P.P., os arguidos não responderam ao parecer.
6.
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por os recursos deverem ser aí julgados, de harmonia com o preceituado no art.419º,nº3,al.c), do diploma citado.

II. Fundamentação

A) Delimitação do Objeto do Recurso

Dispõe o art. 412º,nº1, do Código de Processo Penal, que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
O objecto do processo define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - arts. 402º,403º e 412º, todos do diploma citado - naturalmente sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso (Cf.Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol.III, 1994,pág.340, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição,2009,pág.1027 a 1122, Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 7ªEd, 2008, pág.103).
O âmbito do recurso é dado, assim, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior ad quem, as questões a decidir e as razões que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam.
Previamente, no que respeita ao recurso interposto pelo recorrente A. V., cumpre já referir que não se conhecerá do mesmo na parte atinente à sua condenação no pedido de indemnização civil, porquanto o recurso, nesta parte, terá de ser rejeitado,
Vejamos porquê
Nos termos do artigo 400.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.
A este respeito estabelece o artigo 44.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário) que, em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30.000 e a dos tribunais de primeira instância é de € 5.000.
Assim, a recorribilidade do pedido de indemnização deduzido no processo penal, objecto de sentença de 1ª instância, depende da verificação, cumulativa, de duas condições: 1) que o pedido formulado seja superior a € 5.000; 2) que o decaimento para o recorrente seja superior a € 2.500.
No caso em apreço, o valor do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente C. C., Lda, contra o arguido/demandado A. V. é de € 2.500,00 €, tendo o arguido sido condenado no pagamento de tal valor, para além dos juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.
Assim, sendo de € 2.500,00 o valor do pedido formulado pela demandante e tendo a arguida/demandada sido condenada a pagar tal quantia, claro está que não se mostram verificadas as duas enunciadas condições.
Deste modo, face ao disposto no artigo 400.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não é admissível recurso da sntença relativamente ao pedido de indemnização civil deduzido pelo mencionado recorrente, pelo que dele se não conhece.

Atenta a conformação das conclusões formuladas, bem como a inadmissibilidade do recurso do recorrente A. V. na parte relativa à indemnização civil, importa conhecer das seguintes questões, organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência:

- Nulidade do acórdão por falta de fundamentação (arts. 379º e 374º,nº2, ambos do C.P.P.) – questão levantada pelo recorrente A. V..
- Vício decisório do artigo 410º,nº2 (vicio da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - invocado pela recorrente A. M. .
- impugnação ampla da matéria de facto/erro de julgamento (questão levantada por ambos os recorrentes, bem como as demais que a seguir se enunciarão, com exceção da última).
- Violação do princípio “In dúbio pro reo”.
- Qualificação jurídica dos factos e dolo eventual no crime de branqueamento.
- Medida da pena.
- Condenação da recorrente A. M. no pedido de indemnização civil.

B) Da decisão recorrida

Para a apreciação do presente recurso, importa ter presente o seguinte teor do acórdão recorrido (transcrição).

« II- APRECIAÇÃO DE FACTO.
a) Factos provados.

Desde data em concreto não apurada, mas anterior a Abril de 2016, a arguida A. M. é a única titular da conta bancária com o nº.........-7, do banco...-Geral, agência de Paço d’Arcos.

Por seu lado, desde 21 de Maio de 2014 que o arguido A. V. é o único titular da conta bancária com o nº.........6, do Banco ..., agência da Tapada das ....

Em data não concretamente apurada, mas anterior a 16 de Abril de 2015, cada um dos arguidos estabeleceu contactos com indivíduos, cuja identidade não foi possível concretizar, os quais lhes solicitaram a colaboração, através de um esquema por eles elaborado, com vista aos arguidos aceitarem transferências e converterem quantias em dinheiro de que se pretendiam apropriar, montantes que iriam subtrair de contas bancárias de terceiros, contra a vontade dos titulares dessas contas.

Para concretizar a apropriação dessas quantias, aqueles indivíduos de forma organizada e reiterada, através do aproveitamento das fragilidades dos sistemas informáticos bancários, e com recursos a meios informáticos, criavam páginas de internet, em tudo idênticas às das instituições bancárias onde os clientes inserem os seus códigos de acesso ao sistema homebanking, e enviam-nas para o correio eletrónico dos titulares dessas contas bancárias, solicitando a inserção dos respetivos códigos, fazendo-os crer que se trata de um documento oficial das citadas instituições bancárias.

Dessa forma, aqueles indivíduos infiltravam-se nos servidores dos computadores dos titulares de contas bancárias, acendendo depois, com esses dados, às respetivas contas e procedendo à transferência de quantias para contas bancárias de outras pessoas que posteriormente as faziam entrar, de novo, no circuito económico.

Cientes das funções que lhes cabiam no esquema descrito, a arguida A. M. facultou a sua conta bancária com o nº.........-7, enquanto o arguido A. V. facultou a sua conta bancária com o nº.........6, com vista a receberem dinheiro de transferências bancárias provenientes de contas bancárias de terceiros, acedidas sem o consentimento e conhecimento dos respetivos titulares, cabendo depois aos arguidos A. M. e A. V., usando o cartão multibanco associado às suas contas bancárias acima identificadas, adquirirem moeda estrangeira nas lojas das entidade Xcambio, SA ou Ytransfers, ficando para cada um deles a compensação acordada com os citados indivíduos.

Assim, em data em concreto não apurada, mas seguramente anterior e próxima do dia 16 de Abril de 2015, indivíduos não identificados da organização acima descrita, criaram uma página na internet em tudo semelhante à da instituição bancária Banco ..., onde os clientes inserem os seus códigos de acesso ao sistema homebanking e enviaram uma mensagem dirigida ao titular da conta nº .........-4, cujo titular é a sociedade “C. C., Lda.”, cujo representante legal é C. M..

Porque acreditou na fidedignidade da informação requerida naqueles moldes, C. M. ou um seu colaborador, digitou os códigos de acesso ao sistema homebanking à referida conta bancária, cujo titular é a sociedade de que é legal representante, como lhe havia sido solicitado, o que permitiu aos indivíduos não identificados obterem os códigos alfanuméricos de acesso ao sistema de homebanking da conta nº.........-4 da sociedade “C. C., Lda.”, sediada no Banco ....

Na posse desses códigos de acesso, esses indivíduos não identificados ou alguém a seu mando, acederam, através da internet, à página oficial da instituição bancária Banco ... e, como se fossem verdadeiros titulares da referida conta bancária, introduziram os códigos de acesso que lhes permitiu visualizar a conta bancária e movimentá-la.
10º
Assim, elementos da organização não identificados, no dia 16 de Abril de 2015, através da internet e utilizando os códigos de acesso obtidos previamente da forma acima descrita, acederam à conta bancária nº.........-4, cujo titular é a sociedade “C. C., Lda.”, tendo determinado a transferência da quantia de € 4.950,75 para a conta nº.........-7, do Banco ..., balcão de Paços de Arcos, cuja única titular é a arguida A. M..
11º
No dia 17 de Abril de 2015, elementos da organização não identificados, através da internet e utilizando os códigos de acesso obtidos previamente da forma acima descrita, acederam uma vez mais à conta bancária nº.........-4, cujo titular é a sociedade “C. C., Lda.”, tendo determinado a transferência da quantia de € 4.975,00 para a conta nº.........-7, do Banco ..., balcão de Paços de Arcos, cuja única titular é a arguida A. M., bem como a transferência da quantia de € 2.500,00 para a conta nº.........6, do Banco ..., agência da Tapada das ..., cujo único titular é o arguido A. V..
12º
No dia 18 de Abril de 2015, elementos da organização não identificados, através da internet e utilizando os códigos de acesso obtidos previamente da forma acima descrita, acederam novamente à conta bancária nº.........-4, cujo titular é a sociedade “C. C., Lda.”, tendo determinado a transferência da quantia de € 4.990,10 para a conta nº.........-7, do Banco ..., balcão de Paços de Arcos, cuja única titular é a arguida A. M., bem como a transferência da quantia de € 2.500,00 para a conta nº.........6, do Banco ..., agência da Tapada das ..., cujo único titular é o arguido A. V..
13º
As transferências do dia 18 de Abril de 2015 não chegaram a concretizar-se por o Banco ... ter contactado, de imediato e por telefone, C. M., legal representante da sociedade titular da conta, que comunicou não ter efetuado tais transferências.
14º
Na sequência das condutas acabadas de referir, a conta bancária da arguida A. M. foi creditada com a quantia global de € 9.925,75, enquanto a conta do arguido A. V. foi creditada com a quantia de € 2.500,00, valores de que os arguidos puderam dispor.
15º
Na posse de tais quantias monetárias, a arguida A. M., nos dias 16 e 17 de Abril de 2015, usando o cartão multibanco associado à sua conta bancária do Banco ... com o nº.........-7, conforme o previamente acordado, adquiriu moeda estrangeira em lojas da entidade Xcambio, SA, que depois entregou a terceiras pessoas cuja identidade não se logrou apurar, recebendo a compensação que havia previamente acordado, de valor não concretamente apurado.
16º
Por seu lado, o arguido A. V. no dia 17 de Abril de 2015, usando o cartão multibanco associado à sua conta bancária do Banco ... com o nº nº.........6, conforme o previamente acordado, adquiriu moeda estrangeira em lojas da entidade Xcambio, SA e Ytransfers, que depois entregou a terceiras pessoas cuja identidade não se logrou apurar, recebendo a compensação que havia previamente acordado, de valor não concretamente apurado.
17º
A arguida A. M. recebeu na sua conta bancária de situações em tudo idênticas à destes autos valor superior a € 30.000,00.
18º
Os arguidos A. M. e A. V., ao atuarem da forma acabada de descrever, representaram como possível que o dinheiro que recebiam nas respetivas contas bancárias proviesse de atividades delituosas cometidas de forma organizada e com recurso a tecnologia informática da prática de factos ilícitos típicos, conformando-se com esse resultado, tendo ainda agido com o propósito concretizado de adquirir moeda estrangeira através de empresas multinacionais reputadas.
19º
Sabiam ainda os arguidos que com essa atuação estavam a introduzir na economia regular e lícita aquelas quantias, no caso da arguida A. M. o montante de € 9.925,75 e do arguido A. V. o montante de € 2.500,00, que admitiram como possível, serem provenientes de atividades delituosas cometidas de forma organizada e com recurso a tecnologia informática, tendo assim procedido ambos os arguidos com o objetivo concretizado de impedir que fosse estabelecida qualquer relação direta entre essas quantias e os crimes dos quais as mesmas eram vantagens, assim obstando a que os seus autores fossem implicados e responsabilizados pelas suas práticas.
20º
Mais sabiam os arguidos que, ao disponibilizarem as respetivas contas bancárias para receberem aquelas quantias em dinheiro e ao adquirirem depois moeda estrangeira usando o dinheiro dessa forma obtido, utilizando o sistema bancário e financeiro legítimos para fazerem transitar o dinheiro, estavam a colocar em causa a pretensão estadual ao confisco do produto e das vantagens do crime, bem como a introduzir na economia legal quantias monetárias que admitiram ser provenientes de práticas ilícitas, conformando-se com tal resultado, contaminando-a, e dando a essas quantias a aparência de licitude.
21º
Ao atuarem da forma descrita, agiram cada um dos arguidos A. M. e A. V. com o propósito de colaborarem com a atuação ilícita dos indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, fornecendo-lhes a identificação da conta bancária de cada um dos arguidos, para facilitar a atuação daqueles nas transferências de dinheiro de terceiros que lhes não pertenciam e do qual pretendiam apoderar-se, como vieram a fazer.
22º
Os arguidos A. M. e A. V. agiram igualmente com o propósito concretizado de obter proveito económico da colaboração prestada aos indivíduos que procederam às transferências das quantias em dinheiro para as contas bancárias, cujos únicos titulares eram eles, sendo-lhes indiferente a proveniência ilícita do referido dinheiro, bem sabendo que aquele valor não lhes pertencia nem a ele tinham direito.
23º
Os arguidos A. M. e A. V. agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
24º
Factos oriundos do relatório social do arguido A. V.:
A. V. é o filho único dos pais, sendo que desde tenra idade e por motivos de alegados exigentes horários de trabalho daqueles, ficou ao cuidado dos avós maternos, durante a semana, e aos fins-de-semana com os pais (vivem em partes diferentes do mesmo edifício).
A mãe é funcionária no W em Lisboa. E o pai é funcionário da … Aeroportos e militante activo de partido político, com responsabilidades partidárias. Os pais têm conseguido provir às necessidades de habitação e acesso e bens do filho e do agregado.
Os avós são as figuras afectivas e os pais, as figuras de suporte educativo. Sendo que o facto de aqueles não terem priorizado a sua educação e cuidado, em detrimento ao trabalho e exigências políticas (pai), foi interiorizado pelo arguido como uma forma de rejeição afectiva. Esta condicionante, parece ter fragilizado os laços de vinculação à família e favorecido sentimentos de oposição às orientações educativas.
Não são reportados especiais problemas de saúde ou desenvolvimento (asma infantil situação estabilizada).
A. V., antes dos 6 anos, frequentou valência de jardim-de-infância, em equipamento escolar – ensino particular, tendo aí realizado o 4º ano. Com a integração aos 10/11 anos, no 5º ano, na Escola EB …. Esta escola dista, menos de 200 metros da sua casa e realizou aí o 6º ano. Aos 12/13 ao integrar o 7º ano, começou a manifestar os primeiros problemas de indisciplina com implicações no desempenho e frequência, passando a ter problemas ajustamento/assiduidade. Foi integrado após retenção escolar, em curso formativo, ma Escola … na Amadora.
Não conseguiu ter sucesso. Mudou de curso e veio para Curso de do IEFP em … (2015/16), mais uma vez sem sucesso.
Abandonou os estudos com 20 anos. Iniciou trabalho, em actividades de reposição/serviços e armazém, através de empresas de trabalho temporário, sem especial proteção no trabalho. Em 2018 esteve de baixa médica por lesão no ombro. Em 2019 ficou desempregado.
O arguido dos 6 aos 16 anos terá praticado futebol, como jogador federado (..., …, …) e esta foi uma actividade vivida com prazer e geradora de alguma organização de hábitos e rotinas.
Depois de uma lesão no joelho, terá deixado de praticar esta actividade de forma regular/federada.
A. V. situa entre os 18/20 anos um período de maior instabilidade e falta de discernimento, que terá condicionado a sua forma de resolver problemas e adequar as suas condutas a um projeto de vida normativo, em situação de tomada de decisão/pressão de pares.
Localiza neste período de vida um maior e mais regular consumo de substância estupefaciente.
Os pais e avós em 2015/16, 20/21 anos de vida, com início de relacionamento de namoro daquele e procura mais activa de trabalho, reconhecem no filho/neto uma maior adesão a regras, e hábitos estruturados de vida.
Localiza os registos junto autoridade policial, ao período entre os 18-21 anos, em situações de festejos/permanência em locais de diversão noturna. Numa conduta de algum desafio, displicência/desvalorização do cumprimento de regras e costumes.
Aquele nunca aceitou/aderiu a consulta estruturada no âmbito da psicologia/consulta de adição. A sua adição/ou dificuldade em se manter abstémio do haxixe (não são detetados problemas com uso/consumo do álcool), tem sido um tema sensível, não havendo reconhecimento por parte do arguido de um problema. Como não temos indicadores clínicos, que confirmem ou desmintam esta situação, consideramos importante avaliar esta situação do ponto de vista médico.
O arguido em 2018, deslocou a clavícula 8 lesão de esforço - prática desportiva), e desde meados de 2018, que não desenvolve atividade laboral, de forma regular. Primeiramente tentou solucionar a situação, com fisioterapia, mas afirma que aguarda, cirurgia, por o problema não estar resolvido.
A. V. de 2016 em diante, manteve, ao que aferimos três relacionamentos afectivos. Um dos quais com coabitação (2017-2018).
Regressou ao agregado dos pais/avós, em finais de 2018, situação que ainda manterá.
A. V. vive com os pais/avó. Afirma aguardar cirurgia ao ombro. Revela desconforto e mal-estar com a dilação do prazo da alegada operação. Ainda assim, não temos elementos actualizados de situação de saúde. Continua a ser apoiado em consulta externa de ortopedia no Hospital Fernando da Fonseca.
Aquele terá estabelecido uma nova relação de namoro, com pernoita alternada nos agregados de origem de ambos. A namorada tem uma filha menor de dois anos, com a qual o arguido parece privar com regularidade. Aquele revela que a situação provocará algum desconforto aos pais dele.
A. V. enquadra a prática dos factos, num quadro de incapacidade de adiar/desconfiar de uma pessoa que conhecia. Todavia verificamos que o alegado conhecimento da pessoa era superficial, e baseado em informações erradas, inclusive o nome. Descreve-se como “enganado, quando tentava ajudar uma pessoa” (sic). Afirma estar ciente que será provado que situação foi um mal-entendido.
A. V. tem noção do interdito, mas revela fragilidades em competências diretamente relacionadas com a adoção de conduta normativa: dificuldades ao nível da antecipação das consequências, juízo crítico, estabelecimento de pensamento alternativo, tendendo a adotar respostas pouco assertivas na resolução do problema.
A. V., revela fragilidades ao nível da saúde, da autonomia e da estabilização hábitos e rotinas.
Na atualidade parece revelar maior estabilização de rotinas, mas fragilidades no projeto de vida.
25º
Factos relativos ao relatório social da arguida A. M.
A. M. de quarenta e nove anos, nasceu em Lisboa e viveu até aos nove anos de idade com os avós maternos. A mãe é portuguesa e o pai natural de … tinha a nacionalidade francesa, tendo o núcleo familiar da arguida vivido em França até à separação do casal, quando a arguida ainda era pequena.
Frequentou com recurso a bolsa de estudo o liceu francês em Lisboa e prosseguiu os estudos em estabelecimentos de ensino do concelho de Oeiras, tendo frequentado o ensino noturno sem concluir o 9º ano.
Autonomizou-se do grupo familiar aos dezasseis anos, indo com uma amiga para o Algarve, onde trabalhou na área da restauração. Foi nesse contexto que, incompatibilizada com a mãe, conheceu o companheiro, cidadão marroquino. O casal separou-se quando viviam na Holanda, sendo que a arguida residia sozinha quando nasceu o primeiro filho, quando tinha vinte e dois anos.
Após a primeira separação, ainda na Holanda, a arguida retomou os estudos concluindo licenciatura em artes gráficas. Simultaneamente trabalhou na área de decoração e artes gráficas, tendo estabelecido novo relacionamento afetivo com um cidadão holandês, nascendo dessa união a filha, agora com vinte anos, que vive desde os treze anos com o pai, no país de origem.
Segundo a arguida, apesar de beneficiar de uma situação familiar e laboral estável, não coabitava com o companheiro, tendo optado por regressar sozinha para Portugal com os dois filhos menores.
Arrendou um apartamento na zona de …, de onde saiu na sequência de um incêndio nessa habitação, tendo o agregado familiar sido realojado num bairro camarário, Bairro do …, onde a arguida reside atualmente. Trata-se de um meio social conotado com comportamentos pró criminais.
Contudo, a arguida refere que não mantem referências de convívio no bairro, tendo evitado que os filhos estabelecessem as suas amizades nesse ambiente.
Entretanto a arguida estabeleceu novo relacionamento afetivo, referindo que existia uma dinâmica familiar muito conturbada devidos aos problemas de alcoolismo do companheiro, que atualmente se encontra a cumprir condenação por crimes de condução com álcool. Tiveram uma filha, quase a completar dez anos que tem beneficiado do apoio da avó materna, residente em Oeiras, com quem a arguida reatou ligação, existindo um ambiente de interajuda e estabilidade familiar.
Em termos profissionais a arguida tem desempenhado trabalhos muto variados, na área da restauração, tendo exercido durante seis anos funções no serviço de receção. Desempenhou de forma intermitente vários trabalhos em feiras internacionais, numa empresa de venda de stands para feiras, na área de venda de produtos de cosmética, na exploração por conta própria de um gabinete de estética que entretanto fechou. Efetua alguns serviços de estética a título particular entre outras atividades de natureza comercial, referindo que “gosta de vender coisas”. Denota capacidade de empreendedorismo e dado que tem conhecimento de várias línguas estrangeiras, tem conseguido com relativa facilidade executar alguns trabalhos fora do país.
Atualmente, A. M. recebe o subsídio subsequente do subsídio de desemprego, no valor de 336 euros, recebendo desde há cerca de três anos a pensão de alimentos, através do fundo de garantia.
Paga uma renda no valor de seis euros e descreve uma situação económica minimamente suficiente. Foi ainda mencionado o apoio financeiro por parte da mãe, que descreve a filha como sendo uma pessoa rigorosa na gestão das despesas quotidianas.
A arguida revela facilidade na interação pessoal, afirma que gosta de conhecer e de conviver com pessoas que vai encontrando nos vários contextos onde se move, descrevendo-se como uma pessoa aventureira e empreendedora, podendo constituir-se fatores de risco a sua impulsividade e lacunas para avaliar as consequências das suas ações.
O presente processo judicial remonta ao ano de 2015 e a arguida denota apreensão face a uma eventual condenação. Está condenada no processo nº 195/15.9GBCNT, transitado em julgado a 2/10/2019, na pena de dois anos de prisão suspensa por dois anos, por um crime de recetação e um crime de branqueamento, fatos de idêntica natureza aos do presente processo.
Caso seja condenada, considera-se que existem condições para aplicação de uma medida a executar na comunidade, sem acompanhamento da DGRSP.
A. M. apresenta bom nível de aptidões pessoais revelando no entanto algumas dificuldades para definir estratégias adequadas para a resolução de problemas prevalecendo, do que foi possível avaliar, uma trajetória associada a um modo de vida enquadrado em valores pró sociais.
Tem mantido um percurso laboral intermitente e fragmentado o que, a par da propensão para agir impulsivamente, tal como a arguida reconhece, poderá representar um quadro de risco face à adoção de comportamentos socialmente valorizados, averbando os processos judiciais num período circunscrito no ano de 2015.
Assim, entende-se que, em caso de condenação, existem condições para aplicação de uma medida a executar na comunidade, sem acompanhamento da DGRSP.
26º Do CRC da arguida A. M. nada;
a) No Processo nº 195/15.9GBCNT, do Juízo Local Criminal de Coimbra – J3 – foi a arguida condenada por decisão de 30/04/2019, transitada em 02/10/2019, pela prática em 01/04/2015, de um crime de recetação p. e p. pelo art. 231º/1 do C.P., e de um crime de branqueamento p. e p. pelo art. 368º-A nº1 e 2 do C.P., numa pena de 2 anos de prisão suspensa por igual período.

27º Do CRC do arguido A. V. constam as seguintes condenações.
a) No processo Comum Coletivo nº 126/13.0PCLSB, do Juízo Central Criminal de Lisboa, J15, por decisão de 22/05/2015, transitada em 09/09/2015, foi o arguido condenado pela prática de dois crimes de roubo p. e p. pelo art. 210º/1 do C.P., numa pena de prisão de dois anos suspensa, pelo mesmo período;
b) No processo Comum Coletivo nº 127/13.9PCLSB, do Juízo Local Criminal de Lisboa, J2, por decisão de 15/03/2017, transitada em 24/04/2017, foi o arguido condenado pela prática de dois crimes de roubo p. e p. pelo art. 210º/1 do C.P., numa pena de prisão de um ano e seis meses de prisão suspensa, pelo mesmo período;
c) No Processo sumário nº 119/18.1SCLSB, do Juízo Local P. Criminalidade de Lisboa, J4, por decisão de 22/03/2018, transitada em 22/05/2018, foi o arguido condenado pela prática de um crime de consumo de estupefacientes p. e p. pelo art. 40º/2 do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, numa pena de 80 dias de multa, à taxa de 6,00 euros, num total de 480,00 euros;

28º: FACTOS PROVADOS, ORIUNDOS DO PEDIDO CÍVEL

A) Com a colaboração da arguida A. M., a ofendida C. C., Lda viu-se desapossada da quantia de 9 925,75 euros;
B) Com a colaboração do arguido A. V., a sociedade ofendida C. C., Lda viu-se desapossada da quantia de 2 500,00 Euros;
C) Tais quantias nunca foram recuperadas pela ofendida;

29. FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provou que os arguidos soubessem que o dinheiro que recebiam nas suas contas bancárias tinha sido obtido através de um esquema que criava páginas da internet falsas e semelhantes às das instituições bancárias Banco ... , concebidas por pessoas não identificadas, com o propósito de obterem os códigos e acesso à conta bancária da sociedade ofendida e, dessa forma, acederem à conta através desses códigos, sem conhecimento e consentimento da ofendida, única legalmente autorizada a movimentar essa conta.

III. Fundamentação da decisão de facto:

O Tribunal fundou a sua convicção, quanto ao teor dos factos provados nos pontos 1º a 14º, atinentes ao esquema usado por pessoas não identificadas para obter da sociedade ofendida, as credenciais necessárias para aceder à conta desta e emitir as ordens de transferência para as contas dos arguidos, bem como o prejuízo por esta sofrido, resultou do conjunto da prova produzida, designadamente do teor do auto de denúncia de fls.43, 44, protagonizado pelo sócio gerente da empresa “C. C., Lda, da qual resulta que, desconhecidos acederam à sua conta bancária nº ………-4 e efetuaram cinco transferências, no valor total de 19 915,85 euros, sem o seu conhecimento e consentimento. Das cinco transferências, três foram concretizadas nos valores de 4950,75 euros, 4975,00 euros e 4999,10 euros, num total de 14 915,85 euros, para a conta nº 133100004257, junto do Banco ... e titulada por A. M.; as outras duas, no valor de 2 500,00 euros cada, foram transferidas para a conta nº ………, em nome de J. O..
Em julgamento, foi ouvido, o representante legal da empresa ofendida e demandante, C. M., que explicou que a empresa que representa tinha conta no Banco ..., conta que apenas era usada para pagar, por cheque, a fornecedores, e recorda-se do seu colaborador, numa sexta-feira de manhã, ter recebido um e-mail, com uma página em tudo semelhante à do banco, solicitando a atualização dos dados bancários e convencido que se tratava de uma página oficial, o seu colaborador acedeu ao solicitado e atualizou os dados, fornecendo as credenciais. No sábado recebeu chamada de um responsável do banco, a informar que estavam a ser efetuadas transferências a partir da sua conta, tendo dado imediatamente ordem para cancelar, até porque essa conta nunca era usada para efetuar transferências. Verificaram que haviam já sido efetuadas transferências de várias quantias (4950,75 Euros; 4975,00; 4990,10 euros; 2500 euros e outra ainda de 2 500,00 euros, transação esta que foi cancelada. Foram ainda feitas compras online, mas como alguma da mercadoria comprada não havia sido ainda entregue, parte do dinheiro foi devolvido. A empresa que representa está, por isso, prejudicada em 17 000 e tal euros. Refere que, na sua ideia, só foi anulada uma transferência de 2 500,00 euros. Todavia, confrontado com o teor do extrato de fls. 67, donde consta uma devolução de 4 990,10 euros, admite que, também esta transferência terá sido devolvida e que, afinal o dano que sofreu terá sido apenas aquele que consta da acusação.
Neste particular, louvou-se ainda o tribunal no teor do depoimento da testemunha L. F., funcionário da empresa ofendida C. C., que foi quem fez a atualização da página e forneceu as credenciais. Refere que recebeu um mail supostamente do Banco ..., solicitando que procedesse à atualização dos dados, solicitação que coincidiu temporalmente com o teor de uma informação prévia dada ao balcão pelo funcionário do banco, o que reforçou a convicção sobre a fidedignidade da página. Passado pouco tempo, o representante da empresa soube que estavam a ser feitas transferências, sendo certo que daquela conta nunca eram feitas transferências, visto que nela apenas entrava dinheiro e saiam cheques para pagar a fornecedores. Na hora tentaram entrar na pagina do Banco ... e já não conseguiram porque os códigos estavam mudados, altura em que perceberam que foram vítimas de um esquema criminoso. Eram três transferências de cerca de 4 900 euros e duas de 2 500,00 euros. Foram também feitas compras on line e parte delas não foram concretizadas. O prejuízo deve rondar os 17 000,00 euros.
Louvou-se ainda o tribunal no teor do depoimento da testemunha, M. P., Inspetora da Polícia Judiciária da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica, que foi quem elaborou o relatório final de fls. 149 a 155, e admite ter tentado contatar a A. R., que seria a titular do IP. Explicou o modus operandi deste tipo de criminalidade, que consubstancia uma burla informática, habitualmente designada por fishing, na sua modalidade de captura de dados de acesso ao património financeiro das vítimas através do serviço homebanking.

Para a consumação do ilícito é necessário o cumprimento dos seguintes momentos:
- desenvolvimento de ferramentas de captura de dados e respetiva disseminação (obtido através de dois mecanismos: o desenvolvimento e disseminação de infeções, o recurso a páginas de internet com grafismo idêntico ao do serviço homebanking, através de comunicações em massa, remetidas a um elevado número de destinatários (spam), induzindo a vitima a aceder a uma suposta página do banco, onde é solicitado o preenchimento dos dados necessários à utilização do serviço homebanking, momento a partir do qual os autores do crime passam a estar na posse dos meios necessários à movimentações dos fundos a partir da conta bancária da vítima, tendo sido, este último, o método usado);
- angariação e conta de destino dos fundos a transferir, para posterior branqueamento dos proventos ilícitos ( conta da Money mule), cujo titular fica incumbido de proceder ao levantamento dos valores para transferidos para a conta que disponibilizam, e posterior entrega aos interessados/angariadores, na manutenção da atividade ilícita, papel que nos caso dos autos, coube aos arguidos que, seguindo instruções de terceiro, assumiram o papel de transformar o dinheiro obtido em numerário, através de compras efetuadas com o cartão associado às contas de que são titulares, em casas de câmbio, repartindo o dinheiro entre o titular da conta mula/angariador e o restante pelos diferentes ramos da estrutura criminosa, eliminando os vestígios associados à origem ilícita dos fundos.
Acrescentou que no contexto da investigação foi recolhida a informação de que o endereço de IP registado para o acesso à conta da sociedade ofendida, quando acede à página falsa, está registado em nome de A. R., que é inexistente.
O Tribunal louvou-se ainda no teor dos movimentos de conta de fls.47 e 48 e elementos bancários de fls.60 a 67, relativos à conta debitada nº ………-4 – dos quais se retira que, das cinco transferências, duas foram anuladas, estando aí identificadas as contas dos arguidos, como sendo as contas-destino, onde foram creditadas as transferências efetuadas a partir da conta da sociedade vítima.
Ateve-se ainda o tribunal ao teor da informação de fls.90, da qual resulta que a entidade que utilizou o IP 188.93.230.147, durante o período de 16/04/2015 a 18/04/2015, foi A. R., Av. …; bem como ao teor da cota de fls.108, da qual resulta que na morada indicada aquando da atribuição do IP supra referido, não é conhecida qualquer residente com o nome A. R., sendo que aquela morada corresponde às instalações do Hotel F., não existindo a fração R/C e não corresponde ao código postal indicado na morada; a rua indicada existe em lisboa, mas com um outro código postal, não existindo aquela fração; não existe nenhum indivíduo com o nome em causa, existe apenas um registo com aquele nome, mas com residência na Maia e o contato indicado encontra-se inativo;
No mais, quanto à participação do arguido A. V. nos factos de que vem acusado – cfr. Ponto 16º - enquanto um dos titulares da conta mula para onde foi efetuada uma transferência de 2 500,00 Euros -, louvou-se o tribunal no teor dos elementos bancários relativos à conta nº .........6, de que é o referido arguido é titular ( fls.91 a 97), da qual resulta que tal conta foi aberta no dia 21/05/2014 (mostrando-se já encerrada), que associado à conta foi emitido o cartão nº .........9, em nome do arguido (o qual foi entretanto cancelado), constando ainda dos autos o extrato relativo ao período em análise, que confirma a concretização de uma transferência tendo aquela conta como destino, no valor de 2 500,00 euros, realizada em 17/04/2015, oriunda da conta titulada pela sociedade demandante, bem como vários débitos subsequentes, relacionados com empresas de câmbio.
Na verdade, do extrato da conta bancária acima identificada, resulta claramente que, após a transferência de 2 500,00 Euros, efetuada para a conta titulada pelo arguido, foram efetuados vários débitos, relacionados com empresas de câmbio ( Xcâmbio, S.A., e Ytranfers).
Por outro lado, retira-se da informação prestada pela Xcâmbio S.A., de fls.157 a 169 e 249 (ainda que, relativa à participação da arguida A. M.), bem como do depoimento da Exma. Inspetora, que descreveu o modus operandi neste tipo de crimes, que, o branqueamento dos valores transferidos, implica por parte dos money mules, a transformação do valor obtido em numerário, normalmente operada através de compra de divisas estrangeiras em casas de câmbio, sendo que os pagamentos dos vários câmbios de moeda estrangeira terão sido efetuados, no caso em apreço, com recurso ao cartão multibanco associado à conta da instituição bancária Banco ..., transação que pressupõe necessariamente a identificação do titular da conta (que pressupõe a exibição de cópia do cartão de cidadão) e, por isso, implica a intervenção pessoal do aqui arguido.
De resto, não é crível que o arguido tenha emprestado, sem qualquer contrapartida, o cartão da sua conta e respetivo código a um terceiro, ainda para mais, desconhecido - irmão de um amigo, que nem soube identificar – e se tenha desinteressado do destino que esse desconhecido deu ao cartão e à conta a que o mesmo está associada, ao ponto de só ter cancelado esse cartão e respetiva conta, muito tempo depois, apesar de admitir que teve conhecimento que esse desconhecido e sua família abandonaram o país.
Neste particular, nenhuma credibilidade mereceram as declarações do arguido A. V., que em julgamento procurou sustentar a tese de que desconhecia as transferências efetuadas para a sua conta e a proveniência ilícita dos dinheiros transferidos, sustentando que um irmão de um amigo lhe pediu emprestado o cartão da conta de que é titular e o respetivo código, explicando apenas que não tinha conta e precisava de uma conta de terceiro, para receber uma transferência. Diz que acedeu ao pedido, dada a confiança da pessoa e a partir daí, perdeu o rasto do cartão, tendo vindo a saber que essa pessoa e esses familiares tinham abandonado o país, mas apesar disso só encerrou a conta muito tempo depois. Nunca foi a uma casa de câmbio. Não explica porque criou a conta. Não conhece a arguida.
Quanto à participação da arguida A. M. nos factos de que vem acusada – cfr. pontos 15º e 17º - , apesar da mesma não ter comparecido em qualquer das sessões de julgamento e, por isso, não ter prestado declarações, a convicção do tribunal quanto à sua participação nos factos de que vem acusada alicerçou-se no teor da informação da Xcâmbio S.A., de fls.157 a 169 e 249, da qual resultou que os pagamentos dos câmbios de moeda estrangeira foram efetuados com recurso ao cartão multibanco da instituição bancária de que a arguida é titular, resultando ainda dessa informação que foi aberta na Xcâmbio, uma ficha de cliente, titulada pela arguida A. M., tendo junto aos autos a cópia do cartão de cidadão da arguida, que estava na posse da entidade cambiária, o que pressupõe a intervenção pessoal na transação consubstanciada na compra de divisas estrangeiras.
Da prova documental recolhida nos autos, retira-se que os arguidos A. M. e A. V., para além de terem disponibilizado as suas contas bancárias para viabilizarem a concretização de transferências, ainda terão utilizado os cartões associados às suas contas, para comprar divisas estrangeiras, em casas de câmbio, o que pressupõe uma consciência e vontade de colaboração com o(s) angariador (es).
Ora, é das regras de experiência comum que este tipo de atuação dos money mules, consubstanciada na imediata conversão do valor transferido em numerário, segundo as instruções do angariador, através da compra de divisas estrangeiras, repartindo depois o produto obtido com o angariador e com os diferentes ramos da estrutura criminosa, visa precisamente a eliminação dos vestígios associados à origem ilícita dos fundos, o que pressupõe que os arguidos tenham atuado com consciência e vontade de colaborar com o angariador e demais membros da estrutura criminosa, conscientes de que o dinheiro que recebiam nas contas era proveniência de atividade delituosa, ainda que não tivessem um conhecimento detalhado do esquema criminoso, nem conhecessem os membros da estrutura criminosa.
Os arguidos, ao efetuarem as operações de dissimulação do dinheiro transferido para as suas contas ( através da compra de moeda estrangeira, em casas de câmbio, usando o cartão associado às contas para as quais essas quantias foram transferidas, admitiram como possível a natureza ilícita das atividades que originaram os produtos a dissimular (elemento intelectual do dolo) conformando-se com o resultado (elemento volitivo do dolo), tendo atuado com a intenção de evitar que os autores fossem perseguidos criminalmente, ainda que não conhecessem de forma detalhada o esquema criminoso nem os autores ou todos os autores dessas estrutura criminosa com a qual colaboraram.
Sendo incontornável concluir que os arguidos agiram com a intenção de evitar que os angariadores e membros da estrutura criminosa, ainda que desconhecessem a sua completa identificação, fossem criminalmente responsabilizados pela forma ilícita como acederam a esses fundos.
É também das regras de experiência comum, que este tipo de colaboração, sobretudo quando prestada a desconhecidos, envolve uma determinada contrapartida, ainda que não se haja demonstrado a sua medida, pois que, não é natural que alguém aceite a transferência de um risco sem qualquer sinalagma, o que permite ao tribunal dar como demonstrado o dolo dos arguidos, ainda que esse dolo se apresente com uma densidade diferente daquele que vem descrito na acusação.
Na verdade, apesar de não se ter provado que os arguidos soubessem que o dinheiro que recebiam nas suas contas bancárias tinha sido obtido através de um concreto esquema (que criava páginas da internet falsas e semelhantes às das instituições bancárias), face à natureza da colaboração por eles prestada a esses terceiros, é inelutável concluir que os arguidos atuaram com o conhecimento e vontade de evitar que os autores desses ilícitos fossem criminalmente punidos, contribuindo decisivamente para dissimular a origem ilícita dos fundos que para as suas contas foram transferidos.
No mais, quanto aos antecedentes criminais dos arguidos e condições pessoais, ateve-se o Tribunal ao teor dos certificados dos registos criminais dos arguidos de fls. 333 a 336 e 285 e relatórios sociais de fls. 398 a 400 e 402 a 404.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. DO CRIME DE BRANQUEAMENTO

Os arguidos vêm acusados, em autoria material e na forma consumada, cada um deles, de um crime de branqueamento, previsto e punido pelo artigo 368º, nsº1 e 2, do Código Penal.

Nesta norma penal determina-se que:
“(1) Para efeitos do disposto nos números seguintes, consideram-se vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, dos factos ilícitos típicos de lenocínio, abuso sexual de crianças ou de menores dependentes, extorsão, tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, tráfico de armas, tráfico de órgãos ou tecidos humanos, tráfico de espécies protegidas, fraude fiscal, tráfico de influência, corrupção e demais infrações referidas no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 36/94, de 29 de setembro, e dos factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a 6 meses ou de duração máxima superior a 5 anos, assim como os bens que com eles se obtenham.
(2) Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, por si ou por terceiro, direta ou indiretamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infrações seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal, é punido com pena de prisão de 2 a 12 anos”.
(3) Na mesma pena incorre quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens ou os direitos a elas relativos.
(4) A punição dos crimes previstos nos nº 2 e 3tem lugar ainda que se ignore o local da prática do facto, ou a identidade dos seus autores, ou ainda que os factos que integram a infração subjacente tenham sido praticados fora do território nacional, salvo se de tratar de factos lícitos perante a lei do local onde foram praticados e aos quais não seja aplicável a lei portuguesa nos termos do art. 5º. (5) O facto é punível ainda que o procedimento criminal relativo aos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens depender de queixa e esta não tiver sido apresentada.
(6) A pena prevista nos nº2 e 3 é agravada de um terço se o agente praticar as condutas de forma habitual.
Em termos gerais pode-se dizer, acompanhando de perto o teor do Acórdão do TRL de 18/07/2013 “que o branqueamento supõe o desenvolvimento de atividades que, podendo integrar várias fases, têm como fim último dar uma aparência de origem legal a bens de origem ilícita, assim encobrindo a sua origem e conduzindo, na maior parte das vezes, “a um aumento de valores, que não é comunicado às autoridades legítimas1. Sem um crime precedente como tal previsto à data da transferência do capital, não há crime de branqueamento. A punição do branqueamento, visa tutelar a “pretensão estadual ao confisco das vantagens do crime”, ou mais especificamente, o interesse do aparelho judiciário na deteção e perda das vantagens de certos crimes, Quanto mais eficiente e sofisticada for a conduta do branqueamento mais grave e perigoso é o atentado ao bem jurídico protegido por esta incriminação. Porém, mesmo a simples conduta do agente de apenas depositar na sua conta bancária quantias bancárias provenientes do crime precedente por si cometido, pode integrar a prática do crime de branqueamento”.
O crime de branqueamento é um crime de ação, autónomo em relação ao crime subjacente, que pode ser cometido por qualquer pessoa, inclusive pelo autor do crime subjacente.
O branqueamento supõe o desenvolvimento de atividades que podendo integrar várias fases, têm como objetivo dar uma aparência de origem lícita, encobrindo a sua origem.

A designação mais comum para significar as fases, etapas ou possíveis operações de branqueamento de capitais, é a adotada pela GAFI , que distingue três etapas, designadamente na terminologia inglesa habitualmente usada por placement, layering e integration (fases de colocação, circulação e de integração), tendo inspirado a Convenção de Viena e em consequência o legislador português, que seguiu aquela muito de perto (Ac. STJ de11/06/2014).
Dito de outro modo, no branqueamento inclui-se a “colocação (placement) – a fase de maior risco, em que o delinquente se procura desembaçar do numerário, retirando os fundos de qualquer relação direta com o crime, nomeadamente através da sua colocação numa conta bancária; circulação (empilage) – multiplicação das operações, em mais que um país se possível, com movimentos por várias contas, cheques sobre o estrangeiro, tudo com a finalidade de ocultação; investimento (integração) – operações com vista a criar a aparência de legalidade: investimento de curto prazo, médio prazo ou longo prazo 2.
A punição do branqueamento visa tutelar a pretensão estadual ao confisco das vantagens do crime, ou mais especificamente, o interesse do aparelho judiciário na deteção e perda das vantagens de certos crimes 3.
As vantagens a que se refere o citado preceito legal, abrangem o conceito de moeda, dinheiro.
A conduta pode ser mais rudimentar ou sofisticada, ambas integrando a prática do crime, pelo que a simples conduta do agente de apenas depositar, na sua conta bancária, quantias monetárias provenientes do crime subjacente por si praticado, pode integrar a prática do crime de branqueamento 4.
De qualquer forma, não é apenas por ser mais “elementar” ou menos sofisticado o modo de execução do ato de “branqueamento” ou de “reciclagem” praticado pelo agente, que se pode de imediato concluir que então essa conduta não integra o crime de branqueamento; se fosse esse o entendimento a seguir, corria-se o risco de restringir excessivamente (contra a vontade do legislador) a área de tutela típica desta incriminação, além de se esquecer a necessária articulação funcional com o conteúdo do bem jurídico que se quis proteger.
A punição do branqueamento não pressupõe que tenha de existir agente determinado ou condenação pelo crime subjacente. A lei exige apenas o conhecimento da prática da infração principal, e não a sua punição. O crime de branqueamento e a respetiva reação criminal são autónomos em relação ao facto ilícito típico subjacente. Assim, não importa que este último não haja sido efetivamente punido, por exemplo, por impossibilidade de determinar quem o praticou e em que circunstâncias, tal como sucede no caso dos autos. O tipo de branqueamento exige apenas que as vantagens provenham de um facto ilícito típico, não de um crime.
O branqueamento de dinheiro, para utilizar uma fórmula simplificada, supõe uma infração principal (predicated offense), com outras designações ao nível do direito europeu e internacional, como crime-prévio, crime primário, crime antecedente, crime precedente, facto referencial, crime designado, infração subjacente, facto ilícito típico ( designação presente nos nº 1, 5, 7, 9 e 10 do art. 368º A do C.P.).
O crime de branqueamento de capitais é estruturalmente autónomo da criminalidade subjacente. Desde que se tenha verificado a prática do crime-base e sejam praticados atos subsumíveis ao tipo de branqueamento, este ganha autonomia, no sentido de que o respetivo agente será penalmente perseguido mesmo nos casos em que, não seja possível determinar a identificação do autor do crime-base, tal como sucede no caso dos autos.

De salientar ainda que a verificação do crime de branqueamento, na previsão do n.º 2 do artigo 368.º-A não depende somente do preenchimento do tipo objetivo (por exemplo a prova de depósitos em conta própria, ou das vantagens provenientes do crime subjacente), pois que se trata de um crime essencialmente doloso, não estando prevista nenhuma forma de negligência.

Mesmo que essa conduta possa ser qualificada de operação de conversão e, assim, preencher o tipo objetivo do crime em análise, é necessário, também, que o agente, ao efetuar qualquer operação no procedimento mais ou menos complexo de conversão, transferência ou dissimulação, tenha conhecimento da natureza das atividades que originaram os bens ou produtos a converter, transferir ou dissimular (elemento intelectual do dolo) e a intenção de dissimular a origem ilícita das vantagens ou de evitar que o autor ou participante dessas infrações seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal ( elemento volitivo do dolo).
Quanto ao grau de conhecimento para que se possa afirmar o dolo, não é necessário que seja determinado precisamente quem tenha sido autor das atividades da infração subjacente, ou quem tenha estado na origem dos fundos a converter, transferir, dissimular ou ocultar.
Não é de exigir um conhecimento detalhado e pormenorizado do crime donde derivam os bens, caso contrário, só poucas condutas seriam puníveis. Será dispensável o conhecimento do tempo, lugar, forma de cometimento, autor e vitima do crime precedente. A exigência do conhecimento por parte do agente da proveniência criminosa dos bens ou produtos sobre os quais, ou em relação aos quais atua, deve ser entendida como abarcando o dolo típico em todas as suas formas, incluindo o dolo eventual ( Assim, Jorge Duarte, Luís Silva Pereira, Vitalino Canas, Vitor Sá Pereira e Alexandre Lafayette, Miguez Garcia e Castela Rio).
Traçado o quadro normativo aplicável ao caso em apreço e atentos os factos julgados provados e não provados é evidente que os arguidos A. M. e A. V., praticaram os elementos objetivos do crime de branqueamento, ao facultarem as suas contas para a concretização das transferências e ao contribuírem para a dissimulação dessas quantias, por via da compra de moeda estrangeira, utilizando o cartão associado a essas contas.
Do mesmo jeito, também praticaram os elementos subjetivos do crime de branqueamento, porquanto os arguidos, ao efetuarem as operações de dissimulação do dinheiro transferido para as suas contas ( através da compra de moeda estrangeira, em casas de câmbio, através do cartão associado aos contas para as quais essas quantias foram transferidas, admitiram como possível a natureza ilícita das atividades que originaram os produtos a dissimular (elemento intelectual do dolo) conformando-se com o resultado (elemento volitivo do dolo), tendo atuado com a intenção de evitar que os autores fossem perseguidos criminalmente, ainda que não conhecessem de forma detalhada o esquema criminoso nem os autores ou todos os autores dessas estrutura criminosa com a qual colaboraram.
Atuaram, por isso, cada um dos arguidos, com dolo eventual, que é compatível com este tipo de ilícito.

4.2. Da escolha e medida da pena

O crime de branqueamento é punido com pena de prisão de 2 a 12 anos.
*
Cumpre, então, fixar a medida concreta da pena de prisão, tendo em consideração as molduras acima indicadas.
Tal operação deve atender ao critério fixado pelo art.º 71.º, n.º 1, do Código Penal, o qual dispõe que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.
Por conjugação com o disposto no art.º 40.º do diploma acabado de citar, é possível retirar a conclusão de que à culpa caberá fornecer o limite máximo da pena que ao caso deve ser aplicada e para além do qual se estará perante uma instrumentalização da dignidade humana do delinquente, sendo em função de considerações de prevenção – geral de integração e especial de socialização – que deve ser determinada, abaixo daquele máximo, a medida final da pena.
A articulação entre ambas as finalidades faz-se de molde a que seja a prevenção especial a determinar, em último termo, a pena a aplicar, sem prejuízo de não se poder descer abaixo do limiar mínimo de prevenção geral, sob pena de o ordenamento jurídico se pôr a si próprio em causa.
A este respeito e quanto à culpa, temos que os arguidos atuaram com dolo eventual, a ilicitude é elevada atendendo à gravidade objetiva das condutas em causa, dados os elevados prejuízos patrimoniais que acarretaram.
São, por outro lado, muito elevadas as exigências de prevenção geral, atento o alarme social suscitado pelo tipo de condutas aqui em causa que, como já referido, colocam seriamente em causa os sentimentos comunitários de confiança no sistema financeiro.
Em benefício da arguida A. M. há que relevar a ausência de antecedentes criminais – visto que a condenação proferida no Processo nº 195/15.9GBCNT, à data destes factos, não havia ainda transitado em julgado, e a circunstância de a arguida se encontrar bem inserida socialmente, o que atenua as exigências de prevenção especial.
Quanto ao arguido A. V., importa também relevar a ausência de antecedentes criminais – visto que as condenações proferidas nos Processos nº 126/13.0PCLSB, 127/13.9PCLSB, 119/18.1SCLSB à data destes factos, não haviam ainda transitado em julgado, o que atenua as exigências de prevenção especial.
Contra si, releva-se a circunstância de não ter revelado qualquer arrependimento, evidenciar deficit de juízo crítico quanto à problemática criminal em causa, o que agrava as exigências de prevenção especial.

Da conjugação de todos estes fatores, afigura-se deverem ser fixadas as seguintes penas:
- à arguida A. M., a pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;
- ao arguido A. V., a pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão;
*
Tendo em consideração as penas concretas aplicadas, há que ponderar da eventual suspensão da execução das penas de prisão ora determinadas.

Dispõe, a este respeito, o art.º 50.º, nºs 1 e 5 do Código Penal, que:

“1.O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
(…)
5.O período de suspensão tem duração igual à pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contra do trânsito em julgado da decisão”.
Constata-se, assim, que a suspensão da execução da pena de prisão depende de um pressuposto formal e de um pressuposto material.
Pressuposto formal é o de que a pena de prisão aplicada ao arguido o seja em medida não superior a 5 anos.
Pressuposto material é o de que o tribunal, atendendo aos factores elencados no normativo supra citado, possa concluir por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento dos arguidos. Se assim for, assegurada está a finalidade político-criminal do instituto em causa, bem como as finalidades de prevenção especial – na medida em que se evita um desnecessário contacto com o meio prisional – e geral – as quais, por natureza, nunca podem ser postergadas.
Ora, no presente caso, verifica-se que os factos pelos quais os arguidos estão a ser julgados se reportam a um período de tempo relativamente recuado – Abril de 2015– data em que nenhum dos arguidos tinha antecedentes criminais.
Todas estes circunstâncias impõem ao Tribunal um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento dos arguidos, em termos que permitem a suspensão da execução da pena de prisão, a qual, deve ter a mesma duração de cada uma das penas e deve ser condicionada a regime de prova a definir pela DGRSP– Cfr., num caso muito semelhante, o Ac. da Relação do Porto, de 30.09.2009, proc. 15273/02.6TDLSB.P1, consultado em www.dgsi.pt.

4.2. DO PEDIDO CÍVEL

Nos termos do art.º 129.º do Código Penal, “A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”.
Somos, pois, remetidos para os termos do artº 483.º, n.º 1, do Código Civil, o qual dispõe que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Podemos isolar, com base na disposição acabada de citar, cinco grandes pressupostos para o funcionamento da responsabilidade civil extracontratual e para a consequente constituição do vínculo nos termos do qual o lesante se constitui na obrigação de indemnizar o lesado, ou seja, de, através de reconstituição natural ou por semelhante, colocar o lesado na situação em que estaria, caso o dano não tivesse ocorrido.
Tais pressupostos são: a) o facto; b) a ilicitude; c) a imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) um nexo de causalidade entre o facto e o dano – Cfr., Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª edição, vol. I, pág. 471.
Assim, em primeiro lugar, é necessário um facto humano, no sentido de facto dominado ou dominável pelo agente. Pretende, por este meio, excluir-se a relevância de meros factos naturais ou de factos que, aparentemente praticados pelo homem, o são em estado de absoluta inconsciência – p. ex., em estado de sonambulismo – ou de coacção física irresistível.
Compreende-se que assim seja, na medida em que só condutas humanas, tal como se acabaram de caracterizar, são susceptíveis de comportar as valorações próprias da ilicitude e da culpa, uma vez que só age contra o ordenamento jurídico quem possui a liberdade e o discernimento indispensáveis ao cumprimento de regras de conduta.
Quanto à ilicitude, traduz-se esta na violação do direito de outrem ou de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, quando esta não se encontre justificada por uma qualquer das causas de exclusão da ilicitude – v. g., exercício de um direito, acção directa, legítima defesa, estado de necessidade ou consentimento do lesado.
A distinção entre as duas formas pelas quais se traduz a ilicitude da conduta do agente, estabelece-se da seguinte forma: na violação do direito de outrem está em causa a agressão a situações jurídicas activas caracterizáveis como direitos subjectivos absolutos – excluindo-se, desta forma, do seu âmbito, a tutela dos direitos de crédito, os quais encontram a sua protecção em sede de regras sobre incumprimento das obrigações, estabelecidas nos arts. 790º e ss. do Código Civil, cf. acórdãos do S.T.J. de 28 de Abril de 1977 e de 4 de Julho de 1978, publicados, respectivamente, no B.M.J. nº 266, pág. 165 e segs. e B.M.J. nº 279, pág. 124 e segs. – ; na violação de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios, estão em causa normas que se destinam, em primeira linha, a proteger a colectividade como tal, mas que, de modo reflexo, beneficiam interesses particulares não configurados como direitos subjectivos, cuja protecção também esteja no seu âmbito.
Quanto à imputação do facto ao agente, ou seja, à culpa, traduz-se esta no juízo de censura em que o agente incorre, por não ter orientado a sua vontade em sentido conforme ao Direito, podendo esta revestir as modalidades de dolo ou de negligência, consoante exista, de parte do agente, consciência e vontade de realizar a conduta lesiva, ou, não havendo essa vontade, o agente tenha deixado de cumprir os deveres de cuidado que pessoalmente o obrigavam.
O dano consiste na supressão de vantagens tuteladas pela ordem jurídica, devendo este ser objectivamente imputável à conduta do agente, em termos de ser previsível que de tal conduta resultaria aquele concreto dano, nas concretas circunstâncias em que se produziu – nisso se traduzindo a exigência de um nexo causal entre a conduta e o dano.

No caso dos autos, nenhuma dúvida é legítima quanto à voluntariedade da conduta dos arguidos, sendo certo que a ilicitude e a culpa resultam da violação dolosa do património da lesada C. C., Lda.
A responsabilidade civil extracontratual é uma fonte de obrigações, mais concretamente, da obrigação de indemnizar, o que, etimologicamente, significa tornar indemne, ou seja, sem dano.
O princípio geral em sede de obrigação de indemnizar é estabelecido no art.º 562.º, do Código Civil, nos termos do qual “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.

Dispõe, por sua vez, o art.º 566.º, do mesmo diploma, nos seus ns. 1 e 2, que:

“1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
2. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”.

Ou seja, a lei distingue a reconstituição natural – na qual o dano é perspectivado como destruição ou alteração de bens, que cumpre restituir ao statu quo ante –, da indemnização pelo equivalente – na qual o dano é traduzido numa diferença de valores no património –, preferindo a primeira, sempre que esta se mostre possível, repare integralmente o dano e não seja excessivamente onerosa para o responsável.
Apliquemos, pois, os princípios acima definidos aos danos aqui em questão.
No caso em apreço, demonstrou-se que a demandante sofreu prejuízos patrimoniais, sendo o cálculo da indemnização bem simples, correspondendo a uma operação aritmética feita com base nos valores apurados.
Ora, provou-se que, com a colaboração da arguida A. M., a ofendida C. C., Lda, viu-se desapossada da quantia de 9 925,75 euros e que, com a colaboração do arguido A. V., a sociedade ofendida C. C., Lda viu-se desapossada da quantia de 2 500,00 Euros, sendo certo que tais quantias nunca foram recuperadas pela ofendida.
Assim, julgo totalmente procedente o pedido cível formulado pela ofendida C. C., Lda e, em consequência condeno:
- a demandada A. M. a pagar à demandante, a título de danos patrimoniais, a quantia de 9 925,75 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efetivo e integra pagamento;
- o demandado A. V. a pagar à demandante, a título de danos patrimoniais, a quantia de 2 500,00 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efetivo e integra pagamento;
(…)»

C) Apreciando

1)Nulidade do acórdão por falta de fundamentação

Assenta o recorrente a invocação de tal nulidade no facto do tribunal recorrido não ter devidamente fundamentado e motivado a sua livre apreciação da prova, tal como o impõe o artigo 374º,nº2, do C.P.P, o que determina a nulidade a que alude alínea a), do artigo 379º, do mesmo diploma.
O citado artigo 379º estabelece um regime específico das nulidades da sentença.
Assim, de acordo com as três alíneas do seu nº 1, é nula a sentença penal quando, não contenha as menções previstas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do art. 374º, quando condene por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, fora dos casos previstos nos arts. 358º e 359º, e quando o tribunal omita pronúncia ou exceda pronúncia.
O recorrente na invocação que faz da nulidade traz à liça o disposto no número 2 do artigo 374º.

Sendo a sentença o ato decisório do juiz por excelência, este último dispositivo legal enuncia os seus requisitos, dispondo o seguinte:
Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”.
O dever de fundamentação das decisões judiciais é hoje um imperativo constitucional, dispondo o art. 205º, nº 1, da Lei Fundamental que, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
“A exigência da fundamentação é, simultaneamente, um acto de transparência democrática do exercício da função jurisdicional, que a legítima, e das diversas garantias constitucionais da motivação decisória, com destaque para os direitos de defesa, de forma a aferir-se da sua razoabilidade e obstar a decisões arbitrárias” – Joaquim Correia Gomes, in “ A Motivação Judicial em Processo Penal e as suas Garantias Constitucionais”, Revista Julgar, nº6, 2008.
A fundamentação deve assim conter as razões da bondade da decisão, permitindo que ela se imponha, dentro e fora do processo, sendo uma exigência da sua total transparência já que através dela se faculta aos respectivos destinatários e à comunidade, a compreensão dos juízos de valor e de apreciação levados a cabo pelo julgador.
Como refere Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal", III, pág. 289, “As decisões judiciais, com efeito, não podem impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz.
Para além disso, é ainda através da fundamentação da sentença que é viabilizado o controlo da actividade decisória pelo tribunal de recurso designadamente, no que respeita à validade da prova, à sua valoração, e à impugnação da matéria de facto.
“Quer a indicação dos meios de prova, quer a explanação do exame crítico que conduziu à fixação dos factos provados e não provados, são peças chave a partir das quais o recorrente pode assentar a sua argumentação de recurso, o recorrido pode alicerçar as suas contra-alegações e o tribunal ad quem pode apreender, percepcionar, analisar e sindicar o raciocínio seguido pelo tribunal na fixação da matéria fáctica provada e não provada”(acórdão desta Relação de 3/4/2017, proferido no processo 872/10.0GAFAF.G1, em que foi Relator o Juiz Desembargador Jorge Bispo).
Na lei ordinária o dever de fundamentação encontra-se genericamente consagrado no art. 97º, nº 5, do C. Processo Penal – os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
A fundamentação da sentença penal, como decorre desta norma, é composta por duas vertentes: uma delas consiste na enumeração dos factos provados e não provados e outra consiste na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
Consiste pois, tal fundamentação, na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão.
No que em especial se refere à exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, trata-se de enunciar de forma concisa as provas que serviram para fundar a convicção alcançada pelo tribunal, bem como de proceder a uma análise crítica de tais provas.
Esta análise crítica deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram, ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e, ainda, na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada (neste sentido, Ac. da Relação de Lisboa, de 18/1/2011, em que foi Relator o Juiz Desembargador Vasques Osório).
Volvendo-nos no acórdão recorrido, e no que concerne à fundamentação de facto e de direito, não vislumbramos que a mesma padeça de qualquer omissão que conduza à invocada nulidade.
Para o recorrente, a nulidade assenta na fundamentação da decisão de facto, porquanto considera que o tribunal recorrido na apreciação da prova não fundamentou e motivou devidamente a sua convicção.
Salvo o devido respeito, não lhe assiste qualquer razão.
E isto porque, lida e relida a sentença recorrida, a mesma permite uma avaliação segura do porquê da decisão da matéria de facto e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório.
O tribunal a quo indicou os meios probatórios de que se serviu para formar a sua convicção no sentido apontado na factualidade que enunciou, explicou em que medida os ponderou, a credibilidade que lhe mereceram, concretizando a respeito da prova testemunhal, a razão de ciência das testemunhas, fez apelo às regras da experiência comum e da vida neste tipo de criminalidade numa apreciação conjunta e dialética dos meios probatórios que enunciou, regras da experiência essas que lhe permitiram com base nos elementos objectivos que extraiu dos elementos documentais que foi trazendo à liça concluir pela actuação dos arguidos e pela intencionalidade que lhes presidiu nos termos descritos na factualidade provada.
Cremos pois que o tribunal a quo seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, o que nos permite concluir que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência de vida e das coisas.
A convicção do tribunal recorrido encontra-se objectivada e motivada.
Improcede pois a arguida nulidade do acórdão.

2) Vício decisório do artigo 410º,nº2, do C.P.P. (vicio da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - invocado pela recorrente A. M..

Refere o citado artigo 410,nº2, que “ «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: al.a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; al. b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e al.c) erro notório na apreciação da prova».
Estes vícios são do conhecimento oficioso – conforme jurisprudência fixada no acórdão nº7/95, de 19 de outubro, in Diário da República, I Série – A, de 28/12/1995 - e constituindo um defeito estrutural da decisão têm que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para os fundamentar como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento, tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da decisão que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.

Nesta forma de reagir - invocação dos vícios do art. 410º,nº2 - contra eventuais erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto – a denominada “revista alargada” - o tribunal de recurso limita-se a detetar os vícios que a sentença em si mesmo evidencia e, não podendo saná-los, a determinar o reenvio do processo para novo julgamento, tendo em vista a sua sanação (art.426º,nº1).

E consabido que a chamada revista alargada configura uma impugnação restrita da matéria de facto, mas não é a verdadeira impugnação da matéria de facto conforme o disposto no art. 412º,nº3, do Código de Processo Penal.

Se é certo que a existência de um dos vícios do citado artigo 410º nos espelha algo de errado da decisão da matéria de facto, o facto de se não verificar nenhum daqueles vícios, não garante que a matéria de facto haja sido bem julgada.
Com efeito, pode não existir nenhum dos vícios previstos no nº2 do art.410º do C.P.P. e, no entanto, a prova ter sido mal apreciada, ocorrer um verdadeiro erro de julgamento.
Vejamos então se assiste razão à recorrente.
No que tange ao vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, referem Simas Santos e Leal Henriques, in CPP Anotado, II volume, 2ª edição, pág. 737, que o mesmo refere-se “…à insuficiência que decorre da omissão pronuncia pelo tribunal, sobre factos, alegados pela acusação ou defesa ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão”.
(…)
“Ocorre este vício quando, da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição”.
O conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito do ponto de vista das várias soluções que se perfilem: absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc.. E tal porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa (art.368,nº2, do C.P.P.), ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, dada a sua importância para a decisão.
Consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito sobre a mesma. É algo que falta para uma decisão de direito que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa, seja a proferida efectivamente, seja outra, em sentido diferente.
Impõe-se pois ao recorrente que invoque este vício convencer o tribunal de recurso que faltam factos (os quais deve identificar), necessários (fundamentando esta necessidade) para a decisão e que não foi levada a cabo a indagação a respeito deles (fundamentando).
Mas que factos é que faltam, segundo o recorrente?
Quais são os factos sobre os quais o tribunal omitiu um juízo de censura de provado ou não provado e que seriam necessários para se proferir uma decisão de direito adequada ao âmbito da causa?
Que factos é que o tribunal não indagou e conheceu e que podia e devia tendo em vista uma decisão justa a proferir de harmonia com o objecto do processo?
Compulsada a motivação do recurso e respectivas conclusões, não vislumbramos que factos são esses.
E tal ocorre, porquanto a recorrente faz confusão entre o que seja a insuficiência da matéria de facto para a decisão e a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, questão do âmbito da livre apreciação da prova, sendo que esta última nada tem a ver com a invocação do vício em apreço - neste sentido, Ac. do STJ de 15/2/2007, proferido no processo 3174/06 -5ªsecção.
O vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão não tem a ver, não se confunde, com as provas que suportam ou devam suportar a matéria de facto, antes com o elenco desta, que poderá ser insuficiente não por assentar em provas deficientes ou inexistentes, mas por não conter o imprescindível núcleo de factos que o concreto objeto do processo reclama face à questão jurídica a resolver no caso.
“O vício nada tem a ver com insuficiência da prova (se não é feita prova bastante de um facto e, sem mais, ele é dado como provado, haverá então um erro de julgamento na apreciação da prova), nem com a insuficiência dos factos provados para a decisão de direito proferida (em que também há erro já não na decisão sobre a matéria de facto mas, sim, na qualificação jurídica desta)” - acórdão do STJ de 4/11/98, proc.1415/97, 3ªsecção.
Para a recorrente, a decisão recorrida padece do vício invocado porque a prova testemunhal é insuficiente para se concluir pela sua atuação.
Para além disso, faz ainda assentar tal vício na omissão de realização de diligências probatórias, designadamente de um exame pericial à letra e assinaturas de determinados documentos cuja veracidade impugnou na sua contestação e que foram valorados pelo tribunal.
Porém, para além de tal pretensão probatória, como já salientou o Exmo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, ter sido objecto de apreciação por despacho proferido em 13/11/2019, que a indeferiu, do qual não foi interposto recurso, sempre se dirá que se desconhecem, pois a recorrente também não alegou, quais os factos que por omissão de tal diligência faltam na decisão recorrida e sem os quais o tribunal não poderia ter concluído, como concluiu, pela sua responsabilidade criminal.
Como já referimos, o vício em apreço é relativo à matéria de facto e já não, com parece entender a recorrente, à sua prova (insuficiência de prova testemunhal e de um exame pericial).
A recorrente não alegou que factos concretos é que fazendo parte do objecto do processo - vertidos na acusação, alegados na contestação ou resultantes da discussão da causa - não foram indagados nem conhecidos pelo tribunal recorrido e, consequentemente, em que medida é que os vertidos na sentença recorrida são insuficientes para a sua condenação.
E compulsada a sentença recorrida, pois é a partir do texto desta, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, que terá de ser averiguada a existência do vício invocado, não o vislumbramos.
Com efeito, o tribunal a quo tomou posição sobre todos os factos sobre os quais se impunha tomar posição, no caso os vertidos na acusação e no pedido cível, porquanto a contestação da arguida apenas continha factos conclusivos, de direito ou irrelevantes para a decisão da causa e o arguido A. V. não apresentou contestação, não decorrendo também do texto da decisão recorrida que tenham surgido factos relevantes para a decisão da causa (para além daqueles que constam da matéria de facto) sobre os quais devesse recair um juízo de provado ou não provado, sendo os factos dados como assentes bastantes para se poder decidir no sentido em que decidiu o tribunal.
Improcede assim o invocado vício.

3) Impugnação ampla da matéria de facto/erro de julgamento (questão levantada por ambos os recorrentes)

Usando da prerrogativa concedida pelo artigo 412, nº2 e 3, do C.P.P., vieram ambos os recorrentes sindicar a matéria de facto, alegando que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada nos termos em que o foi.
O erro de julgamento, ínsito no apontado dispositivo legal, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada, não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi.
O que se visa com a impugnação ampla é uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados, através da avaliação das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida.
Porém, tal reapreciação deverá ser feita com cuidado e ponderação necessários, atentos os princípios da oralidade, imediação e livre apreciação da prova.

Impõe-se, ao recorrente, o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos do artigo 412º,nº3 do C.P.P., o qual dispõe o seguinte:

«Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.»

A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados e só se se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
A especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º).
Estabelece ainda o n.º 4 do artigo 412.º que, havendo gravação das provas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 6 do artigo 412.º).
Assim, quando se trate de depoimentos testemunhais, de declarações dos arguidos, assistentes, partes civis, peritos, etc, o recorrente tem pois de individualizar, no universo das declarações prestadas, quais as particulares passagens, nas quais ficam gravadas, que se referem ao facto impugnado
O recorrente terá pois de indicar os elementos de prova que não foram tomados em conta pelo tribunal quando o deveriam ter sido ou que foram considerados quando não o podiam ser, nomeadamente por haver alguma proibição a esse respeito, ou então, de pôr em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência (atenta, sobretudo, a respetiva qualidade) dos elementos probatórios em que se estribaram tais conclusões.
Exige-se que o recorrente refira o que é que nos meios de prova por si especificados não sustenta o facto dado por provado ou não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe a alteração da decisão, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado.
No fundo, o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla é que o recorrente indique a sua decisão de facto em alternativa à decisão de facto que consta da decisão de que se recorre, justificando, em relação a cada facto alternativo que propõe, porque deveria o Tribunal ter decidido de forma diferente.
Tem pois de demonstrar que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação das regras da experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais, ou seja, que demonstre não só a possível incorrecção decisória, mas o absoluto da imperatividade de uma diferente convicção.
Ao Tribunal da Relação, na sindicância do apuramento dos factos realizado em primeira instância, cabe, fundamentalmente, analisar o processo de formação da convicção do julgador e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado.
E só pode/deve determinar uma alteração da matéria de facto assente quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão – neste sentido, Acórdãos do STJ de 15/5/2009,10/3/2010,25/3/2010, in www.dgsi.pt./stj.
No caso vertente, para a recorrente A. M., os concretos pontos de facto incorrectamente julgados são os elencados nos pontos 3, 6, 15 e 17, da factualidade provada, sendo que os dois últimos deviam ter sido considerados não provados e os dois primeiros conter apenas a seguinte factualidade:
“3º
Em data não concretamente apurada, mas anterior a 16 de Abril de 2015, indivíduos, cuja identidade não foi possível concretizar, terão elaborado um esquema, a fim de efetuaram transferências e converterem quantias em dinheiro de que se pretendiam apropriar, montantes que iriam subtrair de contas bancárias de terceiros, contra a vontade dos titulares dessas contas.
(…)

Indivíduos, cuja identidade não foi possível concretizar, efetuaram para a conta bancária da Arguida com o nº.........-7, transferências bancárias provenientes de contas bancárias de terceiros, acedidas sem o consentimento e conhecimento dos respetivos titulares”.
Já o recorrente A. V. considera incorrectamente julgados os pontos 3,6,16,18 a 23 da factualidade provada, pugnando no sentido de que os mesmos sejam dados como não provados.
Quanto aos meios probatórios que, no entender da recorrente A. M., impõem decisão diversa, veio a mesma trazer à liça os depoimentos das testemunhas C. M., representante legal da empresa ofendida, L. F., funcionário da empresa ofendida, e M. P., Inspectora da Polícia Judiciária da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica.
Como já referimos, na parte atinente à enunciação das concretas provas que imponham decisão diversa da recorrida, o recorrente deve fazê-lo com referência às concretas passagens/excertos das declarações ou depoimentos que, no seu entendimento, alicerçam a sua posição (cfr. nºs. 3 e 4 do artigo 412º).
Se é certo que, a respeito desta última testemunha, a recorrente A. M. fez menção às passagens/segmentos em que fundamenta a sua discordância por referência aos suportes técnicos, indicando a localização (início e termo) da gravação dessas passagens do depoimento, já o mesmo não se passou em relação aos outros dois depoimentos, porquanto se limitou a remeter para a integralidade dos mesmos (identificou os respectivos ficheiros e a duração total dos depoimentos) e a fazer menção ao que de interesse, para si, reteve dos mesmos, não cumprindo o mencionado ónus que sobre si impendia.
Segundo a recorrente, tais meios probatórios impõem decisão diversa da recorrida porquanto as primeiras testemunhas declararam desconhecer em absoluto a recorrente, a totalidade dos meandros do esquema descrito nos autos e quais as funções que cabiam em concreto a cada um dos intervenientes, sendo que a última não logrou afirmar com certeza que foi a arguida que procedeu posteriormente ao levantamento de quantias e/ou compra de divisas, refugiando-se na experiência e nas convicções próprias.
Também para o recorrente A. V., a prova produzida não permite assacar-lhe qualquer responsabilidade.
Quanto aos meios probatórios que impõem decisão diversa daquela a que chegou o tribunal a quo, veio o recorrente invocar também o depoimento da Sra. Inspetora da Polícia Judiciária, na medida em que apenas explicou ao tribunal o modus operandi deste tipo de criminalidade, nada tendo concretizado sobre o envolvimento do arguido no crime em apreço.
Por outro lado, trás à liça as informações prestadas a fls. 157 a 169 e 249 pela Xcâmbio S.A., na medida em que, em momento algum, referem a presença do arguido nas suas lojas para compra de divisas estrangeiras.
Assim, para o recorrente, não resultando da prova que se deslocou à referida instituição e com o seu cartão multibanco procedeu à compra de divisas estrangeiras, não pode concluir-se que teve intervenção pessoal nos factos.
Ou seja, o facto da transacção pressupor a identificação do titular da conta e respectiva exibição do Cartão de Cidadão, não significa que tenha comprado divisas estrangeiras. Também a “passagem” de valores pela sua conta - na ausência de prova de que tenha recebido qualquer compensação pela alegada intervenção no esquema mencionado nos autos - não é prova suficiente para que possa concluir-se que havia acordado com um terceiro ceder a sua conta para que pudesse ocultar a proveniência de tais valores.
Por fim, ainda a respeito de meios probatórios susceptíveis de imporem decisão diversa, trouxe à liça as suas próprias declarações, sendo que, em momento algum, com base na passagem que trouxe à liça, logrou demonstrar em que medida as mesmas impõem uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, insurgindo-se apenas com o facto do tribunal não lhes ter conferido credibilidade.
E aqui chegados, tanto basta para concluir que os recorrentes não cumpriram o ónus que sobre eles impendia nesta sede da impugnação ampla.
Com efeito, não basta à procedência da impugnação e, portanto, para a modificação da decisão de facto, que as provas produzidas permitam uma decisão diversa da proferida pelo tribunal. Este decide, salvo existência de prova vinculada, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção (o que, com frequência, é ignorado pelos recorrentes), e por isso, não é suficiente para a pretendida modificação da decisão de facto que as provas especificadas pelo recorrente permitam um decisão diferente da proferida pelo tribunal, sendo imprescindível, para tal efeito, que as provas especificadas pelo recorrente imponham decisão diversa da recorrida.
E a demonstração desta imposição recai igualmente sobre o recorrente, que deve relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 1135).
Os ora recorrentes limitaram-se a invocar que tais meios de prova não permitem concluir que tenham participado nos factos em apreço.
Como referiu o Exmo Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer, “seguem os recorrentes a ideia de que as testemunhas inquiridas em audiência não produziram provas que os inculpe. Nenhuma delas presenciou os factos, nenhuma delas é conhecedora dos arguidos. E o que revelam nos seus depoimentos não é de molde a, com segurança, dar-se como provados os específicos factos de que divergem”.
Mas, para fazer intervir o tribunal de recurso em ordem a analisar o processo de formação da convicção do julgador do tribunal a quo, verificando se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar, impõe-se que os recorrentes indiquem quais os elementos probatórios que impõem uma decisão diversa, ou demonstrem que aqueles de que o tribunal se serviu não apontam de forma alguma no sentido vertido na factualidade provada.
Os recorrentes, a bem dizer, sem apontarem um verdadeiro erro de julgamento, insurgem-se com a valoração feita pelo tribunal a quo dos meios probatórios produzidos e mencionados na motivação da decisão de facto, ou seja, com o que deles foi retirado à luz do princípio da livre apreciação da prova e criou na convicção do tribunal um juízo positivo sobre a intervenção de ambos os arguidos nos factos, nos termos descritos na factualidade provada.
E será que a convicção obtida pelo tribunal a quo, sustentada também em prova indirecta, é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação do princípio da livre apreciação da prova e das regras da experiência comum?
Será que o tribunal recorrido não podia ter concluído pela participação dos arguidos nos factos que lhe vêm imputados?
Claro que podia.
Vejamos o raciocínio do tribunal recorrido.
Na formação da sua convicção começou o tribunal por ponderar os depoimentos prestados pelo representante legal da sociedade demandante, C. M. e pelo funcionário da mesma, L. F., com base nos quais e em conjugação com a prova documental assinalada na sua motivação, pode apreender de que forma pessoas não identificadas acederam de forma ilícita à conta da referida sociedade, quais os valores que da mesma foram transferidos e respectivo destino, no caso, as contas bancárias tituladas por cada um dos respectivos arguidos.
Por outro lado, com base no depoimento da testemunha M. P., Inspetora da Polícia Judiciária da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica, inteirou-se o tribunal do modus operandi deste tipo de criminalidade, traduzida, no que tange ao crime precedente, numa burla informática, habitualmente designada por phishing, na modalidade de captura de informação sigilosa e pessoal das vítimas com vista a aceder ao património financeiro das vítimas através do serviço homebanking.
Mais se inteirou do contexto em que surgem aqueles que disponibilizam as suas contas bancárias, mediante contrapartida monetária, para receção de tais quantias em dinheiro e que, posteriormente, de forma rápida, as branqueiam (os denominados “Money Mules”), actuação na qual a mencionada testemunha encaixou a levada a cabo pelos arguidos, concretizando o modus operandi deste tipo de criminalidade (branqueamento) e em especial o adoptado pelos arguidos.
Já com base nos meios probatórios de natureza documental juntos aos autos, entre os quais se incluem os elementos bancários atinentes às contas bancárias da sociedade demandante civil e dos arguidos, pode o tribunal concluir a respeito da titularidade das mencionadas contas (identificadas nos pontos 1 e 2 da factualidade) e das concretas transferências oriundas da conta da sociedade demandante e que tiveram como destino as respectivas contas dos arguidos, nos termos descritos nos pontos 11 a 14 da factualidade provada, factualidade que os recorrentes não contestam, o mesmo se passando com a enunciada nos pontos 1,2,4,5,7,8,9 e 10.
Do extracto bancário do arguido (fls.96) pode ainda retirar que após a transferência no valor de 2.500,00 €, realizada em 17/04/2015, oriunda da conta da sociedade demandante, foram efectuados débitos relacionados com empresas de câmbio (Xcâmbio,SA e Ytranfers).
Na verdade, extrai-se de tal elemento documental que nesse dia foram debitados em concreto dois levantamentos de 200,00 euros na ATM do Banco ... em Rio de Mouro e realizados dois pagamentos, um no valor de 900,00 euros em favor da Ytransfer e outro no valor de 1.133,75 euros, em favor da Xcâmbio Agencia CA, levantamentos e pagamentos esses que foram efectuados com o uso do mesmo cartão multibanco associado à mencionada conta (cfr.fls.92).
Relativamente à arguida, colheu também do extracto bancário da sua conta e da informação obtida da Xcâmbio SA, junta a fls. 160/161, que os pagamentos dos câmbios de moeda estrangeira foram efectuados com o recurso ao cartão multibanco da instituição bancária de que é titular.
De facto, compulsados tais elementos documentais, retira-se que no dia 16/4/2015 foram efectuados dois pagamentos à Xcâmbio, um no valor de 4.418,93 euros e outro de 4.003,73 euros, relativos a transacções em dólares e, no dia seguinte, a 17/4, mais cinco, nos montantes de 4.999,19,4.748,20,3.999,99,3.959,38 e 2.828,13, todos efectuados através de multibanco associado à conta bancária de que é titular e ocorridos no dia e no dia seguinte às transferências ilícitas que visaram a conta da sociedade ofendida.
Ora, em matéria de apreciação da prova, o art.127º do C.P.P. dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
É conhecida a clássica distinção entre prova directa e prova indirecta ou indiciária – cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Curso de Processo Penal, 3ª ed., II vol., p. 99. Aquela incide directamente sobre o facto probando, enquanto esta incide sobre factos diversos do tema de prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar.
Embora a nossa lei processual não faça qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária, a aceitação da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, embora sendo uma convicção pessoal, terá que ser sempre objectivável e motivável.
A apreciação da prova indirecta ou indiciária incide sobre factos diversos do tema de prova (sujeita à livre apreciação nos termos do art. 127º do CPP, que deve ser devidamente fundamentada) mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar. Exigindo que apenas se pode extrair o facto probando do facto indiciário quando tal seja corroborado por outros elementos de prova, por forma a que sejam afastadas outras hipóteses igualmente possíveis – cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 3ª ed., II vol., p. 100/1001.
Aliás, a associação entre elementos de prova objectivos e regras objectivas da experiência leva alguns autores a afirmarem a sua superioridade perante outros tipos de provas, nomeadamente a prova directa testemunhal, onde também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será mais perigoso de determinar, qual seja a credibilidade do testemunho - cfr. Mittermayer Tratado de Prueba em Processo Penal, p. 389.
Nesta perspectiva, decidiu-se no Ac. do STJ de 11-11-2004, Proc. n° 04P3182, in www.dgsi.pt, que o sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através de uma espécie de presunções. O recurso às presunções naturais não viola o princípio do in dubio pro reo.
A prova indireta é assim cada vez mais frequente, nada impedindo que a convicção assente exclusivamente nela.
Euclides Dâmaso dá-nos conta da força latente da prova indirecta num trabalho publicado em 2007 na Revista Julgar,nº2, onde trás à liça jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de Madrid sobre provas indirectas, aí incitando, “ a um movimento de ultrapassagem dos rígidos cânones de apreciação da prova que leve descomplexamente à assunção dos critérios da prova indirecta, indiciária ou por presunções, como factores válidos de superação do princípio de presunção da inocência”.
Também Santos Cabral, num estudo sobre a prova indiciária e a sua valoração, publicado também na mesma revista, Julgar, nº17 (Prova Indiciária e as novas formas de criminalidade), conclui:
“As regras da experiência ou regras da vida como ensinamentos empíricos que o simples facto de viver concede em relação ao comportamento humano e que se obtém mediante uma generalização de diversos casos concretos tendem a repetir-se ou a reproduzir-se logo que sucedem os mesmos factos que serviram de suporte para efectuar a generalização.
Estas considerações facilitam a lógica de raciocínio judicial porquanto se baseia na provável semelhança das condutas humanas realizadas em circunstâncias semelhantes, a menos que outra coisa resulte no caso concreto que se analisa, ou porque a experiência ou perspicácia indicam uma conclusão contrária”.
Em ambos os trabalhos aborda-se a temática da prova indirecta no contexto da criminalidade mais complexa e difícil de investigar e provar, na qual se integra o crime de branqueamento de capitais, criminalidade essa em que normalmente inexiste prova directa, devendo então a prova indirecta merecer toda a concentração.
Feitas estas considerações, comprovado que se mostra, com o recurso aos mencionados meios probatórios,
- que pessoas não identificadas acederam de forma ilícita à conta bancária da sociedade demandante, mais concretamente recorrendo a uma burla informática,
- que as mencionadas quantias monetárias daí transferidas tiveram como destino as contas bancárias dos arguidos e
- que através destas mesmas contas, após as mencionadas transferências (no próprio dia e no dia imediato) foram feitas transações com empresas de câmbio, nos termos referidos, e para cujos pagamentos foram usados os respetivos cartões multibanco de que eram titulares os arguidos, elementos objectivos que se retiram da prova documental, claro está que não podia o tribunal deixar de inferir a participação dos arguidos nos factos em apreço e nos termos vertidos na factualidade, pese embora a ausência de prova direta nesse sentido, atuação que naturalmente não podia ter deixado de envolver uma determinada contrapartida, ainda que de medida não concretamente apurada, pois não é de modo algum crível que alguém aceite a transferência de um risco como foi o assumido pelos arguidos sem qualquer contrapartida.
Outra não podia ser a conclusão à luz das regras da experiência comum e do que é normal ocorrer neste tipo de criminalidade.
Ainda que se concorde que não existe prova directa que aponte no sentido dos arguidos terem estado pessoalmente presentes nas transacções em apreço, ou seja, que se tenham deslocado pessoalmente às respectivas lojas de câmbio (atente-se que a transacção documentada a fls 167 a 169 e trazida à liça na decisão recorrida ocorreu em data posterior aos factos em apreço, mais concretamente em 24/12/2015), a verdade é que tendo as transações ocorridas sido registadas a débito nas contas bancárias dos arguidos e sido feitas através do cartão multibanco associado às mesmas, cujo uso pressupõe necessariamente um “PIN” a ele associado, traduzido num código pessoal e intransmissível e do qual apenas tem conhecimento o seu titular, porquanto só a este é comunicado pela entidade bancária emitente, não vemos como não concluir nesse sentido à luz das regras da experiência comum.
Com efeito, o que ditam as regras da experiência comum e da normalidade da vida é que tenham sido os titulares dos cartões a fazer o uso dos mesmos na aquisição da moeda estrangeira, tanto mais que neste tipo de transacção existe obrigação por parte do vendedor de identificar o adquirente, a que acresce que nenhum dos arguidos participou qualquer utilização abusiva dos seus cartões.
Mas, ainda que se admitisse que tivessem sido terceiros a fazer uso dos cartões, tal não excluiria a participação de cada um dos arguidos nos factos em apreço, porquanto tal só poderia ter ocorrido porque o permitiram, permissão que teria que ter passado pela entrega daqueles e revelação dos respetivos códigos, o que à luz das regras da experiência comum não podia também deixar de demonstrar uma aceitação e partilha dos motivos da sua cedência e dos efeitos dela decorrentes.
Em suma, não vislumbramos pois que a convicção obtida pelo tribunal recorrido a respeito da factualidade descrita nos pontos 3, 6, 15, 16 constitua uma impossibilidade lógica, uma violação das regras da experiência comum, razão pela qual não merece qualquer reparo.
O mesmo se passando com a demais posta em causa pelos recorrentes, designadamente a atinente ao elemento subjectivo do ilícito em apreço, bastando para tal atentar na motivação aduzida na decisão recorrida.
Ora, os factos que integram o dolo constituem também, sem dúvida, um exemplo frequente de demonstração por prova indirecta.
Com efeito, tratam-se de actos interiores ou factos internos que respeitam à vida psíquica do agente e que, por isso, raramente se provam por prova indirecta.
E dai que, na ausência de confissão, em que o próprio agente reconhece e aceita ter sabido e querido os factos que preenchem um determinado tipo legal, a prova do dolo terá de fazer-se por ilações, a partir de indícios, através de um comportamento exterior e visível do agente.
E foi isso que fez o tribunal recorrido.

No caso vertente, se atentarmos no circunstancialismo em que os factos ocorreram e com base nos quais se inferiu a participação dos arguidos, não podia igualmente deixar de concluir-se à luz dos ensinamentos das regras da experiência comum neste tipo de criminalidade, nos termos em que o tribunal recorrido veio a concluir nos pontos 18 a 23 da factualidade.
Outra não podia ser a conclusão.
De facto, os arguidos prestaram-se não só a fornecer os seus dados de identificação pessoal e das suas contas bancárias a indivíduo(s) cuja identificação não se logrou apurar e a aceitar por acordo com estes (outra não pode ser a conclusão à luz das regras da vida e da normalidade) a receção nestas últimas das quantias monetárias em apreço provindas de uma sociedade (identificada nos movimentos registados nas suas contas bancárias) mas também a no próprio dia e dia seguinte adquirirem com elas moeda estrangeira, introduzindo-as no mercado licito.
E assim sendo, como foi, sem dúvida que os arguidos tiveram que representar como possível, pelo menos, como concluiu o tribunal recorrido, que as mesmas tiveram origem num estratagema de apropriação ilícita levado a efeito com o recurso à tecnologia informática que permitiu a tais indivíduos entrar na conta da referida sociedade, ainda que desconhecendo os concretos contornos do esquema enganaso, com o que se conformaram não tendo deixado, apesar de tal representação, de levar a efeito a sua actuação.
Por tudo o exposto, sem necessidade de quaisquer considerações, não merecendo o raciocínio do tribunal recorrido qualquer reparo no que tange à convicção que formou a respeito da factualidade questionada, mantém-se inalterada toda a factualidade enunciada da decisão recorrida.

4) Violação do princípio “In dúbio pro reo”.

Ambos os recorrentes imputaram ao tribunal recorrido a violação do princípio “in dúbio pro reo”.
O art.32.º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa, estatui que “ todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”.
Este princípio é mais abrangente do que o princípio do “in dubio pro reo”, na medida em que este é exclusivamente probatório e aplica-se quando o tribunal tem dúvidas razoáveis sobre a verdade de determinados factos. Já o princípio da presunção de inocência impõe-se aos juízes ao longo de todo o processo e diz respeito ao próprio tratamento processual do arguido.
O princípio in dubio pro reo estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet.
Trata-se de uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa, pelo que a sua violação exige que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes, e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.
Ou seja, se produzida a prova subsiste no espirito do julgador um estado de incerteza, objectiva, razoável e intransponível sobre a verificação, ou não, de determinado facto, impõe-se proferir uma decisão favorável ao arguido.
A violação do princípio in dubio pro reo exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados.
Nesta fase do recurso, a demonstração da sua violação passa pela respectiva notoriedade, aferida pelo texto da decisão, isto é, em termos idênticos aos que vigoram para os vícios da sentença, ou seja, têm que resultar da fundamentação desta, de forma clara, que o juiz, pese embora tenha permanecido na dúvida sobre a verificação de determinado facto favorável ao agente o considerou não provado.
Porém, a dúvida relevante para este efeito, não é a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, mas antes e apenas a dúvida que o julgador não logrou ultrapassar e fez constar da sentença ou que por esta é evidenciada.
Como resulta, entre outros, do acórdão do S.T.J. de 2 e Maio de 1996, in C.J., ASTJ, ano IV, 1º, pág. 177, o Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse princípio se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo - e não os sujeitos processuais ou algum deles - chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido.
Refere Roxin, in “Derecho Processal Penal”, Editores del Puerto, Buenos Aires, pág. 111, “o princípio não se mostra atingido quando, segundo a opinião do condenado, o juiz deveria ter tido dúvidas, mas sim quando condenou apesar da existência real de uma dúvida”.
Assim, se na fundamentação aduzida na sentença o Tribunal não invoca qualquer dúvida insanável, ou, ao invés, se a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, com indicação clara e coerente das razões que fundaram a convicção do tribunal, inexiste lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo.
No caso vertente, não resulta da sentença recorrida, de modo algum, que o tribunal recorrido tenha ficado na dúvida quanto a qualquer dos factos e, não obstante, tenha decidido contra qualquer um dos arguidos, ora recorrentes.
Improcede pois a invocada violação do princípio “in dúbio pro reo”.

5) Qualificação Jurídica do factos e dolo eventual no crime de branqueamento.

Ambos os recorrentes questionam a qualificação jurídica dos factos, centrando a recorrente A. M. o seu inconformismo no facto do dolo eventual não ser compatível com o tipo de crime de branqueamento de capitais.
Adiantando a nossa conclusão, não pugnamos de tal entendimento, não merecendo a sentença recorrida qualquer reparo quanto ao enquadramento jurídico-penal que fez da factualidade apurada, inexistindo qualquer dúvida que ambos os recorrentes constituíram-se autores do crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368ª,nº1 e 2 do C.Penal, mostrando-se preenchidos todos os elementos típicos.
Dispõe o citado artigo 368º-A, seu nº1 (na redação anterior à introduzida pela Lei 58/2020, de 31/8) que “Para efeitos do disposto nos números seguintes, consideram-se vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, dos factos ilícitos típicos de lenocínio, abuso sexual de crianças ou de menores dependentes, extorsão, tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, tráfico de armas, tráfico de órgãos ou tecidos humanos, tráfico de espécies protegidas, fraude fiscal, tráfico de influência, corrupção e demais infrações referidas no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 36/94, de 29 de setembro, e no artigo 324.º do Código da Propriedade Industrial, e dos factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a seis meses ou de duração máxima superior a cinco anos, assim como os bens que com eles se obtenham.
Acrescenta o nº2, do mesmo preceito legal que “ Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, direta ou indiretamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infrações seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal, é punido com pena de prisão de dois a doze anos.
O bem jurídico protegido com esta incriminação consiste na realização da Justiça, na sua vertente de perseguição e do confisco pelos tribunais dos proventos da atividade criminosa.
Como refere Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, p. 1086, « a punição do branqueamento visa tutelar a “pretensão estadual ao confisco das vantagens do crime”, ou mais especificamente, o interesse do aparelho judiciário na deteção e perda das vantagens de certos crimes”».
O crime de branqueamento é um crime de ação, autónomo em relação ao crime subjacente, que pode ser cometido por qualquer pessoa, inclusive pelo autor ou comparticipante do crime subjacente.
Haverá assim uma relação de concurso efetivo (real) entre o crime de branqueamento e o crime precedente quando o crime de branqueamento tenha sido cometido pelo autor ou comparticipante no crime precedente, questão resolvida pela Lei nº11/2004 e que foi objeto de fixação de jurisprudência do STJ nº13/2007 referente à matéria do branqueamento de vantagens decorrentes do tráfico de estupefacientes.
O branqueamento supõe o desenvolvimento de atividades que, podendo integrar várias fases, visam dar uma aparência de origem legal a bens de origem ilícita, assim encobrindo a sua origem, conduzindo, na maior parte das vezes, a um aumento de valores, que não é comunicado às autoridades legítimas.

Assim, como fases do branqueamento temos :
- a “colocação (placement), em que o delinquente se procura desembaraçar do numerário, retirando os fundos de qualquer relação direta com o crime, nomeadamente através da sua colocação numa conta bancária;
- a circulação (empilage), multiplicação das operações, em mais que um país se possível, com movimentos por várias contas, cheques sobre o estrangeiro, tudo com a finalidade de ocultação;
- o investimento (integração), operações com vista a criar a aparência de legalidade.

A fase da “colocação” é a mais vulnerável, sendo até mais fácil, nessa fase, detetar a tentativa de branqueamento.
Em regra, as operações de “circulação” e de “investimento” são mais difíceis de identificar, sobretudo quando o dinheiro já entrou no sistema bancário, tendo já sido sujeito a uma primeira conversão, reciclagem, que lhe dá a aparência legal - Cfr. Luís Goes Pinheiro, “O branqueamento de capitais e a globalização (…), in RPCC ano 12º, fasc. 4º (Outubro-Dezembro 2002), pág. 608.
Contudo, o preenchimento do tipo não depende do grau de sofisticação do modo de execução do ato de “branqueamento”. Se assim fosse poder-se-ia restringir excessivamente (contra a vontade do legislador) a área de tutela típica desta incriminação
Isto apesar de se reconhecer que quanto mais eficiente e sofisticada for a conduta de branqueamento mais grave e perigoso é o atentado ao bem jurídico protegido com esta incriminação.
Os depósitos em conta bancária de vantagens provenientes do crime subjacente, podem constituir uma operação de conversão, de reciclagem das vantagens, na medida em que “tais fundos irão ser utilizados pelas entidades financeiras junto das quais o agente do crime-base os deposita, sendo direccionados para as mais diversas actividades económicas, gerando rendimentos que o agente do crime-base irá receber, maxime sob a forma de juros, correspondentes à remuneração do respectivo capital, assim aumentando o seu próprio poder económico” - Jorge Dias Duarte, Branqueamento de Capitais, O regime do DL 15/93, de 22 de Janeiro, e a normativa internacional, P.U.C., Porto, 2002, p.111.
Que a dissimulação seja mais difícil ou mais facilmente detetável, mais sofisticada ou mais rudimentar não é relevante para a qualificação dos factos como branqueamento de capitais, podendo sê-lo para aferir o grau de gravidade deste, com reflexos na medida da pena. Relevante será, como referes os acórdãos da RL 29.03.2011 e da RP 8.07.2015 ambos in www.dgsi, que o simples depósito dessas quantias em contas bancárias sobretudo quando diferentes das do seu proprietário seja acompanhada (mesmo que não se verifique uma posterior disseminação das mesmas em diversas aplicações financeiras) do propósito de ocultação e dissimulação da origem ilícita das mesmas.
O tipo objetivo previsto no nº2, consiste em converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, direta ou indiretamente, ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos.

Assim, as operações previstas no tipo previsto no nº2, são:
- a conversão é a ação pela qual se procede à modificação da natureza jurídica ou fáctica de valores patrimoniais;
- a transferência é a ação pela qual se desloca fisicamente uma coisa móvel ou a ação de modificação da propriedade, posse ou detenção de valores patrimoniais.

A operação de «conversão» consiste “na alteração da natureza e configuração dos bens gerados ou adquiridos com a prática do facto ilícito típico subjacente”, enquanto a «transferência» traduz-se “quer na deslocação física dos bens, quer na alteração jurídica ao nível da titularidade ou do domínio.” – cfr. Vitalino Canas, O Crime de Branqueamento: Regime de Prevenção e Repressão, Almedina, 2004, p. 159.
Assim, “enquanto nos casos de conversão se actua sobre a própria natureza dos bens que, no limite, serão completamente alterados nas respectivas características físicas e/ou identidade, nos casos de transferência os bens permanecem os mesmos, “apenas” sendo “deslocados” juridicamente na respectiva titularidade, ou espacialmente na sua localização”- cfr. Jorge Dias Duarte, ob.cit., pg.130.
Exemplificando, Jorge Godinho, in Do Crime de «Branqueamento” de Capitais. Introdução e Tipicidade, Almedina, 2001, p. 187, refere que a expressão transferir abrange transferências entre contas bancárias e tem implícita a movimentação através de uma instituição financeira, enquanto a expressão converter parece abranger a conversão de fundos para outra moeda (operações cambiais) e o depósito bancário.
- as operações de auxílio e facilitação de operações de conversão ou transferência consubstanciam atos de cumplicidade. Portanto, são puníveis como autores as pessoas que auxiliem ou facilitem a prática do branqueamento.

O objeto da ação são as “vantagens”, que correspondem aos “bens ou produtos”, incluindo já, desta forma, todas as vantagens patrimoniais decorrentes da prática do crime precedente e, portanto, também os direitos e as coisas adquiridos com base nas vantagens diretamente resultantes do crime precedente, ou seja, os sucedâneos da coisa obtida.
Assim, o facto ilícito e típico de que decorre a vantagem é definido de acordo com um critério misto, que conjuga uma cláusula geral (todos os factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a 6 meses ou de duração máxima superior a 5 anos), um catálogo de crimes e uma remissão para um elenco da Lei nº36/94, de 29/09 (isto de acordo com a redacção em vigor à data dos factos, antes da alteração introduzida pela já identificada lei).
Ainda que alguma doutrina considere que o ilícito principal ou subjacente funciona, no branqueamento, como condição objectiva de punibilidade, pugnamos do entendimento que tal constitui um elemento constitutivo do crime de branqueamento (neste sentido, Germano Marques da Silva – Notas sobre branqueamento de capitais, em especial das vantagens provenientes da fraude fiscal, pág.459; Jorge Godinho e Pedro Caeiro, in obras citadas, págs. 165-168 e 412-417, respectivamente).
Assim, constituindo a prática do crime subjacente de onde provenham as vantagens, a própria estrutura do branqueamento e não um evento exterior ao tipo em causa, temos pois que para que esteja preenchido o tipo de branqueamento de capitais é necessário que tenha sido praticado um dos ilícitos típicos precedentes elencados no número 1º do artigo 368-A, sem o qual não poderá existir crime de branqueamento dos capitais dai advenientes.

No caso vertente, o facto ilícito típico cometido traduziu-se numa burla informática e nas comunicações, a que alude o artigo art.221º,nº1 e 5, al.a), do C.Penal (punido com pena de prisão até cinco anos ou pena de multa até 600 dias), ilícito este que embora não caiba na cláusula geral dos factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a 6 meses ou de duração máxima superior a 5 anos, porquanto o valor do prejuízo patrimonial não atingiu o valor consideravelmente elevado, integra as infracções referidas no nº1 do artº1 da Lei 36/94, de 29 de setembro, mais concretamente as previstas na alínea d) - infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, com recurso à tecnologia informática (no sentido de que a burla informática é uma atuação própria da criminalidade económico-financeira, Jorge Bravo – Criminalidade económico-financeira e organizada: um desafio sem resposta?).
Com a alteração legislativa introduzida pela citada Lei 58/2020, deixou de haver remissão para as infracções referidas no número 1 do artigo 1ºda Lei 36/94, de 29 de setembro, constando o crime de burla informática e nas comunicações entre os ilícitos típicos precedentes expressamente elencados no número 1º, independentemente das penas aplicadas (artigo 1,nº1,alínea d)), o que consolida o entendimento de que a burla informática integra o elenco dos crimes precedentes do crime de branqueamento de capitais.
Ainda a respeito do objecto de acção no tipo de ilícito de branqueamento, não é necessário que o agente atue sobre a totalidade dos bens, sendo suficiente que a sua atuação recaia sobre apenas alguns desses bens para que a respetiva conduta integre, em abstrato, a prática do crime de branqueamento.
Vale isto dizer que nos casos em que o agente procede a operações de transferência de dinheiro não é exigível, para efeitos de incriminação pelo branqueamento, que transfira a totalidade do dinheiro gerado pelo facto precedente (cfr. Jorge Dias Duarte, ob.cit., pg.134).
Para efeitos de punição deste tipo de crime é irrelevante o local do cometimento do crime precedente, pois a punição tem lugar mesmo que o facto precedente tenha sido cometido fora do território nacional (art.368º-A, nº4).
Quanto ao tipo subjectivo do ilícito em apreço o mesmo configura um tipo legal doloso, não bastando a mera negligência do agente para preencher o tipo subjectivo em causa, uma vez que nenhuma forma de negligência está especialmente prevista na lei relativamente ao crime de branqueamento.
Em todos os números do artigo 368-A do Código Penal é exigido dolo por parte do agente branqueador.
Porém, o citado nº2 faz menção a um elemento subjectivo específico que consiste em duas finalidades perseguidas pelo agente, finalidades que podem ser alternativas ou não.
Assim, para que o agente pratique o crime de branqueamento é necessário que este tenha determinada intenção ou finalidade aquando da prática do crime, referindo-se uma à origem dos bens, e a outra à responsabilização de uma pessoa.
Ou seja, o agente tem de atuar com o fim de dissimular a origem ilícita da vantagem ou com o fim de evitar que o autor ou participante das infrações previstas no n.º1 seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal.
Esta exigência do dolo específico por parte do agente faz com que estejamos perante um crime de intenção, na medida em que exige um determinado propósito, uma determinada intencionalidade por parte do agente, para além da sua consciência e vontade relativa aos elementos objectivos do crime. De salientar que, não fazendo o fim prosseguido pelo agente parte do tipo, basta a intenção do mesmo para que o crime se mostre consumado.
Para que se mostre preenchido o elemento subjectivo do ilícito em apreço é pois necessário, para além do mencionado dolo especifico, que o agente saiba qual a origem dos bens e/ou rendimentos (elemento intelectual do dolo), que pratique alguma das condutas típicas ciente de que aqueles bens ou produtos resultam da prática de algum dos crimes subjacentes.
É ainda indispensável que queira (elemento volitivo), por si ou através de outra pessoa, praticar alguma ou algumas daquelas condutas
Se é certo que todos os elementos do tipo devem ser abrangidos pelo dolo do agente, tem-se questionado se relevam apenas o dolo direto e o necessário, ou se, pelo contrário, também o dolo eventual por parte do agente será relevante.
No fundo, está em causa saber se são ou não puníveis as atuações daquele agente que tendo dúvidas sobre a real proveniência dos bens e representando como possível que estes tenham, de facto, origem num dos crimes subjacentes, decide agir, executando a conversão, transferência ou dissimulação, conformando-se com tal possibilidade, mas sem saber ao certo a real origem desses bens.
Para alguns, Jorge Fernandes Godinho - Do Crime de “Branqueamento de Capitais: Introdução e Tipicidade, pág.214-222 e Paulo Pinto de Albuquerque – Comentário ao Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pág.869-870 não é admissível o dolo eventual por parte do agente quanto ao conhecimento da proveniência dos bens, tendo este, no mínimo, de representar a realização do tipo de branqueamento como consequência necessária da sua conduta (dolo necessário).
A ora recorrente, como já referimos, perfilha de tal entendimento e daí que resultando da factualidade que actuou com dolo eventual, pugne pela sua absolvição.
Porém, acompanhamos o entendimento perfilhado pela maioria dos autores e seguido na decisão recorrida, no sentido de que as condutas em causa no branqueamento de capitais podem ser preenchidas por qualquer uma das modalidades de dolo, sendo bastante para que o agente seja punido que represente como possível que os bens em questão estão relacionados com os crimes precedentes (neste sentido, Pedro Caeiro – Branqueamento de Capitais e Jurisdição -A Decisão-Quadro do Conselho, de 26 de Junho de 2001 e a relação entre a punição do branqueamento e o facto precedente: necessidade e oportunidade de uma reforma legislativa, pág.431-439 e Vitalino Canas, in obra citada, pág 165).
No mesmo sentido, Jorge Dias Duarte, in “Branqueamento de Capitais - O Regime do D.L 15/93, de 22 de Janeiro e a Normativa Internacional”, pág. 149-150, o qual defende que “ a exigência de conhecimento por parte do agente da proveniência criminosa dos bens ou produtos sobre os quais, ou em relação aos quais actua, deve ser entendida como abarcando o dolo típico em todas as suas formas, isto é, abarcando não só os casos em que o agente atua com dolo direto ou necessário, mas também os casos em que a conduta do agente se caracteriza pelo dolo eventual”. Desta forma, como refere o mesmo autor, “o elemento intelectual do dolo encontrar-se-à preenchido não apenas nos casos em que o agente atua com intenção de realizar um determinado facto que sabe preencher o tipo de crime do artigo 368º-A do Código Penal, ou representa esse preenchimento como consequência necessária da sua conduta, mas também nos casos em que o agente atua representando como possível que em resultado da sua conduta pode preencher aquele tipo de crime e persiste nesse comportamento, conformando-se com aquela realização”.
Comungando do mesmo entendimento, refere Luís Silva Pereira, in “ O combate ao crime organizado e ao branqueamento de capitais. A Realidade Portuguesa, comunicação apresentada no seminário hispano-português”, que “essencial para a verificação do elemento intelectual do dolo é apenas que o agente represente no seu espírito a séria probabilidade de estarem verificados no caso concreto os elementos objectivos do tipo, ou seja, que represente correctamente todas as circunstâncias do facto para que a sua consciência ética se ponha e resolva correctamente o problema da ilicitude do comportamento, constituindo a sua adesão à realização da acção típica a conformação com uma conduta contrária ao direito que merece ser sancionada em idênticos termos à daquele que atua com o conhecimento inequívoco de todas essas mesmas circunstâncias”.
Consideramos pois que o agente é punido por ter representado como possível a proveniência ilícita dos bens e por se ter conformado com tal possibilidade, sendo que a exigência de uma certa finalidade por parte do agente não é incompatível com a representação da proveniência ilícita das vantagens como simplesmente possível.
Quanto ao grau de conhecimento da origem ilícita das vantagens em causa no branqueamento, para que possa considerar-se relevante para efeitos do preenchimento do tipo subjectivo, tem-se entendido que o agente não tem de saber ou representar como possível que as vantagens provieram de um concreto ilícito típico ou de uma concreta categoria de factos ilícitos típicos. Do mesmo modo também não lhe é exigido o conhecimento quanto ao momento em que os crimes subjacentes foram praticados, nem os respectivos autores e local.
Ou seja, não tem de conhecer ou representar que esse facto ilícito típico foi praticado em certo momento, por certo agente, em certo sitio, de determinada forma, sobre determinada vitima – Vitalino Canas, in ob.cit., pg.163.
Mas, também não basta que o agente saiba que a vantagem provém, em termos genéricos, de uma qualquer proveniência ilícita.
É necessário que o agente saiba e se conforme que a vantagem provém de um crime pertencente ao elenco do n.º 1.
Tal conhecimento ou mera representação devem, porém, ser contemporâneos da sua conduta que se traduz em factos típicos de branqueamento, devendo existir durante a execução do crime. De contrário, isto é, não sendo tal conhecimento ou representação atuais, não existirá dolo por parte do agente.
Aqui chegados, perfilhando-se o entendimento de que o crime de branqueamento de capitais é punido a título de dolo eventual, torna-se claro e evidente em face da factualidade apurada que os arguidos incorreram na sua prática, não merecendo qualquer reparo a decisão recorrida.
Desde logo, não resta qualquer dúvida, nos termos a que já aludimos supra e perante a factualidade descrita nos pontos 3 a 14, de que foi consumado o crime precedente, correspondente a factos típicos ilícitos característicos do crime de burla informática, ainda que se ignorem os autores do estratagema de apropriação ilícita das quantias monetárias em apreço com recurso à tecnologia informática, do mesmo modo que se mostra verificado que foi para dissimulação de tais quantias, por via da aquisição de moeda estrangeira em empresas de câmbio através dos cartões associados às suas contas, que os arguidos aceitaram facultar estas últimas aos autores da subtracção que para ai as transferiram.
Também o elemento subjectivo se mostra verificado, porquanto, ao atuarem dessa forma, representaram como possível que tais quantias monetárias que receberam nas suas contas bancárias provinham de actividades ilícitas cometidas de forma organizada e com o recurso à tecnologia informática e que ao assim procederem estavam a introduzi-las na economia legal, dando-lhes a aparência de licitas, com o que se conformaram, com o objectivo concretizado de impedir que fosse estabelecida qualquer relação direta entre tais quantias e o crime do qual as mesmas constituíam vantagens, assim obstando a que o seu autor ou autores fossem responsabilizados.

Por tudo o exposto, improcede também neste segmento o recurso.

6) Medida da Pena.

O crime de branqueamento de capitais imputado aos arguidos é punido com pena de 2 a 12 anos de prisão (art.368-A,nº2, do C.Penal).
Porém, conforme o estatuído no nº10 do mesmo preceito legal, a pena aplicada não pode ser superior ao limite máximo da pena correspondente ao crime precedente de onde provêm nas vantagens: no caso 5 anos, porquanto o crime precedente (burla informática) é punido com pena de prisão até cinco anos (art.221,nº1 e 5,al.a), do C.Penal).
À arguida foi-lhe aplicada a pena de 2 anos e 8 meses de prisão e ao arguido a pena de 2 anos e 10 meses de prisão
Pugnam ambos os recorrentes pela diminuição das suas penas para o mínimo legal, ou seja para dois anos.
O recorrente A. V. limitou-se, nas suas conclusões, a considerações jurídicas sobre a operação da determinação da medida concreta da pena e a peticionar a redução da pena, sem que, em momento algum, tivesse aduzido o que quer que fosse para a pretendida redução, para além da invocação genérica da violação dos artigos 40º,71º e 368º,nº1 e 2, todos do C.Penal.
Já a recorrente A. M., sustentou a pretendida redução na ausência de antecedentes criminais, encontrar-se social e familiarmente integrada, a circunstância dos factos em apreço terem-se tratado de uma situação episódica e o decurso do tempo sobre a prática dos factos.
Adiantando a nossa conclusão, cremos, com franqueza, que o tribunal a quo seguiu corretamente o procedimento e as operações de determinação da pena concreta e observou os princípios gerais que lhe devem presidir.
A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40º, nº 1 do C. Penal) mas, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2 do mesmo artigo).
Por outro lado, estabelece o art. 71º, nº 1 do C. Penal que, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Um dos princípios basilares do C. Penal vigente reside na compreensão de que toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, como desde logo pronuncia o artigo 13º ao dispor que só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.
Tal princípio da culpa significa não só que não há pena sem culpa, mas também que a culpa decide da medida da pena, ou seja, a culpa não constitui apenas o pressuposto-fundamento da validade da pena, mas firma-se também como limite máximo da mesma pena.
A este propósito, e conforme salienta o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal II, pag. 229, dentro do binómio culpa-prevenção há que ter em conta que a medida da pena não poderá ultrapassar a medida da culpa; a verdadeira função desta na teoria da medida da pena reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso, pois, a culpa constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer questões preventivas, sejam de prevenção a nível geral positiva ou negativa, de integração ou intimidação; sejam de prevenção, neutralização ou pura defesa social.
Há decerto, uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias: medida, pois, que não pode ser excedida em nome de considerações de qualquer tipo. Mas, abaixo desse ponto óptimo, outros existem em que aquela tutela é ainda efectiva e consistente e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se sem que esta perca a sua função primordial; até se alcançar um limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Nesta acepção, poderá até afirmar-se que é a prevenção geral positiva, ela sim (e não a culpa), que fornece um « espaço de liberdade ou de indeterminação, uma « moldura de prevenção », dentro da qual podem e devem actuar considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização.
De acordo com o direito vigente, na fixação da pena deve partir-se da teoria da união, a qual exige que se chegue a uma relação equilibrada dos diferentes fins da pena.
A pena deve determinar-se de modo a que garanta a função retributiva, esta equacionada com o ilícito em si e a culpabilidade, sem pressuposto e limite último, e seja possível, pelo menos, o cumprimento também da missão ressocializadora da própria pena com respeito ao próprio arguido, acrescendo, deste modo, o fim da prevenção especial.
Além disso, a defesa do ordenamento jurídico exige, por último, que a pena se determine de tal modo que possa alcançar um efeito sócio-pedagógico na comunidade, que sirva ele de exemplo, de contra motivo à prática de idênticos ilícitos pelos demais indivíduos. Foi para fazer ou atingir a possível concordância dos fins das penas no caso concreto, que se desenvolveu na jurisprudência a teoria da margem da liberdade, teoria segundo a qual a pena adequada à culpabilidade não é uma medida exacta.
A pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa ) determinado em função da culpa, intervindo os outros fins das penas – prevenção geral e prevenção especial – dentro daqueles limites – neste sentido, vide Claus Roxin, in Culpabilidad y Prevencion em Derecho Penal, 94-113.
Assim, quanto à determinação da pena a aplicar ao agente e para além da culpa do mesmo e das exigências de prevenção, geral e especial, atender-se-á, ainda, a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo deponham a favor ou contra aquele.

São elas, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do doto ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
j) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena".

Vejamos o que aduziu o tribunal a quo ao determinar as concretas penas aplicadas aos recorrentes:
« (…) quanto à culpa, temos que os arguidos atuaram com dolo eventual, a ilicitude é elevada atendendo à gravidade objetiva das condutas em causa, dados os elevados prejuízos patrimoniais que acarretaram.
São, por outro lado, muito elevadas as exigências de prevenção geral, atento o alarme social suscitado pelo tipo de condutas aqui em causa que, como já referido, colocam seriamente em causa os sentimentos comunitários de confiança no sistema financeiro.
Em benefício da arguida A. M. há que relevar a ausência de antecedentes criminais – visto que a condenação proferida no Processo nº 195/15.9GBCNT, à data destes factos, não havia ainda transitado em julgado, e a circunstância de a arguida se encontrar bem inserida socialmente, o que atenua as exigências de prevenção especial.
Quanto ao arguido A. V., importa também relevar a ausência de antecedentes criminais – visto que as condenações proferidas nos Processos nº 126/13.0PCLSB, 127/13.9PCLSB, 119/18.1SCLSB à data destes factos, não haviam ainda transitado em julgado, o que atenua as exigências de prevenção especial.
Contra si, releva-se a circunstância de não ter revelado qualquer arrependimento, evidenciar deficit de juízo crítico quanto à problemática criminal em causa, o que agrava as exigências de prevenção especial.»
Adiantando a nossa conclusão, cremos, com franqueza, que o tribunal a quo seguiu corretamente o procedimento e as operações de determinação da pena concreta e observou os princípios gerais que lhe devem presidir, não tendo violado qualquer preceito legal.
Com efeito, tais penas estão de acordo com o grau de culpa dos arguidos (dolo eventual) e da ilicitude dos factos (esta elevada), as exigências de prevenção que se fazem sentir, as de prevenção especial mais acentuadas no caso do arguido, atenta a ausência de qualquer interiorização do mal praticado, não tendo também o tribunal recorrido omitido a ponderação daquelas circunstâncias que não fazendo parte do tipo, depuseram a favor ou contra eles.
Acresce que qualquer pena abaixo das fixadas também não asseguraria as exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste tipo de criminalidade.
Na verdade, as exigências de prevenção geral, traduzidas na necessidade de reafirmar a validade das normas violadas aos olhos da comunidade, são, de facto, muito elevadas no caso vertente, como bem salientou o tribunal recorrido, podendo aqui assinalar-se um mais lato papel à componente da intimidação e da dissuasão.
Impõe-se assegurar o respeito pelos valores de ordem económica e social que estão na base de direitos fundamentais constitucionais e em relação aos quais o tipo de agentes implicados nestes crimes se mostra particularmente insensível e com um acentuado grau de dessocialização.
No branqueamento de capitais a pena deve contribuir para a transformação necessária das representações e da consciência comunitária face às atividades que desvirtuam o mercado económico-financeiro.
Impõe-se, pois, que a pena a aplicar reforce com firmeza a validade da norma violada aos olhos da comunidade.
Ora, não há dúvidas de que é suscetível de revista a correção do procedimento ou das operações de determinação da medida da pena, o desconhecimento pelo tribunal ou da errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de fatores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devem considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Estando a questão do limite da culpa plenamente sujeita a revista, assim como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, já não o está a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, exceto quando tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada - Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, pág. 196.
O tribunal de recurso deve assim intervir na pena, alterando-a, apenas quando detetar incorreções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de atuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na deteção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exato de pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada – neste sentido, acórdão do TRE de 22-04-2014, disponível em http//www.dgsi.pt. .

No caso vertente, cremos que as penas aplicadas pelo tribunal a quo asseguram adequada e suficientemente as finalidades da punição, não excedendo o limite estabelecido pela medida da culpa, pelo que não se apresentam desproporcionadas, expressando uma correta e adequada valoração e ponderação das circunstâncias que se impunham considerar.
Por tudo o exposto, improcedem também nesta parte os recursos dos recorrentes.

7) Condenação da recorrente A. M. no pedido de indemnização civil

Veio ainda a recorrente pugnar pela alteração do decidido pelo tribunal recorrido a respeito da sua condenação no pedido de indemnização civil deduzido pela demandante civil, em conformidade com decidido a respeito dos demais fundamentos do recurso.
Contudo, mantendo-se inalterada a matéria de facto e a condenação da recorrente no crime que lhe vinha imputado, nada se impõe alterar nesta sede, improcedendo também por aqui o recurso.

III. Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em:

- Não admitir o recurso da sentença recorrida relativamente à condenação do arguido A. V. no pedido de indemnização civil contra si deduzido pela demandante civil
- Negar provimento aos recursos interpostos por ambos os arguidos, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a cinco unidades de conta (arts. 513º,nº1 do C.P.P. e 8º,nº9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).

(Texto elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários – art.94º,nº2, do C.P.P.)
Guimarães, 28 de setembro de 2020

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1 Jorge Fernandes Godinho, Do Crime de «Branqueamento” de Capitais. Introdução e Tipicidade, Almedina, 2001, p. 40.
2 Vide acórdão que vimos citando que, por sua vez, cita A. G. Lourenço Martins.
3 Ac. Rel Porto de 07.02.2007, Proc. 06165509 in www.dgsi.pt e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, pág. 867. 4 Cfr. Ac Rel. Porto de 07-02-2007 – Proc. 0616509 in www.dgsi.pt.