Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1728/21.7T8BRG.G1
Relator: RAQUEL REGO
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES
MATÉRIA CONTRATUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da relatora):

I - Tratando-se de matéria contratual, a acção deve ser proposta perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão, o mesmo é dizer o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados.
II - Esta norma tem plena aplicação, ainda que se pretenda a condenação solidária dos sócios da sociedade contratante, por recurso à desconsideração da personalidade jurídica, posto que a responsabilidade destes, perante o credor, não perde a natureza de responsabilidade contratual.
III – Os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer de acção relativa a contrato de fornecimento de caixilharias em França, sendo aí domiciliados a sociedade a quem foram fornecidas e os seus sócios, cuja condenação solidária no pagamento do preço é igualmente pedida.
Decisão Texto Integral:
Acordão no Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

X – Unipessoal, Lda. intentou a presente acção declarativa comum contra Y, S. M. e D. S.-, pedindo a condenação solidária destes a pagar à autora a quantia de €52.971,75, acrescida de juros de mora.
Para tanto, alegou que os 2.º e 3.º réus lhe solicitaram o fornecimento de portas, portões e janelas para um edifício que a 1.ª ré, da qual são representantes legais, pretendia construir em ..., França.
O valor global foi de €124.612,25, a pagar 30% no momento da adjudicação da obra, 50% aquando da entrega do material e 20% no momento da conclusão da obra e a 1.ª ré pagou apenas 34.332,60 € no momento da adjudicação.
A autora remeteu parte do material para as instalações da 1.ª ré em 27.10.2018, outra parte no dia 03.11.2018, remetendo igualmente uma factura do material já entregue, no valor de 32.184,02 €, e a parte restante em 14.11.2018, remetendo então nova factura no valor de 30.122,07 €; devido a um erro do fornecedor da autora e dos próprios réus, os 8 portões seccionados entregues à 1.ª ré não possuíam as características (a textura e a cor) pretendias pelos réus; a autora propôs a sua substituição, o que os réus recusaram, por pretenderem terminar a obra rapidamente, de forma a obter os certificados a emitir pela autora, que lhes eram exigidos pelas entidades licenciadora e financiadora do projecto; os trabalhos ficaram concluídos em finais de Novembro de 2018, altura em que a autora emitiu a última das facturas, remetendo também à ré uma ficha para que os 2.º e 3.º réus apontassem eventuais anomalias nos trabalhos, nada tendo sido apontado por estes; interpelados os réus para fazer o pagamento em falta, a 1.ª ré exigiu a substituição dos 8 portões seccionados que tinha recusado anteriormente; mediante promessa dos réus de que pagariam os valores em falta se a autora substituísse os portões e lhes entregasse o certificado do material já instalado, a autora, no cumprimento do que foi então acordado, encomendou novos portões, colocou-os e assumiu o custo da pintura dos novos portões, para além de ter procedido à reparação de danos na caixilharia causados por terceiros; os réus apenas pagaram 10.000,00 € em 24.01.2019 e 22.184,08 € seis meses depois, nada mais tendo pago, apesar das diversas interpelações para esse efeito.
Ao exigirem a substituição dos portões, cuja instalação em obra haviam aceitado com o fito de obterem os certificados necessários para se financiarem e licenciarem a obra, sem procederem ao pagamento das quantias em dívida, os réus agiram clamorosamente contra os ditamos da boa-fé.
Os réus nunca tiveram intenção de proceder ao pagamento das quantias devidas, não passando as promessas de que o iriam fazer de um artifício para se locupletarem à custa da autora, levando-a a praticar actos lesivos dos seus interesses económicos, o que levou a autora a apesentar queixa criminal junto das autoridades francesas.
A personalidade jurídica da 1.ª ré, que detém um capital social diminuto e não deposita anualmente as suas contas, em contraste com o vasto património dos restantes réus, foi usada de forma ilícita com o claro intuito de estes se locupletarem com grave prejuízo para os interesses financeiros da autora, o que justifica a desconsideração da personalidade jurídica da 1.ª ré e a responsabilização solidária dos restantes réus pelo pagamento da quantia de 52.971,75 € devida pelos trabalhos realizados e que estavam previstos no orçamento, bem como da quantia de 2.900,00 € correspondente aos trabalhos extra realizados pela autora a pedido dos réus, tudo acrescido de juros de mora.

Citados, contestaram todos os RR, arguindo a incompetência internacional do tribunal português, com os seguintes fundamentos:
Os presentes autos têm origem num contrato de fornecimento e instalação de caixilharias em ..., França, sendo demandadas uma pessoa colectiva e duas pessoas singulares com domicílio naquela cidade francesa.
Nos termos do disposto nos artigos 4.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, al. a) e b), do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro, a acção devia ter sido proposta no tribunal do domicílio dos demandados ou, em alternativa, no tribunal do lugar do cumprimento da obrigação, ou seja, no lugar onde os serviços foram ou devam ser prestados, o que no presente caso corresponde, em qualquer dos casos, aos tribunas franceses, mais concretamente o Tribunal de Bourg-en-Bresse.

Respondeu a autora à excepção deduzida, pugnando pela competência internacional dos tribunais portugueses, alegando que alicerçou o pedido por si formulado em factos que importam a desconsideração da personalidade jurídica da ré sociedade, pelo que se discute não apenas o incumprimento por parte da 1.ª ré da obrigação de pagamento do preço acordado com a autora, mas também a responsabilidade por factos ilícitos dos restantes réus e, consequentemente, a sua obrigação de indemnizar a autora pelos prejuízos a esta causados.
Acrescentou que, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, al. b), do Regulamento (UE) n.º 1512/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, em matéria extracontratual as pessoas domiciliadas num Estado-membro podem ser demandadas noutro Estado-membro, designadamente perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso, sendo certo que tem sido entendimento da jurisprudência nacional e do TJUE que, quando o facto gerador de responsabilidade extracontratual e o lugar onde esse facto causou prejuízos não coincidam, deve ser entendido que a expressão lugar onde ocorreu o facto danoso se refere tanto o lugar onde o prejuízo teve lugar como ao local onde ocorreu o facto produtor de danos.

No conhecimento desta excepção, o tribunal a quo proferiu a seguinte decisão:

«As regras de competência internacional aqui aplicáveis são as previstas no Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro e 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, conhecido como Regulamento Bruxelas I (reformulado), invocado por ambas as partes (devendo-se referência feira pela autora ao “Regulamento (UE) n.º 1512/2012” a um manifesto lapso de escrita).
A regra geral aí consagrada encontra-se descrita no seu artigo 4.º, n.º 1, nos seguintes termos: «Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desses Estado-Membro», acrescentando-se no n.º 1 do artigo seguinte que «[a]s pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo».
A determinação do domicílio das partes deve fazer-se nos termos previstos nos artigos 62.º e 63.º do mesmo Regulamento.
No caso vertente, não se suscita qualquer dúvida sobre o domicílio da ré sociedade, visto que se trata de uma sociedade com sede em ..., França (cfr. artigo 63.º, n.º 1, al. a), do Regulamento Bruxelas I reformulado), local onde foi citada para a presente acção.
Quanto aos demais réus, pessoas singulares, estes alegaram ter igualmente domicílio em ..., França, onde nasceram, onde sempre residiram e onde os seus filhos frequentam a escola, como é corroborado pelos seus documentos de identificação e pelos registos escolares dos seus filhos, cuja cópia juntam, mais esclarecendo que, embora sejam proprietários de bens imóveis em Portugal, não possuem qualquer residência habitual neste país, tendo indicado a sua morada em França às autoridades portuguesas, como resulta da correspondência remetida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, cujas cópias também juntam.
Sem questionar estes factos, a autora veio alegar que os referidos réus (a referência aos 1.º e 2.º réus deve-se, mais uma vez, a um manifesto lapso de escrita) também têm residência em Portugal, como demonstra o registo da fração onde os mesmos residem quando estão em território nacional.
Perante a prova assim produzida, não restam quaisquer dúvidas de que os réus pessoas singulares residem habitualmente em França: para além de constar uma morada francesa nos seus documentos de identificação, são sócios e legais representantes de uma sociedade com sede em França (a 1.ª ré), dedicando-se profissionalmente à sua gestão, como decorre da própria petição inicial e dos documentos que a acompanham, os seus filhos frequentam a escola francesa e recebem na sua morada em França correspondência proveniente das autoridades portuguesas.
Pelo contrário, a circunstância de constar como morada destes réus, no registo predial da fracção autónoma de que são proprietários em Portugal, a localização dessa mesma fracção, apenas poderá sugerir que aí se instalam quando vêm a Portugal, mas não demonstra que essa seja a sua residência habitual ou, sequer, a sua residência alternativa, tanto mais que na inscrição matricial dessa mesma fracção consta a morada dos réus em França, respeitando àquela fracção a correspondência que a Autoridade Tributária remeteu para a morada dos réus em França.
Em suma, apurou-se que os 2.º e 3.º réus residem habitualmente em França, onde também têm domicílio profissional e onde foram citados para esta acção, nada se tendo apurado em concreto relativamente a uma eventual residência em Portugal, apenas se podendo admitir que aqui se desloquem e instalem esporadicamente.
Nestes termos, não podemos afirmar, ao abrigo da lei portuguesa (cfr. artigo 62.º, n.º 1, do Regulamento Bruxelas I reformulado), que tenham residência habitual em Portugal, nos termos previstos nos artigos 82.º e 83.º do Código Civil Português (CPC).
Em contrapartida, não restam dúvidas de que, à luz da lei francesa (cfr. artigo 62.º, n.º 2, do Regulamento Bruxelas I), têm domicílio em França, nos termos previstos no artigo 102.º do Code Civil francês.
Mas se é assim, os réus devem ser demandados em França, só podendo ser demandados em Portugal se ocorrer alguma das situações previstas nas secções 2 a 7, do capítulo II, do Regulamento Bruxelas I.
Nenhuma das partes questiona que, na presente acção, está em causa a violação do contrato celebrado entre as partes, nomeadamente o alegado incumprimento, por parte da primeira ré, da obrigação de pagar o preço acordado. Ora, a regra especial para a responsabilidade contratual consagrada no artigo 7.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Regulamento Bruxelas I (reformulado), aponta igualmente para os tribunais franceses, por serem os tribunais do lugar onde os bens foram entregues e onde os serviços foram prestados. É certo que a obrigação em questão, isto é, a obrigação cujo incumprimento é invocado pela autora como causa de pedir, é a obrigação de pagar o preço dos bens e dos serviços prestados. Mas resulta da referida norma e é totalmente pacífico na jurisprudência, inclusivamente do TJUE, que, «no caso dos dois tipos de contratos utilizados mais frequentemente nas práticas europeias transfronteiriças, o lugar de cumprimento abrange todas as obrigações decorrentes do mesmo contrato». E isto mesmo é afirmado no guia para os profissionais de justiça, divulgado pela Comissão Europeia, sobre cooperação judiciária em matéria civil, disponível em https://op.europa.eu/pt/publication-detail/-/publication/a9da11b8-0a6a-491e-8ae9-a0ff9d7e8535/language-pt/ format-PDF/source-110534099.
Veio, porém, a autora alegar que alicerçou o pedido por si formulado em factos que importam a desconsideração da personalidade jurídica da ré sociedade, pelo que se discute não apenas o incumprimento por parte da 1.ª ré da obrigação de pagamento do preço acordado com a autora, mas também a responsabilidade por factos ilícitos dos restantes réus e, consequentemente, a sua obrigação de indemnizar a autora pelos prejuízos a esta causados, sendo certo que, nos termos do n.º 2 do referido artigo 7.º (e não 7.º, n.º 2, al. b), como refere a autora, pois este número não contém alíneas), em matéria extracontratual, as pessoas domiciliadas num Estado-membro podem ser demandadas noutro Estado-membro, designadamente perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso, sendo certo também que, como tem sido entendimento da jurisprudência nacional e do TJUE, quando o facto gerador de responsabilidade extracontratual e o lugar onde esse facto causou prejuízos não coincidam, deve ser entendido que a expressão lugar onde ocorreu o facto danoso se refere tanto o lugar onde o prejuízo teve lugar como ao local onde ocorreu o facto produtor de danos.
Importa, nestes termos, caracterizar as concretas relações jurídicas que servem de causa de pedir a esta acção, de modo a apurar se as mesmas convocam o regime da responsabilidade contratual, o regime da responsabilidade extracontratual ou, eventualmente, ambos, caso em que importa igualmente definir os termos deste concurso de títulos de aquisição da prestação, na expressiva terminologia de Miguel Teixeira de Sousa.
A responsabilidade civil pode ser originada pela violação de um direito de crédito ou obrigação em sentido técnico, caso em que se está perante a responsabilidade contratual ou pode resultar da violação de um dever geral de abstenção contraposto a um direito absoluto (direito real, direito de personalidade), caso em que se depara a responsabilidade extracontratual, aquiliana ou delitual.
Refira-se, antes de mais, que a evocação da figura da desconsideração ou levantamento da personalidade da pessoa colectiva se revela, para este efeito, totalmente inócua.
Independentemente do mérito ou da eficácia desta evocação, de que não cumpre neste momento conhecer, a mesma não determina a natureza da responsabilidade que, por seu intermédio, pode ser assacada à pessoa ou pessoas singulares que praticaram determinado ou determinados actos enquanto representantes ou sob o escudo da personalidade jurídica de uma pessoa colectiva. De resto, esta construção jurídica, de origem doutrinal e jurisprudencial, baseada no abuso de direito, tem como propósito imputar a esta ou estas pessoas singulares a responsabilidade que, do ponto de vista formal, apenas poderia ser imputada à pessoa colectiva, pelo que a natureza da responsabilidade desta será, em princípio, a natureza da responsabilidade daquelas.
Ora, no caso vertente, a responsabilidade assumida pela ou por via da 1.ª ré é, como vimos, uma responsabilidade contratual.
Claro que nada obsta a que os factos geradores de responsabilidade contratual, por violação de deveres contratualmente assumidos, possam configurar também uma violação de direitos subjectivos de outrem e, por isso, possam relevar em sede de responsabilidade extracontratual.
Nestes casos de concurso, a doutrina e a jurisprudência dominantes em Portugal têm pugnado pela prevalência da responsabilidade contratual, por absorção ou consunção da responsabilidade extracontratual.
Contudo, estando em causa a aplicação de normas de Direito da União Europeia sobre competência internacional, a sua interpretação e aplicação não pode assentar em conceitos normativos e concepções doutrinais ou jurisprudenciais relativos ao ordenamento jurídico português, valendo aqui o princípio da interpretação autónoma relativamente aos ordenamentos jurídicos dos Estados-Membros, em razão da prossecução do objectivo de aplicação uniforme daquelas normas. Isto mesmo é afirmado no acórdão do STJ, de 19.12.2018 (processo n.º 2312/16.2T8FNC.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt), onde se acrescenta que, inserindo-se a acção no âmbito temporal, material e espacial de aplicação do Regulamento nº 1215/2012, tendo em conta o enunciado princípio da interpretação autónoma, impõe-se verificar qual a solução preconizada pelo Tribunal de Justiça para a questão da competência internacional que importa decidir. Não se encontrando resolvida pela jurisprudência desse Tribunal de Justiça, ter-se-á de proceder a reenvio prejudicial para o mesmo Tribunal.
A respeito da questão que nos ocupa, Marco Carvalho Gonçalves (Competência judiciária da União Europeia, Scientia Iuridica, Tomo LXIV, 2015, n.º 339, pp. 432) dá nota do seguinte: «O conceito de “responsabilidade civil extracontratual” tem vindo a ser interpretado de forma subsidiária em relação ao conceito de “responsabilidade civil contratual” constante do artigo 7.º, n.º 1. Assim, conforme se decidiu no Ac. do TJUE de 18/7/2013, proc. c-147/12 (ÖFAB, Östergötlands Fastigheter AB vs Frank Koot e Evergreen Investments BV), “[o] conceito de matéria extracontratual na aceção do artigo 5.º, ponto 3, do Regulamento n.º 44/2001, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, abrange qualquer ação que tenha em vista por em causa a responsabilidade do demandado e que não esteja relacionada com a matéria contratual na aceção do artigo 5.º, ponto 1, alínea a), desse regulamento”».
No caso vertente, ainda que se possa afirmar a concorrência entre a responsabilidade contratual e extracontratual, é absolutamente claro que a eventual responsabilidade extracontratual dos réus está estreitamente relacionada com a violação do contrato descrito na petição inicial. Note-se que a própria autora afirma, no artigo 67 da petição inicial, «que os ora 2.º e 3.º réus violaram ostensiva e gravemente a boa fé e a ética dos negócios…», pedindo a condenação solidária de todos os réus a pagar-lhe a quantia que mais não é do que o preço devido por força do referido contrato.
Assim sendo, não podemos considerar preenchido o conceito de responsabilidade extracontratual previsto no artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento Bruxelas I (reformulado), inteiramente coincidente com o artigo 5.º, ponto 3, do Regulamento n.º 44/2001 (Regulamento Bruxelas I), na interpretação que o TJUE faz destas normas, pelo que a competência dos tribunais nacionais não encontra justificação na excepção à regra geral aí consagrada.
De todo o modo, ainda que assim não se entendesse, o facto de a autora ter optado por demandar, na mesma acção, a 1.ª ré com base na responsabilidade contratual e os demais réus com fundamento na responsabilidade aquiliana, obstava à aplicação desta excepção, impondo-se o recurso à regra geral do artigo 4.º.
E o contrário não resulta do artigo 8.º, n.º 1, igualmente invocado pela autora, pois este permite a opção entre o tribunal do domicílio de qualquer dos réus, mas que, no caso, é comum a todos, e não entre o tribunal do domicílio de um réu e o lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso.
Acresce que, nos termos do disposto no n.º 3, do mesmo artigo 7.º do Regulamento Bruxelas I (reformulado), «[s]e se tratar de acção de indemnização ou de acção de restituição fundadas em infracção penal, perante o tribunal em que foi intentada a acção pública, na medida em que, de acordo com a sua lei, esse tribunal possa conhecer da açcão cível». Ora, é a própria agora a afirmar que apresentou uma queixa criminal perante as autoridades francesas, sendo certo que a ordem jurídica francesa confere aos tribunais criminais competência para arbitrar a indemnização devida pela prática de factos criminosos, como nos dá nota Daniel Duarte Trigo Vargues da Conceição na sua tese de mestrado (Pedido de indemnização civil – O princípio do pedido, Lisboa 2011, p. 6, que pode ser consultada no seguinte endereço electrónico: https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/12079/1/trabalhofinal1.pdf) e está plasmado no Code de Procédure Pénale, designadamente nos seus artigos 2.º e 10.º (disponível em https://www.legifrance.gouv.fr codes/id/LEGITEXT000006071154/).
Por tudo quanto ficou exposto, concluímos não terem os tribunais portugueses competência para esta acção, a qual cabe na cabe na competência internacional dos tribunais franceses».

Inconformada, a autora interpôs o presente recurso, onde conclui nos seguintes termos:

1.Por sentença datada de 7 de Março de 2022 o Tribunal a quo julgou internacionalmente incompetentes os tribunais portugueses para julgar da presente lide, e, consequentemente, absolveu a Ré da instancia.
2. Decorre do despacho ora em crise o Tribunal recorrido considera que os Tribunais Portugueses são internacionalmente competentes para conhecer do objecto do presente pleito, porquanto, entende o mesmo que “(n)o caso vertente, ainda que se possa afirmar a concorrência entre a responsabilidade contratual e extracontratual, é absolutamente claro que a eventual responsabilidade extracontratual dos réus está estreitamente relacionada com a violação do contrato, e, por esse motivo, não se pode considerar preenchido o conceito de responsabilidade extracontratual previsto no artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento Bruxelas I (reformulado), inteiramente coincidente com o artigo 5.º, ponto 3, do Regulamento n.º 44/2001 (Regulamento Bruxelas I).
3. A decisão recorrida não pode manter-se porque, conforme resulta da petição inicial, a Recorrente peticiona a condenação solidária dos Réus no pagamento da quantia de € 52 921, 71, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.
4. A Recorrente alicerça o pedido por si formulado na circunstância de a sociedade Recorrida ter incumprido com a sua obrigação de pagamento dos serviços prestados pela Recorrente, resultando o referido incumprimento das condutas que são contrárias à ética dos negócios, a saber: incumprir com os planos de pagamento acordados entre Recorrente e sociedade Recorrida, furtar-se às interpelações da Recorrente, imputar à Recorrente erros próprios no decurso dos trabalhos, alegarem que os serviços forma prestados de forma defeituosa quando os registos fotográficos juntos demonstram claramente que o alegado cumprimento defeituoso deriva do mau uso, o facto da sociedade em causa ter um reduzido capital social e já prestar contas desde 2019, o facto de os 2º e 3º Recorridos serem sócios de outras sociedades em idênticas situações, e, de os Recorridos sócios acumularem património, a título privativo, no nosso país
5. Assim sendo, ao contrário do sustentado na decisão recorrida, a evocação da figura da desconsideração ou levantamento da personalidade jurídica não é inócua nos presentes autos, e nela que assenta a pretensão da Recorrente da condenação solidária dos Réus nas quantias peticionadas nos presentes autos.
6. Na verdade, atenta a forma como a ora Recorrente construiu a sua pretensão, a responsabilidade extracontratual resultante da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade Recorrida erige-se como a principal causa de pedir nos presentes autos.
7. O art. 7º, 2) do Regulamento (EU) nº 1215 /2012 do Parlamento Europeu e do Conselho que em matéria extracontratual as pessoas domiciliadas num Estado membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro, designadamente perante o Tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso, encerrando tal preceito uma derrogação ao princípio geral de que as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro da União devem ser demandadas perante os tribunais desse mesmo Estado.
8. Tem sido entendimento da jurisprudência, apoiada na jurisprudência do TJUE que, quando o facto gerador de responsabilidade extracontratual e o lugar onde esse facto causou prejuízos não coincidam que a expressão lugar onde ocorreu o facto danoso deve ser entendida de que se refere tanto ao lugar onde o prejuízo teve lugar como ao local onde ocorreu o facto produtor de danos.
9. Em face do supra exposto, mister se torna concluir que os Tribunais portugueses são competentes para decidir do objecto da presente acção por a causa de pedir da mesma assentar na responsabilidade extracontratual dos Recorridos.
10. Ainda que se entenda, como sucede com o Tribunal recorrido que se verifica in casu uma situação de concurso entre responsabilidade contratual e extracontratual, a questão que se coloca é a de saber se a Recorrente tem, ou não a faculdade de optar pelo regime da responsabilidade extracontratual com a consequência de, quanto à questão da competência internacional, serem os tribunais portugueses competentes para conhecer do objeto do presente pleito.
11. Assim sendo, face à inexistência de norma que determine qual o Estado-membro competente para decidir em caso de concurso entre responsabilidade civil contratual e extracontratual e à dúvida existente sobre tal matéria, deve proceder-se ao reenvio prejudicial para o TJUE, ao qual deve ser colocada a seguinte questão:
- em matéria civil e comercial em caso de concurso entre responsabilidade contratual e extracontratual, assiste ou não à parte, a faculdade de optar pelo regime da responsabilidade extracontratual com a consequência de as pessoas domiciliadas num Estado-membro poderem ser demandadas perante o tribunal onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso?

Conclui pela procedência do recurso.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do C. P. Civil).
Nos recursos apreciam-se questões e não razões.
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Submete-se a este tribunal a questão da competência internacional do tribunal para a presente demanda, que acima se delineou, curando-se, assim, de saber se a decisão que conclui pela procedência da excepção de incompetência internacional dos tribunais portugueses, deduzida pelos RR, é, ou não, de manter.
No ordenamento jurídico português vigoram dois regimes de competência internacional, correspondentes ao regime comunitário e ao regime interno, sendo certo, todavia, que quando a acção estiver compreendida no âmbito de aplicação do regime comunitário, este prevalece sobre o regime interno por ser de fonte de lei hierarquicamente superior e pelo primado do direito europeu.
No caso, chama-se à colação o artº 4º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, que enuncia a regra geral de que, sem prejuízo do que demais nele se consagra, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro.
Apesar de se ter chegado a colocar a questão do país da residência dos segunda e terceiro RR, a mesma mostra-se hoje ultrapassada na instância recursiva, podendo dar-se como adquirido que todos os RR têm domicílio em França.
O preceito seguinte – artº5º - estatui que as pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do mesmo capítulo.

Com relevo, ainda, para a presente decisão, versa o artº 7º do Regulamento citado, que se enuncia apenas nas partes pertinentes. Assim:
As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro:
- Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão, sendo que, para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será, no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados (nº1).
- Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso (nº2);
- Se se tratar de ação de indemnização ou de ação de restituição fundadas em infração penal, perante o tribunal em que foi intentada a ação pública, na medida em que, de acordo com a sua lei, esse tribunal possa conhecer da ação cível (nº3).
O pedido formulado nos autos é o de condenação solidária dos réus a pagar à autora a quantia de €52.971,75, acrescida de juros de mora vencidos, no valor de €10.076,00 e vincendos.
A causa de pedir para a primeira ré é, tão só, a existência de um contrato de empreitada, cujo preço esta não pagou integralmente.
Dúvidas não surgem quanto à incompetência internacional dos tribunais portugueses no que a esta estritamente concerne.
«Tendo uma empresa comercial, ora ré, com sede em França, contratado com uma empresa com sede em Portugal, a autora, o fabrico de caixilharia que foi entregue em França nos termos por elas convencionados e sendo a causa de pedir o incumprimento pela Ré do pagamento do preço, avultando na economia do contrato a obrigação da entrega da coisa, tendo em conta o conceito autónomo do lugar do cumprimento da obrigação, contemplado no art. 5.º, n.º 1, b) do Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho de 22 de Dezembro de 2000, e os termos do contrato, a competência internacional radica na jurisdição francesa, sendo materialmente incompetente o tribunal português onde a acção foi proposta» - STJ, Revista n.º 27630/13.8YIPRT-A.G1.S1 - 6.ª Secção, de 05.04.2016.
Porém, já para os demais réus, ao aludido contrato acresce a alegação de que nunca tiveram intenção de proceder ao pagamento das quantias devidas e que a personalidade jurídica da 1.ª ré, que detém um capital social diminuto e não deposita anualmente as suas contas, em contraste com o vasto património dos restantes réus, foi usada de forma ilícita com o claro intuito de estes se locupletarem com grave prejuízo para os interesses financeiros da autora, o que justifica a desconsideração da personalidade jurídica da 1.ª ré e a responsabilização solidária dos restantes réus pelo pagamento.
E aqui reside o cerne da questão a decidir para efeitos de atribuição de competência, face à dualidade de regimes em decorrência da responsabilidade ser de natureza contratual ou extracontratual.
O Sr. Juiz a quo mencionou que «a evocação da figura da desconsideração ou levantamento da personalidade da pessoa colectiva se revela, para este efeito, totalmente inócua», considerando, portanto, que, mesmo dando como procedente a figura da desconsideração da pessoa colectiva, a responsabilidade que daí advinha para os RR não perdia a qualificação de responsabilidade contratual.
Disso discorda a recorrente, ao afirmar que a «responsabilidade extracontratual resultante da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade Recorrida erige-se como a principal causa de pedir nos presentes autos» - sublinhado nosso.
Urge, por isso, tecer algumas considerações a propósito do que vem sendo apelidado de desconsideração da personalidade jurídica da pessoa colectiva, com vista a permitir a qualificação da responsabilidade dos respectivos sócios.
Sabemos que se trata de um instituto que não encontra regulamentação no ordenamento jurídico português, tendo nascido da necessidade de cercear formas abusivas de actuação.
«A personalidade colectiva e o recurso a formas societárias, particularmente sociedades por quotas, tem vindo a popularizar-se, no nosso espaço jurídico. Por um lado, cidadãos e famílias de médias, ou, até, pequenas posses, recorrem a sociedades para gerir os seus interesses. Por outro, grandes empresas usam pequenas sociedades, por elas adquiridas ou constituídas, para praticar determinados negócios ou para retirar da sua esfera patrimonial segmentos produtivos e pessoal auxiliar (outsourcing). (…)
Em todas estas situações, as sociedades que surgem podem ser usadas fora dos objectivos próprios da personalidade colectiva, de tal modo que, contra os valores fundamentais do sistema – portanto: contra a boa fé – venham causar danos ou promover actuações pelos quais não possam depois responder» - Manual de Direito das Sociedades, I Vol., pag.378, Menezes Cordeiro.
No caso das sociedades comerciais, fazendo uso das palavras de Francisco Granjeia «quando o princípio da separação dos bens da sociedade e dos seus sócios e o princípio da limitação da responsabilidade proporcionado pela sociedade são utilizados de forma abusiva pelos sócios para a prossecução de fins ilícitos, verifica-se nesse caso um desvio à função para que foi criada a sociedade que urge ser corrigido; (…) -O recurso à teoria da desconsideração da personalidade jurídica representa então uma via doutrinária e jurisprudencial que permite controlar o uso pelos sócios das sociedades…para alcançarem fins ilícitos repudiados pela ordem jurídica e para os quais se verifica a inexistência de previsão legal adequada - http://www. verbojuridico.com/ doutrina /comercial/ coligadas .html.
Sabiamente, ensinava já Castro Mendes que sendo a pessoa colectiva nada mais que um instrumento de realização de interesses humanos, quando passa a ter uma finalidade abusiva, deve merecer uma resposta a que «os juristas anglo-saxónicos chamam romper o véu da pessoa colectiva» - cf. “Teoria Geral do Direito Civil”, edição da AAFDL, I, 246.
A sua utilização com o intuito de prejudicar terceiros e, portanto, avessa a normas éticas e aos princípios gerais do direito, impõe que o ordenamento jurídico actue, encontrando soluções jurídicas eficazes, de reposição de equilíbrio de interesses, de salvaguarda da boa-fé nos negócios e, a final, impeditivas de fraude à lei.
Nas palavras de Menezes Cordeiro (O Levantamento da personalidade colectiva no direito civil e comercial, Almedina, Coimbra, 2000, pág. 152), trata-se de obviar ao «exercício inadmissível de posições jurídicas».
Face ao âmbito do presente recurso, dispensamo-nos de discorrer sobre o carácter subsidiário da desconsideração. «Para situações onde ocorre o problema de inadequação da separação patrimonial entre a sociedade e os seus sócios, autores há que entendem não ser necessário o afastamento da personalidade, bastando tão só o levantamento do regime de responsabilidade limitada próprio de um determinado tipo de sociedades comercial – cf. Pedro Cordeiro, “A desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais”, AAFDL, Lisboa, 1999, pág. 104.
«Se se verificou apenas nos aspectos patrimoniais então será geralmente suficiente a imposição de responsabilidade pessoal ao sócio (s) prevaricador (s).
Se, diferentemente, a confusão é mais intensa e ocorre ao nível da própria personalidade, então a resposta, aqui sim, do ponto de vista dogmático só pode ser uma: o levantamento, superamento ou desconsideração da personalidade colectiva» - Julgar, nº9, Armando e Luís Triunfante, “Desconsideração da Personalidade Jurídica – Sinopse Doutrinária e Jurisprudencial.”
O já longínquo acórdão da RLx, datado de 22.01.2004 (Procº 9061/2003-2), mas com plena actualidade, fez constar que «No levantamento da personalidade colectiva, desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais, ou superação da personalidade jurídica, estará em causa a eventualidade de – sem normas específicas e por exigência do sistema – o Direito, em certas situações, passar do modo colectivo ao modo singular, ignorando a presença formal duma pessoa colectiva» invocando, ainda, autores como Pedro Cordeiro e Menezes Cordeiro, acrescentando que «estará em causa a derrogação do princípio da separação entre a pessoa colectiva e aqueles que por detrás dela actuam, ou, dito de outro modo, a eventualidade de – sem normas específicas e por exigência do sistema – o Direito, em certas situações, passar do modo colectivo ao modo singular, ignorando a presença formal duma pessoa colectiva – sublinhado nosso.
Ora, focando especificamente a natureza da responsabilidade dos sócios, a Profª Maria de Fátima Ribeiro, na sua obra intitulada “Desconsideração da personalidade jurídica e tutela de credores”, pág. 20, escreve o seguinte: «Se o sócio deixar de poder invocar, perante os credores sociais, a existência da sociedade de responsabilidade limitada, ou mesmo só os preceitos que lhe atribuem o “benefício da responsabilidade limitada”, ele responderá, necessariamente, perante esses credores, por ser essa a consequência do facto de já não “existir”, em concreto, a personalidade jurídica da sociedade em causa, ou do facto de ele já não ser, em concreto, “sócio de responsabilidade limitada”.
Para esta autora, neste quadro, releva no âmbito da qualificação da responsabilidade do sócio, que, neste caso e segundo ela, será uma responsabilidade patrimonial e não aquiliana, posição que tomamos a liberdade de acompanhar (file:///C:/Users/MJ01258/Downloads/9894-Artigo-16947-1-10-20210403.pdf).
Temos, assim, que, a proceder a pretensão da autora, os sócios serão também condenados, solidariamente com a R., no pagamento das quantias peticionadas, numa responsabilização pessoal, mas que, todavia, no nosso entender, não perde a natureza jurídica de responsabilidade contratual decorrente de incumprimento das obrigações que, pelo contrato em causa, foram assumidas pela sociedade comercial.
Em face da argumentação que fomos deixando consignada, perde oportunidade o tratamento da questão levantada pela recorrente, com vista à aplicação do princípio do lugar do dano.
Acompanhamos as palavras da Profª Anabela Gonçalves, quando afirma que «o ponto de partida para a interpretação do lugar onde ocorreu o facto danoso baseia-se no princípio de proximidade, na certeza e previsibilidade, na boa administração da justiça, na eficaz produção de prova e na organização útil do processo» - https://www.trg.pt/gallery/A%20DOS%20DELITOS%20ONLINE%20-%20Anabela%20Gon%C3%A7alves.pdf.
Todavia, como decorre de tudo quanto ficou dito, tratando-se de matéria contratual, a acção deve ser proposta perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão, o mesmo é dizer o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados.
Esta norma tem plena aplicação, ainda que se pretenda a condenação solidária dos sócios da sociedade contratante, por recurso à desconsideração da personalidade jurídica, posto que a responsabilidade destes, perante o credor, não perde a natureza de responsabilidade contratual.

III – DECISÃO

Nestes termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
Custas pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário.
*
Guimarães, 30 de Junho de 2022

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora – Raquel Rego;
1.º Adjunto - Jorge Teixeira;
2.º Adjunto - José Manuel Flores.