Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
212/22.6GBBCL.G1
Relator: CRUZ BUCHO
Descritores: NULIDADE E REJEIÇÃO DA ACUSAÇÃO
CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
PRISÃO NA HABITAÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
INTERESSE EM AGIR DO ASSISTENTE
RAIO DE AFASTAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE O RECURSO DO ARGUIDO
PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO DO ASSISTENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- A nulidade da acusação prevista na al. b) do n.º3 do art. 283.º do C. P. Penal por não ser cominada expressamente como insanável nesta disposição legal ou em qualquer outra, é uma nulidade relativa, dependente de arguição nos termos do art. 120.º do CPP.
II- Consequentemente, “se não for deduzida por algum dos interessados no prazo legalmente estabelecido, perante a autoridade judiciária competente, não pode ser conhecida enquanto tal em momento posterior, nomeadamente ao abrigo do disposto no art. 311.º, nº1 ou no art. 338.º, n.º1, ambos do CPP”.
III- O que acontece é que a falta de narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança pode ainda conduzir à rejeição da acusação como resulta do disposto no artigo 311º, nº2, alínea a) e nº3, alínea c), do Cód. de Proc. Penal.
IV- Mas nesta fase de saneamento do processo, a falta de narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena surge, não como causa de nulidade, mas como motivo de rejeição, de conhecimento oficioso.
V- Ultrapassada a fase de saneamento, aquela falta de narração de factos não pode ser conhecida ao abrigo do disposto no artigo 338.º do Cód. de Proc. Penal. Mas se aquela falta de narração de factos não pode ser conhecida ao abrigo do disposto no artigo 338.º do Cód. de Proc. Penal, ela pode (deve) ser conhecida na sentença.
VI- Embora a posição de domínio, de subjugação, dominação e prevalência ou de subordinação existencial, enquanto realidade sociológica, esteja presente na maioria dos casos, não é ela que caracteriza o crime de violência doméstica, pelo que não pode considerar-se, como elemento essencial do preenchimento do tipo legal de crime.
VII- Tendo em conta que o arguido-recorrente foi condenado na pena de prisão efetiva de dois anos e seis meses, descontado o referido período de tempo de prisão preventiva, a pena de prisão é inferior a dois anos, à data da sentença recorrida. Por isso que se verifique o condicionalismo previsto na alínea b) do n.º1 do artigo 43.º do Código Penal.
VII- A sentença recorrida padece, deste modo, da nulidade prevista no artigo 379º, alínea c) do Código de Processo Penal, a qual gera a nulidade apenas da sentença e não da audiência de julgamento.
VIII- É manifesto o interesse em agir por parte da assistente, vítima de um crime de violência doméstica, na fixação daquele raio de afastamento, para salvaguarda da sua integridade, tendo para o efeito alegado factos demonstrativos daquele interesse e não havendo o mínimo indício de que se esteja perante um mero desejo de vindicta privada.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães:

I- Relatório

No âmbito do Processo Comum Singular n.º 212/22.... da Instância Local Criminal ..., da comarca ..., por sentença de 28 de Dezembro de 2022, o arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses e “na pena acessória de proibição de contacto, por qualquer meio, com a assistente BB e de afastamento, num raio de 250 metros, da sua pessoa, sua residência e do seu local de trabalho, por um período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, a ser fiscalizado com recurso a meios técnicos do controlo à distância e independentemente do consentimento do arguido - artigos 152.º, n.ºs 2 e 4, do Código Penal, 34.º-B, n.º 1, e 36.º, n.º 7, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, e 1.º, alínea e), 4.º, n.º 1, 7.º, n.º 2 e 5, 26.º, n.º 1 a 3, 27.º, n.ºs 1 e 2, e 28.º da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro”;
O arguido demandado foi ainda condenado a pagar à demandante/assistente a quantia de “1 250,00 € (mil duzentos e cinquenta euros) a título de indemnização”.
Inconformados com esta decisão dela recorreram o arguido e a assistente.
Os recursos foram admitidos por despacho de 30-1-2023.
O arguido respondeu ao recurso da assistente, pugnando pela sua improcedência
Também a assistente respondeu ao recurso do arguido, pugnando igualmente pela sua improcedência
O Ministério Público respondeu aos recursos. Quanto ao recurso do arguido pugnou pela manutenção do julgado. Relativamente ao recurso da assistente, no que concerne ao pretendido afastamento para um raio de 1000 metros “entende que a pretensão deve ser desatendida, sem que se exclua que possa ser definido um raio de afastamento um pouco mais longo”.
Nesta Relação o Exmo PGA emitiu parecer pronunciando-se pela improcedência do recurso do arguido. No que concerne ao recurso da assistente pronunciou-se pela sua procedência na parte relativa ao raio do afastamento decretado a título de pena acessória.
Suscitou ainda a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia quanto à substituição da pena aplicada ao arguido-recorrente, pelo regime de permanência na habitação.
Cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP, após resposta do arguido onde para além do mais, veio invocar falta de interesse em agir por parte da assistente no que concerne à aplicação da pena acessória, foram colhidos os vistos legais e realizada a conferência.
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II- Fundamentação

1. A) Factos provados (transcrição)
Da acusação pública:

1) Consta do Assento de Casamento que contraíram matrimónio, em 19 de Outubro de 1985, o arguido AA e a assistente BB, o qual veio a ser dissolvido, por divórcio judicialmente decretado, em 05 de Julho de 2017.
2) Fruto desse relacionamento nasceram três filhos, designadamente CC, DD e EE.
3) Consta da descrição predial sob o n.º ...51, da Freguesia ... e da Conservatória do Registo Predial ..., que o imóvel sito na Rua ..., ..., é composto por uma casa de dois pisos, anexo e logradouro, estando registado, pela AP. ...99, de 25 de Janeiro de 2019, o direito de propriedade a favor de CC, DD e EE, e, pela AP. ...21, de 25 de Janeiro de 2019, o direito de uso e habitação a favor do arguido AA.
4) Por escritura pública, celebrada, a 21 de Janeiro de 2019, perante notário, no cartório notarial sito na Rua ..., ..., que o arguido AA declarou doar aos seus filhos CC, EE e DD, que declararam aceitar, o prédio referido em 3), o que fez por conta da sua quota disponível e com reserva de uso e habitação a seu favor.
5) O arguido deu entrada, a 22 de Setembro de 2015, no Estabelecimento Prisional ..., no qual esteve preso até ao dia 11 de Setembro de 2021, dia em que, por cumpridos 5/6 das penas que se encontrava a cumprir em virtude das condenações referidas em 33) e 37), foi colocado em liberdade condicional.
6) Em virtude da liberdade condicional a ser concedida ao arguido e da chamada da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais a informar de tal facto, bem como que aquele tinha expressado intenção em viver para a casa mencionada na alínea 3), a assistente BB decidiu sair da mesma e ir viver com a sua mãe, na habitação sita na Rua ..., em ..., ....
7) A assistente BB, as filhas DD e CC e, ainda, o companheiro desta, FF, nas circunstâncias de tempo anteriores às mencionados nas alíneas 5) e 6), residiam na Rua ..., da União de Freguesias ..., do Concelho ....
8) No dia 25 de Fevereiro de 2022, pelas 19h30, o arguido dirigiu-se à habitação sita na Rua ..., em ..., ... e referida alínea 6), tendo-se introduzido no interior da mesma, mas numa distância não superior a um metro do portão de entrada, sendo que, entretanto, a assistente GG, porque avisada da possibilidade da sua chegada, procurou ir fechar os portões de acesso ao logradouro, todavia quando chegou a este já ali se encontrava o arguido, pelo que se muniu de pau e, com medo, gritou “aque-d’el-rei!”.
9) FF, acorreu ao local, que acabou por conseguir expulsar o arguido do local.
10) Enquanto o arguido abandonava o local, dirigindo-se à ofendida disse-lhe: “és uma ladra, vou-te foder”.
11) O arguido, nas circunstâncias descritas em 7) a 10), encontrava-se sob o efeito do álcool.
12) No dia 5 de Março de 2022, o arguido deslocou-se ao bar do campo de futebol clube “...”, e, sob o efeito do álcool, dirigiu-se ao companheiro da ofendida, HH, dizendo “eu sei onde é que tu dormes, tu dormes lá em cima e um dia vou lá cima e mato-vos aos dois”, tendo este, mais tarde, contado tal episódio à assistente BB.
13) No dia 29 de Março de 2022, pelas cerca das 03h50, o arguido encontrava-se agarrado às grades do muro da entrada da residência, estando a erguer e a tirar telhas do coberto e, tendo a assistente BB o avistado, de imediato, chamou o seu companheiro, vindo, posteriormente, aquela a sair do interior da sua casa e ido ter com o arguido, munindo-se com um pau, que levou na mão.
14) Na sequência do referido em 13), a assistente BB abordou o arguido, saindo do logradouro para a via pública e, mantendo o pau com que se muniu erguido, encontrou-se com aquele na via pública, na zona junto ao mencionado coberto.
15) Após ter questionado aquele sobre o que andava ali a fazer, o arguido respondeu “ando a passear”, ao que a assistente, após, acabou por regressar à sua casa e, enquanto o fazia, o arguido apelidou-a de “Puta! Puta! Puta!”.
16) A assistente BB sente receio porque não sabe qual o motivo que leva o arguido a deslocar-se àquele local de madrugada.
17) A 11 de Abril de 2022 foi aplicada medida de coacção de prisão preventiva ao arguido AA, tendo nesse dia dado entrada no Estabelecimento Prisional ....
18) Ao actuar pelo modo descrito, teve o arguido o propósito de humilhar, amedrontar e infligir sofrimento psíquico à ofendida, o que esta sentiu, tendo vivido em sobressalto por força da conduta daquele.
19) o arguido, através da insistência e reiteração de tais situações, agiu sempre de modo a causar receio de si na ofendida, pretendendo perturbar-lhe a sua vida e não lhe permitir paz e tranquilidade.
20) O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram previstas e punidas pela lei penal.

Do pedido de indemnização civil de BB:

21) Em virtude da actuação do arguido e referida nas alíneas 8) a 20), a assistente BB sentiu, além do mencionado em na alínea 18), medo, inquietação, nervosismo e tristeza.

Situação socioeconómica do arguido:
22) O arguido completou o 4.º ano de escolaridade e iniciou-se profissionalmente como servente de construção civil, chegando a emigrar para a ....
23) Dedica-se à prática de agricultura de subsistência e presta serviços (jornal), nesta área, a vizinhos.
24) O arguido passa um tempo indeterminado, mas que consubstancia a sua grande parte, dos seus tempos livres em cafés e tascas da freguesia, mormente no “...”, no qual ingere bebidas alcoólicas até ficar no estado de embriagado, o que lhe provoca alterações de humor e controlo.
25) Em virtude da problemática alcoólica e comportamentos associados, o arguido AA sujeitou-se a processos de desintoxicação e consequentes tratamentos, respectivamente na Casa de Saúde ..., no serviço de psiquiatria do Hospital ..., e, em 2014, na Comunidade Terapêutica - Projecto Homem, onde cumpriu um programa terapêutico pelo tempo mínimo de seis meses, concluído a 17 de Março de 2015, tendo recusado prossegui-lo por mais tempo, conforme lhe foi aconselhado pelos terapeutas.
26) Em virtude do referido nas alíneas 24), 25) e 33) a 39), a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens interveio junto de AA e BB, vindo a filha (à data menor de idade) DD ser retirada de casa e institucionalizada, temporariamente, em ..., até que, no âmbito de um Processo de Promoção e Proteção, que correu termos no Tribunal de Família e Menores ..., foi aquela entregue provisoriamente à irmã CC, empregada comercial, sob a condição de ambas passarem a residir de forma autónoma, ficando o arguido impedido de contactar com aquela.
27) Em liberdade condicional, AA reintegrou a casa de morada de família referida em 3), onde residiu com as duas filhas CC e DD e o companheiro daquela, FF.
28) O filho EE, emigrante em ..., quando soube da concessão da liberdade condicionado do arguido, veio por um período de férias a Portugal, por sentir receio de que o pai se envolvesse em conflitos com as irmãs CC e DD.
29) No decurso desse período, o relacionamento interpessoal agudizou-se entre ambos, o que deu origem a duas queixas-crime na GNR, uma do filho EE contra o arguido AA e vice-versa.
30) Na sequência do referido, AA abandonou a casa e passou a pernoitar numa casa inacabada próxima da dele, sem condições de habitabilidade, propriedade de um irmão, não obstante, ter de recorrer à casa morada de família, para realizar tarefas de higienização da roupa. Em meados de Novembro de 2021, CC, DD e FF saíram da casa mencionada em 3), indo residir em habitação sita na freguesia ..., ....
31) O arguido apresenta um discurso de vitimização e atribuição de responsabilidades aos familiares pela sua condenação pelos crimes em que foi condenado e mencionados nas alíneas 33) a 39).
32) A subsistência do arguido AA é suportada na prestação pecuniária do rendimento social de inserção, no valor mensal de cerca de 185,00 € (cento e oitenta e cinco euros), nas refeições que beneficia do Centro Social local e, quando necessário, em dinheiro emprestado que solicita a terceiros, mantendo, actualmente, em dívida cerca de 400,00 € (quatrocentos euros).

Antecedentes criminais:
33) Por sentença proferida a 17 de Dezembro de 2013 e transitada em julgada 16 de Janeiro de 2014, no âmbito do Proc. n.º 1033/13...., que correu termos no ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial ..., o arguido AA foi condenado pela prática, em Julho de 2013 e na pessoa de BB, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelos artigos 152.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Código Penal, e pela prática, a 23 de Julho de 2013 e na pessoa de DD, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, do Código Penal, respectivamente, na pena de 2 a nos e oito meses de prisão, suspensa por igual período e com regime de prova e condição de ser acompanhada pela DGRS e frequentar o programa de tratamento ao alcoolismo a instituição de saúde adequada, com acompanhamento e a orientação deste instituto, e na pena de multa de 130 (cento e trinta) dias à diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz um total de 650,00 € (seiscentos e cinquenta euros).
34) Por decisão proferida a 22 de Dezembro de 2015 e transitada em julgado a 29 de Janeiro de 2016, no âmbito do Proc. n.º 1033/13...., que correu termos no Juízo Local Criminal ... - J..., do Tribunal Judicial da comarca ..., foi a pena de suspensão aplicada ao arguido AA e referida na alínea 33) revogada, tendo sido determinado o cumprido da pena de prisão efectiva.
35) Por Acórdão proferido a 23 de Junho de 2015 e transitado em julgado a 05 de Outubro de 2015, no âmbito do Proc. n.º 484/14...., que correu termos no Juízo Central Criminal ... - J..., do Tribunal Judicial da comarca ..., o arguido AA foi condenado pela prática, a 25 de Maio de 2014 e na pessoa de BB, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelos artigos 152.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Código Penal, e, a 25 de Maio de 2014 e na pessoa de DD, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, do Código Penal, respectivamente, nas penas de 3 anos de prisão efectiva e que 150 (cento e trinta) dias de multa à taxa diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz um total de 750,00 € (seiscentos e cinquenta euros).
36) Por sentença proferida a 01 de Março de 2016 e transitada em julgado a 11 de Abril de 2016, no âmbito do Proc. n.º 845/15...., que correu termos no Juízo Local Criminal ... - J..., do Tribunal Judicial da comarca ..., o arguido AA foi condenado pela prática, a 08 de Agosto de 2015 e na pessoa de BB, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelos artigos 152.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão efectiva e na pena acessória de contacto com a vítima, pelo período de 5 anos.
37) Por acórdão proferido a 15 de Setembro de 2016 e transitado em julgado a 14 de Outubro de 2016, proferido no âmbito do cúmulo jurídico efectuado no Proc. n.º 845/15.... pelas penas aplicadas no mesmo e no âmbito do processo referido em 35), que correu termos no Juízo Central Criminal ... - J..., do Tribunal Judicial da comarca ..., o arguido AA foi condenado na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva, na pena de multa de 150 dias de multa à taxa diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz o total de 750,00 € (setecentos e cinquenta euros) na pena acessória de contacto com a vítima, pelo período de 5 anos.
38) Por sentença proferida a 01 de Setembro de 2021, no âmbito do Proc. n.º 1134/15...., que correu termos no Juízo de Execução de Penas ... - J..., do Tribunal de Execução de Penas ..., foi concedida a liberdade condicional ao arguido AA, pelos 5/6 das penas em execução, a partir de 11 de Setembro de 2021 e até ao termo das penas, previsto para 22 de Novembro 2022, no âmbito dos autos referidos em 33) e 37).
39) Por decisão proferida a 18 de Setembro de 2019 e transitada em julgado a 18 de Outubro de 2019, no âmbito do Proc. n.º 845/15.... (cúmulo jurídico), que correu termos no ... - J..., do Tribunal Judicial da comarca ..., foi a pena de multa aplicada ao arguido AA e mencionada em 37), convertida em 100 de prisão subsidiária e suspensa por 1 ano, condicionada à condição de o arguido se sujeitar a tratamento médico à dependência ou outra patologia aditiva de que padeça, cuja extinção foi inscrita em virtude de decisão proferida a 04 de Julho de 2022.
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B) Factos não provados (transcrição)

Da acusação pública:
a) Que a assistente BB saiu da habitação mencionada em 3) por sentir receio do arguido AA.
b) Em dia não concretamente apurado do mês de Novembro de 2021, o arguido AA dirigiu-se ao “...”, sito em ..., ..., local em que a filha DD trabalha, e disse-lhe “quando encontrar a mãe vou a matar”.

c) No coberto referido nas alíneas 13) e 14) existe gasolina.
d) O arguido AA, nas circunstâncias referidas em 13) a 16) disse-lhe “olha que eu tenho aqui uma pistola, puta”.
e) O arguido AA, no seguimento do referido em 24) diz a várias pessoas que encontra nos cafés e tascos que vai matar a assistente.

Da acusação particular:
f) No dia 11 de Setembro de 2021, o arguido AA, na habitação referida em 3), dirigiu-se à assistente DD e disse-lhe, de viva voz e em condições de ser ouvido por quem se encontrasse no local e nas mediações, o seguinte: “Burra, és igual a tua mãe”, “Tu não és minha filha” e “mal-educada”.
g) Que por várias vezes, desde aquela data até então, o arguido AA dirigiu-se à assistente DD e disse, de viva voz e em condições de ser ouvido por quem se encontrasse no local e nas mediações, “Sois igual a vossa mãe, umas putas”.
h) No dia 09 de Outubro 2021, pelas 16h00, o arguido AA, na habitação referida em 3), disse à assistente DD o seguinte: “sois uns filhos da puta, uns malandros que cá vivem”, “tendes que sair daqui, seus malcriados” e “Eu é que mando aqui”, “sua filha da puta”, “malandra”, “a tua mãe é uma puta, tu não és minha filha”, “um dia vais bater com a cabeça numa lápide”.
i) Que desde o dia .../.../2021 até a presente data, o arguido AA tem propalado pela vizinhança e pela freguesia que a assistente não é sua filha “porque a mãe é uma puta”.
j) O arguido AA ao agiu nos termos referidos nas alíneas 0 a i), agiu de modo deliberado, livre e esclarecido, bem sabendo que as expressões que, sabendo serem falsas, dirigiu à assistente e a terceiros eram aptas a ofendê-la na sua honra e consideração.
k) BB, CC e DD recusavam-se entregar ao arguido AA o imóvel referido na alínea 3) dos factos dados comprovados.
l) Por tudo isto, a ofendida vive em constante sobressalto, com receio do que o arguido possa fazer, evitando sair de casa, uma vez que este, sem qualquer motivo, ronda a sua residência.
m) Assim, mesmo evitando sair, quando o seu companheiro não está em casa, a ofendida sente medo por estar só com a mãe, de quem cuida.

Do pedido de indemnização civil de DD:
n) Em virtude da actuação do arguido referida nas alíneas 8) a 20) dos factos provados, a assistente BB evita sair de casa, vive em terror permanente, passou muitas noites sem dormir.
o) A assistente BB era pessoa saudável, bem humorada e alegre, tendo, em virtude da actuação do arguido referida nas alíneas 8) a 20) dos factos provados a ser pessoal crispada e carrancuda, com enorme dificuldade no relacionamento social.

Do pedido de indemnização civil de BB:

p) A assistente DD em virtude da actuação do arguido referida nas alíneas f) a m) dos factos não provados sentiu tristeza, desgosto, vergonha, humilhação, desânimo e ansiedade.
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C) Motivação (transcrição)

A convicção do Tribunal sobre a decisão de facto alicerçou-se na análise crítica e ponderada, segundo as regras da lógica e da experiência comum, no auto de notícia junta fls. 5 a 7 e a 123 a 126, e seu aditamento, junto a fls. 210 a 211v, na ficha de sinalização de menor de idade, junta fls. 19 a 21 e a 137 a 140, no assento de nascimento de BB, junta a fls. 23 a 23v, no assento de nascimento de AA, junta a fls. 31 a 31v, na informação da PSP (Núcleo de Armas e Explosivos), junta a fls. 45 a 45v, na certidão judicial do Proc. n.º 1134/15...., emitida pelo Juízo de Execução de Penas ... - J..., do Tribunal de Execução de Penas ..., junta a fls. 84 a 87v, na certidão judicial do Proc. n.º 1033/13...., emitida pelo Juízo Local Criminal ... - J..., do Tribunal Judicial da comarca ..., junta a fls. 88 a 94v, na certidão judicial do Proc. n.º 845/15...., Juízo Central Criminal ... - J..., do Tribunal Judicial da comarca ..., junta a fls. 97 a 119, na informação da GNR, de fls. 167, na certidão judicial do Proc. n.º 484/14...., Juízo Central Criminal ... - J..., do Tribunal Judicial da comarca ..., junta a fls. 200 a 207, auto de 1.º ... realizado no âmbito dos presentes autos, junto a fls. 295 a 308, na ficha biográfica da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, junta a fls. 350 a 353v, na escritura pública de doação, junta a fls. 599 a 600v, na descrição predial n.º ...51 da Freguesia ..., da Conservatória do Registo Predial ..., junta  fls. 601 a 602, na certidão do registo criminal do arguido AA, junto a fls. 604v a 611v e Relatório Social, junto a fls. 612v a 614v, no assento de nascimento de DD, junto a fls. 22 a 22v (apenso A), nas declarações do arguido AA, nas declarações para memória futura da assistente BB, prestadas a 17 de Maio de 2022, e nos depoimentos das testemunhas FF, CC e HH.
Dito isto, o facto dado como assente na alínea 1), além de confirmado pelo arguido, resulta dos assentos de nascimento de BB, junta a fls. 23 a 23v, e de AA, junta a fls. 31 a 31v.
O narrado na alínea 2) dos factos provados foram confirmados, espontaneamente e com naturalidade, pelo arguido e pelas testemunhas FF, CC e HH, sendo que tal também resulta do teor, ainda, do Relatório Social, junto a fls. 612v a 614v e do assento de nascimento de DD, junto a fls. 22 a 22v (apenso A).
Já o mencionado nas alíneas 3) e 4) dos factos provados resulta do conteúdo da descrição predial n.º ...51, da Freguesia ..., da Conservatória do Registo Predial ... e da escritura publica respectiva, sendo certo que o arguido, embora sem noção concreta dos negócios celebrados (o que é expectável, sabendo apenas dizer que apesar de ter doado, tinha ficado com o direito a morar no imóvel em questão), sendo que neste sentido as testemunhas FF e CC também demonstraram, similarmente, ter noção de tal direito do arguido, uma vez que tinham conhecimento do negócio em questão (especialmente a última, que nele foi interveniente).
O referido 5) resulta da conjugação do teor das várias certidões judiciais (com enfoque para a do Proc. n.º 1134/15...., emitida pelo Juízo de Execução de Penas ... - J..., do Tribunal de Execução de Penas ...), da ficha biográfica da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais do arguido, junta a fls. 350 a 353v, e do Relatório Social, junto a fls. 612v a 614v, sendo certo que quer o arguido, quer a testemunha CC, confirmaram, de forma espontânea e similar, o ali dito, embora de forma não precisa (no que tange às circunstâncias de tempo, apenas conseguiram balizar a data de saída em liberdade condicional).
No que tange aos factos descritos nas alíneas 6) e 7), estes resultam das declarações do arguido e da assistente BB e dos depoimentos das testemunhas FF e CC, tendo as mesmas apoio no teor da certidão judicia do Proc. n.º 1134/15...., emitida pelo Juízo de Execução de Penas ... - J..., do Tribunal de Execução de Penas ..., junta a fls. 350 a 353v.
Assim, o primeiro arguido disse, de forma espontânea e objectiva, que, aquando a sua saída da prisão, era sua intenção regressar à sua casa, pois tinha direito a ali viver.
Por outro lado, a assistente BB referiu que, quando foi informada, conversou com as suas filhas, mormente a CC, e combinaram que esta iria albergar o seu pai, por forma a tentar ver se conseguiam com ele conviver. Também combinaram que a assistente BB iria residir com a sua mãe, na Rua ..., em ..., ..., o que aconteceu antes daquele sair da prisão.
Já a testemunha FF, de forma espontânea, referiu que morava na casa sita na Rua ..., ..., para onde o arguido voltou, e a sua companheira (a filha do arguido CC) havia recebido uma chamada da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e, em virtude disso, decidiram que a assistente BB iria residir com a sua mãe, o que aconteceu antes daquele sair, sequer, da prisão.
Similarmente, a testemunha CC, de forma objectiva e clara, referiu que havia recebido uma chamada da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, a informar da liberdade condicional do arguido e que este tinha pretensão de regressar àquela casa, tendo, em virtude disso, organizado a saída da sua mãe BB para a casa da mãe desta, o que se concretizou por completo, precisamente, no dia anterior ao da concessão da liberdade condicional do arguido.
No que tange aos factos provados e descritos nas alíneas 8) a 11) os mesmos assim resultaram da conjunção das declarações do arguido, da assistente BB, e dos depoimentos das testemunhas FF, CC e HH e, ainda, o auto de notícia junta fls. 5 a 7 e a 123 a 126.
Assim, o arguido, nas suas declarações, afirmou que efectivamente, naquele dia, se dirigiu à casa onde a assistente estava a residir, mas que apenas teve como intenção ir buscar bens que afirmou aquela ter, ilegitimamente, se apropriado e levado consigo (designadamente instrumentos agrícolas), mas que nada entre si e ela se passou, sendo certo que disse que, eventualmente, apareceu o seu genro (note-se que assim o tratava, embora o mesmo não fosse casado com a sua filha), que acabou por lhe torcer o braço e dali retirar.
Ora, apesar de tais declarações não terem merecido credibilidade quanto ao que realmente ali se passou e qual a real intenção do arguido, a verdade é as mesmas confirmam (em parte, naturalmente) aquilo que os demais intervenientes processuais referiram quanto ao evento.
Assim, a assistente BB mencionou, espontaneamente, que aquele dia, cerca das 19h30 (à noitinha), tinha os portões abertos e que, após ter sido avisada pelo seu companheiro HH de que era possível que o arguido para ali se dirigisse, a mesma foi fechá-los. Todavia quando chegou a logradouro já o arguido ali se encontrava, tendo começado a pedir ajuda, gritando “aque-d’el-rei”, o que chamou atenção dos vizinhos, que ali se deslocaram, sendo certo que, posteriormente, chegou o seu “genro” FF, que acabou por o dali expulsar.
Ainda disse que quando se encontrava o arguido a ser encaminhado para fora da propriedade e a mesma já se dirigia (“eu fugi”) para interior da sua casa, aquele ainda lhe disse “Eu vou-te foder!”.
Por seu lado, a testemunha FF confirmou, de forma espontânea, objectiva e calma, que, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, HH lhe havia telefonado a dar conta de que tinha avistado o arguido a percorrer o caminho que dá acesso quer à casa daquele, quer à casa da assistente BB, alertando para ter cuidado. Mais referiu que, em virtude disso, decidiu ir ter à casa da assistente BB, sendo que quando lá chegou deparou-se com o mesmo já no interior do logradouro, a cerca de um metro do portão de entrada, e frente a frente com aquela.
Mais relatou, ainda, que esta estava completamente transtornada e apavorada, gritando por ajuda, que tinha um pau na mão. Ainda disse que o arguido proferiu as palavras “ladra, vou-te foder”. Esclareceu que o arguido apresentava sinais claros de estar alcoolizado, quer porquanto cambaleava, quer porquanto o mesmo até havia vociferado outras expressões e frases, mas que as mesmas lhe foram imperceptíveis, devido ao arrastar da fala.
Disse que em virtude do que estava a acontecer, decidiu colocar-se entre os dois, por forma a garantir que nada mais sucedia, tendo, eventualmente, conseguido levar o arguido para fora da propriedade.
No que tange à testemunha HH, esta referiu que após ter saído a casa da mãe assistente para a sua casa, em ... (concelho ...), cruzou-se com arguido e, percebendo a direcção que este rumava, avisou a testemunha FF para tal facto. Esclareceu, ainda, que quando chegou a casa telefonou para assistente a qual lhe contou que, efectivamente, o arguido se havia para ali dirigido.
O circunstancialismo de tempo e lugar teve, ainda, por base o auto de notícia junta fls. 5 a 7 e a 123 a 126.
No que tange ao facto provado e descrito na alínea 12), este funda-se nas declarações do arguido, da assistente BB e no depoimento da testemunha HH. Posto isto, o arguido referiu que, efectivamente, naquele dia e hora se encontrava no campo de futebol, tendo, todavia, se limitado a dizer que nada se passou.
Por seu turno, a testemunha HH, de forma espontânea a sincera, referiu que se encontrava a jogar às cartas quando aquele, ao passar pelas suas costas, nelas lhe desferiu um “punho fechado”, situação que foi apaziguada por quem ali se encontrava, sendo certo que o arguido ainda o intimou nos termos dados como provados, o que a testemunha veio, mais tarde, a transmitiu à assistente, que disso também deu conta nas suas declarações.
Os factos vertidos nas alíneas 13) a 16) foram dados como provados tendo por base as declarações da assistente BB e da testemunha HH, bem como o aditamento ao auto de notícia, junto a fls. 210 a 211v.
Destarte, a assistente BB disse que, no dia 05 de Abril de 2022, o arguido, pelas 03h50, ou seja, de madrugada, apareceu junto à habitação onde estava a residir, sendo que disse se apercebeu disso porque se encontrava a ir para o quarto da sua mãe, ver como a mesma estava, porquanto esta havia regressado naqueles dias do hospital.
Que em virtude disso, apercebeu-se que aquele se encontrava agarrado à grade do muro e a tirar telhas de um barraco que tem na parte da frente da casa. Por via disso, acabou por sair do interior de casa e, munindo-se de um pau, dirigiu-se a ele, perguntando-lhe “Tu o que estás aí a fazer?”, tendo o mesmo respondido “Ando a caminhar”. Esclareceu que, eventualmente, seu companheiro lhe disse para regressar a casa, o que ela fez, sendo que nesse momento o arguido a apelidou de “Puta! Puta! Puta!”.
Estes factos foram confirmados pela testemunha HH, que, de forma natural e objectiva, referiu que, em dia que não soube especificar, mas que era um sábado, pelas 04h00, a assistente o acordou dizendo-lhe que estava ali o arguido, o que ele viu. Que, entretanto, aquela havia saído de casa, sendo que ele apenas saiu da casa após se vestir, tendo chamado pela assistente, se encontrava na via pública com o arguido, munida de um pau. Mais esclareceu que lhe pediu para regressar habitação, ao que aquela acedeu, sendo que esta ainda lhe contou que enquanto regressava o arguido lhe havia apelidado de “Puta! Puta! Puta!”.
O aditamento ao auto de notícia, junto a fls. 210 a 211v, estabelece com maior segurança o circunstancialismo de tempo do evento relatado.
Cabe ainda dizer toda a factualidade supra referida teve, também, por base o conteúdo das certidões judiciais já mencionada, e as quais, embora e naturalmente, não digam respeito (com a excepção da relativa ao processo de execução de penas) aos factos dos presentes autos, consubstanciam elementos probatórios que traduzem uma tendência comportamental do arguido e que contribuem (não sendo, obviamente, o factor decisivo, ficando esse à forma como as mesmas depuseram, tal como percepcionado pelo Tribunal, bem como a sua apreciação critica aliada aos outros elementos probatórios constantes dos autos e às regras da lógica e da experiência comum) para a credibilização das declarações da assistente BB e dos depoimentos testemunhas.
O facto vertido na 17) resulta do auto 1.º Interrogatório Judicial do Arguido realizado no âmbito dos presentes autos, junto a fls. 295 a 308, e do Relatório Social, junto a fls. 612v a 614v.
No que tange ao vertido nas alíneas 18) a 20), tais factos retractam o conhecimento, intenção e consciência da ilicitude da factualidade relatada, a qual resulta destes elementos materiais do recorte histórico apurado que, entre si harmonizados e correlacionados, os exteriorizam.[[1]] Quer-se com isto dizer que a factualidade em mote se deu como provada porquanto a mesma se extrai da restante dada como provada, bem como da motivação que se tem vindo a expor, donde se conclui que o arguido, efectivamente, quis praticar os factos que lhe foram imputados (porquanto teve esse desígnio), que representou a factualidade imputada e quis agir de acordo com a mesma, sabendo o estando em que colocava a assistente e o mal (psicológico) que lhe provocava, o que resulta patente de um comportamento que o mesmo adopta sempre que não se encontra preso, incluindo-se, por isso, o período que ora importa, ou seja, a constante dos factos dados como provados.
A factualidade descrita na alínea 21) resulta das declarações da assistente BB e do depoimento das testemunhas FF, CC e HH, bem como da própria lógica e experiência comum, designadamente que é certo (e expectável) que os aos visados pelos comportamentos do arguido se sintam nos termos dados como provados.
Assim, aquando as suas declarações, a assistente BB sempre deu conta de um estado medo e temor sentido pelas atitudes do arguido (sendo certo que o Tribunal não deixou de perceber que estes surgem, todavia e naturalmente, exaltados pelos do passado, que estão presentes na relação entre aqueles).
Por outro lado, do depoimento, espontâneo e sincero, da testemunha FF ficou claro medo sentido pela assistente BB aquando evento ocorrido nas alíneas 8) a 11) dos factos provados, que afirmou que nunca a tinha visto assim.
Ainda, a testemunha CC referiu, similarmente e de forma objectiva, que a sua mãe sente medo, embora já relativize os impropérios.
Já testemunha HH referiu que a assistente BB andava abalada, receosa e nervosa com todo o sucedido, sendo que, actualmente, já está melhor.
Os factos constantes nas alíneas 22) a 32), dizem respeito à situação socioeconómica do arguido, foram considerados provados porquanto todos resultam do Relatório Social, junto a fls. 612v a 614v. Todavia, note-se, que parte deles também acabaram por resultar confirmados pelas declarações do arguido e da assistente BB e nos depoimentos testemunhas FF, CC e HH, em que acabaram por dar conta que aquele reside, actualmente, sozinho e trabalha na agricultura, prestando serviços a terceiros. Com excepção do arguido, também deram conta de que o mesmo continua com os seus hábitos etílicos e continua a frequentar cafés e tascas.
Uma menção para o referido na alínea 31) dos factos provados cabe fazer, no sentido de que tal aspecto resulta não só do Relatório Social, junto a fls. 612v a 614v, como das declarações do arguido, nas quais este disse que tudo o que estava em causa (referindo-se ao presente e ao passado) não mais era do que um conluio, entre os seus familiares, para o prejudicarem, pois ele nunca praticou quaisquer dos factos em causa.
No que aos antecedentes criminais, vertido nas alíneas 33) a 39) dos factos provados, os mesmos resultam das certidões judiciais extraídas do Proc. n.º 1134/15...., emitida pelo Juízo de Execução de Penas ... - J..., do Tribunal de Execução de Penas ..., junta a fls. 84 a 87v, do Proc. n.º 1033/13...., emitida pelo Juízo Local Criminal ... - J..., do Tribunal Judicial da comarca ..., junta a fls. 88 a 94v, do Proc. n.º 845/15...., Juízo Central Criminal ... - J..., do Tribunal Judicial da comarca ..., junta a fls. 97 a 119, do Proc. n.º 484/14...., Juízo Central Criminal ... - J..., do Tribunal Judicial da comarca ..., junta a fls. 200 a 207, e da certidão do registo criminal do arguido AA, junto a fls. 604v a 611v.
Note-se, ainda, que é do teor das certidões que é possível perceber que a vítima dos crimes de violência doméstica em que o arguido foi condenado é a aqui assistente BB. Já no que tange aos crimes de ofensa à integridade física em que aquele foi condenado, aí verifica-se que os mesmos foram perpetrados na pessoa da sua filha DD.
***

Relativamente aos factos dados como não provados, os mesmos foram assim considerados porquanto sobre eles não se ter produzido prova cabal que lograsse convencer o Tribunal da sua verificação ou, por outro lado, se ter deslindado que a factualidade não ocorreu naqueles exactos termos.
Assim, no que tange à factualidade não provada nas alíneas a), a mesma assim resulta em virtude do vertido nas alíneas 3) e 4) dos factos provados (e respectiva motivação) conjugadamente com o dito pela assistente BB e pelas testemunhas FF e CC. Daqui ficou claro que a primeira acabou por ir morar para a casa da sua mãe não por medo do arguido, porque assim o combinou com a sua filha, que pretendia ajudar o seu pai no sentido de o reintegrar na família e comunidade.
No que tange ao descrito alíneas c) e d), esta factualidade resulta não provada, porquanto a prova produzida relativamente a tais eventos a ela não se reportou. De facto, percebeu-se das declarações da assistente BB que, naquela noite, o arguido apenas a apelidou de “puta” várias vezes e que a mesma tem é medo que ele, eventualmente, venha a incendiar o coberto (embora não hajam factos concretos apurados, nos presentes autos, que permitam sequer elaborar tal juízo de prognose), sendo certo que, expressamente, referiu que ali não há gasolina.
Os factos não provados vertidos nas alíneas b) e e) resultam de não ter sido realizada prova quanto a tais aspectos, donde resulta da sua própria alagação (e se percebeu das demais testemunhas) que seria a assistente DD, filha do arguido, quem presenciou tal factos, sendo que esta, legitimamente, recusou‑se a prestar depoimento - artigo 134.º, n.º 1, alínea a), e 145.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Similarmente, tal aconteceu com a factualidade não provada e descrita nas alíneas f) a m) e p) dos factos não provados, sendo certo que mais nenhuma das testemunhas, quando questionadas, foram capazes de cabalmente sobre ela depor.
No que tange aos factos referidos nas alíneas n) e o) dos factos não provados, a especificidade destes exigia uma prova que não foi produzida (nem indirectamente resultou os elementos probatórios carreados para os autos).

No que tange à versão do arguido, que este trouxe e expôs aquando as suas declarações, que, basicamente, se prestam por negar os acontecimentos (apenas tendo assumido que 25 de Fevereiro de 2022 se deslocou à casa da assistente BB), o que, face ao que até então se disse, não mereceu credibilidade, sendo certo que a mesma se encontrava desamparada de elementos de prova que a suportassem.
Um apontamento final para fazer referência que apesar de na acusação pública ser feita referência como elemento probatório o dito pelo arguido no seu 1.º interrogatório judicial, verifica-se que o mesmo, questionado, disse não pretender responder à factualidade que, então, lhe era imputada.

*
2. Conforme é sabido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (artigos 402º, 403º, 412º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal e, v.g., Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ n.º 458, pág. 98).

Nestes recursos, são as seguintes as questões a apreciar:

A) Recurso do arguido
· Nulidade da acusação;
· Enquadramento jurídico-criminal: inexistência dos elementos constitutivos do crime de violência doméstica.
· Medida da pena
· Suspensão da execução da pena

B) Recurso da assistente

· Raio de afastamento;
· Quantum indemnizatório.
Importa ainda apreciar da nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia quanto à substituição da pena aplicada ao arguido-recorrente, pelo regime de permanência na habitação, suscitada pelo Exmo PGA no seu parecer e da alegada falta de interesse em agir por parte da assistente no que concerne à aplicação da pena acessória, invocada pelo recorrente arguido na resposta ao parecer do Ministério Público junto desta Relação.
*
A) Recurso do arguido
3. Nulidade da acusação

§1. Depois de salientar que de acordo com o facto provado n.º 18 a actuação do arguido teve o propósito de humilhar, amedrontar e infligir sofrimento psíquico o recorrente sustente que:
«(…) não consta da acusação pública a descrição do facto de que o arguido infligiu maus tratos psíquicos à assistente, sendo assim a acusação nula, nos termos do artigo 283º n.º 3 al. b) do C.P.P., bem como entendemos que a acusação é manifestamente infundada.
Assim, não estão preenchidos todos os elementos do tipo de ilícito criminal e os elementos em falta não poderão vir a ser aditados em julgamento, e perante a ausência deste facto, os factos descritos na acusação não configuram crime de violência doméstica.
 Pelo que, estamos na presença de uma acusação manifestamente infundada, ao abrigo do artigo 311º n.º 2, al. a) e n.º 3, al. d) do C.P.P. e o arguido devia ter sido absolvido nos presentes autos do crime que lhe era imputado, e a mesma devia ter ser sido rejeitada e os presentes autos arquivados».
Vejamos
§2. É por demais conhecida a importância de que a acusação se reveste pelas repercussões que tem para o desenrolar do processo, “cujo objecto define e fixa, delimitando os poderes de cognição do tribunal (efeito correntemente designado como vinculação temática do tribunal, que implica a inalterabilidade, fora dos limites apertados das disposições dos arts. 358º e 359º, do objecto do processo), e as inerentes implicações com as garantias de defesa do arguido – uma das quais é, irrecusavelmente, a de lhe ser possibilitado o conhecimento antecipado, em toda a sua extensão, dos factos que lhe são imputados e da respectiva incriminação, de forma a poder organizar de forma adequada a sua defesa e exercer o direito do contraditório - pressupostas pelo processo equitativo e que o processo criminal tem de assegurar” (cfr. nº 1 do art. 32º da C.R.P.)”(Ac. da Rel. do Porto de 8-9-2010, proc.º n.º 626/08.4TAPVZ.P1 Maria Leonor Esteves),
Por isso que, conforme a doutrina há muito sublinha, a dedução da acusação deva revestir –se do maior cuidado, até porque uma acusação mal deduzida pode comprometer irremediavelmente o tratamento que o direito substantivo comina para um determinado comportamento (Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 15ªed., Coimbra, 2005, pág. 570-571). 
Na verdade, o legislador submeteu a dedução da acusação a requisitos muito precisos e rigorosos.

Assim, de acordo com o n.º 3 do artigo 283.º do CPP:

“A acusação contém, sob pena de nulidade:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;

c) A indicação das disposições legais aplicáveis;
d) O rol com o máximo de 20 testemunhas, com a respectiva identificação, discriminando-se as que só devam depor sobre os aspectos referidos no n.º 2 do artigo 128.º, as quais não podem exceder o número de cinco;
e) A indicação dos peritos e consultores técnicos a serem ouvidos em julgamento, com a respectiva identificação;
f) A indicação de outras provas a produzir ou a requerer;
g) A data e assinatura».

A sanção para a acusação que omita “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança”, é, pois, a nulidade. 

A nossa lei processual penal estabelece um regime taxativo das nulidades – artigos 118.º, n.º 1, 119.º, n.º 1, e 120.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal.

Como refere o Prof. Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, 2.ª edição, vol. II, págs. 74 e 75, “Se para que o acto possa ser declarado nulo é necessário que a lei expressamente comine a nulidade, também para que a nulidade seja considerada insanável importa que a lei expressamente o preveja.”
Se a lei cominar simplesmente a nulidade, trata-se de nulidade sanável, dependente de arguição.
No caso em apreço não estamos perante uma nulidade insanável visto que não está cominada como tal nem faz parte das tipificadas no artigo 119º.
Pode, pois, concluir-se que a nulidade prevista na al. b) do n.º3 do art. 283.º do C. P. Penal por não ser cominada expressamente como insanável nesta disposição legal ou em  qualquer outra, é uma nulidade relativa, dependente de arguição nos termos do art. 120.º do CPP.
No que respeita ao prazo de arguição, uma vez que a situação em apreço não se enquadra em nenhuma das situações previstas no n.º 3 do art. 120.º, teria de ser efectuada no prazo geral supletivo de 10 dias, previsto no art. 105.º do CPP.
No sentido de que se trata de nulidade sanável dependente de arguição cfr v.g., Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 15ªed., cit, pág. 572, Leal-Henriques e Simas Santos, Código de Processo Penal Anotado, 2.ª edição, vol. II, pág. 139 Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Código de Processo Penal dos, Coimbra, 2009, pág. 716,  o Ac. do STJ de 7-12-1994, BMJ n.º 442, pág. 76 e os Acs da Rel. do Porto de 14-12-2005, proc. n.º 0315033 , rel. Augusto Carvalho, de 6-12-2006, proc. n. 0644697, rel. Pinto Monteiro, de 11-11-2015, proc.º n.º 245/12.0GBBAO.P1, rel. Ana Bacelar, de  23-5-2012, proc.º n.º 132/06.1IDPRT.P1, rel. Airisa Caldinho e de 26-10-2016, proc.º n.º 48/13.5MAMTS-C.P1 rel.  Manuel Soares e da Rel. de Évora de 10-10-2006, proc.º n.º 996/06-1, rel. João Gomes de Sousa.
Mas a apreciação da questão suscitada pelo recorrente implica outro tipo de considerações.
O Prof. Germano Marques da Silva ("Curso de Processo Penal",vol. III, 2ª ed., 2000, pág. 207-208)  ao criticar o n.º 3 do art. 311.º do CPP aditado pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, cuja única utilidade seria “afastar a exigência de indícios suficientes de se ter verificado crime exigidos pelo n.º1 do art. 283.º como pressuposto da acusação pública” assinala que “Ao recuperar as causas de nulidade da acusação para as incluir no conceito de manifestamente infundada, o legislador veio criar novas dificuldades de interpretação”.
Assim, a propósito da alínea a) do n.º 3 do citado artigo 311º, o mesmo Prof. refere: “O artigo 311.º parece ter querido transformar a nulidade sanável do artigo 283.º, n.º 3 al. a) em nulidade de conhecimento oficioso”
A respeito da alínea b) do n.º 3 do mesmo artigo 311.º [“Quando não contenha a narração dos factos] aquele Mestre assinala: “Do mesmo modo do que na alínea anterior. Se não há factos objecto da acusação, não pode haver processo e, por isso, o juiz não deve receber a acusação. A narração defeituosa, mas suprível, constitui nulidade sanável e, por isso, não é também causa de rejeição da acusação, se não for arguida”.
Mais tarde, o Prof. Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal, Lisboa, 2007, pág. 779), em anotação ao citado artigo 311.º refere que “o juiz deve apenas controlar os vícios estruturais graves da acusação referidos no artigo 311.º, n.º3, aditado pela Lei n.º 59/98, de 25.8. Já foi notado, com razão que estes vícios se sobrepõem às nulidades do artigo 283.º, n.º3, als. a), b) c) (“sob pena de nulidade”), pelo que se convertem em matéria de conhecimento oficioso do tribunal (Germano Marques da Silva…)”.
Também os Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Código de Processo Penal, cit., pág. 716 assinalam que: “Quando no nº 3 se refere que «A acusação contém, sob pena de nulidade», trata-se de uma nulidade sanável, dependente de arguição pelos interessados e sujeita ao regime previsto no art. 120.º, n.os 1 e 3; porém, a omissão dos conteúdos obrigatórios previstos nas als. a), b) e c) do n.º 3 do preceito, podem converter-se em matéria do conhecimento oficioso do tribunal quando, no âmbito do despacho judicial do art. 311.º, n.º 3, constituam fundamento de rejeição da acusação, por manifestamente infundada.”
É este, igualmente o sentido da jurisprudência - cfr. v.g., os Acs da Rel. do Porto de 1-4-2009, proc.º n.º 0847314, rel. António Gama, de 8-9-2010, proc.º n.º 626/08.4TAPVZ.P1, rel.  Maria Leonor Esteves e da Rel. de Évora de 10-10-2006, proc.º n.º 996/06-1, rel. João Gomes de Sousa.
Na síntese do primeiro daqueles arestos “(…) os vícios estruturais da acusação passaram a sobrepor-se às nulidades previstas no art. 283.º, e converteram-se em matéria sujeita ao conhecimento oficioso do Tribunal, não estando, portanto, dependente de arguição por parte dos sujeitos processuais. Sendo de conhecimento oficioso, pode ser conhecida a todo o tempo, isto é, em qualquer fase do procedimento, com a ressalva enquanto a decisão final não transitar em julgado”
A deficiente compreensão da articulação entre os dois preceitos legais em questão bem como uma leitura apressada das obras dos Profs. Germano Marques da Silva e Paulo Pinto de Albuquerque, tudo conjugado com a redacção imprecisa e defeituosa de vários sumários de acórdãos tem, frequentemente, conduzido a afirmações erróneas, porque totalmente contrárias à lei, segundo as quais a nulidade da acusação prevista na alínea b) do n.º 3 do artigo 283.º do CPP pode ser conhecida oficiosamente até ao transito em julgado da decisão final.
É patente a confusão.
O que é de conhecimento oficioso não são as nulidades da acusação, mas sim os vícios estruturais graves da acusação, a omissão total dos conteúdos obrigatórios.
Como vimos, a nulidade de acusação é sanável.
Consequentemente, “se não for deduzida por algum dos interessados no prazo legalmente estabelecido, perante a autoridade judiciária competente, não pode ser conhecida enquanto tal em momento posterior, nomeadamente ao abrigo do disposto no art. 311.º, nº1 ou no art. 338.º, n.º1, ambos do CPP”(Ac. da Rel. de Évora de 10-12-2009, proc.º n.º 17/07.4GBORQ.E1, rel. António João Latas).
O que acontece é que a falta de narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança pode ainda conduzir à rejeição da acusação como resulta do disposto no artigo 311º, nº2, alínea a) e nº3, alínea c), do Cód. de Proc. Penal.
Mas nesta fase de saneamento do processo, a falta de narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena surge, não como causa de nulidade, mas como motivo de rejeição, de conhecimento oficioso.
Ultrapassada a fase de saneamento, aquela falta de narração de factos não pode ser conhecida ao abrigo do disposto no artigo 338.º.
Como a jurisprudência dos tribunais superiores tem repetidamente afirmado (cfr., v.g, os Acs da Rel. de Coimbra de 15-2-1995 e de 10-5-2000, in Col. de Jur. Ano XX, tomo 1, pág. 62, e ano XXV, tomo III, pág. 224, respectivamente, o Ac. da Rel. do Porto de 6-7-2005, proc.º n.º 0541884, rel. Brízida Martins e o Ac. da Rel. de Évora de 26-2-2008, proc.º n.º 2736/07-1, rel. Fernando Cardoso), proferido despacho a receber a acusação deduzida pelo Ministério Público, não pode, depois, o juiz proferir outro despacho a rejeitá-la.
Depois de recebida a acusação e antes da prolação da sentença o juiz não pode conhecer do mérito da acusação, rejeitando-a, alterando os factos ou a sua qualificação jurídica. Apenas lhe é permitido conhecer de questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa (artigo 338.º, n.º 1 do CPP), que podem ser de natureza substantiva (morte do arguido, amnistia, prescrição, despenalização, etc) ou adjectiva (incompetência do tribunal, desistência de queixa, ilegitimidade, etc.), acerca das quais não tenha havido decisão e de que possa desde logo conhecer (cfr. neste sentido v.g., Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal. Notas e Comentário, 2ªed., Coimbra, 2011, pág. 867).
Mas se aquela falta de narração de factos não pode ser conhecida ao abrigo do disposto no artigo 338.º, ela pode (deve) ser conhecida na sentença.
Na sentença, sabido que a falta de descrição, na acusação, dos elementos constitutivos do crime não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal (cfr. vg. o Ac. do STJ de fixação jurisprudência nº 1/2015, publicado no D.R. nº 18/2015, S.I., de 27-1-2015), a omissão daquela narração de factos leva a uma decisão absolutória “porque não se terá então como assente a prática pelo arguido de um crime” (Ac. da Rel. de Lisboa de 1-10-2008, proc.º n.º 7383/2008-3, rel. Carlos Rodrigues de Almeida).
Como se assinalou no referido Ac. da Rel. de Évora de 10-12-2009, proc.º n.º 17/07.4GBORQ.E1, rel. António João Latas:
«Ultrapassado o momento legalmente definido para a rejeição da acusação (art. 311.º do CPP), fica precludida tal possibilidade [de arguição da nulidade da acusação], o que, aliás, é conforme com o estabelecimento legal de fases e momentos próprios para o saneamento do processado, a partir dos quais fica precludida a possibilidade de invocar a infracção cometida e os efeitos produzidos pelo acto processual imperfeito sofrem uma modificação, passando de precários a definitivos.
No caso vertente, a acusação tornou-se definitivamente apta para suportar a acção penal em julgamento e os vícios previstos no nº3 do art. 311.º (incluindo a al. d)), apenas relevarão na apreciação do mérito da causa (e já não enquanto vício formal lesivo da validade da acusação), de acordo com o regime processual aplicável em audiência e o direito substantivo igualmente aplicável».

§3. Revertendo ao caso dos autos, o arguido não arguiu a referida nulidade da acusação perante a autoridade judiciária competente no prazo legal.
Podia ainda ter invocado aquela falta de narração de factos perante o juiz de instrução como fundamento para o pedido de instrução para a não comprovação da acusação (cfr. neste sentido, v.g.  o Ac. da Rel. do Porto de 26-10-2016, proc.º n.º 48/13.5MAMTS-C.P1 rel.  Manuel Soares) mas não o fez.
A acusação foi recebida ao abrigo do disposto no artigo 311.º do CPP, não tendo sido rejeitada por manifestamente infundada, nomeadamente por falta de narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena.
Consequentemente, quando no recurso que interpôs da sentença condenatória veio arguir a nulidade da acusação nos termos do artigo 283.º n.º 3, alínea b), já aquela nulidade, a existir, estava há muito sanada.
Ex abundante sempre se dirá que, contrariamente ao pretendido pelo recorrente a acusação nunca poderia ser qualificada de nula.
Não consta efectivamente da acusação pública que o arguido infligiu maus tratos psíquicos.
Não consta, nem teria de constar porquanto a expressão “maus tratos psíquicos” é uma expressão conclusiva, de direito, e da acusação deve antes constar a narração de factos
Mas aquela acusação contém a narração de um núcleo de factos fundamentadores da aplicação de uma pena ao arguido, por ter infligido à ex mulher maus tratos psíquicos.
Aliás, consta expressamente daquela acusação que “Ao actuar pelo modo descrito, teve o arguido o propósito concretizado e reiterado de humilhar, amedrontar e infligir sofrimento psíquico à ofendida, a qual tem vivido em constante sobressalto por força da sua conduta” (artigo 20.º).
Improcede, pois, a arguida nulidade da acusação.
*
4. Enquadramento jurídico-criminal

O recorrente insurge-se contra a sua condenação por entender que não estão reunidos os elementos constitutivos do crime de violência doméstica.
A este respeito deixou-se exarado na sentença recorrida:
«O disposto no artigo 152.º, n.º 1, alíneas a), do Código Penal tipifica o crime de violência doméstica, do qual resulta que quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais a (e ao que sub indice interessa) ao cônjuge ou ex-cônjuge, é punido com pena de prisão até um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
O crime em mote caracteriza-se por tipificar uma factualidade complexa, que visa, essencialmente, acautelar situações de vivência familiar (conjugal ou não) que, regra geral, pela sua continuidade no tempo (mas não obrigatoriamente, já que poderão existir factos isolados que, pelo seu contexto e gravidade, se subsumam a esta qualificação jurídica)[[2]], pela interacção próxima entre agente e vítima (podendo gerar e provocar uma vulnerabilidade na vítima, seja do foro emocional, social ou económico), produz comportamentos violentos, reiterados e de difícil destrinça (tendo em conta a imagem global) em termos de momentos concretos, levando a que os comportamentos do agressor possam ser agrupados numa “única” actuação criminógena que acaba por pôr em causa todo o suporte psíquico e físico da vítima, traduzindo-se numa degradação e humilhação que põe em causa a sua dignidade enquanto pessoa.[[3]]
Precisamente, é neste seguimento de protecção da vivência familiar e vida íntima que o legislador agravou o crime base se se verificar que os factos foram praticados contra menor de idade, na presença deste, no domicílio comum ou no domicílio da vítima - artigo 152.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal.
Note-se que o conceito de “domicílio da vítima” aqui integra o lugar onde é de esperar que qualquer pessoa (com maior enfase para, naturalmente, a vítima) encontre refúgio do seu dia a dia (pelo que não tem de ser proprietária do mesmo ou este consubstanciar uma casa tipicamente considerada, ou seja, pode ser um quarto de hotel, uma roulotte ou similar), onde possa obter o conforto da sua privacidade e segurança por se encontrar em local reservado, o necessário para, por esse via, encontrar paz para o seu descanso e lazer, cuja perturbação o legislador quis, por via do que a mesma representa, desta forma proteger com maior intensidade o local onde  se estabeleceu o núcleo da vida pessoal e familiar do visado.
Por outro lado, considerou que a pratica deste tipo de acto em tal espaço é, por natureza, escondido dos olhares de terceiros, ou seja, é idóneo a não ser percepcionado por testemunhas, o que entendeu o legislador, ser também um factor a ter em conta.
Dito isto, considera-se, ainda, que neste lugar designado como “domicílio da vítima” é de incluir o logradouro (seja jardim, pático ou outros espaços que, similarmente, se encontram numa relação dependência da casa “domicílio” propriamente dita), porquanto a confiança e sentimento de segurança que o mesmo transmite é idóneo, de igual forma, a transmitir uma tranquilidade (ou seja, uma expectava de segurança) a quem dele beneficia, sendo, também um espaço com maior aptidão a obstaculizar a percepção de outros membros do grupo social a se aperceberem do que ali se passa (ou seja, é um local que também é reservado e privado a terceiros), pelo que os motivos que justificam a maior censurabilidade continuam, ainda, a estar presentes.[[4]]
Resulta, ainda, do normativo que tal conduta pode ser praticada a título de dolo, sendo um crime específico impróprio (atentos às eventuais relações familiares), de resultado, quanto ao objecto da acção, e de dano, quanto à lesão de um bem jurídico protegido complexo, que se pode identificar como relativo ao livre desenvolvimento da personalidade de um indivíduo no âmbito de uma relação interpessoal próxima, de tipo familiar ou análogo, podendo, ainda, se desdobrá-lo no da integridade física e psíquica, no da liberdade pessoal, no da liberdade e autodeterminação sexual e no da honra.
Ora, face à factualidade dada como provada, conclui-se que o arguido praticou o crime de violência doméstica agravado, uma vez que o arguido e a assistente são ex‑cônjuges (casaram-se a 19 de Outubro de 1985 e divorciaram-se 05 de Julho de 2017) e, tal como resulta provado, aquele, em três momento distintos, procurou humilhar e incitar medo e inquietação na assistente BB, pretendendo com isso afectá-la psicologicamente, depreciando-a enquanto pessoa.
Mais, o arguido fê‑lo quer directamente, ou seja, através de contacto assistente BB, quer indirectamente, ou seja, procurando enegrecer aquela através de interposta pessoa (no caso, o seu companheiro).
Concretizando quando aos eventos directos, o primeiro evento acontece a 25 de Fevereiro de 2022, pelas 19h30, tendo o arguido se dirigindo à casa da assistente BB e, introduzindo-se no interior do logradouro sem mais, acabou por com ela se confrontar, vindo a lhe dizer “és uma ladra, vou-te foder” o que fez alcoolizado. Note-se que este episódio que foi estancado por motivos alheios ao arguido, designadamente por FF, que acabou por expulsar aquele da residência da assistente BB, a qual se encontrava com medo e gritava por ajuda. Num outro dia, mormente, a 29 de Março de 2022 e a uma hora complemente anómalas, a saber, 03h50, o arguido apareceu agarrado junto às grades do muro do domicílio da assistente, a mexer em telhas do coberto (sem motivo determinado), vindo aquela a confronta-lo com tal aspecto, tendo aquele aproveitado tal facto para a apelidar de “puta, puta, puta!”.
É de ter em conta que, em ambos os casos, o sentimento de medo da assistente BB, que ficou em sobressalto por aquele se deslocar ao local onde vive aquela hora da manhã, sem razão aparente.
Por outro lado, é também de ter em conta que a assistente BB, por via da insegurança que sente, acabava por se munir de um pau, por forma a, de alguma forma, ainda que nuga, se escudar do arguido.
No que tange ao episódio com teor indirecto e que teve lugar entre aqueles relatados, um outro teve lugar a 05 de Março de 2022, em que o arguido se dirigiu (novamente sob o efeito do álcool) ao companheiro da assistente BB, junto ao bar do campo de futebol da freguesia, e lhe disse “eu sei onde é que tu dormes, tu dormes lá em cima e um dia vou lá cima e mato-vos aos dois”, tendo este, mais tarde e como seria de esperar, contado tal episódio à assistente BB, aspecto que o arguido não ignorava que iria ter lugar (devido ao relacionamento existente entre aqueles), procurando assim incitar medo e inquietação naquela.
Note-se ainda que os episódios que aconteceram directamente com a assistente tiveram lugar no seu domicílio, ainda que no segundo resulte da factualidade dada como provada que o arguido nunca chegou a se introduzir no recinto do domicílio da assistente, todavia encontrava-se agarrado às suas grades e ainda a retirar telhas do coberto), ou seja, são episódios que contendem com o referido local de conforto, privacidade e segurança de um local reservado, que visa a paz, descanso e lazer de quem nele vive mas que, com as actuações do arguido se encontra perturbado.
Por outro lado, não é de ignorar que tal comportamento vinha a adquirir uma frequência que, face aos factos provados, apenas cessaram porquanto, a 11 de Abril de 2022, foi aplicada medida de coacção de prisão preventiva ao arguido.
Ainda, considera-se que se verifica a dita “única” actuação criminógena, uma vez que se considera que a relação que existe entre o arguido e a assistente BB não é algo que se possa compartimentalizar no tempo (pois a vida não é passível de ser, somente, olhada como meros episódios, sem interligação entre si), cingindo-a, somente, ao período ocorrido 25 de Fevereiro de 2022 a 29 de Março de 2022, este apenas relevante para efeitos dos concretos actos praticados pelo arguido. Na verdade, é preciso ter em conta que estes actos desenvolveram uma vivência familiar que se estabeleceu ao longo do tempo e a qual, apesar de actualmente, não possuir os mesmos moldes, o arguido e a assistente BB não se afiguram estranhos um ao outro (razões pelas quais o próprio legislador incluiu ex‑cônjuges na previsão legal).
E tanto assim o é que, tal como se percebe dos factos provados, o arguido continua a procurá-la, precisamente, por aquela ser a sua ex-cônjuge, procurando continuar a impor, assim, o ascendente com que aquele caracterizou (e marcou) a sua relação com aquela.
Por outro lado, também não é de descurar que aquela relação, desde o seu início até então, se desenvolveu e culminou em várias actuações do arguido sobre a assistente que puseram em causa a sua dignidade humana (o que se traduziu em várias condenações pela prática do crime em questão).
Isto tudo para se dizer que se considera que é esta a base relacional (pois é da ligação existente entre os envolvidos que se tem de ter em conta) de ascensão do arguido sobre a assistente em que, também, se inserem e subjazem aos concretos actos que são, agora, objecto dos presentes autos, e donde se percebe que o arguido não trata a assistente BB como pessoa que é, mas como “algo” que não é igual a si.[[5]]
Assim, em sentido contrário ao alegado pelo defesa, aquando as suas alegações orais, não se considera que seja de desqualificar o crime, passando, eventualmente, a subsumir os factos praticados pelo arguido nos crimes que, atomística e eventualmente, se possam verificar, tais como dois crimes de injúrias, um de ameaças e outro de ameaças agravadas, todos previstos e punidos nos termos do disposto dos artigos 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, alínea a), e 181.º, n.º 1, Código Penal.
Tal como se tem vindo argumentar, crê-se que em causa não se trata de actos isolados na vida do arguido e assistente BB, aos quais a sua relação (inicialmente de cônjuges e agora de ex-cônjuges) lhe é alheia ou estranha. O que se percebe da factualidade apurada (e motivação que a fundamenta) é que o arguido procura e pratica tais factos por a eles subjazer, precisamente, aquela relação e aquela pessoa concreta, que se insere num núcleo relacional íntimo (e, por isso, mais protegido pela lei penal), procurando impingir-lhe medo e inquietação, afectando, por essa via, a sua dignidade humana.
O que aqui se quer dizer com isto é que quer a relação chamada a colação pela norma incriminadora do crime de violência doméstica e que, em última análise, procura escudar a dignidade humana da pessoa visada, se verifica no caso concreto, pelo que o bem jurídico protegido que se encontra presente é aquele complexo e relativo ao livre desenvolvimento da personalidade de um indivíduo no âmbito de uma relação interpessoal próxima.
E assim se considera ainda que, neste caso, os actos praticados pelo arguido não assumam o um carácter diário. Apesar disso, a verdade é que os mesmos tiveram uma reiteração suficiente (ainda que baste um acto isolado, como supra se disse) para que, naquele contexto relacional, se verificasse o crime em questão.
Dito de um outro prisma, não parece estar somente em causa, por um lado, a honra e consideração e, por outro, a liberdade de determinação e decisão (que são os bens jurídicos protegidos pelos crimes de injúrias e ameaças) da assistente, mas sim uma envolvente que determina que as acções aqui em causa, susceptíveis de integrar atomisticamente aqueles crimes, sejam tratadas como uma unidade de acção ilícita.
Por fim, como se depreendo do já referido, factualidade houve que ocorreu no domicílio da vítima, pelo que se verifica um facto agravante do crime base, previsto no artigo 152.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal.
Ainda, face aos factos apurados, somos a concluir que o Arguido agiu com dolo directo, sendo certo, ademais, que o fez livre e conscientemente - artigo 14.º, n.º 1, e 17.º do Código Penal».
§2. Como bem observa o Exmo PGA no seu esclarecido parecer, não merece qualquer reparo a subsunção dos factos provados praticados pelo arguido-recorrente ao tipo legal de crime de violência doméstica, porquanto se mostram preenchidos os seus elementos constitutivos.
Como efeito, a sentença recorrida procedeu ao enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido de forma correctíssima.
Apenas se acrescentam algumas considerações tendo em conta alguns argumentos apresentados pelo recorrente.
Assim, ainda no âmbito da nulidade da acusação que arguiu o recorrente refere que:
«(…) da leitura dos factos dados como provados, é mencionado que a actuação do arguido teve o propósito de humilhar, amedrontar e infligir sofrimento psíquico. FACTO N.º 18 DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS.
Mas salvo melhor opinião, o facto dado como provado não preenche o elemento em causa, atinente aos maus tratos psicológicos, pois inexistem nos autos maus tratos físicos, conforme factos dados como provados e não provados. MAIS: salientamos ainda que não consta da acusação pública a descrição do facto de que o arguido infligiu maus tratos psíquicos à assistente, sendo assim a acusação nula, nos termos do artigo 283º n.º 3 al. b) do C.P.P., bem como entendemos que a acusação é manifestamente infundada.
Assim, não estão preenchidos todos os elementos do tipo de ilícito criminal e os elementos em falta não poderão vir a ser aditados em julgamento, e perante a ausência deste facto, os factos descritos na acusação não configuram crime de violência doméstica».
Salvo o devido respeito, é patente a confusão.
Antes do mais não se compreende a invocação da inexistência de maus tratos físicos, por ser totalmente inócua para o efeito pretendido.
Depois, o facto provado sob o n.º 18 reporta-se ao propósito, à finalidade da actuação do arguido e às consequências dessa actuação sobre a ofendida.
Por outro lado, conforme referimos mau trato psíquico é um conceito de direito e não um facto, pelo que não deve constar da acusação nem dos factos provados.
Seguidamente, o recorrente, argumenta do seguinte modo:
«(…) segundo a matéria de facto dada como não provada, resulta que a assistente BB não vive em constante sobressalto, com receio do que o arguido possa fazer, evitando sair de casa, uma vez que este, sem qualquer motivo, ronda a sua residência – AL. L) DOS FACTOS NÃO PROVADOS.
Bem como resultou ainda da produção da prova que esta não conseguiu fazer prova de que evita sair, quando o seu companheiro não está em casa e de que sente medo por estar só com a mãe, de quem cuida. – cfr. al. m) dos factos não provados
Tal factualidade demonstra que a assistente BB mesmo com a saída em liberdade condicional do Recorrente, continuou a fazer a sua vida de forma normal, sem sentir medo, receio.
Mais, até resulta dos autos, em declarações prestadas pela Assistente, que não via necessidade de aplicação de qualquer medida preventiva ao arguido, para além de já ter cruzado com o mesmo na via pública e não ter ocorrido qualquer incidente.
Isto prova que os únicos 2 actos, com a presença do arguido junto da sua residência, apenas causaram abalo psiquico e medo no momento.
E mesmo na questão do medo somos forçados a colocar sérias reservas, pois ditam-nos as regras da lógica e da experiência comum que, uma vitima de violência doméstica, sentindo medo, não sai à via publica, munida de um pau, para tirar satisfações com o arguido, como está provado na als. 13 e 14 dos factos dados como provados.
O comportamento normal de uma vítima, seria refugiar-se na sua habitação, apelar ao companheiro para o mesmo dirigir-se à via pública e confrontar o recorrente e ligar com as entidades policiais, face ao medo e receio que poderia sentir.
E é perante estes factos que tem que cair o argumento expresso pelo douto tribunal “ a quo” quando refere que o intuito do arguido é continuar a impor o seu ascendente sobre a assistente.
Mas isso não sucedeu, pois a assistente não se atemorizou, não se colocou numa posição subalterna e de acordo com o supra exposto, mantém a sua vida normal, sem receio ou qualquer medo.
Pelo que, as condutas que infligem sofrimento psíquico não são enquadráveis no conceito de maus tratos, pois na nossa humilde opinião, não podemos afirmar que a conduta do arguido demonstra um total desrespeito e desejo de submissão da assistente à sua vontade, revelador de um comportamento ultrajante, vexatório e humilhante da dignidade pessoal da mesma, logo, não se enquadra no conceito de maus tratos psicológicos».
Contrariamente ao que pretende o recorrente do facto não provado constante da alíneas l) [“Por tudo isto, a ofendida vive em constante sobressalto, com receio do que o arguido possa fazer, evitando sair de casa, uma vez que este, sem qualquer motivo, ronda a sua residência], não resulta que a assistente BB não vive em constante sobressalto, com receio do que o arguido possa fazer, evitando sair de casa, uma vez que este, sem qualquer motivo, ronda a sua residência.
Na verdade, “Um facto não provado, não passa disso: de um facto não provado. Não é a prova do contrário. É tão-só, um não facto” (Ac. do STJ de 7-12-2006, proc.º n.º 4258/06-5ª, rel. Cons.º Pereira Madeira).
No caso em apreço a não prova de que a ofendida vive em constante sobressalto, com receio do que o arguido possa fazer, evitando sair de casa, uma vez que este, sem qualquer motivo, ronda a sua residência não é a prova de que ofendida não vive em constante sobressalto, com receio do que o arguido possa fazer, evitando sair de casa, uma vez que este, sem qualquer motivo, ronda a sua residência.
Pelos mesmos motivos, da alínea m) dos factos não provados [“Assim, mesmo evitando sair, quando o seu companheiro não está em casa, a ofendida sente medo por estar só com a mãe, de quem cuida”] não é possível concluir que “a assistente BB mesmo com a saída em liberdade condicional do Recorrente, continuou a fazer a sua vida de forma normal, sem sentir medo, receio”.
Esta conclusão do recorrente para além de falhar nas suas premissas não tem qualquer respaldo nos factos provados.
Pelo contrário, o que se provou foi, antes, que  “Ao actuar pelo modo descrito, teve o arguido o propósito de humilhar, amedrontar e infligir sofrimento psíquico à ofendida, o que esta sentiu, tendo vivido em sobressalto por força da conduta daquele” ( facto provado n.º 18) e que “Em virtude da actuação do arguido e referida nas alíneas 8) a 20), a assistente BB sentiu, além do mencionado em na alínea 18), medo, inquietação, nervosismo e tristeza”(facto provado n.º 21).
Quanto às declarações da assistente segundo as quais não via necessidade de aplicação de qualquer medida preventiva ao arguido, para além de já ter cruzado com o mesmo na via pública e não ter ocorrido qualquer incidente, o que comprovaria que os únicos dois actos, com a presença do arguido junto da sua residência, apenas causaram abalo psíquico e medo no momento e quanto às reservas colocadas pelo recorrente quanto á questão do medo, apenas importa sublinhar que a argumentação do recorrente é neste caso totalmente inócua para o efeito pretendido uma vez que o recorrente não impugnou a matéria de facto nos moldes previstos no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP, nomeadamente a inscrita nos factos provados sob os números 18 e 21, para além de que as declarações da assistente a que se refere “ de fls  e ss dos autos” foram “prestadas perante procuradora da República” (conclusão 10ª)   e da acta de julgamento constante de fls. 615 a 617 verso e 639-641  não consta que aquelas declarações tenham sido lidas em audiência pelo que nunca poderia ser valoradas (artigos 355.º e 356.º, ambos do Código Penal).
Por outro lado, não se vê que a factualidade provada nos números 14, respeitante à reacção da assistente ao comportamento do arguido na noite de 29 de Março de 2022, viole as regras da lógica e da experiência comum.
O que as regras da experiência nos ensinam é que perante a adversidade as pessoas reagem de modo diverso.
Por tudo isto falece a conclusão do recorrente de que “(…) inexiste o propósito do arguido em subjugar a sua ex-mulher, porque esta não se atemorizou, não se colocou numa posição subalterna e de acordo com o supra exposto, mantém a sua vida normal, sem receio ou qualquer medo ou abalo psicológico”.
Ainda a este respeito importa deixar consignado que não desconhecemos alguma jurisprudência que tem considerado como essencial para a caracterização do crime de violência doméstica, a existência de uma relação de evidente dominação e prevalência sobre a pessoa da vítima (cfr. Acs da Rel. do Porto de 9-1-2013, proc.º n.º 31/09.5GCVLP.P1 e da Rel. Guimarães de 2-11-2015, proc.º n.º 77/14.1TAAVV.G1, ambos relatados pela Des. Manuela Paupério e disponíveis em www.dgsi.pt).
Mas, salvo o devido respeito, não perfilhamos tal entendimento.
Como já se afirmou em inúmeros acórdãos com o mesmo relator do presente, embora essa posição de domínio, de subjugação, dominação e prevalência ou de subordinação existencial, enquanto realidade sociológica, esteja presente na maioria dos casos, não é ela que caracteriza o crime de violência doméstica, pelo que não pode considerar-se, como elemento essencial do preenchimento do tipo legal de crime.
Aliás, a circunstância de o crime ter sido cometido como forma de manifestação de domínio sobre a vítima, a existência de uma situação de subjugação da vítima em que o agressor procura controlar a vítima surge como circunstância agravante na Convenção de Istambul (artigo 46.º, al. a) da Convenção do Conselho da Europa para Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica, assinada por Portugal a 11 de Maio de 2011, aprovada pela resolução da Assembleia da República n.º 4/2013, de 21 de Janeiro, publicada no Diário da República, I Série, n.º 14 e ratificada pelo decreto do Presidente da República n.º 13/2013, da mesma data, ,  ratificada por Portugal em 21 de janeiro de 2013 e que entrou em vigor a 1 de Agosto de 2014). 
A este este respeito existe até uma desconformidade entre a Convenção de Istambul e o regime português vigente na medida em que as agravantes constantes do n.º 2 do artigo 152.º do Código Penal não abarcam a totalidade da agravantes constantes do artigo 46.a) da Convenção de Istambul (cfr. neste sentido Maria do Carmo Silva Dias,  “Violência doméstica” na Convenção de Istambul e no Código Penal Português, in CEJ, Violência doméstica e de género e mutilação genital feminina, 2019, págs. 108 e 109, onde a autora propõe a agravação do crime de violência doméstica, elevando as penas nos seus limites mínimos e máximos, como sucede no artigo 177.º do Código Penal, se a conduta, entre outras circunstâncias, “Tiver sido praticada como forma de manifestação de domínio sobre a vítima, designadamente com abuso de autoridade, por razões de género, por racismo, por razões ligadas ao sexo, orientação ou identidade sexual (no fundo, quando houvesse uma situação de subjugação da vítima em que em que o agressor procura controlar a vítima –artigo 46.º, al. a) da Convenço de Istambul”.
§3. Seguidamente o recorrente acentua que:
- “(…) decorre dos factos dados como provados que o arguido e a assistente encontram-se divorciados desde 5 de Julho de 2017 e que este cumpriu pena de prisão efectiva, que se iniciou a 22 de Setembro de 2015 e prolongou-se até dia 11 de Setembro de 2021, dia em que foi colocado em liberdade condicional. – cfr. als. 1) e 5) dos factos dados como provados (conclusão 14ª).
- E o primeiro contacto do arguido com a assistente ocorreu apenas a 25 de Fevereiro de 2022 – 5 meses após a concessão da sua liberdade condicional. Por isso, há mais de 6 anos que o arguido não tinha qualquer contacto com a Assistente, revelando que inexiste a alegada reiteração dos comportamentos ofensivos contra a ofendida, sendo que este hiato temporal não pode ser escamoteado, e tem que ser conjugado com a realidade expressa na conclusão 10º do presente articulado (conclusão 15ª).
Salvo o devido respeito, a circunstância de o arguido não ter tido anteriormente contacto com a assistente durante o tempo em que esteve a cumprir pena de prisão e durante cinco meses após a sua colocação em liberdade condicional, não permite concluir que inexistiu reiteração de comportamentos.
Os comportamentos ilícitos do agente ocorreram em 25 de Fevereiro de 2022, 5 de Março de 2022 e 29 de Março de 2022. Por isso é forçoso concluir pela reiteração, sendo certo que contrariamente ao que resulta da argumentação do recorrente essa reiteração não tem de ser “de meses ou até anos de condutas antijurídicas”.
§4. Depois de lamentar que no âmbito da aplicação subjectiva do artigo 152.º do Código Penal o legislador não tenha estabelecido um limite temporal depois da cessação do vínculo relacional, já que segundo o Prof. André Lamas Leite seria mais seguro que o legislador tivesse estabelecido um limite temporal máximo de um ano após o divórcio ou separação à semelhança do que prevê o Código Penal Suíço o recorrente conclui que   “Infelizmente, tal realidade não sucede no nosso código, permitindo por isso, a condenação de agentes que, apenas por terem tido uma relação pretérita com a vítima e no caso da prática de um crime que seja possível enquadrar noutra previsão normativa – ameaça, injúria, difamação – 2, 3, 4, 5, 10 anos após a relação, serem condenados pelo ilícito penal que nos ocupamos neste recurso, o que representa uma tremenda distorção do princípio da justiça”(conclusão 17ª).
Por último, depois de citar o sumário de um acórdão da Relação de Coimbra que não identifica, o recorrente conclui que “Atendendo à matéria de facto dada como provada, temos que os factos apurados são manifestamente insuficientes para imputar ao aqui Recorrente a prática do crime de violência doméstica”.
Se quanto à ausência do estabelecimento daquele limite temporal o recorrente pode discordar da opção legislativa, a este tribunal nada mais compete senão aplicar a Lei.
Quanto à alegada distorção do princípio da justiça a mesma inexiste e revela antes, uma incorrecta compreensão do crime de violência doméstica. 
Finalmente, concordando-se com o teor do referido sumário sempre se dirá que a doutrina do mesmo é claramente inaplicável ao caso dos autos.
Com efeito a conduta do arguido não surge “no contexto de uma relação que apenas esporádica e negativamente se manifestava”.
Ela insere-se num continuum se tivermos em conta as anteriores condenações do arguido por crime de violação doméstica cometidos na pessoa da assistente BB, apenas interrompido pela reclusão do arguido.
§6. Como se sublinhou no acórdão desta Relação de Guimarães de 15-10-2012, proc.º n.º 639/08...., rel. Fernando Monterroso:
«A delimitação dos casos de violência doméstica daqueles em que a ação apenas preenche a previsão de outros tipos de crime, como a ofensa à integridade física, a injúria, a ameaça ou o sequestro, deve fazer-se com recurso ao conceito de «maus tratos», sejam eles físicos ou psíquicos.»
Sobre os elementos típicos do crime em questão e o bem jurídico protegido, afigura-se-nos ser muito esclarecedora a síntese efectuada pelo douto Ac. da Rel. do Porto de 28 de Setembro de 2011, proc.º n.º 170/10...., relatado pelo Desembargador Artur Oliveira, cuja argumentação perfilhamos:
«10. A ação praticada pelo agente deve consistir, pois, em “maus tratos” físicos ou psíquicos, nos quais se incluem castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais. A conduta típica inclui, assim, para além da agressão física [mais ou menos violenta, reiterada ou não], a agressão verbal, a agressão emocional [p.ex., coagindo a vítima a praticar atos contra a sua vontade], a agressão sexual, a agressão económica [p. ex. impedindo-a de gerir os seus proventos] e a agressão às liberdades [de decisão, de ação, de movimentação, etc.], que, analisadas no contexto específico em que são produzidas e face ao tipo de relacionamento concreto estabelecido entre o agressor e a vítima indiciam uma situação de maus tratos, ou seja, um tratamento cruel, degradante ou desumano da vítima [ver artigo 25.º, n.º 2, da CRP].
11. Quando se trata de identificar o bem jurídico protegido, tanto a jurisprudência como a doutrina têm revelado alguma hesitação na exata definição do recorte teleológico da norma. Percebe-se que é imperioso achar uma definição do bem jurídico que se diferencie do bem jurídico protegido, em particular, pelo crime de Ofensa à integridade física simples, do artigo 143.º, do CP, sob pena de sermos obrigados a concluir que o legislador se está a repetir, criando dois tipos de crime para proteção do mesmo valor ético-socialmente relevante.
12. Das propostas avançadas para a identificação desse bem jurídico – (i) a que estima que o objeto da proteção penal é a paz e a convivência familiar, (ii) a que considera que o bem jurídico é idêntico ao do resto das lesões (iii) e a que defende que o bem jurídico protegido é a dignidade humana – esta última é a que tem merecido um maior acolhimento.
13. Cremos, contudo, que a eleição da “dignidade humana” como bem jurídico protegido pelo crime em causa acaba por se revelar demasiado vaga e demasiado abrangente, não permitindo caracterizar e distinguir o bem jurídico efetivamente tutelado. Como tem sido salientado por alguns autores, a “dignidade humana” é um atributo de toda a pessoa [artigo 1.º, da CRP], um atributo totalizador, uma síntese de todas as dimensões da pessoa humana que tem tradução em diversos bens jurídicos tutelados pelo ordenamento penal, razão pela qual não pode ser confinada à condição de bem jurídico tutelado pelo crime de Violência doméstica [v.g. Garcia Martin, “El delito y la falta de malos tratos en el Código penal Español de 1995”, in Actualidad Penal, n.º 31, 1996, pág. 581 e 582, citado por José Vázquez, ver infra, pág. 748].
[Sobre as várias propostas de identificação do bem jurídico protegido, ver José Antonio Ramos Vásquez, “La problemática del bien jurídico protegido en los delitos de malos tratos ante su (pen)última reforma”, disponível em ruc.udc.es/dspace/bitstream/2183/2356/1/AD-9-34.pdf; Plácido Conde Fernandes, in “Violência doméstica – Novo quadro penal e processual penal”, Revista do CEJ, Jornadas sobre a revisão do Código Penal, 2009, Número especial; e Nuno Brandão, in “A Tutela penal especial reforçada da violência doméstica”, Julgar, 12 (Especial), pág. 9-24 – os dois últimos, com ampla referência à jurisprudência portuguesa. Da jurisprudência, destacamos o Acórdão desta Relação, de 26.5.2010 (Joaquim Gomes), com posição que não seguimos na íntegra].
14. Analisadas, criticamente, as várias posições, seguimos a tese proposta por Nuno Brandão segundo a qual “o desvalor potencial fundamentalmente tomado em consideração para justificar esta específica modalidade de incriminação se prende com os sérios riscos para a integridade psíquica da vítima que podem advir da sujeição a maus tratos físicos e/ou psíquicos, sobremaneira quando se prolongam no tempo” [pág. 18].
15. Temos assim que a panóplia de ações que integram o tipo de crime em causa, analisadas à luz do contexto especialmente desvalioso em que são perpetradas, constituem-se em maus tratos quando, por exemplo, revelam uma conduta maltratante especialmente intensa, uma relação de domínio que deixa a vítima em situação degradante ou um estado de agressão permanente [Plácido Conde Fernandes, pág. 307]; caracterizadas como maus tratos, entende-se que a situação integra um padrão de comportamentos com uma perigosidade típica para o bem-estar físico e psíquico da vítima – razão pela qual é crime.
16. Em última instância, é ainda o conceito de integridade pessoal (física e psíquica) [ver artigo 25.º, n.º 1, da CRP] comum ao crime de Ofensa à integridade física simples, com a particularidade de, aqui, ser outra a caracterização da agressão e da atuação do agressor, estabelecidas, ambas, em função do “ambiente e da imagem global do facto” [Nuno Brandão, pág. 19] indiciador de um maior desvalor da ação e de um potencial perigo de prejuízos sérios para a saúde e para o bem-estar da vítima.
17. No caso da Violência Doméstica “não há nenhuma exigência legal expressa de que a lesão da integridade física ou a produção de perturbações ao nível da saúde psíquica da vítima constituam elementos do tipo-de-ilícito”. Nesse sentido, o crime de Violência doméstica assume “não a natureza de crime de dano mas de crime de perigo, nomeadamente de crime de perigo abstracto. É, com efeito, o perigo para a saúde do objecto de acção alvo da conduta agressora que constitui motivo de criminalização, pretendendo-se deste modo oferecer uma tutela antecipada ao bem jurídico em apreço, própria dos crimes de perigo abstracto” [Nuno Brandão, pág. 17].
18. E remata: “Sendo dado o devido relevo a este último aspecto justificativo da criminalização da violência doméstica, poderão superar-se eventuais objecções opostas a esta concepção fundadas na dificuldade em explicar por que razão a violência doméstica é punida mais severamente que a ofensa à integridade física se ambas protegem o mesmo bem jurídico e esta constitui crime de dano e aquela mero crime de perigo abstracto, com a concomitante possibilidade de por esta razão a ofensa à integridade física ter prevalência sobre a aplicação da violência doméstica em caso de concurso. Reservas que todavia se mostrarão infundadas se os maus tratos forem encarados na perspectiva da ameaça de prejuízo sério e frequentemente irreversível que os mesmos em regra comportam para a paz e o bem-estar espirituais da vítima. Acresce que aqui sim e para este efeito deve entrar em cena a desconsideração pela dignidade pessoal da vítima imanente ao comportamento violento próprio dos maus tratos. Esse desprezo do agressor pela sua dignidade revela um pesado desvalor de acção que agrava a ilicitude material do facto. Tudo o que empresta à violência doméstica um grau de antijuridicidade que transcende o da mera ofensa à integridade física e assim justifica a sua punição mais severa e a sua prevalência em sede de concurso. Do mesmo passo, assim vistas as coisas, afigurar-se-ão descabidas as vozes críticas que julgam redutora a opção pela saúde como bem jurídico do crime de violência doméstica” [pág. 18].
19. Trata-se, no fundo, de garantir uma tutela especial e reforçada face ao perigo ou à ameaça de prejuízo sério e frequentemente irreversível para a paz e o bem-estar físico e psíquico da vítima que decorre do quadro específico em que são perpetradas as agressões, configurador de uma situação de maus tratos [“(…) neste tipo de crimes, são tipificados certos comportamentos em nome da sua perigosidade típica” – Fig. Dias, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, 2007, pág. 309]. O importante é, pois, analisar e caracterizar o quadro global da agressão física de forma a determinar se ela evidencia um estado de degradação, enfraquecimento, ou aviltamento da dignidade pessoal da vítima que permita classificar a situação como de maus tratos, que, por si, constitui um “risco qualificado que a situação apresenta para a saúde psíquica da vítima” [Nuno Brandão, pág. 21]. Nesse caso, impõe-se a condenação pelo crime de Violência doméstica, do artigo 152.º, do CP. Se não, a situação integrará a prática de um ou vários crimes de Ofensas à integridade física simples, do artigo 143.º, do CP [AcRG, 17.5.2010 (Cruz Bucho): “…II - Se as condutas apuradas integram os crimes de ofensa à integridade física simples e de ameaça mas não satisfazem o tipo da violência doméstica, por não revelarem o “especial desvalor da acção” ou a “particular danosidade social do facto” que fundamentam a especificidade deste crime, apenas há que aplicar as normas gerais].
20. Cremos que esta é a posição que mais se ajusta à evolução sociológica que o fenómeno da violência doméstica tem conhecido nos últimos tempos. Na verdade, constata-se que, no âmbito das relações familiares e da vida doméstica, duas situações se têm agudizado (fruto, em grande medida, de uma maior deteção e divulgação de casos, de uma maior consciencialização da sociedade e de uma maior exigência de equilíbrio e de paridade no quadro dos relacionamentos de tipo familiar): de um lado, o incremento do número e da gravidade das agressões perpetradas, que, não raro, determinam sequelas irreparáveis; do outro, o refinamento das práticas usadas pelos agressores que tornam mais difícil a sua deteção – às vezes até pela própria vítima que se vê envolvida em jogos de amor-ódio, de sedução intensa e de falsas contrições que ofuscam a real dimensão possessiva do agressor [o chamado “ciclo da violência”] – e diminuem, progressivamente, a capacidade de resistência e de oposição da vítima.
21. Foi a este quadro, de contornos graves, que o legislador procurou acudir com a incriminação da Violência Doméstica [artigo 152.º, do CP] e dos Maus tratos [artigo 152.º-A, do CP]. Propondo uma punição mais grave que a consignada para o crime de Ofensa à integridade física simples [artigo 143.º, do CP], a Lei delimita a ação típica, essencialmente, à produção maus tratos praticados sobre pessoas abrangidas por um relacionamento de tipo familiar ou em situação de dependência.
22. Como a própria expressão legal sugere, a ação não pode limitar-se a uma mera agressão física ou verbal, ou à simples violação de alguma ou algumas das liberdades da pessoa [vítima] tuteladas por outros tipos legais de crimes. Importa que a agressão (em sentido lato) constitua uma situação de “maus tratos”. E estes [maus tratos] só se dão como verificados quando a ação do agente concretiza atos violentos que, pela sua imagem global e pela gravidade da situação concreta são tipificados como crime pela sua perigosidade típica para a saúde e bem-estar físico e psíquico da vítima.
23. É esse o objetivo da Lei: assegurar uma “tutela especial [e] reforçada” da vítima perante situações de violência desenvolvida no seio da vida familiar ou doméstica que, pela sua caracterização e motivação [geralmente associada a comportamentos obsessivos e manipuladores] constituam uma situação de maus tratos, que é por si mesma indiciadora do perigo e da “ameaça de prejuízo sério frequentemente irreversível” [Nuno Brandão, pág. 18] para a saúde e para o bem-estar físico e psíquico da vítima, mesmo que não se chegue a produzir um resultado lesivo [crime de perigo abstrato contra a saúde – solução também defendida em Espanha, por Garcia Martín e García Álvarez Delgado].
24. Em conclusão, não é por o agente ter atingido uma ou várias vezes o outro elemento do casal que, necessariamente, se configura uma situação de maus tratos que leve a condenação pelo crime de Violência doméstica do art. 152.º, do CP [AcRG, 3.5.2011 (Paulo Fernandes da Silva): … II- Os maus tratos constituem ofensa do corpo ou da saúde de outrem. Contudo, nem toda aquela ofensa representa maus tratos, pois estes pressupõem que o agente ofenda a integridade física ou psíquica de um modo especialmente desvalioso e, por isso, particularmente censurável. A ocorrência deste crime pressupõe uma agressão capaz de afectar a dignidade pessoal do cônjuge enquanto tal”]. Não é por a(s) agressão(ões) físicas terem sido praticada no seio da vida familiar/doméstica que, imediatamente, se mostra excedida a previsão do crime de Ofensas à integridade física simples, do artigo 143.º, do CP – tanto mais que, como bem salienta o Acórdão desta Relação de 26.5.2010 [Joaquim Gomes], este tipo de crime acolhe variáveis que têm em conta não só com as especificidades da relação entre agressor e vítima mas também níveis distintos de gravidade e reiteração das agressões [artigos 144.º e 145.º, do CP].
25. O que conta é saber se a conduta do agente, pelo seu caráter violento ou pela sua configuração global de desrespeito pela pessoa da vítima ou de desejo de prevalência de dominação sobre a mesma, é suscetível de ser classificada como “maus tratos”. Pois se assim for, e ainda que não tenha chegado a produzir-se um dano efetivo, é de admitir a existência de um perigo para a vida e para a saúde da vítima, que o legislador, consciente do padrão de comportamento deste tipo de agressores (por regra, intensifica o caudal de violência ou de manipulação da vítima ao longo do tempo), procura protegê-la por antecipação e de forma reforçada.»
Perante o quadro jurídico que ficou exposto, facilmente se conclui que os episódios relatados nos factos provados da sentença recorrida, ocorridos nos dias 25 de Fevereiro , 5 de Março e 29 de Março, todos de 2022, representam um potencial de agressão que em muito supera, transcende a protecção oferecida pelos crimes de injúrias, ameaça e de ameaça agravada,  previstos pelos artigos 181.º, 153.º e 155.º, todos do Código Penal, na medida em que traduzem inequivocamente uma situação de maus tratos psíquicos (sobre o conceito de maus tratos psíquicos cfr. para além do já referido, v.g., Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Volume I, Coimbra Editora, 1999, pág. 333 e os Acs da Rel. de Lisboa 27-2-2008, proc.º n.º 1702/2008-3, rel. Carlos Almeida, da Rel. do Porto de 8-10-2014, proc.º n.º 956/10.5PJPRT.P1, Moreira Ramos, e da Rel. de Évora de 14-1-2014 proc.º n.º 1015/12.1GCFAR.E1, rel. Ana Brito e de 22-1-2013, proc.º n.º 704/09.2GDSTB.E1, rel. Proença da Costa e a demais doutrina e jurisprudência citada por Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 5ªed., Lisboa, 2022, pág. 152-153) do qual resultaram ou eram susceptíveis de resultar sérios riscos para a integridade psíquica da vítima.
Não estamos perante um caso de fronteira, um único caso isolado como uma única injúria, um empurrão, uma bofetada, ou uma simples ameaça, em que a discussão jurídica da questão assume, por vezes, grande delicadeza e pertinência.
No caso em apreço e recorrendo aos ensinamentos que acima ficaram exarados, pode sem dúvida afirmar-se que a “imagem global do facto” é claramente indiciadora de um maior desvalor da ação e de um potencial perigo de prejuízos sérios para a saúde e para o bem-estar da vítima, evidenciando um estado de degradação, enfraquecimento, ou aviltamento da dignidade pessoal da vítima que permite classificar a situação como de maus tratos, que, por si, constitui um “risco qualificado que a situação apresenta para a saúde psíquica da vítima”.
Prejuízos que vieram a ocorrer, porquanto, conforme resultou provado “Ao actuar pelo modo descrito, teve o arguido o propósito de humilhar, amedrontar e infligir sofrimento psíquico à ofendida, o que esta sentiu, tendo vivido em sobressalto por força da conduta daquele” (facto provado n.º 18; itálicos nossos), para além de ter sentido “medo, inquietação, nervosismo e tristeza” (facto provado n.º 20).
Também nesta parte improcede o recurso.
*
5. Medida da pena.

§1. O recorrente insurge-se contra a pena em que foi condenado qualificando- de “injusta, desproporcional e desadequada”, “atendendo a toos os factores favoráveis que pendem para o arguido, e face ao cumprimento da pena de prisão anteriormente”.
“O recorrente entende que houve um excesso de protecção do bem jurídico que as normas visam proteger, talvez pressionados pela exposição mediática que pulula nos órgãos de comunicação social quanto a crimes de violência doméstica, e que esse excesso foi-lhe prejudicial na determinação da pena”.
Sustenta que “a pena aplicada de 2 anos e 6 meses de prisão viola os art.ºs 40.º, n.ºs 1 e 2, 70.º e 71.º do Código Penal, sendo imperativa a sua redução para uma pena muito inferior, no seu limite mínimo legal”.

A sentença recorrida apreciou a questão do modo seguinte:
«Quanto à medida da pena, esta é achada tendo em conta as circunstâncias que fazem parte do tipo (na sua intensidade), o recorte fáctico objecto dos autos e situações conexas que neste contexto deponham contra ou a favor de cada agente (desde que não integrem o tipo de crime). Deste modo obter-se-á a moldura concretamente aplicável, sendo que o ponto mínimo corresponderá àquele em que a comunidade já fica satisfeita e pacificada e o máximo aquele em que mesma ainda considera que a norma está a ser reafirmada (a partir do qual se consideraria desproporcionada). É dentro desta submoldura que as considerações de prevenção especial operarão na determinação do quantum concreto, sendo certo que em caso algum tal poderá ultrapassar o nível da culpa, que actuará sempre como limite máximo intransponível - artigos 40.º, n.º 1, e 71.º, n.º 1, do Código Penal.
Quanto ao crime de violência doméstica, nos termos conjugados pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alínea a), do Código Penal, a sua moldura penal é de 2 a 5 ano de pena de prisão.
Seguindo o raciocínio supra, considera-se que o grau de ilicitude é médio-baixo. De facto, não é possível qualificar como baixa a ilicitude, porquanto apesar dos factos praticados pelo arguido serem de teor injurioso (apelidou de “puta” e “ladra”) e ameaçador (“vou-te foder” e “mato-vos aos dois”) e de se terem verificado no espaço de 2 meses, os mesmos estavam a demonstrar um crescendo de frequência, que foi impedida pela medida cautelar prontamente aplicada. Por outro lado, não se pode classificar a ilicitude num nível mais elevado, uma vez que da factualidade assente não se pode concluir que, efectivamente, a assistente haja tido a sua vida ou integridade física perigada.
 Na verdade, a actuação do arguido assentou, sobretudo, pela (não menos grave) componente psicológica, que se traduzia essencialmente no apelidar a assistente de aparecer-lhe em casa, de forma não anunciada, ali ofendendo-a na sua consideração e a ameaçando, sendo que também o fez por intermédio do seu companheiro (não sendo de descurar que a intimação sobre este também afecta a própria assistente).
De notar que fê-lo quer na casa da assistente, quer em local público e perante outros, sendo que em ambos os casos o mesmo se mostrava sob o efeito do álcool - artigo 71.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal.
Dito isto, considera-se que a gravidade das consequências é média, uma vez que a assistente, apesar de viver constrangida pelo comportamento do arguido, não se encontra em estado tal tenha resultado numa inibição das aptidões psicológicas, sendo que certo, todavia, resulta provado que a mesma sentiu-se limitada, humilhada, nervosa e ansiosa e, em virtude do comportamento daquele - artigo 71.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal.
No que tange à culpa do arguido, somos a considerar que a mesma é alta, porquanto o arguido sabia que praticava os factos sobre a sua ex-cônjuge, a assistente, sem razões ou motivos aparentes, motivados por razões que não se conseguem descortinar, mas que demonstram uma tendência controladora e completamente adversa ao direito, porquanto já é a terceira vez que o arguido envereda por tais comportamentos ilícito, sendo que este sabia, ainda, que nas presentes circunstâncias a sua situação de liberdade condicional ainda não se encontrava definitivamente resolvida. Por outro lado, basicamente se verifica que o arguido apenas não pratica factos subsumíveis ao crime ora em mote quando, basicamente, se encontra privado da sua liberdade. Quer-se com isto dizer que o arguido tem bem consciência da ilicitude dos actos, e, apesar disso, agiu nos termos dados como provado, bem sabendo que dadas as concretas circunstâncias em que o mesmo se encontra que um outro completo comportamento lhe era exigível, pelo que lhe é altamente censurável o por si adoptado, que realizou com dolo directo - artigo 71.º, n.º 2, alíneas b) e c), do Código Penal.
De ter em conta é, ainda, que o arguido não se encontra familiar ou profissionalmente inserido, residindo, actualmente, sozinho, auferindo cerca de 185,00 € (cento e oitenta e cinco euros), a título de rendimento social de inserção. Por outro lado, o arguido tem antecedentes criminais, todos contra as pessoas (natureza), mormente, pela prática de crimes de (também) de violência doméstica praticados contra a aqui assistente BB e ofensas à integridade física, praticados na pessoa sua filha, a DD - artigo 71.º, n.º 2, alíneas b), d) e f), do Código Penal.
Considera-se, face ao referido e à circunstância de a sociedade sentir necessidade na numa segura reposição da norma violada que tipifica a violência doméstica, que as necessidades de prevenção geral são médias. Relativamente, face ao exposto, as necessidades de prevenção especial são altas.
Por todo o exposto, considera-se adequada e proporcional a pena de prisão de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses».

§2. Conforme decorre da lição da melhor doutrina (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 196-197, §255) e constitui jurisprudência uniforme do STJ (cfr., v.g. os Acs do STJ de 9-11-2000, in Sumários STJ de 29-1-2004, proc.º n.º 03P1874, rel. Cons.º Pereira Madeira e de 27-5-2009, proc.º n.º09P0484, rel. Cons.º Raul Borges, disponíveis in www.dgsi.pt), aplicável à segunda instância (cfr. v.g. Ac. da Rel. de Lisboa de 31-10-2019, proc.º n.º 989/17.0PZLSB.L1-9, rel. Abrunhosa de Carvalho, da Rel. do Porto de 2-10-2013, proc. n.º 180/11.0GAVLP.P1, rel. Joaquim Gomes, e da Rel. de Guimarães de 13-5-2019, proc.º n.º 348/18.7GAVLP.G1 Ausenda Gonçalves, todos disponíveis in www.dgsi.pt), a intervenção do tribunal de recurso pode incidir na questão do limite ou da moldura da culpa assim como na actuação dos fins das penas no quadro da prevenção; mas já não na determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo se tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.
Nesta linha de orientação refere-se com inteiro acerto no douto Ac. da Rel. do Porto de 6-1-2013, proc.º n.º 201/10.3GAMCD.P1, rel. Ernesto Nascimento:
«Acerca da questão da cognoscibilidade, controlabilidade da determinação da pena, no âmbito do recurso, há que dizer que a intervenção do tribunal nesta sede, de concretização da medida da pena e do controle da proporcionalidade no respeitante à sua fixação concreta, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada.
Vem-se entendendo que se pode sindicar a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro de prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada».
No caso em apreço o tribunal recorrido teve em atenção os elementos disponíveis no processo que interessavam em sede de graduação das penas, tendo avaliada a conduta do arguido em função dos parâmetros legais, que foram respeitados.
Por outro lado, a medida da pena de prisão de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, numa moldura de 2 (dois) a 5 (cinco) anos de prisão não viola as regras de experiência nem a sua quantificação se revela de todo desproporcionada.   
Muito pelo contrário, a medida da pena aplicada ao arguido, situada muito abaixo da metade da moldura da pena prevista para o ilícito cometido, contem-se dentro dos limites da culpa e das necessidades de prevenção e faz adequada e justa ponderação das circunstâncias que não fazendo parte do crime militam a favor e contra o agente.
A este respeito impõem-se apenas algumas breves notas adicionas.
As exigências de prevenção geral  -  não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida” (Figueiredo Dias, “O sistema sancionatório do Direito Penal Português”, in em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815) – são muito elevadas.
As exigências de prevenção especial são elevadíssimas atento o passado criminal do arguido
Embora a questão não seja inteiramente líquida à luz da doutrina e da jurisprudência             (cfr., v.g. as opiniões divergentes do Cons.º Lourenço Martins, Medida da Pena – Finalidades- Escolha – Abordagem Crítica de Doutrina e Jurisprudência, Coimbra, 2011, pág. 513 e do Des. Vaz Patto, Os fins das penas e a prática judiciária - algumas questões, Albufeira, 1 de julho de 2011, disponível in https://www.csm.org.pt) importa acentuar que entendemos que nem a falta de confissão nem de arrependimento agrava a responsabilidade criminal do arguido.
Simplesmente o arguido não beneficia de nenhuma desta “atenuantes valiosas”, como lhes chamou o Ac. STJ de 9-07-1986, proc. n.º 038510, rel. Cons.º Manso Preto.
Se é certo que o arguido se encontrava sob a influência do álcool não é menos certo que só por si a embriaguez não exclui o dolo, nem a responsabilidade criminal (cfr., v.g., os Acs. do STJ de 17-10-2007, proc.º n.º 07P3395, rel. Cons.º Armindo Monteiro, de 3-7-2014, proc.º n.º 354/12.6GASXL.L1.S1 rel. Cons.º Maia Costa). Por outro lado, importa não esquecer que a invocação de estados de dependência de drogas e álcool “não pode omitir que tais dependências, com todas as consequências que lhe são inerentes, são formas de vida que tem na sua origem uma opção voluntária e consciente” (Ac. do STJ de 7-5-2008, proc.º n.º 08P1008, rel. Cons.º Santos Cabral).
No caso em apreço, a factualidade apurada não permite concluir que o alcoolismo do arguido tenha diminuído a sua capacidade de entender nem de se determinar, nem que o tenha impossibilitado de agir em liberdade, voluntária e conscientemente, sendo que, conforme jurisprudência assente, estar embriagado na comissão de crimes não tem natureza atenuativa, podendo a consideração ser de sinal contrário, atento o disposto no artigo 86.º do Código Penal.
Por último, quatro décadas volvidas sobre a entrada em vigor do Código Penal continua a peticionar-se invariavelmente a imposição de penas pelo “mínimo legal”.
No domínio do Código anterior, de 1886, verificava-se uma tendência generalizada para fixar as penas próximo do limite mínimo das respectivas molduras, face à severidade de tais molduras. Mas esse comportamento deixou de se justificar perante o novo Código Penal e legislação complementar, com molduras penais devidamente actualizadas (cfr. Leal Henriques-Simas Santos, Código Penal Anotado, vol. II, 4ªed., Lisboa 2015, pág. 36)
No caso em apreço, a ilicitude dos factos praticados pelo arguido e o seu grau de culpa, conjugados com o seu passado criminal tornam impensável a fixação da pena “no seu limite mínimo legal”, conforme pretendido pelo recorrente.
Aquela pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão) não é, por conseguinte, merecedora de qualquer censura por se revelar necessária, adequada e proporcional, tendo sido criteriosamente definida em função das disposições conjugadas dos artigos 40º e 71º, ambos do Código Penal.
Não há, por isso, qualquer razão para intervenção corretiva na pena aplicada ao arguido a qual, de resto, não se afasta do padrão condenatório dos tribunais superiores portugueses.
*
6. Suspensão da execução da pena

§1. O recorrente insurge-se ainda para o facto de a execução da pena de prisão não ter sido suspensa.
Socorrendo-nos das conclusões que apresentou é a seguinte a argumentação do recorrente:
“Salvo melhor opinião, a decisão de não aplicação do presente instituto não teve em consideração o momento em que a decisão judicial foi proferida, mas retroagiu ao momento em que o mesmo cometeu os ilícitos criminais e às condenações que estavam em vigor. No entanto, passaram-se mais de 5 anos, desde a sua condenação
E assim que obteve a sua liberdade condicional, pautou a sua conduta de forma observadora dos ditames legais, pois, mesmo tendo-se cruzado com a assistente no período da sua liberdade, não causou qualquer incidente, além de que, o grau de ilicitude é médio-baixo, porque os factos são de teor injurioso e ameaçador.
E sucederam porque o mesmo encontrava-se alcoolizado, logo estaria diminuído nas capacidades e incapaz de medir as consequências dos seus actos.
E mesmo que o arguido resida sozinho, isolado, não são conhecidos desacatos ou problemas legais com membros da comunidade onde está inserido, para além de que, a pena de prisão efectiva de 2 anos e 6 meses pode ter o condão contrário à ressocialização do recorrente, pois, face à injustiça que sente pela pena aplicada, quando tem noção que o processo em curso advém dos problemas existentes com o processo de partilha de bens entre o extinto casal, e por isso, a mesma não cumprirá com os fins das penas.
 Pelo que, é nossa humilde opinião que, em face das exigências de prevenção especial de socialização e da situação pessoal do recorrente que não é necessária a imediata execução da pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva, pois atendendo a todos os factos que jogam a favor do arguido demonstram que a simples censura e ameaça da prisão se afiguram como necessárias para afastar o arguido do crime e satisfazer as necessidades de prevenção. De certeza que é isto que o Direito pretende com os fins das penas».
A respeito deixou-se consignado na sentença recorrida.
« Da não suspensão da execução da pena de prisão
No caso concreto, as exigências de prevenção geral apresentam-se médias, enquanto as de prevenção especial afiguram-se altas.
Conforme já referido, o arguido tem antecedentes criminais por iguais crimes e crimes contra as pessoas (sendo que as vítimas, em ambas, foram assistente BB e a sua filha DD, ou seja, tudo pessoas que pertencem ao seu circulo familiar [ainda que a primeira já não seja seu cônjuge, há-de, por via destas circunstâncias, ou seja, ser a mãe dos seus filhos, de alguma forma ali caber]) e não se encontra familiar ou profissionalmente inserido, residindo, actualmente, sozinho, e auferindo cerca de 280,00 € (duzentos e oitenta euros), a título de rendimento social de inserção.
Ou seja, o arguido é pessoa cuja ressocialização, num juízo de prognose, se afigura de difícil realização, ainda que a pena se oriente em tal sentido, até porque no passado tal foi procurado e não surtiu efeito (a primeira pena aplicada em virtude da prática de um crime de violência doméstica já fora suspensa na sua execução, precisamente, com a condição de o arguido tratar os seus hábitos etílicos).
Ora, quando a pena concreta achada não é superior a 2 ou 5 (cinco) anos, o Tribunal tem de considerar se a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade ou, em caso negativo, se a suspensão da sua execução serão a melhor via para que se realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, mais concretamente, se se afigura como a melhor resolução para as necessidades de prevenção especial sentidas - artigos 50.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, do Código Penal.
Sucede que, nos termos referidos, o arguido demonstra-se completamente isolado, adverso ao direito e incapaz de olhar para os seus actos é perceber ser o único responsável por eles, pelo que não concluir que não é necessária a imediata execução da pena de prisão, pelo que não já que a mera censura, através da sua condenação, e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, até porque, na verdade, a própria prisão efectiva não se mostrou capaz de o fazer - artigos 50.º, n.ºs 1 a 5, e 58.º, n.º 1, do Código Penal.
Nestes termos e tendo em consideração o até então dito, considera-se não ser de substituir a pena aplicada por prestação de trabalho a favor da comunidade ou de suspender a sua execução, devendo o arguido cumprir efectivamente a pena de prisão determinada».
Vejamos.

§2. Nos termos do n.º1 do artigo 50º do Código Penal “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

O citado artigo 50º atribui, deste modo, ao tribunal o poder-dever de suspender a execução da pena de prisão não superior a cinco anos, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo e prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido (cfr. Figueiredo Dias, “Velhas e novas questões sobre a pena de suspensão da execução da pena”, Rev. de Leg. e Jur. ano 124º, pág. 68, e Direito Penal Português, -As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, §518, págs.342-343).

Como justamente se salientou no Ac. do S.T.J. de 8-5-1997 (Proc.º n.º 1293/96) “factor essencial à filosofia do instituto da suspensão da execução da pena é a capacidade da medida para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio da valoração do seu comportamento de acordo com as exigências do direito penal, impondo-se-lhe como factor pedagógico de contestação e auto-responsabilização pelo comportamento posterior; para a sua concessão é necessária a capacidade do arguido de sentir essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de delinquir”.

Conforme resulta do citado artigo 50º, n.º1 do Código Penal, a pena de substituição em causa deve ser aplicada, na sugestiva formulação do Sr. Cons.º Oliveira Mendes (cfr. v.g. Acs do STJ de 23-4-2008, proc.º n.º 08P912 e de 28-5-2008, proc.º n.º 08P1129, ambos in www. dgsi.pt): 

«a) Sempre que o julgador se convença, face à personalidade do condenado, suas condições de vida, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos (prevenção especial) e;

«b) Desde que não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade (prevenção geral)». Como sublinha o Prof. Figueiredo Dias, “Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -  a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem “as necessidades de reprovação e prevenção do crime”. Já determinámos que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise” (Direito penal Português-As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 344)».

É, pois, neste contexto legal, em face daquele normativo legal tal como vem sendo interpretado à luz da melhor doutrina e da jurisprudência mais autorizada que a questão da suspensão da execução da pena deve ser encarada e decidida. 

Embora reconhecendo que neste domínio “os interesses a prosseguir, seja a prevenção geral de integração seja da prevenção especial de socialização, interagem em verdadeira tensão dialética” (Ac. da Rel. do Porto de 17-12-2008, proc.º n.º 0816924, rel. Des.º Melo Lima, in www.dgsi.pt), encaremos primeiro a questão sob o prisma da prevenção especial.

Recorda-se que pela prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa).
Conforme é sabido “o juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, subjacente à decisão de suspender a execução da pena, pode assentar numa expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e consequente ressocialização em liberdade do arguido” - Ac. STJ 1-3-2007, proc.º n.º 254/07-5, rel. Simas Santos, in www.dgsi.pt.

Essencial é que se estabeleça uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido condenado - Ac. do STJ de 8-5-2002, in Col. de Jur-Acs do STJ, ano X, tomo 5, pág. 192.

Será que no caso em apreço será possível estabelecer essa relação de confiança?

Estamos em crer que a resposta a tal questão deve ser negativa.

Importa desde já salientar que a circunstância de o recorrente não ser um delinquente primário não obsta, só por si, à formulação do juízo de prognose favorável e à consequente suspensão da execução da pena.

Entre nós, há muito que se assinalou que a restrição do benefício da suspensão aos delinquentes primários não tem fundamento (cfr. Eduardo Correia, Direito Criminal vol. II, págs. 396-405).

Como mais modernamente acentua o Prof. Figueiredo Dias, embora se compreenda que nestes casos o prognóstico favorável se torne mais difícil e questionável e se exija para a sua concessão uma particular fundamentação “(…) a existência de condenação ou condenações anteriores não é impeditiva a priori da concessão da suspensão” (Direito Penal Português, -As Consequências Jurídicas do Crime, cit., §519, pág. 344).   

Esta é, igualmente, a posição do nosso mais Alto Tribunal.

Assim, os acórdãos do STJ de 17 de Fevereiro de 2000 (proc.º n.º 1162/99-5ª, SASTJ, n.º38,82) e de 12 de Dezembro de 2002 (proc.º n.º 4196/02-5, SASTJ, n.º66,64) sublinharam ambos que “A circunstância de um arguido ser reincidente não obsta decisivamente à possibilidade de se lhe suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos, se se tiver como justificado formular a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Sucede, porém, que no caso em apreço inexiste qualquer circunstancialismo excepcional ou ponderoso que justifique a pretendida suspensão da execução da pena de prisão.

Antes de mais importa salientar que contrariamente ao que afirma o recorrente o juízo de prognose l relativamente ao comportamento futuro do arguido foi feito pela sentença recorrida por reporte ao momento da decisão.
Depois, o arguido confessou apenas muito parcialmente a sua apurada conduta e sem qualquer relevância para a descoberta da verdade.
Não se provou qualquer arrependimento.

Pelo contrário o que se provou foi antes que O arguido apresenta um discurso de vitimização e atribuição de responsabilidades aos familiares pela sua condenação pelos crimes em que foi condenado e mencionados nas alíneas 33) a 39).
Ora, conforme se assinala no citado acórdão do S.T.J de 29-4-2003, “O Supremo Tribunal de justiça tem doutrinado que, por via de regra, não será possível formar o juízo de prognose favorável de que se falou, em relação ao arguido, não primário, na ausência de confissão aberta onde possam ser encontradas razões da sua conduta e sem arrependimento sincero em que ele pode demonstrar que rejeita o mal praticado por forma a convencer que não voltar a delinquir se vier a ser confrontado com situação idêntica”.

Acresce que o arguido, antes de preso preventivamente à ordem destes autos vivia sozinho. A sua subsistência era assegurada pela prestação pecuniária do rendimento social de inserção, no valor mensal de cerca de 185,00 € (cento e oitenta e cinco euros), pelo apoio alimentar que lhe era dispensado pelo Centro Social local e, quando necessário, por dinheiro emprestado que solicitava a terceiros,
Não se mostrava integrado nem familiarmente, nem socialmente.
Recorda-se que o filho EE, emigrante em ..., quando soube da concessão da liberdade condicionado do arguido, veio por um período de férias a Portugal, por sentir receio de que o pai se envolvesse em conflitos com as irmãs CC e DD. No decurso desse período, o relacionamento interpessoal agudizou-se entre ambos, o que deu origem a duas queixas-crime na GNR, uma do filho EE contra o arguido AA. Na sequência do referido, o arguido abandonou a casa onde retornou depois de colocado em liberdade condicional em 11 de Setembro de 2011e passou a pernoitar numa casa inacabada próxima da dele, sem condições de habitabilidade, propriedade de um irmão, não obstante, ter de recorrer à casa morada de família, para realizar tarefas de higienização da roupa. Em Novembro de 2021, as filhas do arguido, DD, CC e o seu companheiro FF saíram da casa onde residiam e, indo residir em habitação sita na freguesia ..., ....
Contrariamente ao que está subjacente à afirmação do recorrente de que ao arguido não são conhecidos desacatos ou problemas legais com membros da comunidade onde está inserido, conforme consta do relatório social junto a fls. 614 verso, enviado em 12 de Dezembro de “Socialmente detém estigma decorrente do seu trajeto de consumos alcoólicos , e consequente impacto dos mesmos no processo de desorganização pessoal ligada à convivialidade em contexto de Café”.
Por outro lado, o arguido padece há muito de um ploblema de alcoolismo que ainda não conseguiu ou não quis debelar. Sujeitou-se a processos de desintoxicação e consequentes tratamentos, respectivamente na Casa de Saúde ..., no serviço de psiquiatria do Hospital ..., e, em 2014, na Comunidade Terapêutica - Projecto Homem, onde cumpriu um programa terapêutico pelo tempo mínimo de seis meses, concluído a 17 de Março de 2015, tendo recusado prossegui-lo por mais tempo, conforme lhe foi aconselhado pelos terapeutas.
Em liberdade grande parte dos seus tempos livres eram passados em cafés e tascas da freguesia, onde ingeria bebidas alcoólicas até ficar no estado de embriagado, o que lhe provocava alterações de humor e controlo.
Os factos em causa nestes autos ocorridos em 25 de Fevereiro de 2022 e em 5 de Março do mesmo ano foram praticados pelo arguido quando se encontrava sob o efeito do álcool.
Finalmente se se afirmou e se reafirma que a existência de condenação ou condenações anteriores não é impeditiva a priori da concessão da suspensão da execução da pena não pode, porém, olvidar-se o passado recente do arguido.
Conforme resultou provado:
- Por sentença proferida a 17 de Dezembro de 2013 e transitada em julgada 16 de Janeiro de 2014, no âmbito do Proc. n.º 1033/13...., que correu termos no ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial ..., o arguido AA foi condenado pela prática, em Julho de 2013 e na pessoa de BB, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelos artigos 152.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Código Penal, e pela prática, a 23 de Julho de 2013 e na pessoa de DD, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, do Código Penal, respectivamente, na pena de 2 a nos e oito meses de prisão, suspensa por igual período e com regime de prova e condição de ser acompanhada pela DGRS e frequentar o programa de tratamento ao alcoolismo a instituição de saúde adequada, com acompanhamento e a orientação deste instituto, e na pena de multa de 130 (cento e trinta) dias à diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz um total de 650,00 € (seiscentos e cinquenta euros).
- Por decisão proferida a 22 de Dezembro de 2015 e transitada em julgado a 29 de Janeiro de 2016, no âmbito do Proc. n.º 1033/13...., que correu termos no Juízo Local Criminal ... - J..., do Tribunal Judicial da comarca ..., foi a pena de suspensão aplicada ao arguido AA e referida na alínea 33) revogada, tendo sido determinado o cumprido da pena de prisão efectiva.
- Por Acórdão proferido a 23 de Junho de 2015 e transitado em julgado a 05 de Outubro de 2015, no âmbito do Proc. n.º 484/14...., que correu termos no Juízo Central Criminal ... - J..., do Tribunal Judicial da comarca ..., o arguido AA foi condenado pela prática, a 25 de Maio de 2014 e na pessoa de BB, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelos artigos 152.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Código Penal, e, a 25 de Maio de 2014 e na pessoa de DD, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, do Código Penal, respectivamente, nas penas de 3 anos de prisão efectiva e que 150 (cento e trinta) dias de multa à taxa diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz um total de 750,00 € (seiscentos e cinquenta euros).
- Por sentença proferida a 01 de Março de 2016 e transitada em julgado a 11 de Abril de 2016, no âmbito do Proc. n.º 845/15...., que correu termos no Juízo Local Criminal ... - J..., do Tribunal Judicial da comarca ..., o arguido AA foi condenado pela prática, a 08 de Agosto de 2015 e na pessoa de BB, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelos artigos 152.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão efectiva e na pena acessória de contacto com a vítima, pelo período de 5 anos.
- Por acórdão proferido a 15 de Setembro de 2016 e transitado em julgado a 14 de Outubro de 2016, proferido no âmbito do cúmulo jurídico efectuado no Proc. n.º 845/15.... pelas penas aplicadas no mesmo e no âmbito do processo referido em 35), que correu termos no Juízo Central Criminal ... - J..., do Tribunal Judicial da comarca ..., o arguido AA foi condenado na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva, na pena de multa de 150 dias de multa à taxa diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz o total de 750,00 € (setecentos e cinquenta euros) na pena acessória de contacto com a vítima, pelo período de 5 anos.
- Por sentença proferida a 01 de Setembro de 2021, no âmbito do Proc. n.º 1134/15...., que correu termos no Juízo de Execução de Penas ... - J..., do Tribunal de Execução de Penas ..., foi concedida a liberdade condicional ao arguido AA, pelos 5/6 das penas em execução, a partir de 11 de Setembro de 2021 e até ao termo das penas, previsto para 22 de Novembro 2022, no âmbito dos autos referidos em 33) e 37).
- Por decisão proferida a 18 de Setembro de 2019 e transitada em julgado a 18 de Outubro de 2019, no âmbito do Proc. n.º 845/15.... (cúmulo jurídico), que correu termos no ... - J..., do Tribunal Judicial da comarca ..., foi a pena de multa aplicada ao arguido AA e mencionada em 37), convertida em 100 dias de prisão subsidiária e suspensa por 1 ano, condicionada à condição de o arguido se sujeitar a tratamento médico à dependência ou outra patologia aditiva de que padeça, cuja extinção foi inscrita em virtude de decisão proferida a 04 de Julho de 2022.
Quer isto dizer que para além de dois crimes de ofensa à integridade física perpetrados na pessoa da sua filha DD, esta é a quarta condenação do arguido pela prática de um crime de violência doméstica na pessoa da assistente BB, tendo as ulteriores condenações ocorrido por factos de Julho de 2013, 25 de Maio de 2014 e 8 de Agosto de 2015.
Mais: no âmbito daquela primeira condenação no processo n.º 1033/13.... arguido beneficiou anteriormente da suspensão da execução da pena que não soube aproveitar já que a suspensão foi revogada, tendo sido determinado o cumprimento da pena de prisão.
Acresce que o crime em causa nestes autos foi cometido em 25 de Fevereiro de 2022, 5 de Março de 2022 e 29 de Março de 2022, isto é, no decurso da liberdade condicional que lhe fora concedida em 11 de Setembro de 2021 até 22 de Novembro de 2022.
Mostra-se assim que o arguido foi indiferente às condenações antecedentes e à privação da liberdade sofrida, as quais não o dissuadiram de voltar a prevaricar.
Perante este quadro o arguido não parece influenciável por pena algum, revelando uma evidente indiferença perante todas as que já lhe foram aplicadas e que, manifestamente, não lhe serviram de advertência para não mais cometer ilícitos criminais”.
Consequentemente, não é de todo possível efectuar um juízo de prognose positiva, formular um prognóstico favorável acerca do comportamento futuro do arguido, que justifique a aplicação de uma pena não privativa da liberdade.
Por outro lado, na síntese do Cons.º Souto Moura, “No que toca à prevenção geral, importa que a comunidade não sinta a suspensão da execução da pena de prisão como sinal de impunidade” (A jurisprudência do STJ sobre a fundamentação e critérios da escolha e medida da pena, 26-4-2010, pág. 4, disponível em www.stj.pt).

No caso em apreço as necessidades de prevenção geral são muito acentuadas, “tendo em consideração a censura crescente que a violência doméstica vem merecendo por parte do legislador (que instituiu um quadro punitivo particularmente rigoroso) e da sociedade em geral, que estigmatiza e censura especialmente quem pratica este tipo de actos” Ac. do STJ de 23-11-2011, proc.º n.º 1064/10.4JDLSB.L1.S1,  rel. Cons.º Maia Costa).
Como mais recentemente salientou o STJ no seu Ac. de 7-2-2018, proc.º n.º 312/15.9POLSB.S1, rel. Cons.º Maia Costa:
«O crime de violência doméstica é um caso paradigmático de neocriminalização fundamentada, revelando a preocupação do legislador em recorrer à via repressiva para erradicar tanto quanto possível esta forma de violência, muito disseminada na sociedade, onde ainda persistem resquícios de uma mentalidade patriarcal hoje completamente anacrónica, sendo embora certo que o fenómeno é transversal a toda a sociedade, e não específico de certos estratos sociais, que geralmente incide sobre as mulheres, e que até há pouco tempo não merecia uma censura social correspondente à sua danosidade e à sua reprovabilidade.
Este tipo de violência é com efeito de enorme gravidade: praticada geralmente na sombra do lar, sem testemunhas, dirigida contra pessoas indefesas, quer pela fragilidade física, quer pela idade (menoridade ou idade avançada), quer pela “hierarquia” de posições (no caso de o ofendido ser filho), quer pela relação de domínio psíquico que o agressor consegue, pela violência ou pela astúcia, estabelecer sobre a vítima, acabando na grande maioria das vezes por reduzi-la a um ser sem vontade própria, sem capacidade de afirmação pessoal, muito menos de reacção perante qualquer agressão, inclusivamente sem capacidade de denúncia junto das autoridades, ou mesmo de familiares ou confidentes, das violências sofridas.
Na última década e meia assistiu-se porém a uma tomada de consciência generalizada da grande dimensão e da extrema gravidade deste tipo de violência. A esta tomada de consciência social vem correspondendo a ação do Estado, que se desdobra em diversas vertentes, traduzidas em sucessivos planos plurianuais de prevenção e combate à violência doméstica (o último dos quais abrangendo o período de 2014-2017), abrangendo a definição de estratégias no sentido de prevenção do fenómeno, de intervenção junto dos agressores, de proteção das vítimas, de qualificação de profissionais envolvidos na assistência às vítimas e de reforço das estruturas de apoio e atendimento das mesmas, sem que no entanto, como adiante veremos, o fenómeno da violência doméstica tenha perdido intensidade.
A intervenção penal, pelas suas características de “ultima ratio”, não pode alvejar erradicar o fenómeno, mas também não pode desistir da sua função de prevenção geral, enquanto finalidade central da aplicação das penas, sem porém ceder a tentações populistas, também muito em voga na sociedade de hoje».
Recorda-se que pela prevenção geral faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e pelo outro no restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal dos bens tutelados;
Por isso, prevenção geral, não como prevenção geral negativa, de intimidação de delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; em suma, na expressão de Jakobs, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida.
Importa que a sociedade sinta que o desprezo pela observância das normas criminais tem uma resposta do sistema penal significativa.

A aplicação de pena suspensa iria pôr em causa a crença da comunidade na validade da norma e a confiança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais porque seria vista pela comunidade como um sinal de fraqueza ou de indulgência para com este tipo de criminalidade.

Com efeito, uma condenação em pena suspensa, por crime de violência doméstica perpetrado pelo agente na pessoa da ex-mulher no decurso da liberdade condicional que lhe fora concedida no decurso do cumprimento de pena única de prisão aplicada pela prática de três outros crimes de violência doméstica cometidos na mesma pessoa, iria ser encarada como uma incompreensível cedência perante o crime, como sinal de excessiva permissividade, sendo tal solução de repudiar.

Deste modo, também o sentimento jurídico da comunidade impõe que o arguido cumpra uma pena privativa da liberdade por só assim se cumprirem as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.

Também nesta parte improcede o recurso.
*
B) Omissão de pronúncia (regime de permanência na habitação)
7. Conforme referido, o Exmo PGA no seu parecer veio arguir a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia quanto à substituição da pena aplicada ao arguido-recorrente, pelo regime de permanência na habitação.
Efectivamente, nos termos do artigo 43.º do Código Penal:
«1 – Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
 a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos;
b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80º a 82º;
c) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no nº 2 do artigo 45º. (…)».
Embora a questão da natureza do regime de permanência na habitação seja controvertida na doutrina e na jurisprudência (cfr- Ac. da Rel. o Ac. da Rel. de Lisboa de 23-11-2021, proc.º n.º 2338/18.1PSLSB.L1-5, rel. Fernando Ventura onde a este respeito  se enunciam três orientações), afigura-se-nos que nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º1 do citado precito legal, o regime de permanência na habitação assume a natureza de pena de substituição em sentido amplo ou impróprio, na medida em que, tendo natureza privativa da liberdade, pode ser decidida na sentença condenatória em alternativa ao cumprimento da pena de prisão em meio prisional (cfr. neste sentido António João Latas, O Novo Quadro Sancionatório das Pessoas Singulares/Revisão do Código Penal de 2007, in Conceição Gomes e José Mouraz Lopes, coord., A Reforma do Sistema Penal de 2007, Garantias e Eficácia, pág.. 106 e ss., Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, pág. 182, André Lamas Leite, “As «penas de substituição» e figuras afins: traços distintivos”, in “Revista Portuguesa de Ciências Criminais”, Ano 30, nº 2, Maio-Agosto de 2020, pág. 319-362 e na jurisprudência, v.g., os Acs da Relação de  Évora de 22-11-2018, proc.º n.º 1029/18.2PCSTB.E2, rel. António João Latas,    de 14-3-2023, proc.º n.º 25/22.5PTSTB.E1, rel.   Artur Vargues de 18-2-2020, proc.º n.º 240/17.3GHSTC.A.E1,rel.Laura Maurício, disponíveis em www.dgsi.pt).
Resulta da sentença recorrida que o arguido-recorrente encontra-se ininterruptamente em prisão preventiva desde o dia .../.../... a .../.../..., ou seja, há mais de 8 meses, quando foi proferida a sentença recorrida.
Conforme dispõe o o nº 1 do citado artigo 80º “a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão”.
Tendo em conta que o arguido-recorrente foi condenado na pena de prisão efetiva de dois anos e seis meses, descontado o referido período de tempo de prisão preventiva, a pena de prisão é inferior a dois anos, à data da sentença recorrida.
Por isso que se verifique o condicionalismo previsto na alínea b) do n.º1 do artigo 43.º
Sucede, porém, que sentença não se pronunciou sobre a possibilidade de aplicação desta pena de substituição, sendo certo que a apreciação e aplicação de penas de substituição constituem um verdadeiro poder –dever do tribunal (cfr. neste sentido e para caso semelhante o Ac. da Relação de Évora de 19-2-2013, proc.º n.º 89/10.4.GBPSR.E1, rel. António João Latas, in www.dgsi.pt)
Mesmo que se adopte uma outra perspectiva sobre a natureza do regime de permanência na habitação a conclusão é idêntica.
Refere a propósito o Ac. da Rel. de Lisboa de 23-11-2021, proc.º n.º 2338/18.1PSLSB.L1-5, rel. Fernando Ventura: “Face ao maior benefício para a ressocialização do condenado que decorre da execução da prisão na residência, por preservar os laços sociofamiliares e, quando necessário e adequado, a formação e atividade profissional do agente (n.º 3 do artigo 43.º do CP), deve ser reconhecido, à luz do princípio da sociabilidade, a sua aplicação preferencial, face à prisão institucional, em estabelecimento prisional, o que significa que o regime da permanência na habitação representa, qualquer que seja o ponto de vista por que seja encarada, um módulo de vinculação do juiz na escolha e modulação da reação sancionatória penal, isto é, medida com a estrutura de um poder-dever, a apreciar e decidir sempre que o tribunal entenda ser de aplicar pena de prisão efetiva não superior a dois anos, como foi o caso. Sempre que assim suceda, como ocorreu no caso vertente, está o julgador obrigado a equacionar autonomamente a verificação dos restantes pressupostos (formais e materiais) da medida penal, a começar pelo consentimento do arguido”.
No mesmo sentido se pronunciou a Prof. Maria João Antunes, que caracteriza a obrigação de permanência na habitação, após a entrada em vigor da Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, como um “meio de execução da pena de prisão”, um incidente (ou uma medida da execução da pena de prisão (Penas e Medidas de Segurança, 2ªed., Coimbra, 2022, págs. 41 e 114): “ Trata-se de um poder-dever para o tribunal, com a consequência de dever fundamentar a decisão que dê preferência à execução da pena de prisão em meio prisional , em meio prisional, em detrimento da execução em regime de permanência dna habitação . Só desta forma é dado cumprimento ao propósito político-criminal da preferência pela execução das penas de prisão até dois anos em regime de permanência na habitação” (op. cit. pág. 112).
É, assim, forçoso concluir que nesta parte ocorre omissão de pronúncia, por o tribunal ter deixado de e pronunciar sobre questão que devia apreciar (cfr. neste sentido, v.g. os Acs da Relação de Lisboa de 23-11-2021, proc.º n.º 2338/18.1PSLSB.L1-5, rel. Fernando Ventura e de 15-5-2018, proc.º n.º 1398/17.7GLSNT.L1-5, rel. Jorge Gonçalves, e da Relação do Porto de 4-12-2019, proc.º n.º 100/18.0PDPRT.P1, rel. Mota Ribeiro, de  6-2-2019, proc.º n.º   19/18.5SFPRT.P1, rel. João Pedro Nunes Maldonado e de 27/06/2018, proc.º n.º   312/16.1IDAVR.P1, rel. JORGE LANGWEG , todos in www.dgsi.pt)
A sentença recorrida padece, deste modo, da nulidade prevista no artigo 379º, alínea c) do Código de Processo Penal, a qual gera a nulidade apenas da sentença e não da audiência de julgamento (cfr. v.g. Acs do STJ de 6-3-1991, proc.º n.º 4..., e de 11-2- 1992, BMJ n.º 414, pág. 389).
A referida nulidade é de conhecimento oficioso face ao disposto no n.º2 do artigo 379º do Código de processo Penal segundo o qual “as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 414º, n.º4.”
Face ao teor desta norma introduzida pela lei n.º 59/98, de 25 de Agosto deve considerar-se caducada a doutrina do assento do Ac. do Plenário das secções criminais do STJ de 6-5-1992, publicado no DR I Série-A de 6-8-1992, que fixara jurisprudência obrigatória no sentido de que não era insanável a referida nulidade
Neste sentido e de que as nulidades de sentença são de conhecimento oficioso cfr., v.g., os acs. do STJ de 25-11-1999, BMJ n.º 491, pág. 200, e de 31-5-2001, proc.º n.º 260/01-5º, apud Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 15ª ed., Coimbra, 2005, pág. 755, de 12-9-2007, proc.º n.º 07P2583 e de 17-10-2007, proc.º n.º 07P2688, ambos rel. pelo Cons.º Raul Borges, de 27-5-2009, proc.º n.º 1511/05.7PBFAR.S1, rel. Cons.º Pires da Graça, os acs desta Relação de Guimarães de 17-5-2004, proc.º 487/04, rel. Heitor Gonçalves, de 27-9-2004, proc.º n.º 607/04, rel. Heitor Gonçalves, de 25-10-2004, proc.º n.º 1581/04, rel. Tomé Branco, de 22-10-2007, proc.º n.º 1274/07-2, rel. Cruz Bucho, de 7-3-2016, proc.º n.º 357/14.6TABCL.G1, rel. Manuela Paupério, o ac. da Relação do Porto de 21-1-2009, proc.º n.º 0846847, rel. Ernesto Nascimento,  os acs da Relação de Coimbra de  18-5-2011, proc.º n.º 193/10.9PBAVR.C1, rel. Paulo Guerra e de 23-5-2012, proc.º n.º 174/07.0PCCBR.C1, rel. Maria José Nogueira, os acs. da Relação de Lisboa Ac da RL de 27/01/2010, processo 649/08.3PQLSB.L1-3, rel. Maria José Costa Pinto (todos disponíveis em www.dgsi.pt) e de 15-6-2004, proc.º n.º 8946/04, rel. Simões de Carvalho e de 1-6-2000, proc.º n.º 2965/20, rel. Nuno Gomes da Silva, in www.pgdlisboa.pt.).
Embora este entendimento não colha os favores de largo sector da doutrina (Germano Marques da Silva, Maia Gonçalves, Simas Santos-Leal Henriques, Vinício Ribeiro, Pinto de Albuquerque) é largamente dominante quer ao nível do STJ quer ao nível das Relações (cfr. Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal- Notas e Comentários, págs. 1075-1081, com inúmeras outras referências jurisprudenciais). 
Tradicionalmente entendia-se que o tribunal superior não poderia substituir-se ao tribunal recorrido e suprir a nulidade, devendo, por isso, remeter o processo para reforma da decisão anulada, sob pena de se estar a cercear ao arguido um grau de recurso em violação da garantia constitucional do duplo grau de jurisdição (artigo. 32º da CRP).
Todavia, a partir da alteração à redacção do nº 2 do artigo 379º do CPP, introduzida pela Lei nº 20/2013, de 21/2, esse normativo passou a estatuir que «as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las…», assim substituindo, neste último segmento, a anterior expressão «sendo lícito ao tribunal supri-las».
Daí que tenha passado a defender-se que, em princípio, constitui um dever do tribunal de recurso o suprimento das nulidades da sentença recorrida, a menos que, obviamente, a nulidade só seja susceptível de suprimento pelo tribunal recorrido (cfr. v.g. o Ac entre outros, acórdão do STJ de 20/10/2016, proc. 10/15.3GMLSB.E1.S1, rel. Cons.ª Rosa Tching).
Como a propósito escreveu o Conselheiro Oliveira Mendes (Código de Processo Penal Comentado, pág. 1134: «Por efeito da alteração introduzida ao texto do nº 2 pela lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro, passou a constituir um dever do tribunal de recurso o suprimento das nulidades da sentença recorrida (…), razão pela qual sobre o tribunal de recurso impende a obrigação de suprir as nulidades de que padeça a sentença recorrida, a menos, obviamente, que a nulidade só seja susceptível de suprimento pelo tribunal recorrido, situação que será a comum, visto que na grande maioria dos casos de suprimento pelo tribunal de recurso redundaria na supressão de um grau de jurisdição».

No caso em apreço, por a omissão recair sobre uma pena de substituição e para não suprimir um grau de jurisdição, afigura-se-nos que a nulidade deve ser suprimida pelo tribunal a quo mediante a apreciação e decisão sobre a adequação e suficiência do Regime de permanência na habitação previsto no artigo 43.º do Código Penal.
Como bem se acentuou no Ac. da Relação de Évora de 19-2-2013, proc.º n.º 89/10.4.GBPSR.E1, rel. António João Latas, in www.dgsi.pt., do sentido desta ponderação do tribunal a quo depende a amplitude dos efeitos da nulidade de sentença no caso presente, à luz do disposto genericamente no artigo 122º nºs 2 e 3 do CPP, pois se vier a entender ser adequado e suficiente o cumprimento da prisão em RPH terá que realizar a ordenar as diligências prévias necessárias – ordenando mesmo a reabertura da audiência nos termos do artigo 371º do CPP - para só depois proferir nova sentença que aprecie e decida ex novo o regime de cumprimento ou execução da pena de 2 anos e 6 meses de prisão aplicada ao arguido.
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C) Recurso da assistente/demandante BB
8. Interesse em agir.

No despacho que admitiu o recurso da assistente, junto a fls. 669, o M.ª juiz depois de reproduzir o teor do Assento n.º 8/99 de 10 de Agosto, in DR n.º 185, série I-A, de 10 de Agosto de 1999 considerou que “[n]o caso concreto a pena acessória tem várias finalidades, entre elas a protecção da vítima, aqui assistente, pelo que se deve considerar o referido concreto e próprio interesse em agir”.
No seu parecer, o Exmo PGA sob o título “Questão prévia”, resolveu discorrer longamente sobre a matéria, reproduzindo parte do parecer que formulara no processo n.º 82/21.... desta Relação, no qual menciona diversa doutrina e jurisprudência, para concluir que “(…) consigno a minha concordância com o transcrito despacho de admissão do recurso da assistente, na parte relativa à pena acessória, porquanto se verifica in casu que tem concreto e próprio interesse em agir, concretamente para salvaguardar a sua integridade física e mesmo a sua vida.
Na resposta àquele parecer o recorrente arguido entende que “(…) existe falta de interesse em agir por parte da Assistente no que concerne à aplicação da pena acessória- cf. assento 8/99 do STJ”
Efectivamente segundo aquele assento n.º 8/99 “o assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir”.
No caso em apreço não está em causa nem a espécie nem a medida da pena aplicada.
Note-se que não está em causa a aplicação ou não da pena acessória de proibição de contacto com a vítima.
O que a assistente contesta é tão somente o raio de afastamento que foi fixado em 250 metros alegando a assistente que “para sua segurança psíquica e física, a pena acessória aplicada ao Arguido de afastamento da sua pessoa, residência e local de trabalho deve ser fixada num raio nunca inferior a 1 000 metros.
Segundo o n.º 5 do artigo 152.º do Código Penal a pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
A lei não proíbe, mas também não exige que seja fixado um raio de afastamento.
E compreende-se uma vez que de acordo com artigo 35.º da Lei n.º 112/2009 , de 16 de Setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas, “ O controlo à distância é efetuado, no respeito pela dignidade pessoal do arguido, por monitorização telemática posicional, ou outra tecnologia idónea, de acordo com os sistemas tecnológicos adequados” (n.º2)  e esse controlo “cabe aos serviços de reinserção social e é executado em estreita articulação com os serviços de apoio à vítima, sem prejuízo do uso dos sistemas complementares de teleassistência referidos no n.º 6 do artigo 20.º” (n.º3).
Por isso que se entenda que a situação em causa não se encontra abrangida pelo referido assento n.º 8/99.
Acresce que se nos afigura manifesto o interesse em agir por parte da assistente, vítima de um crime de violência doméstica na fixação daquele raio de afastamento, para salvaguarda da sua integridade, tendo para o efeito alegado factos demonstrativos daquele interesse e não havendo o mínimo indício de que se esteja perante um mero desejo de vindicta privada.
A legitimidade de recurso autónomo da assistente para questionar o raio de afastamento em questão é, de resto, a que melhor se coaduna com a outra realidade do crime, a dos interesses da vítima, cuja importância tem vindo a ser reconhecida em crescendo, sendo que, embora a figura da vítima se não confunda com a do assistente (este, enquanto sujeito processual), ambas as figuras coexistem, as mais das vezes, na mesma pessoa, como sucede no presente caso.
Socorrendo-nos da boa prosa do AFJ n.º 2/2020, de 13-2-2020: “Refira-se, sumariamente, que por força do direito comunitário[16] a Lei n.º 130/2015, de 04.09, ao transpor a Directiva 2012/29/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25.10.2012, deu foros de cidadania à “vítima”, aprovando o respectivo Estatuto e aditando à sistemática do CPP um novo título sob a epígrafe “vítima” composto pelo art.º 67.º-A (art.º 4.º, n.º 2) em cujo n.º 4, além do mais, se afirma o direito de “participação activa no processo penal”, o que vai de encontro à possibilidade de o assistente enquanto vítima/lesado/ofendido poder, sem peias, lançar mão do recurso, em situações como a que temos entre mãos, em que o assistente tem não só legitimidade para o recurso, como interesse em agir”.
Por isso que o recurso da assistente seja admissível.
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9. Raio de afastamento
Conforme referido o arguido foi condenado “na pena acessória de proibição de contacto, por qualquer meio, com a assistente BB e de afastamento, num raio de 250 metros, da sua pessoa, sua residência e do seu local de trabalho, por um período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, a ser fiscalizado com recurso a meios técnicos do controlo à distância e independentemente do consentimento do arguido - artigos 152.º, n.ºs 2 e 4, do Código Penal, 34.º-B, n.º 1, e 36.º, n.º 7, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, e 1.º, alínea e), 4.º, n.º 1, 7.º, n.º 2 e 5, 26.º, n.º 1 a 3, 27.º, n.ºs 1 e 2, e 28.º da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro”.
A assistente alega que a pena acessória aplicada pelo Tribunal a quo se afigura manifestamente insuficiente quanto ao raio de afastamento, atentos os factos apurados, a situação socioeconómica do arguido, os seus antecedentes criminais e consequentes exigências de proteção da assistente.
A recorrente sustenta que “para sua segurança psíquica e física, a pena acessória aplicada ao Arguido de afastamento da sua pessoa, residência e local de trabalho deve ser fixada num raio nunca inferior a 1 000 metros.
Na verdade, não obstante a fixação da distância de 250 metros não tenha sido alvo de uma fundamentação explícita, como bem observa o Exmo PGA no seu esclarecido parecer, sem mais elementos concretos e objetivos, apelando à livre convicção e às regras da experiência, parece-nos exígua a distância estabelecida para a assistente se sentir protegida.
Como bem salienta o Ministério Público na resposta ao recurso:
«(…) o risco que a medida visava eliminar ou reduzir, era o de que a assistente viesse a ficar indefinidamente sujeita a uma exposição viabilizadora da sua continuada degradação psicológica, por virtude da eventual reiteração dos condenados comportamentos do arguido - sobretudo se perpetrados na zona da sua esfera pessoal.
A lei não estabelece qualquer critério quanto à dimensão do raio de exclusão.

Mas é seguro dizer que o afastamento deve, em todo o caso, ser o imprescindível à proteção dos direitos da vítima - cf., a propósito da utilização de meios técnicos de controlo à distância, artigo 36º, n.º 7, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro.
E, nesse conspecto, na ausência de outro critério, deverá atender-se perceção que a vítima tenha do risco que corre, e, dentro dos limites do razoável e da aptidão dos meios de controlo - visto que o controlo à distância é efetuado por monitorização telemática posicional, ou outra tecnologia idónea, de acordo com os sistemas tecnológicos adequados, conforme artigo 35º, n.º 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro -atender também à extensão do amento que repute necessária à fruição de uma adequada sensação de segurança.
E isto porque a medida visa a proteção da vítima, não podendo por isso a sua concreta modulação ser desligada da perceção que a esta tenha quanto ao seu específico conteúdo e extensão. E, neste aspeto, afigura-se que o pretendido afastamento para um raio de 1000 metros não garantirá uma precisa monitorização telemática - não sendo por isso eficaz -, nem é realmente necessária à proteção da vítima, não sendo por isso razoável. É que, em condições normais, com uma medida de afastamento de 500 metros de raio, o arguido precisará de cerca de 10 minutos para se aproximar da vítima se caminhar, ou 6 a 7 minutos, se correr. Tempo esse que, em tese, é suficiente para que a vítima se possa recolher ou pedir ajuda, se preferir».
Concorda-se inteiramente com estas judiciosas considerações do Ministério Público.
Nesta medida e porque, conforme salientado, o pretendido afastamento para um raio de 1000 metros não garantirá uma precisa monitorização telemática - não sendo por isso eficaz -, nem é realmente necessária à proteção da vítima, afigura-se-nos mais razoável aumentar o raio de afastamento para 500 metros.
Nesta parte procede parcialmente o recurso da assistente.
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10. Quantum indemnizatório
§1. A demandante BB deduziu pedido de indemnização civil contra o demandado AA, peticionando uma indemnização no valor de 20 000,00 € (vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais.
Para tanto, sinteticamente, aderiu à factualidade da acusação pública e, ainda, alegou que vive perturbada o a sua vida, não obtendo paz e tranquilidade, estando por via disso triste, nervosa, intranquila, tensa, tem dificuldades no relacionamento social, e abalada física e psicologicamente.
A sentença recorrida arbitrou à demandante BB “a compensação, actualizada, de 1 250,00 € (mil duzentos e cinquenta euros)”.
Inconformada a demandante/ assistente sustente que aquele montante “é manifestamente desadequado face aos danos sofridos pela Demandante”, que “Os factos praticados pelo Demandado são graves por serem suscetíveis de pôr em causa a integridade física e psíquica da sua ex-cônjuge, a qual ao longo de toda a vivencia familiar com o Arguido foi sujeita ao ascendente do mesmo, encontrando-se, portanto, bastante receosa, fragilizada e totalmente desprotegida”, “sendo que ficou provado que os factos cometidos pelo Demandado provocaram na Demandante dor psíquica, humilhação, medo, inquietação, abalaram com a sua tranquilidade na medida em que receava que este concretizasse as ameaças que lhe dirigiu, provocaram crises de pânico sempre que sentia o Demandado por perto, bem como fortes danos na honra da Demandante”.
Assim, “Face aos critérios previstos no artigo 496º, n.º 4 do Código Civil, e, em particular, tendo em conta o grau de culpabilidade do agente e a gravidade do dano sofrido, conclui a Recorrente que a indemnização fixada pelo Tribunal a quo é manifestamente insuficiente para ressarcir os prejuízos sofridos pela Demandante”, entendendo antes que “ Seria adequada a fixação de uma indemnização de montante nunca inferior a 17 500 euros”.
Invoca a violação do disposto no artigo 496º, n.º 4 do Código Civil.
O arguido demandado pronunciou-se pela improcedência da pretensão da demandante.
§2. A sentença recorrida apreciou esta questão nos seguintes termos.
«A demandante BB deduziu pedido de indemnização civil (o que invalida o funcionamento do mecanismo de arbitramento de reparação pelos prejuízos nos termos 82.º-A, n.º 1 e 2, do Código de Processo Penal) contra AA, peticionando uma indemnização no valor de 20 000,00 € (vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais.
Tendo em conta que o presente pedido de indemnização civil se cinge aos danos não patrimoniais (também chamados correntemente de danos morais e dizem respeito à honra, ao corpo, à saúde [física ou psicológica], à integridade moral, etc.), será necessário aferir se os mesmos se verificam e, em caso positivo, qual o quantum compensatório a atribuir.
Para tanto e em primeiro lugar, torna-se necessário apurar, face à factualidade dada como provada, se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
Dito isto, a responsabilidade civil extracontratual verifica-se quando ocorre uma violação de direitos absolutos ou de condutas que, não obstante a sua licitude, causam danos a alguém. Por causa das várias e distintas situações que podem estar na sua base, subdivide-se nas três modalidades seguintes: responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, por factos lícitos e pelo risco.
No caso dos autos, interessam a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, uma vez que em causa estão os direitos de personalidade (integridade física e moral da demandante, bem como a sua dignidade e autodeterminação) - artigo 70.º do Código Civil.
Assim, “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da sua acção” - artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil.
Do normativo extrai-se que para a verificação da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos é necessário que reúnam os seguintes pressupostos: facto voluntário do agente, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto ilícito culposo e o dano causado.
O primeiro pressuposto da responsabilidade por factos ilícitos é que haja um facto voluntário praticado (ou omitido) pelo agente. Quer isto dizer é necessário que haja uma conduta humana controlada pela vontade e que, nessa medida, pode ser imputada objectivamente.
Relativamente à ilicitude, esta traduz-se num juízo objectivo de desvalor da ordem jurídica, relativo àquela acção propriamente dita, que se pode traduzir na violação de um direito absoluto alheio ou de uma norma cuja finalidade é a protecção de interesses, igualmente, alheios.
A culpa, por outro lado, já assenta no agente e na conduta deste, sendo um juízo de censura que recai sobre a concreta conduta quando se confirme que nas circunstâncias do caso aquele podia e devia ter actuado de outra forma.
O dano consiste no prejuízo ou na perda causada em bens jurídicos legalmente tutelados, que tenham carácter patrimonial ou não (e que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito), ou seja, digam respeito a prejuízos que, sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, podem ser reparados ou indemnizados, ou aludam a danos insusceptíveis de serem indemnizados porque atingem bens não patrimoniais (dores físicas, sofrimento moral, prestígio), pelo que não sendo possível retirar o dano, são meramente compensáveis - artigo 496.º, n.ºs 1 a 4, do Código Civil.
O nexo de causalidade entre o facto e o dano, tal como prevista lei portuguesa, é aferido pela teoria da causalidade adequada, ou seja, o facto que se pretende como causa de um dano tem de ser, no caso concreto, condição necessária do mesmo, sendo que a sua adequação se avalia quando se considera que a mesma, em abstracto, é idónea para a produção desse dano - artigo 563.º do Código Civil.
Na verdade e no caso de factos ilícitos, que ora nos importa, a causalidade adequada descobrir-se-á através da sua formulação negativa, ou seja, que só será inadequada uma dada causa para um determinado resultado se for totalmente indiferente para a produção do dano, que só ocorreu devido a circunstâncias extraordinárias.
No caso concreto, é patente que a actuação do demandado preenche os até enunciados requisitos da responsabilidade civil extracontratual. De facto, através dos vários impropérios que dirigiu à demandante (“puta” e “ladra”) e, ainda, a ameaças (““eu sei onde é que tu dormes, tu dormes lá em cima e um dia vou lá cima e mato-vos aos dois”) causou, pelo menos no curso de dois meses, os sentimentos de vergonha, receio, inquietação e nervosismo, afectando, obviamente, a sua imagem, honra, autodeterminação e dignidade. É, destarte, de se concluir que tais actos lesaram os direitos de personalidade da demandante - artigo 70.º do Código Civil.
Pelo exposto também se epiloga pela existência de um nexo adequado entre a actuação do demandado e o evento danoso, porquanto os actos do daquele não são inadequados ou totalmente indiferentes para a produção do dano sofrido pela demandante.
Verificados os pressuposto da responsabilidade civil extracontratual e atendendo à natureza dos danos, cuja restituição natural é impossível, cabe fixar o quantum compensatório, equitativamente achado pelo Tribunal, tendo em atenção elementos objectivos, como o grau de culpabilidade, as circunstâncias económicas do lesante e do lesado e outras que se entendam relevar em concreto, sendo certo que o mesmo deve ser objecto de cálculo actualizado - artigos 494.º, 496.º, n.º 4, 562.º, 566.º, n.ºs 1 a 3, do Código Civil.
Assim, a compensação dos danos não patrimoniais sofridos pela demandante terá de ter em conta a gravidade que no caso concreto a demandante sentiu, ao longo dos dois meses em que a factualidade dada como provada se verificou.
Assim, tem-se como adequada a compensação, actualizada, de 1 250,00 € (mil duzentos e cinquenta euros)».
§3. Nos termos do artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Não merecem essa tutela «...os prejuízos insignificantes ou de diminuto significado, cuja compensação pecuniária não se justifica, que todos devem suportar num contexto de adequação social, cuja ressarcibilidade estimularia uma exagerada mania de processar e que, em parte, são pressupostos pela cada vez mais intensa e interactiva vida social hodierna. Assim não são indemnizáveis os diminutos incómodos, desgostos e contrariedades, embora emergentes de actos ilícitos, imputáveis a outrem e culposos» R. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra, 1995, págs. 555-556; cfr. no mesmo sentido v.g., Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 2ªed., Coimbra, 1973, págs. 486- 487 e Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 6ª. ed., Coimbra, 1994, pág. 503.
Na síntese do douto Ac. do STJ de 25-11-2009, 397/03.0GEBNV.S1, rel. Cons.º  Raul Borges, “Danos não patrimoniais são os que afectam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização, assumindo o seu ressarcimento uma função essencialmente compensatória, de modo a atenuar os padecimentos derivados das lesões e a neutralizar a dor física e psíquica sofrida, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória ou de pena privada”.
De acordo com o n.º 4, do citado artigo 496.º, o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, levando em conta, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º do Código Civil. Por sua vez, nos termos deste preceito, deve atender-se ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso.
Os danos não patrimoniais são, por conseguinte, aqueles que não atingem o património do lesado e são insusceptíveis de avaliação patrimonial e correspondem à angústia, à dor física, à doença, ao abalo psíquico-emocional, complexos e frustrações de ordem estética e psicológica, à dor da perda de um ente querido, etc.
Tutelam-se aqui «...não apenas os chamados danos morais (ofensas à honra, à dignidade, ao bom nome das pessoas, humilhações, vexames, desgostos de ordem afectiva), mas também os sofrimentos físicos (as dores corporais, padecimentos ou tratamentos dolorosos) e os complexos de pura ordem estética (como os provenientes de cicatrizes no rosto ou de anomalias no andar, no falar, no gesticular, etc.)» (Prof. Antunes Varela, RLJ n.º 123, pág. 253).
É sabido que quanto a tal tipo de danos não há uma indemnização verdadeira e própria, mas antes uma reparação, ou seja, a atribuição de uma soma pecuniária que se julga adequada a compensar e reparar dores e sofrimentos, através do proporcionar de um certo número de alegrias ou satisfações que as minorem ou façam esquecer.
Ao contrário da indemnização cujo objectivo é preencher uma lacuna verificada no património do lesado, a reparação destina-se a aumentar um património intacto para que, com tal aumento, o lesado possa encontrar uma compensação para a dor, “para restabelecer um desequilíbrio verificado fora do património, na esfera incomensurável da felicidade humana” (Pachioni).
Por isso que o valor dessa reparação, como ensinava o Prof. Antunes Varela, deva ser proporcional à gravidade do dano, devendo ter-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
Isso mesmo se colhe da lei, nomeadamente dos artigos 495º, 496º, n.º3 e 497º, todos do Código Civil.
A indemnização por tais danos tem sido entendida na doutrina (cfr. v.g., Antunes Varela, Obrigações, 2ªed., Coimbra, 1973, págs. 484 e 488, Galvão Telles, Direito das Obrigações, 2ªed., Lisboa, 1979, pág. 378 nota 1, Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, Vol. I, Coimbra, 1990, pág. 492, Capelo de Sousa, in O Direito Geral de Personalidade, cit., pág. 458, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 5ªed., Coimbra, 2006, pág. 335, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. VIII,  Coimbra, 2016 pág. 419) e na jurisprudência, como não revestindo natureza exclusivamente ressarcitória, mas também um papel de função preventiva e punitiva, fixando-se com recurso à equidade, à culpa do agente, bem como, em função das respectivas situações económicas e demais circunstâncias do caso.
Como se salientou no douto Ac. do STJ de 24-2-2022, proc.º n. 902/18.8JABRG.G1.S1, rel. Cons.º Eduardo Loureiro, «nestes casos, a indemnização reclama-se, a um mesmo tempo, de uma função reparatória e sancionatória: «No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois "visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada", não lhe sendo, porém, estranha a "ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente" (Ac. do STJ de 23-8-2018, proc.º n.º 467/16.5PALSB.L1-S1, aliás citando o Ac. do STJ de 30-10-1996»; no mesmo sentido cfr. v.g. o Acórdão do S.T.J. de 15-2-2012, proc.º n.º 476/09.0 PBBGC.P1.S1, rel. Cons.º Santos Carvalho, e a demais jurisprudência citada por Paula Meira Lourenço, in "A Indemnização Punitiva e os critérios para a sua determinação”, 2008, disponível no sítio do STJ).
Na jurisprudência, vem sendo também assumida a ideia de que as compensações por tais danos devem ter um alcance significativo e não meramente simbólico, de tal modo que as indemnizações não devem ser fixadas em montantes tão reduzidos que, na prática, se apague a função preventiva, sancionatória ou repressiva da responsabilidade civil.
No caso de indemnização por danos não patrimoniais a intervenção do tribunal de recurso é, por natureza, limitada.
Na verdade, estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais com apelo a um julgamento segundo a equidade, em que o critérios que os tribunais devem seguir não são fixos, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, só se justificando uma intervenção correctiva se a indemnização se mostrar exagerada por desconforme a esses elementos - cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. 1º, anotação ao artigo 494.º e o Ac. do STJ de 6-1-2010, rel. Cons.º Fernando Frois, in Col. de Jur.-Acs do STJ, ano XVIII, tomo 1, pág. 173, este último com inúmeras outras referências jurisprudências.
Como se assinalou no recente Ac. do STJ de 15-9-2022, proc.º n.º   2374/20.8T8PNF.P1.S1, rel.ª Cons.ª Fátima Gomes “[n]a definição do quantum indemnizatório devido por danos que são apurados com recurso à equidade a intervenção do STJ deve ser limitada à verificação do cumprimento da lei, do recurso aos critérios habituais usados na aferição jurisprudencial e aos princípios do tratamento igualitário e não injustificado”.
§4. No caso em apreço não existem dúvidas que os danos resultantes da conduta do arguido assumem evidente gravidade, sendo, por isso, justificativos do seu ressarcimento, a título de danos não patrimoniais.
O que está em discussão é apenas a fixação do quantum indemnizatório.
Como o Supremo Tribunal tem vindo a salientar (cfr. v.g. os Acs. de 31-1-2012, proc.º nº 875/05.7TBILH.C1.S1, rel. Cons.º Nuno Cameira e de 31-5-2012, proc.º nº 14143/07.6TBVNG.P1.S1, rel. Cons.ª Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, «os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição.»
Por isso, “Na fixação equitativa dos danos deve o tribunal ter em atenção, tanto quanto possível, os critérios adoptados e consolidados na jurisprudência, a fim de obter uma interpretação e uma aplicação uniformes do Direito, conforme determinado no artigo 8.º, n.º 3, do CC” (Ac. do STJ de 6-11-2018, proc. n.º 452/05.2TBPTL.G2.S1, Cons.ª Catarina Serra; no mesmo sentido cfr. v.g., o ac. do STJ de 8-3-2007, proc.º n.º 06B3988, rel. Cons.º Pereira da Silva e Antunes Varela, “Das obrigações em Geral”, Vol. I, 10ª Ed. (Reimpressão), pág. 607).
Revertendo ao caso sub judice, importa desde logo acentuar que a apreciação da gravidade dos danos não patrimoniais, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana (cfr., v.g., Antunes Varela, Obrigações, 2ªed., cit pág. 486, Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 6ªed., cit., pág. 503, os Acs. do STJ. de 19-3-2009, proc.º n.º 09B0639, de 9-12-2004, proc.º n.º 04B2990, de 13-01-2005, proc.º n.º 04B4477, de 22-09-2005, proc.º n.º 05B2586, de    e de 17-11-2005, proc.º n.º 05B3436, todos rel. pelo Cons.º Salvador da Costa).
Na síntese do citado Ac. do STJ de 9-12-2004, “Na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico por ele experimentado, sob o critério objectivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjectividade inerente a particular sensibilidade”.
Assim há que tomar em consideração o bem jurídico atingido, a extensão, gravidade e consequência dos maus tratos infligidos e o período de tempo em que a conduta do arguido se desenrolou
Há assim que valorar a natureza e gravidade dos vários impropérios que o arguido dirigiu à demandante por diversas vezes (“puta” e “ladra”) ainda, a ameaças que lhe dirigiu na presença do companheiro da filha (“vou-te foder”) e depois publicamente no bar do clube de futebol “...” por intermédio do companheiro da ofendida (““eu sei onde é que tu dormes, tu dormes lá em cima e um dia vou lá cima e mato-vos aos dois”) provocando-lhe sentimentos de vergonha, receio, inquietação e nervosismo, afectando, obviamente, a sua imagem, honra, autodeterminação e dignidade.
A conduta do arguido ocorreu nos dias 25 de Fevereiro de 2022, 5 de Março de 2022 e 29 de Março de 2022.
Por outro lado, uma vez que a lei manda atender “às demais circunstâncias do caso”, não podem ainda olvidar-se quatro circunstâncias que se reflectem na gravidade dos danos e que devem ser ponderados.
Em primeiro lugar, os factos de 25 de Fevereiro de 2022 ocorrem no interior do logradouro da habitação da mãe da ofendida onde esta estava a viver, onde o arguido se introduziu.
Em segundo lugar os factos que se desenrolaram em 29 de Março de 2002 ocorreram igualmente junto daquela residência, encontrando-se o arguido agarrado às grades do muro de entrada estando a erguer e tirar telhas do coberto, o que aconteceu de noite cerca das 03h50.
Em terceiro lugar não pode esquecer-se que a ofendida esteve casada com o arguido durante mais de trinta anos e que este é o pai dos três filhos nascidos daquele casamento.
Em quarto lugar esta é a quarta condenação do arguido pela prática de um crime de violência doméstica cometido na pessoa da ofendida BB.
A lei manda atender ao grau de culpabilidade do agente.
Nos termos do n.º2 do artigo 489.º do Código Civil, a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face as circunstâncias de cada caso
Nas palavras do Prof. Antunes Varela, agir com culpa «Significa actuar em termos de a conduta do agente merecer reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo»
No caso em apreço provou-se que o arguido agiu com dolo directo.
Finalmente, a lei manda expressamente atender à situação económica do lesante e do lesado.
Sobre a situação económica da lesada praticamente nada se se apurou.
Sabe-se que depois de ter sido informada da liberdade condicional a ser concedida ao arguido e de este ter expressado a intenção em viver na casa mencionada em 3) a assistente BB decidiu sair da mesma e ir viver com a sua mãe, na habitação sita na Rua ..., em ..., ....
Por outro lado, sabe-se igualmente que a filha (à data menor de idade) DD foi retirada de casa e institucionalizada, temporariamente, em ..., até que, no âmbito de um Processo de Promoção e Proteção, que correu termos no Tribunal de Família e Menores ..., foi aquela entregue provisoriamente à irmã CC, empregada comercial, sob a condição de ambas passarem a residir de forma autónoma, ficando o arguido impedido de contactar com aquela.
O filho mais velho encontra-se emigrado. As filhas, uma identificou-se como empregada de limpeza e a outra como empregada de balcão, sendo o companheiro desta última soldador (cfr. acta de julgamento de fls. 615-617 verso).
Da conjugação de todos destes factos resulta uma situação económica modesta.
Quanto ao arguido, que apenas completou o o 4.º ano de escolaridade e se iniciou profissionalmente como servente de construção civil, chegando a emigrar para a ..., sabe-se que se dedica à prática de agricultura de subsistência e presta serviços (jornal), nesta área, a vizinhos.
Reside sozinho, auferindo cerca de 185,00 € (cento e oitenta e cinco euros), a título de rendimento social de inserção. Beneficia do apoio alimentar do Centro Social local. Quando necessário recorre solicita empréstimos a terceiros mantendo, actualmente, em dívida cerca de 400,00 € (quatrocentos euros).
Tendo em consideração todos estes parâmetros impõe-se concluir que a indemnização arbitrada de 1 250,00 € (mil duzentos e cinquenta euros)” peca, manifestamente, pela sua exiguidade e que a indemnização peticionada pela demandante neste recurso (“de montante nunca inferior a 17 500 euros”) é, manifestamente, exagerada.
Tudo devidamente ponderado sem esquecer a lição do Ac. do S.T.J. de 16-12-1993 (Col. de Jur.- Acs do S.T.J., ano I, tomo 3, pág. 181), paradigma da jurisprudência que vem prevalecendo, segundo o qual “é mais que tempo de se acabar com os miserabilismos indemnizatórios”, parece-nos equitativamente mais adequado fixar o valor da indemnização por danos não patrimoniais em €2.500,00 (dois ml e quinhentos euros) quantia esta que é actualizada à data da decisão recorrida.
Também nesta parte procede parcialmente o recurso.
***
III -  Decisão

Em face do exposto acordam os juízes desta Relação em:

1) Julgar o recurso do arguido improcedente
Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4UC.

2) Julgar o recurso da assistente/demandante BB parcialmente procedente e, em consequência:
a) Aumentam o raio de acção do afastamento decretado em sede de pena acessória para 500 m (quinhentos metros).
b) Fixam em €2500 (dois mil e quinhentos euros) o valor da indemnização por danos não patrimoniais.
Custas pelas partes civis na proporção do respectivo decaimento.
3) Julgar nula a sentença recorrida na parte em que se absteve de conhecer da eventual substituição da pena de prisão aplicada ao arguido pelo regime de permanência na habitação previsto no artigo 43.º do Código Penal e, consequentemente determinar a remessa dos autos à 1ª  instância para que o mesmo tribunal supra a apontada omissão nos termos desenvolvidos na fundamentação do presente acórdão.
4) No mais, mantém-se o decidido na sentença recorrida
*
Guimarães, 2 de Maio de 2023



[[1]] Vide, a título de exemplo, os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 05-11-2013, proc. n.º 563/12.8PBEVR.E1, do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-12-2015, proc. n.º 200/15.9PBOER.L1-5, 12-05-2016, proc. n.º 2544/10.7TDLSB.L1-9, do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2009, proc. n.º 07P1769, e 17-02-2011, proc. n.º 227/07.4JAPRT.P2.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[[2]] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-10-2020, proc. n.º 749/19.4PBSNT.L1-3, disponível em www.dgsi.pt.
[[3]] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-10-2020, proc. n.º 689/19.7PCRGR.L1-3, disponível em www.dgsi.pt.
[[4]] Cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-07-2022, proc. n.º 386/20.0PBVIS.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[[5]] Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-02-2017, proc. n.º 1816/14.6PFLRS.L1-5, disponível em www.dgsi.pt.