Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
20/17.6T8TMC.G1
Relator: MARGARIDA FERNANDES
Descritores: JUÍZOS CONCLUSIVOS
SERVIDÃO PREDIAL
PRÉDIO ENCRAVADO
FACTOS CONSTITUTIVOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Uma vez que da matéria de facto dada como provada não devem constar juízos meramente conclusivos ou conceitos de direito é de eliminar da mesma a expressão “sinais visíveis e permanentes” a que se alude no art. 1548º do C.C..

II – Tendo sido o articulado de resposta à contestação julgado inadmissível e tendo sido ordenada a sua devolução ao apresentante, não obstante o Tribunal recorrido não se haver pronunciou expressamente acerca do documento junto, está implícito naquela decisão que a mesma abrange o referido documento porquanto o mesmo destinava-se à prova dos factos alegados.

III - Apenas podem ser constituídas por usucapião as servidões aparentes, i.e., as que se revelam por sinais visíveis e permanentes, quer no prédio dominante, quer no prédio serviente.

IV - São factos constitutivos do direito potestativo à constituição de uma servição legal em benefício de prédio encravado a alegação de: a) situação de encrave (absoluto ou relativo); b) confinância com o prédio por onde pode alcançar a via pública; c) e ainda factos que permitam concluir que é através desse prédio e pelo modo e local escolhidos que a passagem causa menor prejuízo e é menos gravosa tendo em conta o uso efectivamente dado ao prédio encravado.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

L. P., residente na Rua …, Torre de Moncorvo, instaurou a presente acção declarativa, sob a forma comum, contra A. M. e mulher, Maria, residentes na Rua …, pedindo que a condenação dos réus:

- a reconhecerem a servidão de passagem, a favor do prédio da autora, existente pelo caminho a nascente, com 3,5 metros de largura, que se inicia no Largo (...), passando o prédio dos réus, tal como é elencado nos art. 11º, 13º, 16º, 17º e 19º da petição e no doc. 5;
- a eliminarem as obras já realizadas que impedem a passagem da autora para o seu terreno, repondo a situação anterior e permitindo a livre circulação e acesso da autora como sempre foi feito, pelo caminho supra identificado.
- a absterem-se de praticar actos que obstaculizem o normal uso e fruição permanente pela autora da supra referida servidão de passagem e o acesso da mesma ao seu prédio identificado em 1º da presente Petição Inicial;
- a indemnizarem a autora de todos os prejuízos patrimoniais causados com a criação dos impedimentos em apreço e outros que esta ainda venha a sofrer em consequência da não fruição da dita servidão de passagem, os quais deverão ser liquidados em sede de execução de sentença;
- a indemnizarem a autora pelos danos morais provocados em quantia nunca inferior a € 2.500,00.

Para tanto alegou, em síntese, que é dona e legitima proprietária do prédio que identifica no artigo 1º da p.i., inscrito na matriz predial rústica sob o art. ...º, desde 25/05/2016, por via de um contrato de compra e venda e desde essa data que usufrui do mesmo, plantando e recolhendo os respectivos frutos, gado, paga os respectivos impostos, posse essa pública e pacífica por si e seus antepossuidores há mais de 20, 30, 40 anos. Por seu turno, os réus são donos e senhores do prédio rústico sito no mesmo local, denominado por (...), inscrito na matriz predial rústica sob o art 1015º.

O terreno propriedade da autora nunca confrontou com a via pública, sendo que o acesso ao mesmo de pessoas, animais e veículos, inclusive veículos agrícolas, sempre se fez pelo prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, actualmente dos réus, e pelo Largo (...). O prédio dos réus confronta do lado sul com os réus, do lado norte e nascente com a via pública e a Capela (...). A referida passagem para a propriedade da autora tem o seu início junto ao Largo (...), tem 3,50 m de largura e atravessa o prédio dos réus até ao prédio da autora. Foi sempre por esse caminho que a autora, desde a data da compra e antes os seus antepossuidores, há mais de 20, 30, 40, 50 anos, passaram para o seu prédio. No início de 2016 os réus taparam a passagem, colocando uma porta na entrada que dá do átrio (...) para o prédio dos réus e não mais deixaram passar pela sua propriedade.

Alega ter sofrido danos pelo que peticiona indemnização.
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Os réus contestaram dizendo que o prédio dos autores não se encontra encravado, tendo acesso pela via pública, e que estes nunca utilizaram o prédio dos réus, por si ou pelos seus antepassados, para aceder ao seu prédio.
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Dispensou-se a realização de audiência prévia tendo sido proferido despacho que fixou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.
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Procedeu-se a audiência final, após a qual foi proferida sentença, cuja parte decisória reproduzimos na íntegra:

“Pelo exposto e nos termos referidos supra, decide-se:

1. Julgar a acção intentada pela Autora, parcialmente procedente e, em consequência:

a) Condenam-se os Réus, A. M. e M. M., a reconhecer a servidão de passagem, a favor do prédio da A., existente pelo caminho a Nascente, que se inicia no Largo (...), passando o prédio dos RR.
b) Condena-se os Réus, A. M. e M. M., a absterem-se de praticar actos que obstaculizem o normal uso e fruição permanente pela Autora da supra referida servidão de passagem e o acesso da mesma ao prédio identificado em 1° dos factos provados.
2. Absolvem-se os Réus, A. M. e M. M., do demais peticionado contra si.
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Custas pelos Réus e Autores, na proporção de 85% e 15% - artigos 527°, n° 1 e 2, 528°, n°.1 do Código de Processo Civil
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Notifique e registe (cfr. art 153°, 220°, n°.1, 247°, 253° todos do Código de Processo Civil).”
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Não se conformando com a decisão recorrida vieram os réus dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

1. A autora/recorrida peticionou a constituição de uma servidão sobre o prédio dos RR/recorrentes, por usucapião, tudo nos termos do artigo 1548 do C.P.C., o que exige ao peticionante a demonstração de factos traduzidos em sinais visíveis, permanentes e inequívocos.
2. A autora/recorrida não alegou factos na sua p.i., que se traduzam em factos concretos como lhe incumbia nos termos do artigo 342 do c.c., da existência desses sinais visíveis e permanentes, com exclusão da largura do presumido caminho.
3. Apesar de tal facto estar alegado pela autora/recorrida, ficou dado como não provado; A passagem a que alude a Autora tinha 3 metros e 50 centímetros de largura (artigo 12 º e 13 º a petição inicial)”
4. Apesar de não estarem alegados os factos exigíveis para a constituição de uma servidão de passagem pelo imóvel dos RR/recorrentes nos termos do artigo 1548 nº 2 do c.c., o Tribunal a quo dá como provado que;
11. Sempre usando esse caminho com os sinais visíveis, permanentes e inequívocos, (artigo 25º a petição inicial)
5. Inequivocamente nos apercebemos que a matéria carreada pela julgador aqui descrita é conclusiva e contem já em si uma decisão. Diga-se uma expressão de direito constante do nº 2 do artigo 1548 do c.c. que necessita de ser densificada de facto, ou seja conter ocorrências concretas da vida real. Factos como "Terra batida? Delimitação vegetativa? Um leito calçado ou trilhado? Rodados dos veículos de tração? Uma entrada que liga o imóvel da autora ao dos RR.?
6. Não tendo o recorrido articulado factos que pudessem servir para prova da matéria de facto, não podia o Tribunal a quo, como o fez, à revelia do artigo 5 do c.P.c., substituir tais factos inexistentes por expressões jurídicas, que nada mais são do que a resolução concreta de uma das questões de direito nos presentes autos. Ou seja, o que está preceituado no nº 2 do artigo 1548 do c.c ..
7. O julgador do Tribunal a quo, que, apercebendo-se da falta de elementos concretizadores e de especial importância para a constituição de uma servidão de passagem, deveria ter dado como não provada o peticionado absolvendo os RR/recorrentes do pedido, ao invés de condenar os RR/recorrentes a reconhecer a existência de uma servidão de passagem que nunca existiu.
8. Sendo certo que só por manifesto erro dá como provado matéria manifestamente conclusiva, uma asserção de direito (nº 2 do artigo 1548 do c.c.) tentando porventura colmatar o erro da p.i. que não concretiza faticamente os sinais visíveis e aparentes exigíveis por aquele preceito.
9. Opção esta do julgador que, procurando um juízo que já contem a decisão da própria causa, para além de beneficiar a A./recorrida, cria um prejuízo manifesto para os RR/recorrentes com um encargo injusto sobre o seu imóvel, violando o artigo 5 do c.P.c., bem como o artigo 1548 do c.c. que releva a necessidade da procedência deste tipo de ação dos (factos) sinais visíveis e aparentes.
10. Deve por isso o Tribunal ad quem e no uso dos seus poderes que lhe foram atribuídos, dar como não escrito ou declarar a nulidade de tal facto provado constante do artigo 11. dos factos provados, por manifestamente conclusivo, asserção de direito constante do nº 2 do artigo 1548 do c.c., , concluindo-se pela necessária improcedência do peticionado e a absolvição dos RR/ aqui recorrentes.
16. Sem prescindir e na mesma senda, constata-se assim que não existem factos provados onde se vislumbre tais sinais visíveis e aparentes exigidos pelo nº 2. artigo 1548 do C.C ..
17. Sendo certo que esses sinais seriam evidentes se houvesse sinais de terra batida, um traçado definido de passagem (trilho), uma orientação definida, ainda que fosse meramente uma delimitação vegetativa, facto que não existe in casu. Por outro lado, a sentença não julga provado um traçado, uma largura, um cumprimento, uma delimitação, uma orientação da pretensa servidão. (Vide nº 1 matéria não provada)
18. Pelo que estamos perante, de forma indubitável perante uma servidão não aparente que obsta à constituição de uma servidão de passagem por usucapião.
19. O que releva, tal falta de prova, é a passagem que a R /recorrida vem exercendo de forma clandestina pelo imóvel dos RR. recorrentes, traduzido mesmo nos depoimentos que se transcrevem - Vide depoimento de E. N. e testemunha da A. e de A. T. testemunha dos R.R.
20. Pelo que não existe, nem poderá existir sinais, marcas, larguras cumprimentos da passagem do que quer que seja, pois se o fizeram foi "a salto", e que não deixa obviamente quaisquer vestígio pela sua passagem.
21. Como efetivamente conclui o Tribunal a quo, pois não considerou provado sequer a largura ou cumprimento do alegado "caminho de serventia". (Vide nº 1 dos factos não provados)
22. Pelo que os factos apreciados, dados como provados subsumidos ao direito aplicável nunca poderiam resultar na constituição de uma servidão de passagem por usucapião. Assim o Tribunal a quo não apreciou corretamente a matéria de facto que lhe foi carreada para os autos, dando como provado matérias conclusivas, editadas no texto da p.i., que, por não serem matéria de facto (sinais de facto existentes no imóvel "dominante") não podem servir para a constituição de uma servidão de passagem sobre o prédio dos RR/recorrentes.
23. Como, não estando provados quer a largura, quer a orientação, a constituição, quer os sinais que caracterizam o traçado e a delimitação de tal passagem sobre o prédio "serviente" para o prédio "dominante", sinais evidentes que seriam necessários para a constituição de uma servidão de passagem, nunca o Tribunal a quo podia declarar a constituição de uma servidão de passagem por usucapião sobre o prédio dos RR/recorrentes, nos termos do artigo 1548 do c.c.,
24. Interpretando e subsumindo corretamente a matéria de facto, ocorrências da vida real, ( e não conclusões ou matéria de direito) à de direito aplicável, apreciando criticamente a prova, facilmente constataria que não se encontram reunidos os requisitos para a constituição de uma servidão de passagem por usucapião, por a própria p.i. não conter a narração dos factos necessários para a sua constituição. (Vide nomeadamente artigo 1548, nº 2 do CC)
25. Errou assim o Tribunal a quo, que descurando a necessidade do preceituado no nº 2 do artigo 1548 do CC, olvidou que tal alegada" servidão de passagem opor usucapíão" tem obrigatoriamente que ter sinais visíveis e permanentes, alegados e provados concretamente em sede de sentença final.
26. Pelo que no uso dos poderes que lhe estão atribuídos a esse Venerável Tribunal, deve, para além de dar-se como nulo ou não escrito o artigo 11 da matéria provada, subsumindo o numero 1. da matéria dada como não provada, ao direito aplicável, não se encontram assim reunidos os pressupostos para a constituição de uma servidão de passagem por usucapião nos termos do nº 2 do artigo 1548 do CC, devendo assim revogar-se a decisão de 1 º instância a tout court, absolvendo-se assim os RR./recorrentes do pedido.
27. Em sede de resposta à contestação (referência 25650375), veio a A a alegar, no seu artigo 7. que, também é dona e legitima comproprietária na proporção de 3/4 de um imóvel confinante a poente com o imóvel "dominante", com o artigo ... da freguesia de (...), juntando para o efeito como prova, cópia da certidão do registo predial.
28. Tal imóvel, confinante com o artigo matricial ..., confronta em toda a extensão, a poente, com o artigo matricial ....
29. Na descrição do artigo ..., confirmado pelas certidões prediais e matriciais juntas pela A/recorrida, tal imóvel confronta a Norte com Caminho Publico, diga-se agora com a atual estrada municipal que liga as localidades de (...) a (...).
30. O imóvel para o qual a Autora reclama a constituição de uma servidão de passagem, prédio dominante, está servido a Nascente por outro imóvel da mesma autora/proprietária que confronta diretamente com "caminho publico".
31. Tornando a servidão de passagem que alega, seja a que titulo for, inexigível, pois o proprietário do imóvel confinante a nascente (artigo ...) é o mesmo e confronta com caminho público, permitindo-lhe assim o acesso direto à via pública.
32. Sendo despiciendo e uma falácia face à indivisibilidade e unicidade do imóvel, que tal imóvel esta a ser explorado em das partes distintas e que a parte, lado Norte (que liga à estrada) ficou a ser explorada por um familiar e a parte Sul do ribeiro explorada pela aqui A/recorrida.
33. Sem prescindir que estamos perante um regime de compropriedade, sendo que o uso de tal imóvel é feito totalidade sem que o outro comproprietário se possa opor. (Vide artigo 1406 do c.c.)
34. O facto de a A/recorrida ser comproprietária de um imóvel confiante ao que pretende ser dominante e confronta com a vai pública, tornam evidente que a servidão a constituir por usucapião sobre o imóvel do RR/recorrentes, a existir, torna-se desnecessária.
35. Estando numa situação de união do prédio (pretensamente "dominante" sobre o prédios dos RR), com o imóvel com o artigo matricial ..., atendendo a que os dois IMOVEIS estão no domínio da mesma pessoa.
36. Pelo que o Tribunal a quo não fez uma apreciação crítica da prova, omitindo factos que deveriam ter sido apreciados, sendo que levados estes a matéria provada, por confissão das partes e prova documental junta, nunca se podia onerar o prédio dos RR/recorrentes com tal injusto ónus, diga-se e reitere-se, que nunca existiu. Tal servidão, a haver, o que impugna para todos os efeitos legais, esta estava extinta por junção dos imóveis sobre a mesma proprietária. (vide artigo 1569 a) do c.c.
37. Devendo dar-se como provado por confessado;
- A A é comproprietária na proporção de 3/4 do imóvel rústico da freguesia de (...), sito em (...), constituído por terra para batata, pastagem, sobreiros, que confronta a norte com caminho publico, do sul com B. M., de nascente com José, e de Poente com António, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., descrito na Conservatória do registo Predial.
(devendo constar como 1 - A)
Acrescentando-se à matéria provada;
- O imóvel com o artigo matricial ... descrito em 1., propriedade da A confina com o imóvel com o artigo matricial ..., descrito em l-A
38. Subsumindo tais factos ao direito, verifica-se que a existir a alegada "servidão de passagem", resulta que, com a compra do imóvel que a A/recorrida diz dominante, reunido ao imóvel que possuía a poente, e confrontando este com caminho publico, verifica-se uma causa de simultânea de extinção por desnecessidade. (Vide artigo 1569 do c.c.).
39. Deve assim e no Venerável uso das suas atribuições que lhe foram conferidas, deve ser acrescentado à matéria provada o aqui referido, concluindo-se pela alteração da Sentença, pois a existir tal alegada servidão de passagem, o que impugna para todos os efeitos legais, esta encontrava-se extinta, absolvendo-se assim o RR/aqui recorrentes do malogrado peticionado.
40. Ainda e sem prescindir, a exigência do legislador sobre a exigibilidade e a existência sinais evidentes e inequívocos, quer alegados quer provados, facilmente se constata que a intenção do legislador foi prevenir situações em que existem verdadeiras usurpações e abusos de passagem, como se alega, sobre a propriedade dos RR, como in casu.
41. Pelo que se relata, passava-se abusivamente, usurpadamente e esporadicamente pelo terreno dos RR/recorrentes, por vezes com mera tolerância dos ante-possuidores, como relatam as testemunhas, diga-se testemunhas da A./recorrida.
42. O julgador com o devido respeito, não teve assim um sentido de apreciação critica sobre os factos, conjugado com a prova testemunhal, teria concluído que os atas praticados sobre o imóvel, que se quer serviente, existiram de forma esporádica e não permanente, concluindo-se, como concluiu em parte a Douta sentença (Vide 1. dos factos não provados) que não existem sinais visíveis e aparentes que permitissem sequer se falar em servidão.
43. Nem poderiam existir face à forma esporádica, eventual, clandestina, outras vezes de mera tolerância, com que tal passagem " a salto" era realizada pelo terreno dos aqui recorrentes.
44. Pelo que, deve ser dado como não provado os artigos 5 e 6 da matéria provada, requerendo a sua alteração por esse Venerando Tribunal.”.

Pugna pela revogação da decisão com a consequente absolvição dos réus/recorrentes do pedido.
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Contra-alegou a autora pugnando pela confirmação da sentença recorrida
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

A) Apurar se ocorreu erro no julgamento da matéria de facto;
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II – Fundamentação

Foram considerados provados os seguintes factos:

1. Encontra-se inscrito a favor da autora, o prédio rústico, situado em (...), composto de terra para batata, pastagem e oliveira, a confrontar de norte com A. F., a sul com B. M., a nascente com o mesmo B. M. e a poente com D. M., inscrito na matriz rústica da freguesia de (...), deste concelho, sob o art. ...° e inscrito a favor da autora na C.R.Predial, por via da descrição n° ....
2. Encontram-se registadas as seguintes inscrições relativas ao prédio rústico, situado em (...), composto de terra para batata, pastagem, a confrontar de norte com Caminho, a sul com José, a nascente com caminho e a poente com ribeiro público, inscrita na matriz rústica da freguesia de (...), deste concelho, sob o art. 1015° e descrito na competente conservatória predial sob o n° ...:
- pela apresentação (AP 2) de 30.03.2014, por partilha judicial a favor de M. D.;
- pela apresentação (Ap 1160) de 27.03.2017, por aquisição, a favor dos aqui réus, A. M. e M. M..
3. Encontra-se junto aos autos, a fls.10 e ss, um documento denominado "CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA", datado de 25/05/2016, com respectivo Termo de Autenticação e registo datados de 25 de Maio de 2016, com o seguinte teor:
"(...)
Primeiro-Parte vendedora:
M. H. (...) que outorga na qualidade de procurador e em representação de:
A. S., NIF (...) e mulher L. A., NIF (...), casados sob o regime da comunhão geral (...)

Segundo-Parte Compradora:
L. P., NIF (...), viúva (...).

O primeiro contratante pelo presente contrato e em nome dos seus representados declara que pelo preço de DOIS MIL EUROS, que para os mesmos já recebeu, vende à segunda contratante, o prédio rústico composto de terra para batata, pastagem e uma oliveira, sito no Lugar de (...) ou (...), freguesia de (...), concelho de Torre de Moncorvo, descrito na Conservatória do registo Predial sob o número (...) - (...), com inscrição de aquisição de 3/4 a favor dos vendedores pela Ap. 1 de 1989/08/23 e a restante fracção de 1/4, não se encontra descrita na Conservatória do registo Predial, tendo-lhe sido transmitida pela primeira vez após um de Outubro de mil novecentos e oitenta e quatro, ficando a pertencer aos seus representados 1/8 indiviso, por adjudicação em partilha no inventário que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Torre de Moncorvo, a quem correspondem os autos do processo numero 6/65, homologada por sentença de dois de Julho de mil novecentos sessenta e cinco, transitada em julgado em treze de Julho do mesmo e o restante 1/8 indiviso, por compra em escritura outorgada em vinte e quatro de Agosto de mil novecentos oitenta e um, no Cartório Notarial de Torre de Moncorvo, lavrada a folhas (...), do respectivo livro número (...), inscrito na matriz sob o artigo ...°, com o valor patrimonial de € 10,03 e para efeitos de Imposto Municipal Sobre Transmissões Onerosas de Imóveis de 264,82€.
O representante dos primeiros contratantes declara que o aludido prédio é vendido livre de quaisquer ónus ou encargos e que os seus representados não possuem outros prédios rústicos aptos para cultura contíguos ao ora vendido.
(...)".
4. O terreno referido em 1 nunca confrontou com a via pública (art. 10º e 22º da p.i.).
5. Sempre o acesso ao referido terreno se fez pelo prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1015º, o qual confronta do lado sul com o terreno identificado em 1 (art. 11º da p.i.).
6. A passagem de pessoas, animais e veículos, inclusive veículos agrícolas para o terreno da autora referido em 1, sempre foi feita pelo terreno referido em 2, o qual confronta do lado norte e nascente com a via pública e a Capela (...), ai existente, tendo o seu início junto largo (...) e atravessando o prédio referido em 2 até ao prédio referido em 1 (art. 12º e 13º da p.i.).
7. A autora, por si e antepossuidores, sempre agricultaram e usufruíram do prédio, onde cultivavam e cultivam batatas, milho, cereais, olival, entre outros produtos hortícolas, passavam o gado, sempre à vista de toda a gente, isto tem vindo a ser feito há mais de 20, 30,40 anos (artigo 3º, 4º, 5º, 14º, 19º, 20º da p.i.).
8. Fizeram-no de forma ininterrupta, na convicção de serem seus únicos, exclusivos e legítimos proprietários e que não lesavam o direito de outrem (art. 6º, 7º e 8º da p.i.).
9. Tal passagem sempre foi feita, sem oposição de ninguém, (art. 23º da p.i.).
10. Ostensivamente e publicamente, pois à vista de todas as pessoas, (art. 24º da p.i.).
12. Foi sempre por esse caminho que a autora, desde a data da compra e antes os seus antepossuidores, há mais de 20, 30, 40, 50 anos, passaram para o seu prédio, até ao dia em que os réus, mais concretamente em inícios de 2016, taparam a passagem, colocando uma porta na entrada que dá do átrio (...) para o prédio dos réus e não mais deixaram passar pelo prédio identificado em 2 (art. 17º da p.i.).
13. Colocando junto à via pública uma rede e no portal colocaram um portão e não permitindo a autora a ter acesso à sua propriedade (art. 18º e 30º da p.i.).
14. Os réus colocaram um portão de acesso ao seu imóvel (art. 17º da cont.).
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Não se provaram os seguintes factos:

i. A passagem a que alude a autora tinha 3, 50 de largura (art. 12º e 13º da p.i.).
ii. A autora, por si e antepossuidores, pagavam os impostos devidos (art. 3º, 4º, 5º e 14º e 19º, 20º da p.i.).
iii. A autora teve prejuízos pelo facto de não poder passar com máquinas agrícolas, a fim de fabricar o seu terreno e retirar dele todos os seus frutos, batatas, cebolas, cortiça e azeitona (art. 28º da p.i.).
iv. A autora, logo após o comportamento dos réus, uma vez que já era ela quem cultivava o terreno, que em Maio desse ano adquiriu, chamou à atenção os réus e estes mesmos assim não permitiram a passagem (art. 29º da p.i.).
v. E tais atitudes impedientes têm causado diversos prejuízos (art. 31° da p.i.).
vi. Nomeadamente têm dificultado as tarefas rotineiras da autora, de recolher os produtos necessários à sua alimentação, tratar de animais e alimentá-los, causando diversos transtornos no seu dia-a-dia, incluindo transportar a azeitona das oliveiras ai existentes e de lenha e limpar as ervas (art. 32º da p.i.).
vii. Uma vez que se vê impedida de circular livremente para a sua propriedade e de para lá deslocar todo o qualquer utensílio agrícola, máquinas, camiões, até tractores, a autora teve que desistir da plantação de alguns desses produtos e terão que desistir de ter animais (art. 33º da p.i.).
viii. Nunca os réus ou seus antepossuidores teve ou tiveram prejuízos com a referida passagem, tal qual aí se encontra com todos os sinais visíveis (art. 35º da p.i.).
ix. O prédio da A. é um prédio agrícola e, uma vez que a mesma está a ser impedido de tratar livremente do prédio, vê também bastantes dificuldades em obter frutos do mesmo e em zelar pela sua adequada manutenção e inclusivamente os animais e os prejuízos são elevados (art. 38° da p.i.).
x. Os réus com a sua conduta causa à autora uma lesão de difícil reparação dado o facto de, mesmo com a instauração de uma acção, decorrerão anos sem que esta possa cultivar o prédio o que certamente provocará uma degradação de toda a vegetação ali existente, danos que se vão agravando de ano para ano (art. 39° da p.i.)
xi. Devido à atitude e comportamento dos réus, a autora sofre de grande angústia e desgosto, por não poderem usar e circular no seu próprio terreno, como o vinha a fazer há mais de 20, 30, 40 anos (art. 45° da p.i.).
xii. Causando-lhe grandes transtornos, aborrecimentos e preocupações com toda esta situação (art. 46° da p.i.).
xiii. A autora tem se visto obrigada a adquirir produtos de sobrevivência em superfícies
comerciais, pois encontra-se privada de colher os frutos das suas plantações e dos seus animais, que com todo o gosto e muito sacrifício aí instalou (art. 47° da p.i.)
xiv. Os imóveis contíguos ao imóvel identificado em 1 sempre foram acedidos pela via pública, agora estrada que liga (...) a (...), local onde passavam a pé e animais para o imóvel que a autora diz encravado (art. 6° da cont.).
xv. Descia-se uma pequena rampa já propriedade da autora, atravessava-se um ribeiro por uma pequena ponte, ou por uma prancha de pedra, junto de umas oliveiras, e acedia-se ao imóvel, quer da réu, quer dos seus vizinhos (art. 7° da cont.).
xvi. Um espaço de 15 a 20 m da berma da actual estrada, caminho que é percorrido em 30 segundos (art. 8° da cont.).
xvii. Por ali passavam os proprietários, os trabalhadores, as bestas, se levava as alfaias agrícolas, se retirava os frutos, sem qualquer conflito, sem oposição, de quem quer que fosse, pois cada uma acedia pelo que era seu (art. 9° da cont.).
xviii. Isto durante mais de 20, 30, 40 ou mais anos... (art. 10° da cont.).
xix. Prancha esta de pedra (ponte pequena) que agora foi retirada, servindo para passar o ribeiro que tem cerca de metro a metro e meio (art. 11 ° da cont.).
xx. Mas que permite perfeitamente o seu acesso, pois o ribeiro é murado e tem cerca de 1 m de largura (art. 12° da cont.).
xxi. Os demais vizinhos, que tendo as propriedades com as mesmas configurações, atravessam por pontes e pranchas de pedra ou madeira (art. 14° da cont.).
xxii. Nunca pois a autora e seus antepossuidores acederam ao imóvel descrito em 1 pelo imóvel dos réus (art. 15° da cont.).
xxiii. E se acederam foi sem autorização, pois é verdade que muitas das vezes os aqui réus encontraram a sua rede destruída, como a corrente e aloquete arrebentados, tendo participado tal facto à GNR no ano transacto (art. 16º da cont.).
xxiv. Sendo que, sempre o imóvel dos réus esteve vedado com correntes com aloquete, muros e rede, só sendo possível, ou seja, há mais de 20, 30 ou mais anos.. (art. 18º da cont.).
xxv. Salientando que existe uma rodeira dentro do imóvel dos réus que mandaram fazer em toda a extensão do imóvel, há mais de 7 ou 8 anos, mas sempre para serventia do seu imóvel e não do imóvel da agora autora ou dos seus antepossuidores (art. 19º da cont.).
xxvi. Pois nunca a ela acederam, pelo menos, com sua autorização... (art. 20º da cont.).
xxvii. Nem esta rodeira passa pelo imóvel da autora, nem desta existe qualquer acesso ao prédio da autora, nem sequer sinais visíveis como se alega (art. 21° da cont.).
xxviii. Por aquela rodeira, nunca passaram máquinas, tractores ou camiões, a pé ou como quer que se alegue para o imóvel da autora. (art. 22º da cont.).
xxix. Como nunca tal imóvel com 400 m2 foi laborado com máquinas, tractores ou camiões, mas sim por animais (art. 23º da cont.).
xxx. Salientando que a propriedade da autora passa o ribeiro e estende-se até a estrada como já se disse, tendo sido cortado parte do imóvel por essa via há 50 ou mais anos... (art. 24º da cont.).
xxxi. Pois esta não confronta com nenhum ribeiro como o imóvel dos réus, mas sim com D. M., presumindo que será o ante possuidor do imóvel do outro lado da estrada (art. 25º da cont.)
xxxii. Confrontando o imóvel da autora com a estrada já identificada desde a sua construção, tal como os restantes imóveis contíguos aos da autora (art. 26º da cont.) xxxiii. Acedendo todos pelo mesmo local, a estrada, e atravessando o ribeiro para o outro lado do imóvel (art. 27º da cont.)
xxxiv. Tendo culturas em ambos as partes, antes e depois do ribeiro que os atravessa, no caso do imóvel da autora, duas oliveiras antes do ribeiro e três do outro lado do ribeiro, plantadas simultaneamente pelos antepossuidores do imóvel da autora (art. 28º da cont.)
*
A) Reapreciação da matéria de facto

Os apelantes impugnam a decisão relativa à matéria de facto defendendo que a matéria constante no ponto 11 dos factos provados deve ser dada como não escrita ou declarada nula por encerrar uma conclusão e uma asserção de direito; a expressão “ai assinalado” constante do ponto 12 dos factos provados deve ser eliminada; devem ser aditados dois factos onde conste que a autora é comproprietária de um prédio inscrito na matriz sob o artigo ...º, prédio este que confronta a norte com caminho público e que é contiguo ao prédio da autora aqui referido e, por fim, que devem ser dados como não provados os art. 5º e 6º dos factos provados.

Vejamos.

O Tribunal da 1ª Instância, ao proferir sentença, deve, em sede de fundamentação “(…) declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (art. 607º nº 4 do C.P.C.) e “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (art. 607º nº 5 do C.P.C.).

Sendo certo que o julgador aprecia a prova de acordo com a sua livre convicção, salvo algumas limitações, a análise crítica da prova é da maior importância do ponto de vista da fundamentação de facto da decisão. Com efeito, esta deve ser elaborada por forma a que, através da sua leitura, qualquer pessoa possa perceber quais os concretos meios de prova em que o Tribunal se baseou para considerar determinado facto provado ou não provado e a razão pela qual tais meios de prova foram considerados credíveis e idóneos para sustentar tal facto. Esta justificação terá de obedecer a critérios de racionalidade, de lógica, objectivos e assentes nas regras da experiência. A este propósito refere Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 3ª ed., p. 256: “A exigência legal, para ser atacada, impõe que, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, se estabeleça o fio condutor entre a decisão de facto (resultado) e os meios de prova que foram usados na aquisição da convicção (fundamento), fazendo a respectiva apreciação crítica nos seus aspectos mais relevantes”.

A exigência de análise crítica da prova nos termos supra referidos permite à parte não convencida quanto à bondade da decisão de facto tomada pelo tribunal da 1ª instância interpor recurso contrapondo os seus argumentos e justificar as razões da sua discordância.

Caso seja requerida a reapreciação da matéria de facto incumbe, desde logo, ao Tribunal da Relação verificar se os ónus previstos no art. 640º do C.P.C. se mostram cumpridos, sob pena de rejeição do recurso.

Não havendo motivo de rejeição procede este tribunal à reapreciação da prova nos exactos termos requeridos. Incumbe a este Tribunal controlar a convicção do julgador da primeira instância verificando se esta se mostra contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos e sindicar a formação da sua convicção. i.e., o processo lógico. Assim sendo, nada impede que, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, o tribunal superior conclua de forma diversa da do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

1.
Os apelantes defendem que a matéria constante no ponto 11 dos factos provados corresponde a uma conclusão e encerra uma asserção de direito.

No ponto 11 dos factos provados consta: “Sempre usando esse caminho com os sinais visíveis, permanentes e inequívocos”. O mesmo teve origem no artigo 25º da p.i. onde, por sua vez, se lê: “Sempre usando esse caminho com os sinais visíveis, permanentes e inequívocos, identificados e melhor discriminados supra”.

Nos termos do acima citado art. 607º nº 4 do C.P.C., na sentença., além do mais, devem ser declarados os factos provados e não provados. Desta matéria de facto não devem constar juízos meramente conclusivos ou conceitos de direito. Contudo, nem sempre se revela fácil a distinção entre facto e conclusão e entre matéria de facto e matéria de direito. Como refere Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág. 269: “a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa; o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são flutuantes”.

Tem-se entendido que “(…) os factos (…) abrangem as ocorrências concretas da vida real (…), bem como o estado, a qualidade ou situação real das pessoas (…). Dentro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes), cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior (…), mas também os eventos de foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do individuo (…)” – Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, p. 406-407.

A matéria de direito traduz-se em conceitos estritamente jurídicos que não têm qualquer sentido corrente. A mesma reporta-se à aplicação das normas jurídicas aos factos e à valoração que o tribunal faz de acordo com a interpretação ou a aplicação da lei. Reporta-se igualmente a qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica. Neste sentido J.P. Remédio Marques, in Acção declarativa à luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2007, p. 355. No Ac. da R.P. de 07/10/2013, in www.dgsi.pt lê-se: “Pode afirmar-se, em sentido muito simplificador, que uma conclusão implica um juízo sobre factos e estes, quando em si mesmos considerados, revelam uma realidade, compreensível e detetável sem necessidade de qualquer acréscimo dedutivo.”

Podem ser consideradas na matéria de facto expressões que são utilizadas simultaneamente em sentido corrente e jurídico, a menos que, face à natureza da acção, seja exactamente esse o objecto da disputa entre as partes e dele dependa a resolução das questões jurídicas que se discutem no processo constituindo, nesta medida, o objecto da própria decisão final da causa.

Revertendo ao caso em apreço verificamos que assiste razão aos apelantes.

Com efeito, o alegado no artigo 25º da petição inicial corresponde a matéria conclusiva, como aliás decorre da sua parte final, uma vez que os sinais com tais características estariam acima identificados e discriminados. Contudo, apesar desta remissão, como bem assinalam os apelantes, naquele articulado não constam os factos que possam estar na origem da mencionada conclusão, à excepção da referência ao facto da passagem ter uma largura de 3,5 m (que veio a ser julgado não provado).

Acresce que a expressão “sinais visíveis e permanentes” consta da lei (art. 1548º, 1549º do C.C.) pelo que, face à natureza da acção – reconhecimento de uma servidão de passagem sobre o prédio dos réus a favor do prédio da autora –, é exactamente este o objecto do litígio entre as partes e dele dependa a resolução das questões jurídicas que se discutem no processo.
Não podendo esta matéria constar dos factos entendemos que a mesma deve ser eliminada.

2.
Certamente que por manifesto lapso que ficou a constar do ponto 12 dos factos provados a expressão “aí assinalado”, a qual consta no art. 17º da petição inicial e se se refere ao documento nº 6 junto com aquele articulado e que consiste numa “planta”/desenho do local a que se alude no no artigo 16º da petição. Uma vez que tal expressão não faz sentido no conjunto dos factos provados deve ser eliminada.

3.
Mais pretendem os apelantes que devem ser aditados dois factos onde conste que a autora é comproprietária de um prédio inscrito na matriz sob o artigo ...º, prédio este que confronta a norte com caminho público e que é contiguo ao prédio da autora aqui referido. Para tanto referem que, na resposta à contestação, a autora referiu o facto de ser comproprietária do referido prédio e as testemunhas aludiram igualmente a tal facto.

Antes de mais, conforme consta da decisão de fls. 70 a 71V este articulado foi julgado inadmissível e foi ordenado que fosse devolvido à apresentante (ainda que aí conste por lapso a palavra “admissível” a inadmissibilidade retira-se da interpretação da decisão no seu todo). Uma vez que desta decisão não foi interposto qualquer recurso nos termos do art. 644º nº 2 d) do C.P.C. verifica-se caso julgado formal (620º do C.P.C.) e devia ter ocorrido o respectivo desentranhamento e/ou eliminação do processo electrónico.

O Tribunal recorrido não se pronunciou expressamente acerca do documento nesse momento junto pela autora, mas está implícito naquela decisão que a mesma abrange o referido documento porquanto o mesmo naturalmente destinava-se à prova dos factos alegados (veja-se que a sentença não aludiu aos mesmos em sede de factos provados e não provados). Neste sentido Ac. da R.E. de 03/03/2010, in www.dgsi.pt.
Assim, não podem os apelantes aproveitarem-se dos factos aí alegados, nem do documento junto e não pode o tribunal apreciar e valorar este último.

Acresce que que os factos em causa são factos essenciais em que os réus podiam ter baseado uma excepção (art. 5º nº 1 do C.P.C.) pelo que podiam e deviam ter sido alegados por estes na sua contestação. Contudo, não tendo estes cumprido tal ónus preclude a possibilidade de o fazer. Aplicam-se nesta sede os princípios da autoresponsabilidade das partes e o princípio da preclusão
Ainda que as testemunhas tenham feito referência a tais factos os mesmos não podem ser agora “aproveitados” uma vez que, como se referiu são factos essenciais nos termos do art. 5º nº1 do C.P.C., e não factos instrumentais ou complementares ou concretizadores nos termos do art. 5º nº 2 a) e b) do mesmo código.

Pelo exposto, improcede a apelação nesta parte.

4.
Por fim, defendem os réus que os factos provados sob os nº 5 e 6 na parte referente ao facto de o acesso ao prédio da autora se fazer e sempre se ter feito pelo prédio dos réus devem ser dados como não provados. Fundamentam esta pretensão no depoimento da testemunha E. N. e A. T..
Ouvidos estes depoimentos não se percebe em que é os réus se alicerçam para chegar à referida conclusão.

O depoimento da testemunha da autora, E. N., apesar dos seus 88 anos, foi muito claro, objectivo e credível. Referiu que o terreno da autora foi da sogra, foi lavrado pela própria testemunha de 1952 a 1959, quando regressou do Canadá o mesmo pertencia ao cunhado A. S. que vendeu à autora. Foi firme e claríssima em afirmar que o prédio da autora não confronta com qualquer caminho; que o acesso de pessoas e animais sempre foi feito pelo “portal” (palavras da testemunha) existente ao pé (...) de Santa Catarina e através do terreno dos réus; que todos por lá passavam; era uma passagem aberta, i.e., sem portas ou correntes; que os antepossuidores dos réus e estes nada opuseram; que não era necessário pedir qualquer autorização a estes apesar de toda a gente saber que lhes pertencia. Admitiu que havia quem acedesse ao prédio da autora saltando o ribeiro, mas nunca com animais. Não obstante as insistências feitas pelo mandatário dos réus a testemunha manteve sempre o que já havia afirmado.

O depoimento da testemunha dos réus, M. T., foi pouco claro, tendo a testemunha dificuldade em se exprimir, e não foi nada credível. Referiu que havia quem saltasse o ribeiro ou passasse numas tábuas para aceder ao terreno da autora, mas reconheceu que nunca com animais ou máquinas e nessa parte foi concordante com a anterior testemunha. Contudo acrescentou que neste último caso “tinham de ir à volta” passando por três ou mais terrenos em vez que apenas atravessar o terreno dos réus, o que não credível como bem assinalou o tribunal recorrido.
Assim sendo, por não resultar qualquer erro de apreciação da matéria de facto improcede a apelação nesta parte.
*
Por uma questão metodológica passar-se-á a descrever a matéria de facto apurada de acordo com o decidido nesta instância:

1. Encontra-se inscrito a favor da autora, o prédio rústico, situado em (...), composto de terra para batata, pastagem e oliveira, a confrontar de norte com A. F., a sul com B. M., a nascente com o mesmo B. M. e a poente com D. M., inscrito na matriz rústica da freguesia de (...), deste concelho, sob o art. ...° e inscrito a favor da autora na C.R.Predial, por via da descrição n° ....
2. Encontram-se registadas as seguintes inscrições relativas ao prédio rústico, situado em (...), composto de terra para batata, pastagem, a confrontar de norte com Caminho, a sul com José, a nascente com caminho e a poente com ribeiro público, inscrita na matriz rústica da freguesia de (...), deste concelho, sob o art. 1015° e descrito na competente conservatória predial sob o n° ...:

- pela apresentação (AP 2) de 30.03.2014, por partilha judicial a favor de M. D.;
- pela apresentação (Ap 1160) de 27.03.2017, por aquisição, a favor dos aqui réus, A. M. e M. M..
3. Encontra-se junto aos autos, a fls.10 e ss, um documento denominado "CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA", datado de 25/05/2016, com respectivo Termo de Autenticação e registo datados de 25 de Maio de 2016, com o seguinte teor:

"(...)
Primeiro-Parte vendedora:
M. H. (...) que outorga na qualidade de procurador e em representação de:
A. S., NIF (...) e mulher L. A., NIF (...), casados sob o regime da comunhão geral (...)

Segundo-Parte Compradora:
L. P., NIF (...), viúva (...).

O primeiro contratante pelo presente contrato e em nome dos seus representados declara que pelo preço de DOIS MIL EUROS, que para os mesmos já recebeu, vende à segunda contratante, o prédio rústico composto de terra para batata, pastagem e uma oliveira, sito no Lugar de (...) ou (...), freguesia de (...), concelho de Torre de Moncorvo, descrito na Conservatória do registo Predial sob o número (...) - (...), com inscrição de aquisição de 3/4 a favor dos vendedores pela Ap. 1 de 1989/08/23 e a restante fracção de 1/4, não se encontra descrita na Conservatória do registo Predial, tendo-lhe sido transmitida pela primeira vez após um de Outubro de mil novecentos e oitenta e quatro, ficando a pertencer aos seus representados 1/8 indiviso, por adjudicação em partilha no inventário que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Torre de Moncorvo, a quem correspondem os autos do processo numero 6/65, homologada por sentença de dois de Julho de mil novecentos sessenta e cinco, transitada em julgado em treze de Julho do mesmo e o restante 1/8 indiviso, por compra em escritura outorgada em vinte e quatro de Agosto de mil novecentos oitenta e um, no Cartório Notarial de Torre de Moncorvo, lavrada a folhas (...), do respectivo livro número (...), inscrito na matriz sob o artigo ...°, com o valor patrimonial de € 10,03 e para efeitos de Imposto Municipal Sobre Transmissões Onerosas de Imóveis de 264,82€.
O representante dos primeiros contratantes declara que o aludido prédio é vendido livre de quaisquer ónus ou encargos e que os seus representados não possuem outros prédios rústicos aptos para cultura contíguos ao ora vendido.
(...)".
4. O terreno referido em 1 nunca confrontou com a via pública (art. 10º e 22º da p.i.).
5. Sempre o acesso ao referido terreno se fez pelo prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1015º, o qual confronta do lado sul com o terreno identificado em 1 (art. 11º da p.i.).
6. A passagem de pessoas, animais e veículos, inclusive veículos agrícolas para o terreno da autora referido em 1, sempre foi feita pelo terreno referido em 2, o qual confronta do lado norte e nascente com a via pública e a Capela (...), ai existente, tendo o seu início junto largo (...) e atravessando o prédio referido em 2 até ao prédio referido em 1 (art. 12º e 13º da p.i.).
7. A autora, por si e antepossuidores, sempre agricultaram e usufruíram do prédio, onde cultivavam e cultivam batatas, milho, cereais, olival, entre outros produtos hortícolas, passavam o gado, sempre à vista de toda a gente, isto tem vindo a ser feito há mais de 20, 30,40 anos (artigo 3º, 4º, 5º, 14º, 19º, 20º da p.i.).
8. Fizeram-no de forma ininterrupta, na convicção de serem seus únicos, exclusivos e legítimos proprietários e que não lesavam o direito de outrem (art. 6º, 7º e 8º da p.i.).
9. Tal passagem sempre foi feita, sem oposição de ninguém, (art. 23º da p.i.).
10. Ostensivamente e publicamente, pois à vista de todas as pessoas, (art. 24º da p.i.).
11. Sempre usando esse caminho com os sinais visíveis, permanentes e inequívocos,
(artigo 25º da p.i.).
12. Foi sempre por esse caminho aí assinalado, que a autora, desde a data da compra e antes os seus antepossuidores, há mais de 20, 30, 40, 50 anos, passaram para o seu prédio, até ao dia em que os réus, mais concretamente em inícios de 2016, taparam a passagem, colocando uma porta na entrada que dá do átrio (...) para o prédio dos réus e não mais deixaram passar pelo prédio identificado em 2 (art. 17º da p.i.).
13. Colocando junto à via pública uma rede e no portal colocaram um portão e não permitindo a autora a ter acesso à sua propriedade (art. 18º e 30º da p.i.).
14. Os réus colocaram um portão de acesso ao seu imóvel (art. 17º da cont.).
*
Não se provaram os seguintes factos:

i. A passagem a que alude a autora tinha 3, 50 de largura (art. 12º e 13º da p.i.).
ii. A autora, por si e antepossuidores, pagavam os impostos devidos (art. 3º, 4º, 5º e 14º e 19º, 20º da p.i.).
iii. A autora teve prejuízos pelo facto de não poder passar com máquinas agrícolas, a fim de fabricar o seu terreno e retirar dele todos os seus frutos, batatas, cebolas, cortiça e azeitona (art. 28º da p.i.).
iv. A autora, logo após o comportamento dos réus, uma vez que já era ela quem cultivava o terreno, que em Maio desse ano adquiriu, chamou à atenção os réus e estes mesmos assim não permitiram a passagem (art. 29º da p.i.).
v. E tais atitudes impedientes têm causado diversos prejuízos (art. 31° da p.i.).
vi. Nomeadamente têm dificultado as tarefas rotineiras da autora, de recolher os produtos necessários à sua alimentação, tratar de animais e alimentá-los, causando diversos transtornos no seu dia-a-dia, incluindo transportar a azeitona das oliveiras ai existentes e de lenha e limpar as ervas (art. 32º da p.i.).
vii. Uma vez que se vê impedida de circular livremente para a sua propriedade e de para lá deslocar todo o qualquer utensílio agrícola, máquinas, camiões, até tractores, a autora teve que desistir da plantação de alguns desses produtos e terão que desistir de ter animais (art. 33º da p.i.).
viii. Nunca os réus ou seus antepossuidores teve ou tiveram prejuízos com a referida passagem, tal qual aí se encontra com todos os sinais visíveis (art. 35º da p.i.).
ix. O prédio da A. é um prédio agrícola e, uma vez que a mesma está a ser impedido de tratar livremente do prédio, vê também bastantes dificuldades em obter frutos do mesmo e em zelar pela sua adequada manutenção e inclusivamente os animais e os prejuízos são elevados (art. 38° da p.i.).
x. Os réus com a sua conduta causa à autora uma lesão de difícil reparação dado o facto de, mesmo com a instauração de uma acção, decorrerão anos sem que esta possa cultivar o prédio o que certamente provocará uma degradação de toda a vegetação ali existente, danos que se vão agravando de ano para ano (art. 39° da p.i.)
xi. Devido à atitude e comportamento dos réus, a autora sofre de grande angústia e desgosto, por não poderem usar e circular no seu próprio terreno, como o vinha a fazer há mais de 20, 30, 40 anos (art. 45° da p.i.).
xii. Causando-lhe grandes transtornos, aborrecimentos e preocupações com toda esta situação (art. 46° da p.i.).
xiii. A autora tem se visto obrigada a adquirir produtos de sobrevivência em superfícies comerciais, pois encontra-se privada de colher os frutos das suas plantações e dos seus animais, que com todo o gosto e muito sacrifício aí instalou (art. 47° da p.i.)
xiv. Os imóveis contíguos ao imóvel identificado em 1 sempre foram acedidos pela via pública, agora estrada que liga (...) a (...), local onde passavam a pé e animais para o imóvel que a autora diz encravado (art. 6° da cont.).
xv. Descia-se uma pequena rampa já propriedade da autora, atravessava-se um ribeiro por uma pequena ponte, ou por uma prancha de pedra, junto de umas oliveiras, e acedia-se ao imóvel, quer da réu, quer dos seus vizinhos (art. 7° da cont.).
xvi. Um espaço de 15 a 20 m da berma da actual estrada, caminho que é percorrido em 30 segundos (art. 8° da cont.).
xvii. Por ali passavam os proprietários, os trabalhadores, as bestas, se levava as alfaias agrícolas, se retirava os frutos, sem qualquer conflito, sem oposição, de quem quer que fosse, pois cada uma acedia pelo que era seu (art. 9° da cont.).
xviii. Isto durante mais de 20, 30, 40 ou mais anos... (art. 10° da cont.).
xix. Prancha esta de pedra (ponte pequena) que agora foi retirada, servindo para passar o ribeiro que tem cerca de metro a metro e meio (art. 11 ° da cont.).
xx. Mas que permite perfeitamente o seu acesso, pois o ribeiro é murado e tem cerca de 1 m de largura (art. 12° da cont.).
xxi. Os demais vizinhos, que tendo as propriedades com as mesmas configurações, atravessam por pontes e pranchas de pedra ou madeira (art. 14° da cont.).
xxii. Nunca pois a autora e seus antepossuidores acederam ao imóvel descrito em 1 pelo imóvel dos réus (art. 15° da cont.).
xxiii. E se acederam foi sem autorização, pois é verdade que muitas das vezes os aqui réus encontraram a sua rede destruída, como a corrente e aloquete arrebentados, tendo participado tal facto à GNR no ano transacto (art. 16º da cont.).
xxiv. Sendo que, sempre o imóvel dos réus esteve vedado com correntes com aloquete, muros e rede, só sendo possível, ou seja, há mais de 20, 30 ou mais anos.. (art. 18º da cont.).
xxv. Salientando que existe uma rodeira dentro do imóvel dos réus que mandaram fazer em toda a extensão do imóvel, há mais de 7 ou 8 anos, mas sempre para serventia do seu imóvel e não do imóvel da agora autora ou dos seus antepossuidores (art. 19º da cont.).
xxvi. Pois nunca a ela acederam, pelo menos, com sua autorização... (art. 20º da cont.).
xxvii. Nem esta rodeira passa pelo imóvel da autora, nem desta existe qualquer acesso ao prédio da autora, nem sequer sinais visíveis como se alega (art. 21° da cont.).
xxviii. Por aquela rodeira, nunca passaram máquinas, tractores ou camiões, a pé ou como quer que se alegue para o imóvel da autora. (art. 22º da cont.).
xxix. Como nunca tal imóvel com 400 m2 foi laborado com máquinas, tractores ou camiões, mas sim por animais (art. 23º da cont.).
xxx. Salientando que a propriedade da autora passa o ribeiro e estende-se até a estrada como já se disse, tendo sido cortado parte do imóvel por essa via há 50 ou mais anos... (art. 24º da cont.).
xxxi. Pois esta não confronta com nenhum ribeiro como o imóvel dos réus, mas sim com D. M., presumindo que será o ante possuidor do imóvel do outro lado da estrada (art. 25º da cont.)
xxxii. Confrontando o imóvel da autora com a estrada já identificada desde a sua construção, tal como os restantes imóveis contíguos aos da autora (art. 26º da cont.) xxxiii. Acedendo todos pelo mesmo local, a estrada, e atravessando o ribeiro para o outro lado do imóvel (art. 27º da cont.)
xxxiv. Tendo culturas em ambos as partes, antes e depois do ribeiro que os atravessa, no caso do imóvel da autora, duas oliveiras antes do ribeiro e três do outro lado do ribeiro, plantadas simultaneamente pelos antepossuidores do imóvel da autora (art. 28º da cont.)
*
B) Subsunção jurídica

Em causa nestes autos está a existência ou não de uma servidão de passagem de pessoas, animais ou veículos em benefício do prédio da autora que onera o prédio dos réus, que se estende desde o largo (...) de Santa Catarina.

Tendo em atenção os factos alegados na petição inicial afigura-se-nos que a autora pretende ver reconhecida uma servidão constituída por usucapião nos termos dos art. 1547º nº 1 e 1548º do C.C., contudo, uma vez que o tribunal não está sujeito às alegações das partes no que toca à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito abordaremos igualmente se se mostram verificados os requisitos para imposição de uma servidão legal nos termos do art. 1547º nº 2 e 1550º do C.C..

Vejamos.

O art. 1543º do C.C. fornece a noção de servidão predial nos seguintes termos:

Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia.

A servidão é um direito real em virtude do qual é possibilitado ao proprietário de um prédio (prédio dominante) o gozo de certas utilidades do prédio (ius in re aliena) pertencente a dono diferente (prédio serviente). Este proveito ou vantagem de que um prédio beneficia tem de encontrar-se objectivamente ligado a outro prédio, implicando consequentemente uma restrição ou limitação do direito de propriedade do prédio onerado, inibindo o respectivo proprietário de praticar actos que possam perturbar ou impedir o exercício da servidão.

Segundo Menezes Leitão, in Direitos Reais, Almedina, p.394 as servidões prediais possuem as seguintes características:

a) ligação necessária ao prédio por intermédio do qual ela se exerce;
b) atipicidade do seu conteúdo - art. 1544º do C.C.. Por exemplo servidão de passagem (servitus itineri), de aqueduto (servitus aqueductus), de aproveitamento de águas (servitus aquae haustos), de escoamento, etc;
c) inseparabilidade (art. 1545º do C.C.);
d) indivisibilidade (art. 1546º do C.C.).

No que concerne ao modo de constituição das servidões dispõe o art. 1547º do C.C.:

1.As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação de pai de família.
2. As servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos.

Referindo-se às modalidades ou tipo de servidões escreve José de Oliveira Ascensão, in Direito Civil – Reais, 4ª edição (reimpressão), pág. 251-252, que a expressão servidão legal é utilizada “para designar certas categorias de servidão que podem ser coactivamente impostas. São disso exemplo (…) as servidões de trânsito ou passagem previstas nos art.º 1550º a 1556º” do C.C.. Diz-se que as servidões são legais porque, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos (art.º 1547º/2)”. E “(…) servidão coactiva não é a que foi coactivamente imposta, mas a que o pode ser coactivamente. (…) Se as partes, por contrato, por exemplo, regularem a sua situação, o legislador não deixa de considerar existente uma servidão legal. Este princípio tem a sua consagração legal no art.º 1569º, n.º 3, do Cód. Civil, que dispõe a extinção por desnecessidade das servidões legais, qualquer que tenha sido o título da sua constituição. Com isto se quer dizer que, verificando-se os pressupostos que permitem impor uma servidão legal, a servidão que se constituir se deve sempre considerar legal, mesmo que não tenha sido coactivamente actuada”.

Assim, o critério que diferencia as servidões legais e voluntárias reside apenas na circunstância das primeiras, ao contrário das segundas, poderem ser impostas coactivamente sendo que, caso não o tenham sido por os proprietários do prédio serviente terem consentido voluntariamente na sua sujeição, as mesmas não perdem aquela natureza.
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A constituição de servidão por usucapião encontra-se prevista no art. 1548º do C.C. que dispõe:

1.As servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião.
2. Consideram-se não aparentes as servidões que não se revelem por sinais visíveis e permanentes.

Resulta deste preceito que apenas as servidões aparentes, i.e., as que se revelam por sinais visíveis e permanentes, quer no prédio dominante, quer no prédio serviente (ex. um carreiro, uma abertura ou porta pela qual a passagem se exerce), podem ser constituídas por usucapião uma vez que as não aparentes podem ser exercidas na ignorância do proprietário ou serem confundidas com actos de mera tolerância deste.

Refere o Ac. da R.C. de 10/07/13, in www.dgsi.pt: “A visibilidade dos sinais respeita à sua materialidade, no sentido de serem percepcionáveis e interpretáveis como tais pela generalidade das pessoas que se confrontem com eles. A permanência consiste na manutenção dos sinais, com a aludida visibilidade, ao longo do tempo, sem interrupções (pelo menos nos casos em que a ausência temporária dos sinais torne equívoco o seu significado), por forma a gerar e manter a ideia de que se trata de uma situação estável e duradoura e, ao mesmo tempo, afastar a hipótese de se tratar de uma situação precária, podendo tais sinais, no entanto, ser alterados ao longo do tempo ou substituídos por outros.”.

Revertendo ao caso em apreço entendemos que dos factos provados não resulta que nos encontremos perante uma servidão aparente uma vez que aí nada consta que seja revelador de uma servidão de passagem como, por exemplo, um carreiro marcado no solo por onde a passagem se faria, uma porta ou uma corrente entre os dois prédios. Com efeito, não basta a prova que a passagem sempre foi feita pelo prédio dos réus tendo início junto ao largo (...) de Santa Catarina, pois desconhece-se exactamente por onde a mesma se fazia.
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Importa apurar se tem a autora o direito de impor coactivamente a servidão por o seu prédio se mostrar encravado.

Dispõe o art. 1550º do C.C., sob a epígrafe “Servidão em benefício de prédio encravado”:

1.Os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos.
2. De igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio.

E o art. 1553º:

A passagem deve ser concedida através do prédio ou prédios que sofram menor prejuízo, e pelo modo e lugar menos inconvenientes para o prédio onerado.
Entendemos que são factos constitutivos do direito potestativo à constituição desta servição legal a alegação da:

a) situação de encrave, absoluto no caso de não ter qualquer comunicação com a via pública, ou relativo no caso de ter uma comunicação insuficiente para as suas necessidades normais ou apenas poderia comunicar com a via pública através de obras cujo custo seja desproporcional com os lucros prováveis de exploração do prédio ou comas vantagens que ele proporciona (neste sentido Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado, Vol. III, 2ª ed, p.637);
b) confinância com o prédio por onde pode alcançar a via pública;
c) e ainda factos que permitam concluir que é através desse prédio e pelo modo e local escolhidos que a passagem causa menor prejuízo e é menos gravosa tendo em conta o uso efectivamente dado ao prédio encravado (no sentido que a alegação desta matéria é constitutiva do direito vide, entre outros, Ac. do S.T.J. de 02/12/2010, de 10/12/2013, da R.C. de 10/05/2011, in www.dgsi.pt).
Revertendo ao caso sub judice verificamos que a autora alegou factos referentes à situação de encrave absoluto do seu prédio inscrito na matriz sob o art. ...º e de confinância com o prédio dos réus, o qual tem acesso à via pública, mas não alegou quaisquer factos de onde resulte por onde se exerce a passagem, nem factos dos quais se possa retirar que a passagem pelo prédio dos réus é a que menor prejuízo causa.
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Por todo o exposto, a apelação procede.
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Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I – Uma vez que da matéria de facto dada como provada não devem constar juízos meramente conclusivos ou conceitos de direito é de eliminar da mesma a expressão “sinais visíveis e permanentes” a que se alude no art. 1548º do C.C..
II – Tendo sido o articulado de resposta à contestação julgado inadmissível e tendo sido ordenada a sua devolução ao apresentante, não obstante o Tribunal recorrido não se haver pronunciou expressamente acerca do documento junto, está implícito naquela decisão que a mesma abrange o referido documento porquanto o mesmo destinava-se à prova dos factos alegados.
III - Apenas podem ser constituídas por usucapião as servidões aparentes, i.e., as que se revelam por sinais visíveis e permanentes, quer no prédio dominante, quer no prédio serviente.
IV - São factos constitutivos do direito potestativo à constituição de uma servição legal em benefício de prédio encravado a alegação de: a) situação de encrave (absoluto ou relativo); b) confinância com o prédio por onde pode alcançar a via pública; c) e ainda factos que permitam concluir que é através desse prédio e pelo modo e local escolhidos que a passagem causa menor prejuízo e é menos gravosa tendo em conta o uso efectivamente dado ao prédio encravado.
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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e consequentemente em revogar a sentença absolvendo os réus do pedido.
Custas da apelação pela apelante.
Guimarães, 06/12/2018

(Margarida Almeida Fernandes)
(Margarida Sousa)
(Afonso Cabral de Andrade)