Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7706/19.9T8VNF-D.G1
Relator: JORGE SANTOS
Descritores: INCIDENTE DE QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
CREDOR
PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – O requerimento de alegações apresentado por um credor, em processo de insolvência, nos termos do artigo 188º do CIRE, integra-se na tramitação regular do incidente da qualificação da insolvência e está abrangido pela regra geral constante do artigo 304.º do CIRE, que atribui a responsabilidade pelas custas, quando a insolvência é decretada, sempre à massa insolvente.

2 – Pelo que não pode esse requerente vir a ser responsabilizado pelas custas, não sendo por ele devida taxa de justiça.
Decisão Texto Integral:
Acorda na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

No âmbito do incidente de qualificação da insolvência de “X – Unipessoal, Lda., em que é requerente o credor “Y Ingredients, Lda.” e Requeridos A. R. e V. C., foi apresentado por esse credor requerimento de alegações a pronunciar-se sobre a qualificação, nos termos do artigo 188º, nº1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

O Ministério Público levanta na sua promoção a questão da falta de pagamento da taxa de justiça pelo credor que juntou requerimento de alegações a pronunciar-se sobre a qualificação, nos termos do artigo 188º, nº1 do CIRE.

Não resulta dos autos que tal credor requerente do apenso deste incidente tenha efectuado o pagamento de taxa de justiça ou que tenha invocado para o efeito uma qualquer isenção.

Sobre essa promoção incidiu despacho judicial, no qual se decidiu não ser de notificar o alegante para pagar taxa de justiça por não ser devida.

Inconformado com tal decisão, dela veio recorrer o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:

1. Porque lex specialis derogat generalis e no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas os recursos são (todos) tratados como urgentes e com subida imediata, e para a eventualidade de o Tribunal da Relação equacionar essa possibilidade (como exposto em “II – Questão Prévia”), o Ministério Público desde já expressa a sua posição (acautelando qualquer omissão subsequente) segundo a qual não é lícito o recurso ao Código de Processo Civil para sustentar que as presentes alegações têm subida diferida (nos termos das disposições conjugadas dos arts. 9º, nº 1, 14º, nº 5 e nº 6, 17º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e 644º, nº 4, do Código de Processo Civil, estas duas últimas disposições interpretadas a contrario sensu);

2. A arrimar o entendimento vertido em 1., na única decisão colegial existente sobre a temática em causa, proferida no incidente de qualificação nº 5712/19.2T8VNF-B (que correu termos neste Juízo do Comércio, Juiz 2) na sequência de um recurso interposto pelo signatário, esse Venerando Tribunal da Relação de Guimarães decidiu (nos exactos termos aí peticionados pelo Ministério Público e como infra novamente sustentado):
“I Se o incidente de qualificação da insolvência for procedente, mas tiver sido impulsionado por um particular que não beneficie de apoio judiciário, não esteja dispensado de proceder ao pagamento prévio da taxa de justiça, nem beneficie de qualquer isenção objectiva ou subjectiva de custas, aquele tem que pagar taxa de justiça e pode posteriormente reivindicar à parte vencida o seu pagamento em sede de custas de parte (arts. 25º, 1, e 26º, 1, do Regulamento das Custas Processuais);
II - Se o mesmo incidente for improcedente e tiver sido impulsionado por um particular que não beneficie de apoio judiciário, não esteja dispensado de proceder ao pagamento prévio da taxa de justiça, nem beneficie de qualquer isenção objectiva ou subjectiva de custas, aquele tem que pagar taxa de justiça e as custas finais ficam a seu cargo, por ser susceptível de ser responsabilizado a final pelo pagamento de custas (artº 527º, 1, do Código de Processo Civil).
III - Se assim não for, permite-se que alguém impulsione uma lide sem pagar qualquer taxa de justiça ou sem ser condenado em custas a final, obrigando ao funcionamento desnecessário da máquina judiciária, sendo oportunamente proferida sentença de qualificação da insolvência como fortuita, com custas pela massa insolvente e em detrimento dos credores (na parte em que deixarão de receber a quantia que aquela massa terá que afectar ao pagamento das custas em que vier a ser condenada)”;

3. O Tribunal a quo é já conhecedor desta decisão, quer porque foi proferida num processo do mesmo Juiz 2 quer porque foi previamente alertado pelo Ministério Público para a sua existência, pelo que se antolha como inexplicável a resistência à aplicação daquele entendimento;

4. Por outro lado, a decisão sindicada escora-se numa decisão sumária do Tribunal da Relação de Guimarães que, por sua vez, também procura quentura numa outra decisão de idêntico valor proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra;

5. Tais decisões ancoram o seu entendimento no facto segundo o qual o requerente (credor particular) do incidente de qualificação não paga taxa de justiça por não poder ser responsável pelo pagamento de custas a final, nos seguintes pressupostos:
5.1. se o incidente for procedente as custas finais ficam a cargo do (a) afectado (a) pela qualificação, porque vencido (a) nos termos gerais (artº 527º, nº 1, do Código de Processo Civil);
5.2. se o incidente não for procedente as custas finais ficam a cargo da massa insolvente (arts. 303º e 304º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas);

6. Tal entendimento viola frontalmente as regras gerais do pagamento de taxa de justiça (inexistindo qualquer norma especial que o contrarie) de acordo com as quais isso é obrigatório desde que o credor (que impulsiona o apenso) não beneficie de apoio judiciário [1], não esteja dispensado de proceder ao pagamento prévio da taxa de justiça [2] nem beneficie de qualquer isenção objectiva ou subjectiva de custas [3];

7. É pacífico, então, que quanto ao pagamento de taxa de justiça/custas nos incidentes de qualificação da insolvência podemos (e devemos) arribar às seguintes conclusões (como defendido pelo signatário e doutamente sumariado no acórdão citado em 2.):
7.1. se o incidente for procedente as custas finais ficam a cargo do (a) afectado (a), porque vencido (a) e último responsável pela lide (artº 527º, nº 1, do Código de Processo Civil);
7.2. se o incidente for procedente mas tiver sido impulsionado por um particular que não beneficie de apoio judiciário [1], não esteja dispensado de proceder ao pagamento prévio da taxa de justiça [2] nem beneficie de qualquer isenção objectiva ou subjectiva de custas [3], aquele tem que pagar taxa de justiça e pode posteriormente reivindicar à parte vencida o seu pagamento em sede de custas de parte (arts. 25º, nº 1, e 26º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais);
7.3. se o incidente for improcedente e não tiver sido impulsionado por um particular [antes pelo (a) Excelentíssimo (a) Senhor (a) administrador (a) da insolvência/Ministério Público, que não pagam taxa de justiça pela sua intervenção processual] as custas finais ficam a cargo da massa insolvente (arts. 303º e 304º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas);
7.4. se o incidente for improcedente e tiver sido impulsionado por um particular que não beneficie de apoio judiciário [1], não esteja dispensado de proceder ao pagamento prévio da taxa de justiça [2] nem beneficie de qualquer isenção objectiva ou subjectiva de custas [3], as custas finais ficam a seu cargo, por ser evidentemente susceptível de ser responsabilizado a final pelo seu pagamento (artº 527º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil), pelo que só pode entender-se ser por si devida a prévia taxa de justiça para impulsionar o processo;

8. Se assim suceder, este credor é parte vencida (não a massa insolvente) e deu causa às custas do processo;

9. Se assim não for estamos a permitir que alguém impulsione uma lide sem pagar qualquer taxa de justiça (por alegadamente ser insusceptível de ser condenado em custas a final, o que como vimos não é correcto) quando existe a possibilidade de vir a ser proferida sentença de qualificação da insolvência como fortuita, com equívocas custas pela massa insolvente e em detrimento dos credores (na parte em que deixarão de receber a quantia que aquela massa terá que afectar ao pagamento das custas em que vier a ser condenada);

10. Também foi prática judiciária durante um largo período de tempo a responsabilização da massa insolvente pelas custas nos incidentes de qualificação da insolvência, mesmo quando era qualificada como culposa e existiam afectados pela qualificação;

11. Aquela práxis mostra-se ultrapassada pela constatação jurisprudencial que os afectados pela qualificação são as partes (vencidas) que deram causa às custas e, assim, têm que ser condenados nos termos do artº 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil;

12. Este raciocínio aplica-se mutatis mutandis às situações atrás elencadas de responsabilização dos credores requerentes dos incidentes de qualificação da insolvência que, como tal, são passíveis de ser responsabilizados por custas a final e, assim, têm que pagar taxa de justiça pela apresentação do seu parecer;

13. Foram violados os arts. 303º e 304º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, por equívoca interpretação, 1º, nº 1, 3º, nº 1, 6º, nº 1, 7º, nº 4, 13º, nº 1, al. a), do Regulamento das Custas Processuais, 145º, nº 1, nº 3 e nº 4, 527º, nº 1, 552º, nº 3 e nº 4, 558º, al. f), e 560º do Código de Processo Civil, por não aplicação.
Para efeitos do disposto no artº 646º, nº 1 e nº 3, do Código de Processo Civil, o Ministério Público requer que o presente recurso seja instruído com os actos processuais identificados em I, a serem disponibilizadas electronicamente.

Termos em que se conclui como supra, proferindo-se douto acórdão que revogue o despacho averiguado (1) e ordene a notificação do credor “Y Ingredients, Ldª” para proceder em 10 (dez) dias ao pagamento da taxa de justiça em falta devida pela apresentação do requerimento/petição inicial (2), nos termos das disposições conjugadas dos arts. 552º, nº 3, 558º, al. f), e 560º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artº 17º, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – OBJECTO DO RECURSO

A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.

B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo Recorrente, cumpre apreciar se existe fundamento legal para revogar a decisão recorrida no sentido pugnado pelo recorrente.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Para a questão a decidir há a ter em consideração a factualidade constante do relatório supra.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A questão a decidir consiste em saber se é legalmente exigível o pagamento de taxa de justiça pelo credor que requereu o incidente de qualificação da insolvência.
O tribunal a quo entendeu que a alegação por escrito a que se reporta o artigo 188º, nº1 CIRE não gera para o interessado a obrigação de pagar taxa de justiça pelo correspondente articulado.
A resposta a essa questão afigura-se-nos ser negativa, tal como se concluiu na decisão recorrida.
Com efeito, o requerimento em causa insere-se na tramitação do incidente de qualificação da insolvência, previsto no Capítulo II, nos art. 188º e ss, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

Dispõe o referido art. 188º do CIRE, quanto à tramitação deste incidente, que:

1 - Até 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º, o administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes.
2 - O despacho que declara aberto o incidente de qualificação da insolvência é irrecorrível, sendo de imediato publicado no portal Citius.
3 - Declarado aberto o incidente, o administrador da insolvência, quando não tenha proposto a qualificação da insolvência como culposa nos termos do n.º 1, apresenta, no prazo de 20 dias, se não for fixado prazo mais longo pelo juiz, parecer, devidamente fundamentado e documentado, sobre os factos relevantes, que termina com a formulação de uma proposta, identificando, se for caso disso, as pessoas que devem ser afetadas pela qualificação da insolvência como culposa.
4 - O parecer e as alegações referidos nos números anteriores vão com vista ao Ministério Público, para que este se pronuncie, no prazo de 10 dias.
5 - Se tanto o administrador da insolvência como o Ministério Público propuserem a qualificação da insolvência como fortuita, o juiz pode proferir de imediato decisão nesse sentido, a qual é insuscetível de recurso.
6 - Caso não exerça a faculdade que lhe confere o número anterior, o juiz manda notificar o devedor e citar pessoalmente aqueles que em seu entender devam ser afetados pela qualificação da insolvência como culposa para se oporem, querendo, no prazo de 15 dias; a notificação e as citações são acompanhadas dos pareceres do administrador da insolvência e do Ministério Público e dos documentos que os instruam.
7 - O administrador da insolvência, o Ministério Público e qualquer interessado que assuma posição contrária à das oposições pode responder-lhe dentro dos 10 dias subsequentes ao termo do prazo referido no número anterior.
8 - É aplicável às oposições e às respostas, bem como à tramitação ulterior do incidente da qualificação da insolvência, o disposto nos artigos 132.º a 139.º, com as devidas adaptações.

Do regime legal deste incidente resulta que qualquer interessado ou credor pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa, nos termos do nº1 do citado artigo, sendo que perante essa alegação cabe ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência. Ou seja, compete ao juiz, em função do juízo de oportunidade que fizer, perante os factos alegados, declarar aberto ou não o incidente de qualificação. Sendo assim declarado aberto o incidente, sobre ele recairá a final sentença, nos termos do art. 189º do CIRE.
No que tange a matéria de custas, há que atentar no disposto no artigo 304.º do CIRE, que nos diz que as custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente, no caso da insolvência ser decretada por decisão com trânsito em julgado, sendo que o artigo 303.º do mesmo diploma estabelece que, para efeitos de tributação, o processo de insolvência abrange o processo principal, a apreensão de bens, os embargos do insolvente (…) a liquidação do activo, a verificação do passivo, o pagamento aos credores (…) o incidente de qualificação da insolvência, além de outros.
Decorre do exposto, que a qualificação da insolvência prevista no citado art. 188º do CIRE se encontra abrangida pela definição de processo de insolvência para efeito da tributação deste e da imputação das custas à massa insolvente. E o requerimento apresentado pelo credor, que está na origem da abertura do incidente de qualificação da insolvência, insere-se, como vimos, na tramitação regular deste incidente.
Daí que as custas em caso de improcedência desse requerimento terão que ser imputadas à massa insolvente.
Neste sentido se decidiu, a propósito de casos análogos, entre outros, no Acórdão desta Relação de 29.05.2014, no proc. 329/12.5TBBRG-J.G1 e Decisão da Relação de Coimbra de 6.12.2016, proc. 1540/14.0T8ACB-B.C1, a qual, por concordarmos com a sua fundamentação, passamos a citar a seguinte passagem: (…) “Em resumo, abrangendo as custas a taxa de justiça (arts. 529 nº1 do CPC e 3, nº 1 do RCP) e pressupondo esta a possibilidade de o obrigado ao pagamento ser responsabilizável por aquelas, não é devida taxa de justiça pelo impulso processual desencadeado por quem, no processo de insolvência e dentro da tramitação prevista nos artigos 128º a 140º do CIRE, não é ulteriormente responsabilizável pelas custas, em função da incidência e da projecção de uma regra de custas que atribui essa responsabilidade – só a atribui – à massa insolvente. É o que resulta da conjugação do artigo 304º do CIRE com o antecedente artigo 303º e, enquanto argumento interpretativo construído a contrario sensu, com o artigo 148º in fine do mesmo Diploma (este último fixa a regra especial de custas para as verificações ulteriores, divergentemente do regime geral contido naqueles artigos 303º e 304º).
De facto, como dito foi no acórdão do STJ, transcrito no seu sumário na decisão recorrida, os processos de insolvência estão sujeitos a custas e ao pagamento da correspondente taxa de justiça, o que decorre dos artigos 301º a 304º do CIRE e quer dizer que tal processo não é tendencialmente gratuito para os respectivos intervenientes, existindo regras especiais e específicas que afastam essa tentação conclusiva. Porém já observamos com reserva, como resulta do que antes defendemos, que os arts. 301 a 304 possam ser entendidos como uma simples transposição para o domínio do processo de insolvência, sem alteração, da regra geral do disposto no artigo 527º do CPCivil, no sentido de ser condenada em custas “a parte que a elas der causa, ou não havendo vencimento na acção, quem da mesma tirou proveito, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for”, numa consagração do princípio da causalidade entre a conduta de quem acciona ou é accionado e a lide respectiva, e que implica ser a condição de vencido determinante para a condenação no pagamento das custas[11].
Julgamos verdadeiramente, como já disso deixámos nota, que o sentido de fazer constar expressamente em normativos, o entendimento para as custas em processo de insolvência, não se tratou, nem de um pleonasmo argumentativo, que ocorreria se o legislador quisesse dizer a mesma coisa que já constava do CPC e para o qual remete no art. 17 do CIRE, nem consistiu numa fixação diametralmente oposta a essa outra mas sim, quis esclarecer, estabelecendo, como é que a regra geral do CPC deveria ser aplicada nesta sede de processo de insolvência quanto a custas.
Se por um lado se faz menção de que o processo de insolvência não é gratuito, por outro lado, cremos que se pretende deixar também claro que, por regra, é a massa insolvente que as pagará (art. 304 do CIRE) e isto porque se ficciona, com base na realidade, que é o insolvente (para efeitos patrimoniais convertido em massa insolvente) que lhes dá causa, num raciocínio sobre causalidade que entronca ainda na regra geral do CPC mas que a actualiza de forma a facilitar em termos funcionais e teleológicos (de finalidade) um entendimento coerente para toda a actividade desenvolvida no processo de insolvência.
Neste sentido as regras de custas do CIRE não são para nós uma subversão desse princípio geral contido no art. 527 do CPC, pois que não fazem acriticamente e de forma automática a massa insolvente responsável por toda e qualquer actividade tributada com custas, independentemente de a mesma poder obter ganho de causa nos processos e incidentes por aquele abrangidos nos termos do artigo 303 do CIRE, mas antes consideram, em nosso aviso de forma coerente, que é precisamente por se ter colocado numa situação de insolvência reconhecida por decisão transitada em julgado que, em princípio e por regra, as custas da actividade processual desenvolvida nesse processo se entende como tendo sido causadas pelo insolvente/massa insolvente, sem embargo das excepções que concretamente assinala e que inicialmente aludimos.”
Em contraposição a tal entendimento, o Acórdão deste Relação de 9.07.2020, citado pelo recorrente, sustentou que “Se o incidente de qualificação da insolvência for procedente, mas tiver sido impulsionado por um particular que não beneficie de apoio judiciário, não esteja dispensado de proceder ao pagamento prévio da taxa de justiça, nem beneficie de qualquer isenção objectiva ou subjectiva de custas, aquele tem que pagar taxa de justiça e pode posteriormente reivindicar à parte vencida o seu pagamento em sede de custas de parte (arts. 25º, nº 1, e 26º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais);
II - Se o mesmo incidente for improcedente e tiver sido impulsionado por um particular que não beneficie de apoio judiciário, não esteja dispensado de proceder ao pagamento prévio da taxa de justiça, nem beneficie de qualquer isenção objectiva ou subjectiva de custas, aquele tem que pagar taxa de justiça e as custas finais ficam a seu cargo, por ser susceptível de ser responsabilizado a final pelo pagamento de custas (artº 527º, nº 1, do Código de Processo Civil).”
Salvo o devido respeito, não concordamos com este entendimento vertido neste aresto, o qual se nos afigura que ao aplicar sem mais o regime do art. 527º do CPC, não dá a devida atenção às especificidades das regras sobre custas previstas no CIRE acima referidas.
Vejamos.
Nos termos do art. 527º, nº 1 e 2, do CPC, a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Ora, à luz de tal normativo e perante o requerimento que está na origem da abertura do incidente de qualificação da insolvência, temos que se esta for considerada por sentença, quem dela tira proveito não é apenas o requerente, mas a massa insolvente e reflexamente os eventuais demais credores ao verem potenciadas as possibilidades de satisfação dos créditos. Se a qualificação não proceder, o prejudicado ou vencido não é somente o credor/requerente, mas a massa insolvente e reflexamente os outros credores (se os houver), na medida em que o espectro patrimonial da massa não é aumentado por via dos efeitos que a procedência da qualificação poderia trazer e com isso aumentar as possibilidades de pagamento dos respectivos créditos (cfr. art. 189º, nº 2, do CIRE). Por isso, neste último caso, jamais as custas do incidente poderão ficar a cargo do requerente, mas sim pela massa insolvente (afinal de contas, reflexamente, por todos os credores), de harmonia com as disposições conjugadas dos art. 304º e 303º do CIRE.
De resto, no caso vertente, o requerimento apresentado pelo credor não se apresentou manifestamente infundado ou consubstanciou actividade temerária por parte daquele, porquanto terá sido considerado oportuno pelo juiz, ao abrigo do disposto no art. 188º, nº 1, do CIRE, ao ter sido aberto o respectivo incidente de qualificação da insolvência.
Deste modo, não sendo devidas custas pelo aqui requerente, por consequência, não é devido pelo mesmo o prévio pagamento de taxa de justiça.
Assim sendo, improcedem as conclusões do apelante, não merecendo a decisão recorrida qualquer reparo, a qual é de manter.
*

DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar a apelação improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
Sem custas.
Guimarães, 17.12.2020

Relator: Jorge Santos
Adjuntos: Heitor Pereira Carvalho Gonçalves
Conceição Bucho