Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3617/19.8T8GMR.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: NULIDADES DA SENTENÇA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
ACÇÃO ESPECIAL DE RECONHECIMENTO DE CONTRATO DE TRABALHO
INADEQUAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL
INTERESSE EM AGIR
CONTRATO DE TRABALHO VS CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – A nulidade da sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando fique por decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, o que não sucede quando o tribunal não se debruce sobre simples conclusões, argumentos, opiniões, factualidade irrelevante ou contraditória com outra apurada.
II - Só existe excesso de pronúncia nos termos do art.º 615.º, nº 1, alínea d), do CPC., quando o juiz se ocupa de questões que não foram submetidas à sua apreciação pelas partes e sem que a lei permita ou imponha o seu conhecimento oficioso. Tal não sucede quando o juiz profere sentença estando pendente um incidente de suspeição. O que poderia estar em causa seria uma nulidade processual, resultante da eventual prática de acto que a lei não admite. Contudo, nesta sede a sua arguição seria sempre de considerar extemporânea, pois teria de ter sido suscitada na sequência do despacho que indeferiu o pedido de suspensão da instância, o que não sucedeu. cfr. arts. 195.º n.º 1 e 199.º n.º 1 do CPC.
III - A acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é uma acção de simples acção de apreciação positiva, cujo objecto não se esgota com a celebração em data posterior à visita inspectiva da ACT, de um contrato de trabalho com efeitos reportados a uma data posterior à da visita. Tal resulta desde logo claro do disposto no artigo 15-A, n.º 2 da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro ao estabelecer que o procedimento é imediatamente arquivado, nos casos em que o empregador faça prova da regularização da situação do trabalhador reportada à data do início da relação laboral.
IV - O contrato de trabalho celebrado entre empregador e trabalhador só inutilizará a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, se for reconhecido pelos outorgantes e existência do contrato de trabalho nos precisos termos peticionados pelo Ministério Público, ou seja desde a data indicada na petição inicial ou numa outra anterior a esta.
V – Estando por reconhecer a relação estabelecida entre a C. C. e a Recorrente desde o início da relação contratual e até 31-12-2018, de forma a fixar-se a data de início da relação laboral em conformidade com o previsto no art.º 186.º-O, ns.º 8 e 9 do CPT., que deve ser comunicada à ACT e ao Instituto da Segurança Social, com vista à regularização das contribuições é de concluir pela manutenção da utilidade da presente acção.
VI - A defesa do interesse público, no caso, não se esgotou com reconhecimento do contrato de trabalho com início em data posterior aos factos constatados pela ACT aquando das visitas levadas a cabo no âmbito da acção de fiscalização, mantendo-se assim o interesse em agir do Ministério Público, que transcende o interesse particular do próprio trabalhador.
VII – É de reconhecer a existência de contrato de trabalho quando se verifique que o trabalhador, durante 11 anos lectivos consecutivos esteve inserido na estrutura organizativa do empregador, exercendo a sua actividade de docente/formador, recebendo como contrapartida uma quantia mensal ainda que variável em função da horas mensalmente prestadas, recebendo ordens e orientações do empregador, que detinha o poder de fiscalização, quer porque procedia a avaliação do desempenho, quer porque em caso de violação das normas regulamentares que o trabalhador estava obrigado a observar lhe podia aplicar as sanções que constam do seu regulamento interno, entre as quais se destaca a cessação imediata do contrato celebrado, sem direito a indemnização.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – Relatório:

Na sequência de acção inspectiva levado a cabo pela Autoridade para as Condições do Trabalho, no âmbito da qual se deparou com indícios de utilização indevida do contrato de prestação de serviço por parte da ASSOCIAÇÃO EMPRESARIAL DE X, Y E W, relativamente a C. C., deu entrada no Tribunal da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Guimarães, a respectiva participação.
Após o recebimento de tal participação, o MINISTÉRIO PÚBLICO intentou a presente ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos previstos no art.º 186.º-K, n.º 1 do CPT, contra ASSOCIAÇÃO EMPRESARIAL DE X, Y E W pedindo que se declare e reconheça como de trabalho subordinado, o contrato celebrado a 24 de Setembro de 2007 e ainda vigente, com C. C..
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Citada a Ré apresentou contestação defendendo-se por excepção (invoca a impossibilidade originária da lide, a falta de interesse em agir do Ministério Público, o uso inadequado da forma de processo, a ilegitimidade do Ministério Público e a nulidade de actos praticados pelo Ministério Público) e por impugnação, alegando em resumo, que atualmente a C. C. mantêm consigo um contrato de trabalho subordinado, sendo certo que até 31 de Dezembro de 2018, a relação contratual que manteve com aquela não tinha a natureza de trabalho subordinado, mas sim de prestação de serviços, como atestam os respectivos contratos celebrados.
O Ministério Público veio responder à matéria das excepções e nulidade invocadas pela ré, concluindo pela sua improcedência.
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Notificada a C. C. de que poderia aderir ao articulado apresentado pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir advogado, nada veio dizer.
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Procedeu-se à realização de audiência de julgamento e por fim foi proferida sentença da qual consta o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, julgo a presente acção provada e procedente nos termos sobreditos e, em consequência:
Condeno a ré, “Associação Empresarial de X, Y e W”, a reconhecer a existência de contrato de trabalho com início desde 24 de Setembro de 2007 em diante, relativamente à trabalhadora C. C..
Custas a cargo da ré, tendo a acção o valor de € 30.000,01.
Notifique e faça menção no registo informático.
Oportunamente, comunique à ACT e ao Instituto da Segurança Social, I.P. nos termos e para os efeitos previstos no art. 186º-O, nº 9, do C.P.T. e do art. 15º-A, nº 4, da Lei nº 107/2009, de 14-9.
Oportunamente, dê conhecimento à trabalhadora sobre o disposto no art. 186º-R do C.P.T. em conjugação com o art. 7º, al. a), do mesmo diploma.
D.n.”
Comunique à A.C.T. (Autoridade Para as Condições do Trabalho).
Registe e notifique.”
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Inconformada com a decisão dela veio a Ré “ASSOCIAÇÃO EMPRESARIAL DE X, Y E W “ interpor recurso de apelação, pugnando pela revogação da decisão recorrida.
O recurso foi admitido com o modo de subida e efeitos próprios.

Nas alegações apresentadas foram formuladas as seguintes conclusões:

INTRÓITO

I. Por participação que deu entrada no Juízo de Trabalho de Guimarães, Tribunal da Comarca de Braga, a ACT deu conta da alegada existência de indícios de utilização indevida do contrato de prestação de serviços por parte da Recorrente ASSOCIAÇÃO EMPRESARIAL DE X, Y E W, relativamente à formadora C. C..
II. Como resultado, o MINISTÉRIO PÚBLICO instaurou a competente acção declarativa sob a forma de processo especial de reconhecimento da existência de Contrato de Trabalho, nos termos do disposto no art.º186.º-K,n.º1 do Código de Processo do Trabalho, peticionando a declaração de existência do contrato de trabalho relativamente à prestadora C. C. desde o “ano lectivo de 2007/2008”.
III. Citada para, querendo, contestar, nos termos do disposto no art.º 186.º-L, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, a Recorrente contestou a acção, arguindo várias excepções, tais como a) inominada apelidada de impossibilidade originária da lide; b) falta de interesse em agir do Autor; c) uso inadequado do processo; d) ilegitimidade do Autor; e) nulidade dos actos praticados pelo Autor; peticionando a absolvição da instância.
IV. Além disso, alegou a Recorrente, em suma e entre outras, que a relação contratual que mantinha com a pretensa trabalhadora era de efectiva prestação de serviços, impugnando grande parte dos factos alegados e as conclusões retiradas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, afirmando ainda que a prestadora C. C. não mantinha qualquer relação subordinada de foro laboral.

DO ENQUADRAMENTO FACTUAL E DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

V. O presente recurso versa sobre matéria de Facto e de Direito, nos termos infra consignados, incidindo sobre a Sentença proferida na parte em que julgou a acção totalmente procedente e em que considerou improcedentes as excepções arguidas pela Recorrente,
VI. Sem quebra do devido respeito, entende a Recorrente que a Sentença proferida pela Meritíssima Juiz é desajustada dos normativos legais positivos aplicáveis in casu.
VII. A principal questão a decidir-se na Sentença prendia-se com a qualificação jurídica do contrato que a prestadora C. C. celebrou com a Recorrente.
VIII. A Meritíssima Juiz julgou procedente a Acção e, consequentemente, reconheceu que entre a prestadora C. C. e a Recorrente existia um contrato de trabalho “com início desde o ano lectivo de 2007/2008 em diante”.
IX. A matéria de facto dada como provada encontra-se desfasada dos depoimentos prestados em sede de Audiência de Julgamento e da prova documental carreada para os autos e cuja validade e/ou autenticidade não foi impugnada.
X. Não pode deixar de se mencionar que ao Autor competia apresentar prova de todos os indícios plasmados no Código de Trabalho na versão aprovada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março [vigente na data em que iniciou a relação jurídica entre Recorrente e C. C.], tal como será exposto infra. O que não fez, não cumprindo o ónus probatório que sobre si impendia, e que o Tribunal a quo preferiu ignorar
XI. O julgamento do Tribunal a quo afigura-se, na óptica da Recorrente, profundamente errado, infundado e injusto, no que contende com a apreciação do Direito.

DA NULIDADE DA SENTENÇA A QUO POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA

XII. Segundo a al. d) do nº 1 do art.º 615.º do C.P.C., a sentença é nula “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”.
XIII. O Tribunal a quo não apreciou grande parte da factualidade descrita pela Recorrente na sua Contestação, onde constavam factos essenciais à boa e justa composição do litígio, ao apuramento da verdade material e, inerentemente, à decisão da causa.
XIV. Agiu como se o contraditório exercido pela Recorrente fosse inexistente e letra-morta para a boa apreciação da causa, desconsiderando-o de forma atroz, atropelando para esse efeito os mais basilares princípios do Direito.
XV. No que tange à omissão de pronúncia invocada, e na esteira do estabelecido no n.º 2 do artigo 608.º C.P.C., o Tribunal a quo «deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação», impondo-se-lhe uma pronúncia acerca das pretensões deduzidas pelas partes que representam as controvérsias centrais que este deverá dirimir.
XVI. Como bem descreve a Relação de Coimbra no seu Aresto de 15 de Outubro de 2008, «O vício processual de omissão de pronúncia reconduz-se a uma ausência de emissão de um juízo apreciativo sobre uma questão processual ou de direito material-substantivo que os sujeitos tenham, expressamente, suscitado ou posto em equação perante o tribunal e que este, em homenagem ao princípio do dever de cognoscibilidade, deva tomar conhecimento.»
XVII. Tendo em conta as considerações expostas supra nas Alegações, facilmente se conclui que ocorreu nulidade por omissão de pronúncia sobre a vasta factualidade invocada e trazida aos autos pela Recorrente através da sua Contestação, tendo a decisão recorrida violado o disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d) CPC, impondo-se a declaração desta nulidade e a reabertura da audiência para julgamento e decisão da matéria controvertida e relevante para a boa decisão da causa.

DA NULIDADE DE DECISÃO POR SUSPEIÇÃO

XVIII. Pela Recorrente foi apresentado em 12 de Dezembro de 2019, no seio do processo 3642/19.7T8GMR, que corre termos no mesmo Juiz 2 do Juízo de Trabalho de Guimarães – Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, incidente de suspeição da Meritíssima Juiz a quo (cfr. Documento n.º 1).
XIX. Em tal incidente, foi também suscitada a suspeição da Meritíssima Juiz a quo para os presentes autos, bem como para todos os processos nos quais existia identidade de sujeitos [Ministério Público (Autor) e Associação Empresarial de X, Y e W (Ré)], e identidade de mandatários da Ré.
XX. Estando esse incidente de suspeição a correr termos, e revestindo uma causa prejudicial à prolação de sentença final dos presentes autos, por estarem causa a independência e imparcialidade da Meritíssima Juiz a quo, foi requerido nos presentes autos pela Recorrente a suspensão da instância, nos termos e ao abrigo do artigo 272.º C.P.C. e 125.º C.P.C., enquanto não fosse proferida decisão final do incidente de suspeição arguido pela Ré e pelo seu Mandatário.
XXI. Além de não ordenar a suspensão da instância, a Meritíssima Juiz a quo proferiu sentença enquanto se encontrava a decorrer o incidente da sua suspeição promovido pela Recorrente e pelo seu Mandatário, cujo resultado visaria o afastamento fundamentado dos presentes autos, atenta a falta de imparcialidade e de isenção revelada e sustentada por uma vasta factualidade já exposta junto do Tribunal da Relação.
XXII. A pendência de um incidente de suspeição e a sua possível procedência à data da prolação da sentença ora em crise fragilizam a independência e imparcialidade da Meritíssima Julgadora na decisão da presente lide, minando justificadamente a confiança pública na administração da justiça.
XXIII. Por esse mesmo motivo é que o artigo 125.º do Código Processo Civil refere que«(…)nemo despacho saneador nem a decisão final são proferidos enquanto não estiver julgada a suspeição”.
XXIV. Posto isto, nos termos e ao abrigo do artigo 125.º do Código Processo Civil, jamais, durante a pendência do incidente de suspeição, e até o mesmo ser julgado pelo Exmo. Sr. Presidente do Tribunal da Relação, poderia ter sido proferida sentença final.
XXV. Ao fazê-lo, o Tribunal a quo enfermou a sua decisão final de nulidade, enveredando por um excesso de pronúncia, violando dessa forma o disposto no art.º 615º, n.º 1, al. d) CPC, violando igualmente o artigo 125.º C.P.C.. e, ainda, o n.º 4 do artigo 20.º e do artigo 203.º, ambos da C.R.P., redundando numa incurável inconstitucionalidade, a qual se deixa arguida para todos os efeitos tidos por convenientes.

DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

XXVI. Uma situação é o julgamento da matéria de facto, no qual a Meritíssima Juiz deve decidir quais os factos que considera provados e quais os que considera não provados e, realidade distinta, é a motivação desse julgamento, na qual a Meritíssima Juiz, relativamente aos factos que considera provados e não provados, deve analisar “criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”
XXVII. A omissão ou incorrecção da fundamentação da decisão da matéria de facto que ora se demonstrará dará lugar à baixa dos autos à 1ª instância com vista à referida fundamentação nos termos referidos nos preceitos transcritos.
XXVIII. A Recorrente requer desde já a baixa do processo à 1ª instância com vista à fundamentação da decisão da matéria de facto, pelas razões que oportunamente, se invocarão.
XXIX. Da leitura da presente motivação, não se encontra qualquer fundamentação relativa a muitos dos factos provados, desconhecendo-se a que factos se referem os documentos invocados nessa motivação, qual o sentido da decisão que determinaram e o que levou efectivamente a que viessem a ser considerados
XXX. In casu, a fórmula utilizada pelo Tribunal a quo para fundamentar a decisão da matéria de facto não é, tal como supra se referiu, a correcta, porquanto essencialmente se limita a identificar as testemunhas que concorreram para a formação da convicção, não consignando o sentido dos respectivos depoimentos, não conexionando cada facto ou cada grupo de factos com os concretos meios de prova que nela se invocam.
XXXI. Não pode o Tribunal de primeira instância extrair conclusões de carácter genérico, abstracto e indeterminado, como sucede no caso em apreço, e que a serem válidas, serviriam para fundamentar qualquer tipo de decisão. Ora, é clarividente que em momento algum a Mm.ª Juiz demonstra, in concretum, a(s) testemunha(s) em cujo(s) depoimento(s) as respostas assentaram.
XXXII. O procedimento adoptado pela Meritíssima Juíz a quo apresenta uma manifesta insuficiência de fundamentação.
XXXIII. Desde logo, há que levar em consideração que os factos dados como provados nos pontos 5 a 17, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 30 condicionaram a sentença proferida, pelo que a sua alteração, no que àqueles factos diz respeito, assume crucial importância.
XXXIV. É apodíctico que a fundamentação deve ser adequada à necessidade que se imponha em cada caso concreto e, no caso em apreço, afigura-se-nos que a decidido, havendo razões (mais que) suficientes para determinar a baixa dos autos à 1ª instância para melhor fundamentação.

DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

XXXV.O Tribunal da Relação deve realizar, em sede de recurso, um novo julgamento na 2.ª Instância, tal como é estipulado pelo próprio Legislador no n.º 1 do artigo 662.º C.P.C.
XXXVI. “ … ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios… pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise… “16.
XXXVII. Destas considerações, resulta que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros:

a) O Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pela Recorrente;
b) Sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c) Nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
XXXVIII. Na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal da Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.
XXXIX. Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”
XL. Seguindo a esteira do Tribunal da Relação de Guimarães, no seu aresto de 18 de Dezembro de 2017:
XLI. “Conferiu-se, assim, às partes um duplo grau de jurisdição, por forma a poderem reagir contra eventuais e hipotéticos erros de julgamento, com vista a alcançar uma maior certeza e segurança jurídicas e a, desse modo, obter decisões mais justas, alcançando-se, assim, uma maior equidade e paz social, sempre buscadas pelo Estado, verdadeiro interessado na realização da justiça.
XLII. O duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada e “somente será alcançado se a Relação, perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados, puder formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este que tido por absoluto transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil”.
XLIII. Portanto, a alteração da matéria de facto deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância – o que desde já se roga em função daquilo que será infra exposto.
XLIV. Analisada a matéria de facto dada como provada na douta sentença por contraposição com a prova produzida nos autos, verifica-se que ocorreu de julgamento notório e grave, que conduz à alteração da matéria de facto e impõe uma decisão diversa da proferida, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
XLV. Pelo que deve a decisão da sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que considere esta acção totalmente procedente e absolva a Recorrente inteiramente dos pedidos contra si formulados, como é imperativo inderrogável de Justiça.

VEJAMOS:

XLVI. São vários os concretos pontos dos Factos Provados que a Recorrente considera incorrectamente julgados, sendo que no seu entender impunha-se que os mesmos constassem antes do elenco de Factos Não Provados, designadamente os pontos 5 a 17, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 30.
XLVII. Muito se estranha o teor da Sentença, principalmente pelas razões que infra se demonstram, incorrendo-se em erro de julgamento na análise que faz da prova produzida e da errática valoração que atribui à prova testemunhal.
XLVIII. De facto, o Tribunal a quo decidiu não valorar o depoimento das testemunhas arroladas pela Recorrente, o que é manifestamente inaceitável e incompreensível numa persecução da descoberta da verdade material e na justa composição de um litigio, por vários motivos.
XLIX. Primeiro de tudo, deve ser realçado que as testemunhas da Recorrente são as únicas testemunhas que, além da própria trabalhadora, têm conhecimento directo da organização da Recorrente, da relação mantida entre Recorrente e a trabalhadora/prestadora em causa, e que podem atestar com razão, conhecimento e ciência o comportamento da trabalhadora/prestadora e a forma como a mesma se integrava, ou não, no seio da Recorrente.
L. Depois, é incompreensível a forma como o Tribunal a quo aprecia o depoimento da própria trabalhadora C. C.. Desde logo, é notório que a mesma mais não é do que a verdadeira interessada no resultado da presente acção judicial e que, atenta a sua posição, pelo que deveria ser sempre aferido pelo Tribunal a quo se esse interesse no resultado da lide não poderia retirar credibilidade ao seu depoimento. Veja-se que esta já tem contrato de trabalho, pelo que o reconhecimento da sua existência num período anterior à sua efectiva celebração, aproveitaria apenas à própria.
LI. Note-se nos longos minutos dos depoimentos apresentados pelas testemunhas arroladas pela Recorrente e que nunca se contradisseram e demonstraram ter um conhecimento directo dos factos, ao invés dos depoimentos apresentados pelas testemunhas arroladas pelo Recorrido, apresentando depoimentos totalmente inócuos para a presente lide e privados de qualquer conhecimento directo da factualidade aqui em discussão. Não viram, não identificaram, não reconheceram de forma directa e sem intermediários os factos aqui em discussão, limitando-se a fazer um depoimento na terceira pessoa, enquanto iam lendo e relendo documentos.
LII. Enfim, todo o seu depoimento se restringiu à leitura do auto constante do processo, bastando-se tal instância do Recorrido pela leitura de tal auto em conjunto, e de um questionário com anotações que nem consta dos autos, sem qualquer conhecimento directo dos factos que ia erroneamente afirmando, o que só acentua o gravíssimo erro de julgamento com que nos deparamos.

PROSSEGUINDO E EXPONDO O SUPRA REFERIDO:

LIII. Desde logo os Pontos 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 considerados como provados pelo Tribunal a quo, não poderiam ter sido considerados enquanto tal na sua plenitude.
LIV. Não corresponde à verdade que os vários contratos celebrados entre a Recorrente e a Trabalhadora tenham sido intitulados apenas pela Recorrente como “Contrato de Prestação de Serviços (…)”.
LV. Em bom rigor, tal contrato foi intitulado por ambas as partes enquanto tal, num acordo de vontades recíproco na sua celebração. Jamais foi tal intitulação efectuada apenas pela Recorrente.
LVI. Ela foi querida e pretendida também pela trabalhadora, na certeza, porém, de que a mesma intitulação era a que se adequava à relação jurídica que estavam a celebrar.
LVII. Nada consta do manancial de prova produzida que suporte tal factualidade, ao contrário do veiculado na sentença a quo, tal como já se expôs supra quando se evidenciou a falta de motivação da matéria de facto, em simultâneo com falta de sustentáculo para esta matéria de facto ser considerada como provada.
LVIII. O que existe é prova em sentido totalmente contrário, isto é, que tal intitulação foi atribuída por Recorrente e trabalhadora, e nunca pela Recorrente de forma unilateral.
LIX. O mesmo se diga quanto aos pontos 20 e 30 dados erroneamente como provados.
LX. Jamais a trabalhadora C. C. executou os seus serviços sob ordens ou fiscalização da Recorrente, contrariamente ao erroneamente dado como provado pelo Tribunal.
LXI. O testemunho imperial da própria trabalhadora C. C. sobre esta questão esclarece que a mesma não recebe ordens da Recorrente ou vê a prestação dos seus serviços ser fiscalizada pela Recorrente ao ponto de interferirem no modo de leccionação dos módulos formativos (a partir do tempo 00:15:10 até ao tempo 00:14:41 do depoimento desta testemunha).
LXII. O seu testemunho é irrefutável e foi completamente ignorado pelo Tribunal a quo: a trabalhadora não recebe ordens, adiantando até que, no limite, recebe meras instruções acerca dos conteúdos a leccionar de forma a respeitar a imposição do Ministério da Educação.
LXIII. Tal é igualmente esclarecido pelo depoimento da testemunha J. L., que esclarece que a mesma não integra sequer o organigrama da empresa (a partir do tempo 00:46:06 até ao tempo 00:47:35 do depoimento desta testemunha).
LXIV. Também a testemunha N. M. o confirma, evidenciando que – ao contrário do veiculado – não dá ordens ou fiscaliza a prestação de serviços da trabalhadora C. C., limitando-se a tentar instruí-la de acordo com as obrigações ministeriais a que a actividade da Recorrente está adstrita, ressalvando a autonomia com que a C. C. prestava os seus serviços (a partir do tempo 00:26:00 até ao tempo 00:27:20 do depoimento desta testemunha).
LXV. Esta testemunha dá inclusivamente um exemplo do diferente comportamento que tinha com a C. C., e do que tinha com os trabalhadores subordinados da Recorrente, dando o exemplo do “Professor P.”, com quem interferiu na sua leccionação, contrariamente aquilo que ocorria com a prestadora C. C..
LXVI. Esta mesma testemunha N. M. afirma igualmente que a C. C. não integrava o organigrama da Recorrente, não tendo qualquer posição que a obrigasse a estar adstrita a ordens e comandos, ou a emaná-los para terceiros (a partir do tempo 00:27:31 até ao tempo 00:28:00 do depoimento desta testemunha).
LXVII. Enfim, de tudo isto resulta que jamais se pode considerar provado que a trabalhadora recebesse ordens e estivesse perante a fiscalização da Recorrente. Pelo contrário. A prova produzida demonstra exactamente o oposto: que não recebia quaisquer ordens, nem tinha a sua prestação fiscalizada pela Recorrente, tendo AUTONOMIA na leccionação dos cursos de formação.
LXVIII. Está sobejamente demonstrado que é manifestamente falso que a trabalhadora C. C. na pendência dos contratos de prestação de serviço recebesse efectivas ordens da Recorrente, ou que visse a sua prestação ser fiscalizada pela Recorrente.
LXIX. O mesmo se diga quanto ao ponto 21 dado erroneamente como provado.
LXX. Não é verdade que a Recorrente definisse unilateralmente o horário da Formadora C. C., uma vez que o mesmo era elaborado tendo por base as disponibilidades manifestadas pela própria Formadora.
LXXI. Era a própria Formadora que indicava as suas disponibilidades para prestar os seus serviços. E em função dessas disponibilidades é que o horário era, então, elaborado.
LXXII. Esta realidade é descrita com pormenor e fidedignidade por parte da própria trabalhadora C. C. (a partir do tempo 00:03:19 até ao tempo 00:04:57 do depoimento desta testemunha)
LXXIII. O depoimento desta testemunha não deixa dúvidas: o horário era elaborado pela Recorrente em função das disponibilidades manifestadas pela trabalhadora, e nunca forma unilateral. Era ela própria que dava a sua disponibilidade, de modo a não contender com a sua restante vida profissional e pessoal, dando o exemplo do período em que exercia actividade junto do IEFP.
LXXIV. Curiosamente a trabalhadora C. C. refere até que a Recorrente não a inibia de exercer actividades para outras entidades, até os ajudando nesse sentido – o que fazia mediante atribuição de horário que melhor lhe conviesse e sempre em função da sua disponibilidade.
LXXV. A testemunha C. C. refere mesmo que sempre apresentou a sua disponibilidade à Direcção Pedagógica para elaboração de horário. Aliás, afirma concludentemente que o fazia directamente com o Directora Pedagógica, N. M. (a partir do tempo 00:11:05 até ao tempo 00:11:31 do depoimento desta testemunha).
LXXVI. Esta realidade é igualmente relatada pela testemunha J. L., que reitera a elaboração de um horário de leccionação da C. C. em função da sua disponibilidade, afirmando até que “não estamos a falar propriamente de um explicador e explicando”, pelo que os Formandos também têm de ter um horário, daí a sua elaboração – mas sempre em função da disponibilidade da trabalhadora (a partir do tempo 00:16:31 até ao tempo 00:19:18 do depoimento desta testemunha).
LXXVII. Esta situação é também reiterada, e explanada, por quem elaborava o horário: a Directora Pedagógica N. M. que esclareceu o Tribunal a quo sobre os procedimentos na elaboração dos horários dos Formadores, in casu da trabalhadora C. C. (a partir do tempo 00:11:35 até ao tempo 00:13:50 do depoimento desta testemunha).
LXXVIII. É também desprovido de qualquer suporte probatório afirmar-se que a trabalhadora avaliava o desempenho escolares dos alunos e notava-os. Em nenhum momento tal foi mencionado ao longo das Audiências de Discussão e Julgamento, sendo apenas mais um daqueles factos que caem do nada na factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo.
LXXIX. Também os pontos 22 e 23 não poderiam ter sido considerados provados, da forma como o foi pelo Tribunal a quo.
LXXX. De facto, não corresponde à verdade nem resulta de qualquer elemento probatório constante do processo que a trabalhadora C. C. procedia a qualquer avaliação dos alunos e que lhes dava notas.
LXXXI. Ainda assim, e para o caso de a forma adequada de se colocar em crise tal facto erroneamente considerado como provado, eis que se procede à impugnação da matéria de facto quanto ao mesmo.
LXXXII. Também o ponto 24 não poderia ter sido considerado provado, da forma como o foi pelo Tribunal a quo.
LXXXIII. Relativamente aos instrumentos e equipamentos pertencentes à Recorrente e utilizados pela trabalhadora, deve desde já dizer-se que é totalmente desconhecido onde suporta o Tribunal a quo a consideração de que tais equipamentos eram utilizados pela trabalhadora.
LXXXIV. Em nenhum momento de qualquer depoimento produzido no processo é referido que a trabalhadora C. C. utilizava fotocópias, colunas ou canetas pertencentes à Recorrente.
LXXXV. Da prova produzido em juízo – e que deveria ter sido convenientemente auscultada pelo Tribunal a quo até resulta que a trabalhadora não utilizava sempre estes equipamentos, sendo que apenas ficou demonstrado que, além do seu computador pessoal, utilizaria as mesas, as cadeiras e o videoprojector.
LXXXVI. Conforme afirmações liminares da própria C. C., utilizava as suas próprias canetas, utilizando o seu computador pessoal, e mesas, cadeiras da Recorrente, requisitando se disponível o próprio videoprojector. Mas como ela própria afirmou: todos os equipamentos não era para si. Eram para os alunos, estando disponíveis para os mesmos, nunca lhe tendo sido imposta a sua utilização. Mas se estiveram disponíveis pode requisitá-los (a partir do tempo 00:28:22 até ao tempo 00:30:18 do depoimento desta testemunha)
LXXXVII. Mais, os testemunhos existentes nos autos demonstram inclusivamente que a trabalhadora C. C. utilizava primacialmente os instrumentos/equipamentos próprios. Tal retira-se do depoimento da testemunha N. M., que além de confirmar que a trabalhador poderia utilizar o vide o projector se estivesse livre, também confirma que utilizava o próprio material/instrumentos (a partir do tempo 00:15:35 até ao tempo 00:17:00 do depoimento desta testemunha).
LXXXVIII. Também o Ponto 25 considerado como provado pelo Tribunal a quo não poderia ter sido considerado enquanto tal na sua plenitude, designadamente na parte em que refere que a trabalhadora C. C. entrava no e-schooling com um qualquer login próprio.
LXXXIX. De facto, tal não corresponde à verdade, nem resulta de qualquer elemento probatório constante do processo. Nem poderia, porque na verdade a trabalhador não tem qualquer acesso personalizado próprio, utilizando o acesso geral destinado aos Formadores Externos à Recorrente.
XC. Mas em que depoimento assenta o Tribunal a quo essa consideração?! Enfim, já foi supra invocada a falta de motivação, o que ora se reitera.
XCI. Ainda assim, e para o caso de a forma adequada de se colocar em crise tal facto erroneamente considerado como provado, eis que se procede à impugnação da matéria de facto quanto ao mesmo.
XCII. Também os pontos 26 e 27 não poderiam ter sido considerados provados, atenta a escassez de matéria probatória dos mesmos, e até efectivamente elementos probatórios dissonantes quanto à sua veracidade/prova.
XCIII. É liminar que não existia qualquer regulamento interno que fosse aplicável à trabalhadora, nem tão pouco que a Recorrente tivesse qualquer poder disciplinar.
XCIV. Tal é plenamente refutado pela testemunha C. C. no seu depoimento, em que afirma que nunca sequer lhe foi entregue pela Recorrente qualquer Regulamento Interno, tendo apenas sido entregue uma Caderneta Informativa, que mais não era do que um súmula com orientações pedagógicas conforme as imposições ministeriais e do sistema de qualidade (a partir do tempo 00:17:15 até ao tempo 00:18:16 do depoimento desta testemunha).
XCV. Esta testemunha C. C. afirma com espontaneidade e seriedade que nem sequer tem conhecimento de qualquer Regulamento Interno da Recorrente, e que o mesmo jamais lhes era aplicado, fazendo uma distinção da sua aplicação para os trabalhadores subordinados e para os trabalhadores independentes no seio da Recorrente (a partir do tempo 00:19:31 até ao tempo 00:20:28 do depoimento desta testemunha).
XCVI. Isto é sustentado também pelo depoimento da testemunha J. L., que com toda a credibilidade e segurança afirmou que inexistia qualquer regulamento interno que seria aplicado aos Formadores. Aliás, refere inclusivamente que a escola, devido à sua certificação, e por imposição do Ministério da Educação, tem de ter internamente um Regulamento Interno na escola. Ainda assim, tal não era aplicado à professora C. C., não lhe tendo sido entregue ou imposto, atenta a sua qualidade de prestador de serviços (a partir do tempo 00:28:36 até ao tempo 00:29:45 do depoimento desta testemunha).
XCVII. Ademais, é também incontestável que a trabalhadora não estava obrigada a comunicar, e justificar, quaisquer faltas, permutas ou substituições.
XCVIII. A própria testemunha C. C. afirma com fidedignidade que não tinha qualquer obrigação de justificar as faltas, muito menos através de formulário próprio, uma vez que era Formadora Externa (prestadora de serviços) (a partir do tempo 00:18:16 até ao tempo 00:18:32 do depoimento desta testemunha). Mais acrescenta esta testemunha C. C. que chegou a faltar sem avisar ou justificar, sem que nenhuma consequência daí adviesse (a partir do tempo 00:13:18 até ao tempo 00:13:53 do depoimento desta testemunha).
XCIX. Também a testemunha J. L. confirma esta inexistência de obrigação de justificar quaisquer faltas, salientando até falta de consequências disciplinares em caso de falta (a partir do tempo 01:23:30 até ao tempo 01:23:51 do depoimento desta testemunha).
C. Além disso, se ela tivesse de justificar as faltas teríamos, nos próprios autos, esses mesmos documentos de entrega de justificação de falta devidamente outorgados pela trabalhadora, já que a ACT teve livre acesso a toda a documentação existente nas Recorrente – como foi confirmado pelos Srs. Inspectores em sede de depoimento.
CI. Também não é verdade que as permutas/substituições tivessem de ser justificadas, não sendo sequer alvo de qualquer autorização para serem realizadas. Isto resulta do depoimento generalizado de todas as testemunhas.
CII. Tal foi afirmado pela própria trabalhadora C. C., que explanou que podia faltar sem justificar, e que poderia acordar permuta com outros formadores sem qualquer consentimento prévio da Recorrente (a partir do tempo 00:11:10 até ao tempo 00:13:18 do depoimento desta testemunha).
CIII. Tudo reiterado pela testemunha N. M., que corroborou que os formadores poderiam fazer permutas, sem carecerem de autorização prévia (a partir do tempo 00:22:26 até ao tempo 00:23:34 do depoimento desta testemunha).
CIV. O depoimento da testemunha J. L. é igualmente esclarecedor quanto a estas questões, sublinhando que elas não tinham faltas, que não tinham sanções disciplinares por faltas (que a única consequência era terem de dar a hora de formação noutra data da sua conveniência, cumprindo o resultado contratado de leccionação de determinado número de horas), e que poderiam até fazerem-se substituir sem qualquer autorização prévia da Recorrente (a partir do tempo 00:39:05 até ao tempo 00:41:25 do depoimento desta testemunha).
CV. Simultaneamente, não resulta – de forma alguma – demonstrado que a trabalhadora C. C. estivesse sujeita a qualquer sanção disciplinar que fosse pela Recorrente em caso de incumprimento de alegados deveres.
CVI. O que mais precisaria o Tribunal a quo quando nem sequer se basta com o próprio testemunho credível e sério da própria visada por esse (inexistente) poder disciplinar? (a partir do tempo 00:19:31 até ao tempo 00:20:28 do depoimento desta testemunha já transcrito supra).
CVII. Também a testemunha J. L. foi categórica ao negar a existência de qualquer poder disciplinar sobre a trabalhadora. Aliás, chega a fazer uma analogia com outros prestadores de serviço, questionando se o picheleiro, quando lá vai a casa também sofre sanções disciplinares (a partir do tempo 00:26:45 até ao tempo 00:30:01 do depoimento desta testemunha).
CVIII. De facto, ao longo de todo o seu depoimento esta testemunha J. L. foi esclarecedora e reiterou sucessivamente a inaplicabilidade de qualquer sanção disciplinar à C. C., seja por motivo de falta, seja por outro motivo qualquer (a partir do tempo 00:39:05 até ao tempo 00:41:25; e a partir do tempo 01:23:30 até ao tempo 01:23:51 do depoimento desta testemunha).
CIX. Atente-se também no depoimento da testemunha N. M. que também nega esta situação de que eram aplicadas sanções disciplinares sobre a trabalhadora, ou que poderiam ser aplicadas (a partir do tempo 00:06:00 até ao tempo 00:06:10 do depoimento desta testemunha).
CX. Tudo isto confirmado pela própria trabalhadora C. C. que confirma a inexistência de qualquer sanção disciplinar, seja efectiva ou aparenta, da parte da Recorrente. Ou sequer uma mera advertência (a partir do tempo 00:13:18 até ao tempo 00:13:53 do depoimento desta testemunha).
CXI. Ora, compulsados os referidos depoimentos, pode-se constatar que o Tribunal Recorrido não tem qualquer razoabilidade no julgamento que efectuou, só podendo os argumentos agora apresentados pela Recorrente merecer aqui acolhimento porquanto serem sustentados em elementos probatórios cabais, de depoimentos credíveis, sérios e com ciência directa da factualidade em discussão.
CXII. Pelo contrário, as testemunhas que serviram de base à base da matéria de facto considerada como provada pelo Tribunal não podem merecer qualquer credibilidade, sendo que a valoração dos seus depoimentos está naturalmente condicionada – só poderá estar, sob pena de se subverter princípios e garantias basilares da Recorrente – pelo facto de não terem qualquer conhecimento directo de vasta factualidade erroneamente considerada como provada.
CXIII. Deve ser ainda realçado que foi evidente que a Recorrente colocou em causa a veracidade dos factos vertidos no auto da ACT, o qual inclusivamente foi posto em causa pela própria trabalhadora C. C., que afirmou concludentemente que o auto já estava previamente elaborado quando foi inquirida pela ACT, permitindo a conclusão de que o mesmo não pode merecer qualquer crédito (a partir do tempo 00:24:24 até ao tempo 00:25:35 do depoimento desta testemunha).
CXIV. A testemunha C. C. revelou mesmo que foram omitidas informações de importância maior no próprio auto pelo punho da ACT (a partir do tempo 00:31:58 até ao tempo 00:32:55 do depoimento desta testemunha).
CXV. Convenientemente, os Srs. Inspectores da ACT omitiram igualmente do seu auto a inquirição promovida à Directora Pedagógica N. M., certamente porque não apreciaram a realidade dos factos com que foram brindados nas explanações concedidas às eventuais questões colocadas. É que nem sequer mencionaram a conversa mantida com a mesma, conforme foi relatado pela própria N. M. (a partir do tempo 01:05:37 até ao tempo 01:05:53 do depoimento desta testemunha).
CXVI. A verdade é uma: jamais poderá o auto da ACT ser considerado inabalável, na medida em que da produção de prova realizada nos autos o seu conteúdo foi fundamentadamente posta em causa.
CXVII. Mais, os factos nele vertidos não foram presenciados pela ACT, nem tão poucos os Srs. Inspectores tinham qualquer conhecimento directo dos mesmos, como bem confirmaram. Não viram, não escutaram, não leram.
CXVIII. Desde logo, deve atentar-se que referem o n.º 3 e n.º 4 do artigo 13.º do RPCOLSS que, “Consideram-se provados os factos materiais constantes do auto de notícia levantado (…) enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa.”.
CXIX. Ao contrário do tentando difundir pelo Tribunal a quo, só podemos concluir que o auto da ACT presente nos autos também não tem – nem pode ter – per si qualquer conteúdo probatório e jamais se poderá substituir à prova testemunhal produzida.
CXX. Esta conclusão é inclusivamente suportada, de modo amplo, pela jurisprudência Tribunal da Relação do Évora, 721/07.7PBEVR.E1, datado de 20/12/2012, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo 0311921, datado de 17/09/2003, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo 2319/11.6TBFAF.G1, datado de 25/05/2013, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo 597/11, datado de 11/09/2013.
CXXI. Ora, sustentando a decisão sobre a matéria de facto dada como provada com base em prova documental, desvalorizando, em absoluto, os testemunhos apresentados, e não permitindo o direito do contraditório, jamais poderia o mesmo ter sido valorado da forma como o foi pelo Tribunal a quo, acentuando-se dessa forma o erro de julgamento que grassa nos presentes autos.
CXXII. O especial valor probatório do auto da ACT, que não é absoluto nem definitivo – nem pode. O próprio Tribunal da Relação de Guimarães, no seu acórdão de 25 de Maio de 2013, afirma concludentemente que «Um auto de notícia pode exclusivamente em relação aos puros factos presenciados pela entidade que o elaborou».
CXXIII. Na verdade nesta fase judicial competia, desde logo, ao Autor, ora Recorrido, e também ao próprio Tribunal a quo, promover a prova dos factos constantes nesse mesmo auto e que considerasse relevantes para a decisão do mérito da causa, o que não foi feito.
CXXIV. Sejamos sérios: O Tribunal a quo só poderia formar a sua convicção baseada nas provas produzidas em julgamento (testemunhal/documental) alicerçadas nas regras da experiência comum, e nunca tomar como absoluto um auto da ACT devidamente impugnado, e reiterada e fundamentadamente rebatido pela Recorrente quanto ao seu teor e conteúdo.
CXXV. Veja-se que «a falsidade consiste, no documento autêntico, em nele se mostrar atestado um facto que na realidade não se verificou (…) o que constitui meio de ilidir a respectiva força probatória plena».
CXXVI. E, portanto, o conteúdo de tal auto, no que toca à sua veracidade, pode ser colocado em causa através de prova testemunhal. O que aconteceu nos presentes autos: a trabalhadora C. C. negou o teor do auto, explicando ponto por ponto as incoerências e deficiências do mesmo. Também as restantes testemunhas da Recorrente afastaram o teor desta prova documental, demonstrando razão de ciência e conhecimento directo dos factos que abalavam o conteúdo nele vertido.
CXXVII. Como tal dúvidas nem sequer poderão subsistir de que a contestação judicial à qualificação da relação jurídica existente entre Recorrente e a prestadora C. C. como sendo uma relação laboral, e prova testemunhal produzida por três testemunhas [e sustentada até por pinceladas dos testemunhos dos auto da ACT, enquanto documento autêntico, que passa então a constituir um meio de prova como qualquer outro, e sem “privilégios”, não podem sem mais o Tribunal a quo formar a sua convicção no mesmo.

DE OUTRA BANDA,

CXXVIII. Do elenco de factos não provados, e atenta a sua relevância para a justa apreciação do mérito da causa, DEVERIAM FORÇOSAMENTE – atenta a prova testemunhal e documental produzida nos autos – TER SIDO CONSIDERADOS COMO PROVADOS OS FACTOS DE A) a R).
CXXIX. O Ponto A) deveria ter sido dado como provado, sendo um facto bastante pertinente para o ajuizamento claro do mérito da causa, sendo revelador do tipo de trabalho executado pela ACT e demonstrativo que o mesmo não pode merecer qualquer credibilidade.
CXXX. Esta realidade fáctica é passível de ser atestada pelas palavras da testemunha J. L., que descreve a pressão exercida pela ACT, bem como as mais de 6 visitas inspectivas levadas a cabo, bem como a obrigatoriedade de contratação imposta pela ACT, que inicialmente propôs umas condições, que foram tentadas observar, mas que depois “deu o dito por não dito” (a partir do tempo 00:01:30 até ao tempo 00:05:55 do depoimento desta testemunha).
CXXXI. Também o Ponto B) deveria ter sido dado como provado, sendo notório de todos os depoimentos produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento a factualidade inerente ao mesmo.
CXXXII.A testemunha J. L. relata a resistência da trabalhadora à celebração do contrato de trabalho, afirmando a recusa do contrato explicando os motivos: “porque estavam bem como estavam – como prestadores de serviço (a partir do tempo 00:04:13 até ao tempo 00:05:55 e a partir do tempo 00:10:48 até ao tempo 00:12:50 do depoimento desta testemunha).
CXXXIII. A própria testemunha C. C. demonstrou ao Tribunal a quo que não pretendia a celebração de contrato de trabalho e que à sua celebração havia sido compelida pela Recorrente, uma vez que este pretendia resolver o diferendo que mantinha com a ACT, nem que para isso tivesse que promover uma alteração material na relação vigente (a partir do tempo 00:04:57 até ao tempo 00:07:42 do depoimento desta testemunha).
CXXXIV. Também a testemunha N. M. relatou ao Tribunal a quo a efectiva recusa da trabalhadora do contrato de trabalho que lhe foi proposto, uma vez que tal contrato promoveria em simultâneo uma mudança de obrigações inerentes ao tipo de relação jurídica em causa (prestação de serviços vs. relação laboral) que não era pretendida pelos Formadores (a partir do tempo 00:28:00 até ao tempo 00:29:40 do depoimento desta testemunha).
CXXXV. Os Pontos C),D),E), F)e G)foram inexplicavelmente considerados como não provados por parte do Tribunal a quo, quando só poderiam ter sido considerado PROVADOS, tendo interesse para a apreciação do mérito da causa atento o facto de revelarem a volátil necessidade da Recorrente no recurso á prestação de serviços proporcionados da trabalhadora.
CXXXVI. Estes factos foram devidamente confirmados e atestados pelo depoimento credível e sério da testemunha J. L., que revela exactamente a dependência da Recorrente de um conjunto de entidades, que têm de aprovara oferta formativa antes de a mesma ser divulgada/oferecida pela Recorrente (a partir do tempo 00:05:55 até ao tempo 00:07:58 do depoimento desta testemunha).
CXXXVII. Esta testemunha J. L. explanou pormenorizadamente a forma como se procedia à contratação dos prestadores e o modo como surgiam as necessidades de contratação, tendo relatado todo o procedimento que decorre desde a existência da necessidade até à sua colmatação com a contratação dos serviços de terceiros externos à Recorrente (a partir do tempo 0020:03 até ao tempo 00:26:51 do depoimento desta testemunha).
CXXXVIII. Também a testemunha N. M. esclarece estas questões sobre a existência de cursos de formação no seio da Recorrente, do procedimento para os mesmos poderem ser aprovados e leccionados (a partir do tempo 00:13:50 até ao tempo 00:15:20 do depoimento desta testemunha).
CXXXIX. Isto, sem esquecer a prova documental existente nos autos, nomeadamente documento n.º 2, 3, 4 e 5 da Contestação, dos quais resulta toda esta factualidade, bem como que os cursos de formação não eram sempre os mesmos ano após ano, alterando as necessidades de serviços a serem prestados.
CXL. Deveria também os Pontos H), I), J), K), M) ter sido considerados como PROVADOS, sendo manifesta a prova produzida em julgamento acerca desta matéria defacto, pelo que se reveste surpreendente como os mesmos não foram considerados provados:
CXLI. Esta realidade é descrita com pormenor e fidedignidade por parte da própria trabalhadora C. C. ao longo de todo o seu depoimento (a partir do tempo 00:03:19 até ao tempo 00:04:57 do depoimento desta testemunha já transcrito supra), revelando que nunca lhe foi imposto qualquer horário, à revelia da sua disponibilidade/vontade. O depoimento desta testemunha não deixa dúvidas: o horário era elaborado pela Recorrente em função das disponibilidades manifestadas pela trabalhadora, e nunca forma unilateral (a partir do tempo 00:11:05 até ao tempo 00:11:31 do depoimento desta testemunha já transcrito supra).
CXLII. Também a testemunha J. L. o relata sem deixar margem para qualquer dubiedade (a partir do tempo 00:16:31 até ao tempo 00:19:18 do depoimento desta testemunha já supra transcrito), através de um testemunho sério, credível e totalmente conhecedor dos procedimentos utilizados na gestão da relação de prestação de serviços mantida entre Recorrente e trabalhadora, afirmando até que “não estamos a falar propriamente de um explicador e explicando”, pelo que os Formandos também têm de ter um horário, daí a sua elaboração – mas sempre em função da disponibilidade da trabalhadora.
CXLIII. Esta situação é também reiterada, e explanada, por quem elaborava o horário: a Directora Pedagógica N. M. que esclareceu o Tribunal a quo sobre os procedimentos na elaboração dos horários dos Formadores, in casu da trabalhadora C. C. (a partir do tempo 00:11:35 até ao tempo 00:13:50 do depoimento desta testemunha já transcrito supra).
CXLIV. Mais, a própria trabalhadora não tinha de cumprir qualquer tempo de trabalho ou estava obrigada a permanecer nas instalações da Recorrente após leccionação da sua formação a cumprir qualquer horário. A sua prestação circunscrevia-se a leccionar os módulos deformação, e nada mais. Até a preparação dessa mesma leccionação era alheia à Recorrente, sendo efectuada fora das suas instalações.
CXLV. Esta realidade foi descrita pela testemunha N. M. que inclusivamente comparou essa situação enquanto a trabalhadora era prestadora de serviços, e nos dias de hoje em que é uma efectiva trabalhadora subordinada (a partir do tempo 00:17:55 até ao tempo 00:19:49 do depoimento desta testemunha).
CXLVI. Por outro lado, é liminar que a trabalhadora não estava obrigada a comunicar, e justificar, quaisquer faltas, permutas ou substituições. Isto resulta de forma transparente e notória dos vários depoimentos constantes dos autos.
CXLVII. Desde logo, do depoimento da própria testemunha C. C., que relativamente a este assunto afirma com fidedignidade que não tinha qualquer obrigação de justificar as faltas, e ainda referiu que chegou a faltar sem avisar ou justificar, sem que nenhuma consequência daí adviesse (a partir do tempo 00:18:16 até ao tempo 00:18:32; e a partir do tempo 00:13:18 até ao tempo 00:13:53 do depoimento desta testemunha já transcrito supra).
CXLVIII. Por sua vez, iguais factos resultam como demonstrados a partir do depoimento da testemunha J. L. que confirma esta inexistência de obrigação de justificar quaisquer faltas, salientando até falta de consequências disciplinares em caso de falta (a partir do tempo 01:23:30 até ao tempo 01:23:51 do depoimento desta testemunha já transcrito supra).
CXLIX. Para além disso, a trabalhadora poderia perfeitamente fazer-se substituir na prestação dos seus serviços, designadamente através de permuta directa com os restantes formadores que prestavam igualmente serviços para a Recorrente, tendo toda a liberdade de alterar unilateralmente os dias da sua formação.
CL. Neste ponto, a trabalhadora C. C. afirmou que poderia acordar permuta com outros formadores sem qualquer consentimento prévio da Recorrente (a partir do tempo 00:11:10 até ao tempo 00:13:18 do depoimento desta testemunha já transcrito supra).
CLI. O que veio a ser corroborado pela testemunha N. M., que descreveu que os formadores poderiam fazer permutas, sem carecerem de autorização prévia (a partir do tempo 00:22:26 até ao tempo 00:23:34 do depoimento desta testemunha já transcrito supra) e pela testemunha J. L. (a partir do tempo 00:39:05 até ao tempo 00:41:25 do depoimento desta testemunha já transcrito supra).
CLII. A este título veja-se o testemunho de N. M. que explicou ao Tribunal o procedimento e em que circunstancias essa substituição por terceiro poderia ocorrer (a partir do tempo 00:21:18 até ao tempo 00:22:23 do depoimento desta testemunha).
CLIII. Isto foi igualmente confirmado pela testemunha J. L., que reafirmou a possibilidade de a trabalhadora se fazer substituir por terceiro na prestação dos seus serviços, desde que devidamente autorizado pela Recorrente (atenta a necessidade de qualificações profissionais desse substituto) (a partir do tempo 00:48:40 até ao tempo 00:50:07 e a partir do tempo 01:23:52 até ao tempo 01:24:53 do depoimento desta testemunha).
CLIV. Em paralelo, não resulta – de forma alguma – demonstrado que a trabalhadora C. C. estivesse sujeita a qualquer sanção disciplinar que fosse pela Recorrente em caso de incumprimento de alegados deveres.
CLV. O depoimento da própria testemunha C. C. é esclarecedor revelando que nenhuma sanção disciplinar lhe era aplicada, fosse pelo que fosse, uma vez que a Recorrente não tinha sobre si qualquer poder disciplinar (a partir do tempo 00:19:31 até ao tempo 00:20:28; e 00:13:18 até ao tempo 00:13:53 do depoimento desta testemunha já transcrito supra)
CLVI. Também a testemunha J. L. foi categórico ao negar a existência de qualquer poder disciplinar sobre a trabalhadora. Aliás, chega a fazer uma analogia com outros prestadores de serviço, questionando se o picheleiro, quando lá vai a casa também sofre sanções disciplinares (a partir do tempo 00:26:45 até ao tempo 00:30:01 do depoimento desta testemunha já transcrito supra).
CLVII. . J. L. foi esclarecedor e reiterou sucessivamente a inaplicabilidade de qualquer sanção disciplinar à C. C., seja por motivo de falta, seja por outro motivo qualquer (a partir do tempo 00:39:05 até ao tempo 00:41:25; e a partir do tempo 01:23:30 até ao tempo 01:23:51 do depoimento desta testemunha).
CLVIII. Atente-se também no depoimento da testemunha N. M. que também nega esta situação –de que eram aplicadas sanções disciplinares sobre a trabalhadora, ou que poderiam ser aplicadas (a partir do tempo 00:06:00 até ao tempo 00:06:10 e a partir do tempo 00:10:09 até ao tempo 00:11:00 do depoimento desta testemunha do depoimento desta testemunha já transcrito supra).
CLIX. De facto, veja-se que a própria trabalhadora C. C. o afirma, não podendo restar qualquer dúvida da inexistência de poder disciplinar da Recorrente sobre si (a partir do tempo 00:15:10 até ao tempo 00:15:35 do depoimento desta testemunha).
CLX. Também o ponto N) foi inexplicavelmente considerado como não provado por parte do Tribunal a quo, quando só poderia ter sido considerado PROVADO, atento o teor dos depoimentos das várias testemunhas, sejam arroladas pela Recorrente, sejam as arroladas pelo Recorrido.
CLXI. Desde logo, a testemunha J. L., que quando confrontado com esta situação não deixa de demonstrar a sua revolta com tal conclusão, afirmando concludentemente que não existe qualquer registo de entrada, elucidando o modo como é utilizado o E-schooling e o seu propósito (a partir do tempo 00:41:45 até ao tempo 00:43:38 do depoimento desta testemunha).
CLXII. Tudo isto foi devidamente corroborado pela testemunha N. M., que dissipa quaisquer dúvidas sobre para que era utilizado o Eschooling, bem como clarifica que jamais é efectuado qualquer controlo de entradas e saídas da trabalhadora (a partir do tempo 00:07:45 até ao tempo 00:12:50 do depoimento desta testemunha).
CLXIII. Enfim, não há qualquer dubiedade acerca destes factos. A trabalhadora C. C. esclarece-os com exactidão (a partir do tempo 00:22:07 até ao tempo 00:24:24 do depoimento desta testemunha).
CLXIV. Deveria também o Ponto N) ter sido considerado como PROVADO.
CLXV. Jamais existe algum regulamento interno que fosse aplicado á trabalhadora C. C., durante o tempo em que a mesma era uma prestadora de serviços.
CLXVI. Tal é plenamente refutado pela própria C. C. no seu depoimento, em que afirma que nunca sequer lhe foi entregue pela Recorrente qualquer Regulamento Interno, tendo apenas sido entregue uma Caderneta Informativa, que mais não era do que um súmula com orientações pedagógicas conforme as imposições ministeriais (a partir do tempo 00:17:15 até ao tempo 00:18:16 do depoimento desta testemunha já transcrito supra).
CLXVII. De facto, esta testemunha C. C. afirma de forma categoria que nem sequer tem conhecimento de qualquer Regulamento Interno da Recorrente, e que o mesmo jamais lhes era aplicado, fazendo uma distinção da sua aplicação para os trabalhadores subordinados e para os trabalhadores independentes no seio da Recorrente (a partir do tempo 00:19:31 até ao tempo 00:20:28 do depoimento desta testemunha já transcrito supra).
CLXVIII. O que também é reiterado pelo depoimento da testemunha J. L., que com toda a credibilidade e segurança afirmou que inexistia qualquer regulamento interno que seria aplicado aos Formadores (a partir do tempo 00:28:36 até ao tempo 00:29:45 do depoimento desta testemunha já transcrito supra).
CLXIX. É também incontestável que a trabalhadora não integra qualquer organigrama da Recorrente, resultando tal da prova testemunhal produzida e da própria prova documental constante dos autos.
CLXX. Veja-se o depoimento da testemunha J. L., que esclarece que a mesma não integra sequer o organigrama da Recorrente, afirmando determinantemente que a mesma não integrava qualquer organigrama, nem tão pouco dava ordens a ninguém no seio da Recorrente (a partir do tempo 00:27:52 até ao tempo 00:28:36 do depoimento desta testemunha).
CLXXI. A própria C. C. o afirma, não deixando margem para qualquer dubiedade ao afirmar não se integrar em qualquer organigrama hierárquico interno da Recorrente, na medida em que era uma mera formadora externa (a partir do tempo 00:16:37 até ao tempo 00:17:15 do depoimento desta testemunha).
CLXXII. O que também é reiterado pelo depoimento da testemunha N. M., recusando a ideia de que a trabalhadora C. C. integrasse o organigrama da Recorrente (a partir do tempo 00:27:31 até ao tempo 00:28:00 do depoimento desta testemunha já transcrito supra)
CLXXIII. Também o Ponto O) foi inexplicavelmente considerado como não provado por parte do Tribunal a quo, quando só poderia ter sido considerado PROVADO:
CLXXIV. Os recibos verdes por si emitidos, e sempre pagos como resultou da prova produzida, não deixam margem para qualquer dubiedade acerca da frequência dos pagamentos e do seu sempre diferenciado montante.
CLXXV. Veja-se os pagamentos realizados pela Recorrente à trabalhadora na pendência de todos os contratos de prestação de serviço realizados, conforme constam descritos na Contestação e alicerçados nos recibos verdes emitidos (cfr. documento n.º 8 da Contestação).
CLXXVI. Os valores nunca eramos mesmos. Nem tão pouco eram pagos periodicamente, mas tão só em função da prestação de serviços e da emissão do respectivo recibo-verde para pagamento. Como qualquer profissional liberal.
CLXXVII. Neste âmbito, o testemunho da própria C. C. não deixa qualquer dúvida deste facto (a partir do tempo 00:36:55 até ao tempo 00:37:25 do depoimento desta testemunha).
CLXXVIII. Os Pontos P) e Q) foram inexplicavelmente considerados como não provados por parte do Tribunal a quo, quando só poderiam ter sido considerado PROVADOS, atento o teor dos depoimentos das várias testemunhas:
CLXXIX. Atente-se no depoimento da testemunha J. L. que é liminar em afirmar que as instalações tinham de ser homologadas pelos órgãos da tutela (Ministério da Educação), sendo que os cursos apenas poderiam ser leccionados em instalações devidamente homologadas para o efeito (a partir do tempo 00:35:58 até ao tempo 00:37:30 do depoimento desta testemunha).
CLXXX. Além disso, e no que tange aos instrumentos, também a testemunha J. L. é esclarecedor quanto à necessidade da Recorrente manter tais equipamentos/instrumentos disponíveis, sem os quais os cursos não eram atribuídos/financiados/homologados (a partir do tempo 00:31:58 até ao tempo 00:35:55 do depoimento desta testemunha).
CLXXXI. Este depoimento é esclarecedor: para a escola funcionar é imperativo que existam instrumentos/equipamentos nas salas de aula, por imposições dos órgãos da tutela. O que foi igualmente atestado pela testemunha N. M. (a partir do tempo 00:15:35 até ao tempo 00:17:00 do depoimento desta testemunha já transcrito supra).
CLXXXII. Por último, também o Ponto R) foi inexplicavelmente considerado como não provado por parte do Tribunal a quo, quando só poderia ter sido considerado PROVADO, atento o teor dos depoimentos das várias testemunhas
CLXXXIII. A testemunha J. L. explana com exactidão esta questão, esclarecendo esta diferença de tarefas e funções inerente a essa disparidade de vínculos jurídicos [contrato de trabalho vs. prestação de serviços], que é patente na comparação da relação mantida com a C. C. (a partir do tempo 00:15:05 até ao tempo 00:16:41 do depoimento desta testemunha).
CLXXXIV. Por sua vez, a testemunha N. M. atestou tudo isto, descrevendo o rol de funções que a trabalhadora independente C. C. exercia, e as diferentes funções que os trabalhadores dependentes executavam (a partir do tempo 00:23:45 até ao tempo 00:25:17 do depoimento desta testemunha).
CLXXXV. E, em bom rigor, a própria C. C. tinha plena consciência disso mesmo, tendo descrito a grande mudança que observou a sua relação com a Recorrente após a celebração do contrato de trabalho, ao nível de funções, deveres e obrigações (a partir do tempo 00:07:49 até ao tempo 00:11:10 e a partir do tempo 00:19:02 até ao tempo 00:19:36 do depoimento desta testemunha).
CLXXXVI. A mesma testemunha C. C. traça inclusivamente uma comparação com os efectivos trabalhadores da Recorrente, demonstrando que tinha uma relação completamente distinta daquelas, atenta a sua qualidade de prestadora de serviços (a partir do tempo 00:20:28 até ao tempo 00:22:07 do depoimento desta testemunha).
CLXXXVII. As diferenças da relação que a C. C. mantinha no passado enquanto vigoravam os contratos de prestação de serviço e a relação que mantém após a celebração do contrato de trabalho são notórias. E são atestadas também por outras testemunhas com conhecimento directo designadamente J. L., que enumera as várias mudanças na relação com a trabalhadora C. C. depois da celebração do contrato de trabalho (a partir do tempo 00:37:50 até ao tempo 00:39:00 e a partir do tempo 00:48:13 até ao tempo 00:48:39 do depoimento desta testemunha).
CLXXXVIII. Além disso, nas interrupções lectivas, a professora C. C. não tinha qualquer acesso às instalações da Recorrente, nem lá permanecia, porque não tinha serviços para prestar. Enquanto os restantes trabalhadores efectivos eram obrigados a lá permanecer, a cumprir horário, e a exercer a sua actividade laboral, o que denota toda uma diferença entre a C. C. e os efectivos trabalhadores subordinados.
CLXXXIX. Tudo conforme relato da testemunha J. L. (a partir do tempo 01:21:50 até ao tempo 01:23:29 do depoimento desta testemunha) e pela própria testemunha N. M., que revela a grande disparidade entre as obrigações que impendiam sobre a trabalhadora (quase nenhumas…) aquando da vigência dos contratos prestação de serviços, e as obrigações e deveres aos quais hoje está adstrita (a partir do tempo 00:03:48 até ao tempo 00:05:11 e a partir do tempo 01:02:53 até ao tempo 01:03:54 do depoimento desta testemunha).

ORA,
CXC. Atento todo o circunstancialismo supra evidenciado, é claro que uma audição e análise correcta e justa dos depoimentos de várias testemunhas, bem como uma análise crítica e atenta da prova documental carreada para os autos, só poderia redundar numa convicção díspar daquela que foi a convicção do Tribunal a quo.
CXCI. Assim, somente com a alteração da matéria de facto será possível corrigir o gritante ERRO DE JULGAMENTO evidenciado pelo Tribunal a quo.

DO DIREITO

CXCII. A aplicação dos normativos legais padece e graves e censuráveis erros, redundando num errado julgamento de Direito. O Tribunal a quo proferiu uma sentença sem qualquer rigor técnico-jurídico, redundando por isso numa incorrecta subsunção dos factos ao do Direito.

DAS EXCEPÇÕES

I - DA IMPOSSIBILIDADE ORIGINÁRIA DA LIDE E VALIDADE DA ACÇÃO

CXCIII. Não se conforma a Recorrente com a decisão proferida pelo Tribunal a quo que indeferiu as excepções por si invocadas relativas à validade da acção e inutilidade originária da lide, ignorando não só os dispostos normativos aplicáveis, como a própria vontade contratual da trabalhadora.
CXCIV. De facto, constitui motivo legitimador da Acção Especial de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho, a necessidade de se ver reconhecido um contrato de trabalho, combatendo a precariedade laboral e as suas consequências individuais e sociais.
CXCV. Nesta esteira, nada se opõe quanto à essencialidade e constitucionalidade do combate à precariedade laboral, nem sequer se questiona a legitimidade e interesse públicos na promoção deste tipo de acções. Na verdade, apenas se questiona a licitude, legitimidade e utilidade de facto da acção no caso concreto, não podendo o douto Tribunal esquecer que a justiça se afere, com base no Direito, mas também no caso concreto, sob pena de não se lhe poder chamar, verdadeiramente “Justiça”.

ORA,VIDE:
CXCVI. A Recorrente e C. C. celebraram um contrato de trabalho em 15 de Maio de 2019, com efeitos retroactivos a 1 de Janeiro de 2019, acordando de comum, livre e consciente acordo uma modificação na relação jurídica que então mantinham, com repercussões naturais nas suas recíprocas obrigações.
CXCVII. Apesar de verificada a existência deste vínculo laboral, veio, na decorrência da participação da ACT, o Ministério Público suscitar, mediante proposição de Acção Especial de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho, a necessidade de, literalmente, reconhecer a existência de um contrato – que já existia.
CXCVIII. Perante o que antecede não se verifica, como é claro e líquido, a inexistência do contrato e, por conseguinte, não se encontra preenchido o requisito, objecto e objectivo primordial da presente acção: a declaração da existência do contrato de trabalho.
CXCIX. Resulta que a letra da lei é clara, expressando no n.º 8 do artigo 186.º-O que “A sentença que reconheça a existência de um contrato de trabalho fixa a data do início da relação laboral.”, sendo incontestável e jurisprudência assente que o objectivo da Acção Especial de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho é o reconhecimento de uma relação laboral!
CC. Decorre, também, do citado preceito legal, por um lado, a natureza principal do reconhecimento do contrato de trabalho e, por outro lado, o carácter acessório e subsidiário da aferição da antiguidade do contrato.
CCI. Nestes termos, jamais a estatuição de qualquer obrigação relativa ao contrato de trabalho (tal como a antiguidade…) poderá ser fundamento único para a determinação e existência da referida acção especial, sob pena de uso ilegítimo e inapropriado de um meio processual que impõe severas restrições quanto às garantias do réu, nomeadamente no tocante à marcha do processo e à prova.
CCII. Assim, não se verificando a inexistência de contrato de trabalho, falta à acção um pressuposto essencial para que esta possa prosseguir. Com efeito, inexistindo o referido pressuposto, inexiste causa de pedir, devendo, em consequência, ter sido julgada procedente a exceptio inominada para qual se remete e que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.

II – MEIO PROCESSUAL INADEQUADO

CCIII. Na senda do exposto, verificando-se a existência de um contrato de trabalho a acção não estará adequada a prosseguir o seu fim fundamental e legitimador, ou seja, a declaração da existência do contrato de trabalho, não se afigurando como o meio processual adequado para aferir apenas e só da antiguidade do contrato de trabalho.
CCIV. É, portanto, falso que este seja o único meio processual capaz de determinar a antiguidade e obrigações decorrentes do contrato de trabalho, isto porque, como dissemos e repetimos, o contrato já existe e é válido. Cumpre, então, ao trabalhador, querendo, intentar acção comum para que se determine a antiguidade do seu contrato e todos respectivos os efeitos, sendo, claramente, esta uma matéria do seu exclusivo domínio.
CCV. Quanto ao objectivo de regularização das contribuições em dívida, será esse, nos termos da Lei, também um efeito decorrente da sentença nos casos em que se reconheça a existência de contrato de trabalho e se determine sua antiguidade, não podendo ser considerado como pressuposto para a propositura da desta acção, visto que não se enquadra na sua ratio.
CCVI. Pugna, ainda, a Recorrida por afirmar que a determinação da antiguidade de contrato de trabalho carece de ser determinada através da proposição de ação comum pelo trabalhador, parte legítima e com interesse processual activo
CCVII. Mais se diga, tendo a trabalhadora definido por acordo, aquando da celebração do contrato de trabalho, o início da sua vigência, tal acordo será lícito e eficaz, não podendo o Ministério Público substituir-se ao trabalhador e às suas decisões numa questão eminentemente privada da relação laboral.
CCVIII. A este respeito, diga-se que apesar de se ter retirado a figura da audiência de partes e conciliação da estrutura desta acção especial, é inconstitucional e violador das garantias do trabalhador o facto de este não poder adequar e determinar as condições da sua prestação laboral, ainda mais, fazendo-o em momento anterior à acção.
CCIX. Atente-se para o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de Dezembro de 2014, “Sendo o vínculo laboral uma relação contratual de direito privado, não pode arredar-se a aplicação do princípio da liberdade contratual, consagrado no art.º 405.º do CC, que se desdobra em vários aspectos, entre eles, “a possibilidade das partes contratarem ou não contratarem, como melhor lhes aprouver” [Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1987, p. 355].”
CCX. Neste mesmo sentido entende o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 22 de Setembro de 2016 que nos diz que o “interesse público no combate à precaridade laboral mostra-se garantido na transação que os alegados contratantes da relação material controvertida acordam em que aquela consubstancia um contrato de trabalho”.
CCXI. Facto é que ao trabalhador não pode ser negado o domínio da sua relação de trabalho e a definição dos seus termos. Fazendo-se constar que não se viu limitado um direito existente do trabalhador, antes, protegidas as suas pretensões e reconhecido o contrato de trabalho, tudo mediante a sua vontade, entendimento e acordo, relevantes e imperiosos.
CCXII. Por estes motivos não se afigura lícita a intervenção do Ministério Público, constituindo essa uma clara violação do princípio da autonomia privada e da liberdade das partes, violando, portanto, os direitos de personalidade do trabalhador nos termos do artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa, bem como o direito ao trabalho na sua vertente da possibilidade de conformação e determinação pelo trabalhador das suas condições e vigência.
CCXIII. Em síntese, a Acção Especial de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho além de não ser meio lícito para se reconhecer em exclusivo da antiguidade do contrato, não será também (e muito menos) o único meio processual adequado para se discutir tal questão.

ATENTE-SE QUE:

CCXIV. Veio o muito douto Tribunal a quo afirmar que “não se descortina em que legislação estará elencada a alegada inadequação do meio processual como sendo uma alegada nulidade processual que a ré nem sequer fundamenta – já que no CPT e no Código de Processo Civil não está prevista como tal.”.
CCXV. Esquece, contudo, o Tribunal de observar o cumprimento das exigências do princípio da legalidade e do princípio da adequação formal, que exigem o respeito pela tramitação adequada dos processos. Ora, nos termos dos artigos 547.º e 193.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPT, o Tribunal deveria, verificado o uso de meio processual desadequado, pois apenas se discute in casu a antiguidade do contrato de trabalho, ter oficiosamente procedido à convolação do pedido para a forma processual adequada, com todas as consequências legais.
CCXVI. Contudo, não sendo aproveitáveis os actos praticados por falta de legitimidade de uma das partes para intervir e por se preencher o disposto no artigo 193.º n. º2, dado que o aproveitamento dos actos redundaria numa diminuição das garantias da Recorrente, devia ter o tribunal, oficiosamente, conhecido da nulidade do processo, convidando o trabalhador a, querendo, propor acção comum, pois outro caminho não se afigura possível prosseguir.

III – DA FALTA DE INTERESSE EM AGIR - INTERESSE PÚBLICO INSUFICIENTE

CCXVII. Facto é que o Ministério Público ao tramitar a presente acção usa de um meio processual inadequado para se substituir ao trabalhador, único sujeito com legitimidade para suscitar a apreciação da sua antiguidade, pois apenas esse será capaz de aferir e definir, com o empregador, os concretos termos da sua prestação, não se podendo olvidar que a relação de trabalho é uma relação de raiz privada e conformada pela vontade das partes.
CCXVIII. Destarte, não pode o Ministério Público “substituir” o trabalhador, muito menos em contradição com a vontade por este declarada e contratualizada. Fazendo-o exorbita claramente as suas funções e competências, permitindo uma ingerência pública indevida no seio de uma relação e questão iminentemente privada.
CCXIX. Posto isto, tal argumento bastará para a improcedência da presente acção, pelo que mal andou o Tribunal a quo a decidir como decidiu, pugnando-se, hic et nunc, pela revogação da sentença recorrida.

AINDA QUE NÃO SE PARTILHE DESTE ENTENDIMENTO,

CCXX. Reveste-se da maior importância aferir se o interesse público subjacente à determinação da antiguidade do contrato de trabalho é questão justificativa da intervenção do Ministério Público, ou se será esse um interesse público insuficiente.
CCXXI. Acontece que o interesse público na determinação da antiguidade e, eventualmente, no pagamento de contribuições à Segurança Social, não é suficiente para fazer surgir na esfera do Ministério Público o direito de propor a Acção Especial de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho, sendo perigoso um raciocínio, no seio de uma relação privada, que usando o fito de proteger o trabalhador, o prejudica, não lhe dando liberdade de conformação, e não permitindo disponha dos seus direitos.
CCXXII. A realidade é que in casu não há interesse público preponderante, susceptível de se sobre por à vontade do trabalhador e que sustente a intervenção do Estado, nestes termos e com estas prerrogativas, na determinação da antiguidade de contrato de trabalho, que se consubstanciará, essencialmente, na determinação de créditos e contribuições devidas pelo empregador
CCXXIII. Dizer-se, então, que esta acção é susceptível de ser intentada para aferir da antiguidade, seria criar toda uma nova válvula de escape para a determinação de todas as questões relacionadas com o início do contrato de trabalho, confundindo-se, irremediavelmente, a determinação da existência do contrato com a sua duração.
CCXXIV. Assim, perante tudo que antecede deve a sentença ser revogada. SE ASSIM NÃO SE ENTENDER, O QUE NÃO SE CONCEDE,
CCXXV. existe, claramente, uma clara desigualdade entre o pretenso trabalhador e o trabalhador dito comum que terá que recorrer a uma acção de processo comum para aferir da sua antiguidade. Deste modo, a aceitar-se o recurso à acção especial apenas e tão só para discutir a antiguidade, entende-se que existe uma diferenciação injustificada e (porque não dizer) desproporcional entre os regimes destes dois tipos de acção, cuja finalidade é exactamente a mesma,
CCXXVI. acrescendo o facto de se conferir uma protecção e tutela jurídica/processual maior e mais favorável a uma situação em que não existe conflito entre as partes (impulsionada pela ACT e judicialmente intentada pelo Ministério Público), em confrontação com a protecção conferida na situação em que tal conflito existe e é real e que, por isso, seria mais urgente solucionar (casos em que o Trabalhador requer que seja reconhecida a antiguidade do contrato de trabalho através do processo comum).
CCXXVII. A entender-se o contrário, está-se a violar o direito à igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e, como tal, fará incorrer o artigo 186.º- O do Código de Processo do Trabalho, à luz de tal interpretação, em inconstitucionalidade, a qual se deixa para todos os legais efeitos arguida.
CCXXVIII. Conclui-se, por isso, num percurso intelectual e cognoscitivo transparente e de facílima interpretação e seguimento, que a decisão proferida viola, entre outras disposições, o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, revelando-se desrazoável, arbitrária e destituída de fundamento.
CCXXIX. Pelas razões aqui invocadas, e ainda pelo que dispõe o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, a sentença aqui em sindicância, deve ser revogada, porque as normas em que se fundou – concretamente o artigo 186.º - O do Código de Processo de Trabalho - foram interpretadas em desconformidade com aquela norma constitucional, pois impunham um tratamento claramente desigual entre Trabalhadores na mesma situação -a de visarem verem estendida a antiguidade do seu Contrato de Trabalho -podendo, concretamente, uns gozar da intervenção da ACT e do Ministério Público e de uma acção que concretamente lhes acarreta maior celeridade e, até certo ponto, garantias, enquanto outros trabalhadores teriam de se munir de acção comum, tendencialmente mais lenta e onde por si e pelos seus meios teriam de fazer valer as suas pretensões, visando um fim idêntico.
CCXXX. Conforme o que aqui se alega e expõe andou mal o Tribunal a quo a decidir como decidiu, não justificando o uso da presente Acção Especial de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho, e fazendo errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 186.º- O, bem ainda do disposto nos artigos 1.º, 2.º, 12.º, 13.º, 202.º da Constituição da República Portuguesa, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.

DA EXISTÊNCIA DE UM CONTRATO DE TRABALHO

I - DA DISTINÇÃO ENTRE CONTRATO DE TRABALHO E CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

CCXXXI. A operação de qualificação do negócio constitui o pressuposto natural da sujeição ao respectivo regime jurídico. Para operar esta qualificação, é necessário avaliar a presença dos elementos essenciais do contrato de trabalho ou do contrato de prestação de serviços, i.e., proceder à respectiva delimitação conceptual.
CCXXXII. Os elementos essenciais do contrato de trabalho são tradicionalmente recortados a partir da sua noção legal, que consta, desde logo, do Código Civil (art. 1152.º) e do Código do Trabalho (art. 11.º).
CCXXXIII. Como facilmente se retira da letra da lei, os elementos essenciais tradicionalmente reconhecidos ao contrato de trabalho são o elemento do trabalho ou actividade laboral, o elemento da retribuição e o elemento da subordinação jurídica.
CCXXXIV. A falibilidade dos elementos da actividade prestada e da retribuição, como critérios qualificativos do contrato de trabalho, pelas razões indicadas, torna imprescindível o recurso ao terceiro elemento essencial deste contrato para operar a sua delimitação em relação a outras figuras: o elemento da subordinação jurídica.
CCXXXV. Assim desenvolvido, o elemento da subordinação ou dependência do trabalhador perante o credor é unanimemente reconhecido como o elemento distintivo fundamental entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços.
CCXXXVI. É possível discernir no contrato de trabalho dois binómios que dão a medida do seu conteúdo e facilitam a sua delimitação de figuras próximas:
CCXXXVII. O binómio objectivo prestação da actividade / retribuição, que permite delimitar o contrato de trabalho em termos materiais e constitui a parcela deste contrato que é comum a qualquer negócio envolvendo uma actividade humana produtiva para outra pessoa (i.e., aquilo que designamos como actividade laborativa), onde se insere o contrato de prestação de serviço.
CCXXXVIII. O binómio subjectivo subordinação jurídica / poderes laborais, que tem a ver com a posição desigual das partes no contrato de trabalho – o trabalhador numa posição de dependência e o empregador na correlativa posição de domínio, enquanto titular dos poderes de direcção e de disciplina.
CCXXXIX. É este segundo binómio do contrato de trabalho que lhe é específico e viabiliza a sua distinção do contrato de prestação de serviço.

IN CASU,

CCXL. e ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, o contrato sub judice consubstancia um contrato de prestação de serviços.
CCXLI. De facto, no que ao objecto contratual respeita, sobre o devedor recaía a obrigação de apresentar um resultado ao credor: ser leccionado um Módulo de Formação constituído por um concreto e determinado número de horas.
CCXLII. E, no que tange ao relacionamento inter partes, o devedor agia com completa autonomia no modo como prestava a sua actividade a favor do credor.

II - DA AUTONOMIA PRIVADA E DA LIBERDADE CONTRATUAL

CCXLIII. Numa acepção muito ampla, o conceito de autonomia privada refere o espaço de autodeterminação pessoal. Neste sentido, a autonomia privada é uma expressão do princípio da liberdade, permitindo tudo o que não for imposto ou proibido.
CCXLIV. Numa acepção muito ampla, o conceito de autonomia privada refere o espaço de autodeterminação pessoal. Neste sentido, a autonomia privada é uma expressão do princípio da liberdade, permitindo tudo o que não for imposto ou proibido.
CCXLV. No entanto, a autonomia contratual e a liberdade contratual traduzem apenas uma das manifestações da autonomia privada, talvez a principal, conferindo às pessoas a possibilidade de celebração dos contratos que entenderem e a sua livre conformação.
CCXLVI. Assim, a liberdade (ou autonomia) negocial é uma manifestação da autonomia privada, adoptando a designação de liberdade (ou autonomia) contratual quando o negócio em causa tenha (ou possa ter) duas ou mais partes.
CCXLVII. Uma das manifestações da liberdade contratual é a liberdade de fixação do conteúdo do contrato, expressamente prevista no artigo 405.º do Código Civil, que estabelece que «(...) as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver» (n.º 1) e que «as partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei» (n.º 2).
CCXLVIII. A liberdade de celebração do contrato é outra manifestação da liberdade contratual e consiste na faculdade conferida às partes de, no momento e nas condições em que entenderem, utilizar (ou não utilizar) a figura do contrato para regular os seus interesses.
CCXLIX. Constitui igualmente uma manifestação da liberdade contratual a liberdade de negociação (e de não negociação) com vista à celebração de um contrato, encontrando-se subentendida nas liberdades de fixação do conteúdo do contrato e de celebração do contrato.
CCL. Ora, no Direito Português, é indubitável até que a liberdade contratual tem a natureza de direito fundamental e, verdadeiramente, nos presentes autos, o que está em causa é este princípio estruturante do Direito Privado e a própria liberdade das partes.
CCLI. Na prossecução e na regulamentação dos seus legítimos interesses, as partes celebraram o contrato que produzia os efeitos jurídico-privados por estas pretendidos. E, ao abrigo da sua liberdade contratual, o tipo contratual celebrado pelas partes foi o contrato de prestação de serviços, que foi escolhido e tido pelas partes como o mais adequado para a regulamentação dos seus interesses, até decidirem de livre e autodeterminada vontade alterarem a sua relação jurídica passando-a a uma efectiva relação laboral em Abril de 2019.
CCLII. No caso sub judice, perante a factualidade dada como provada, e tendo em consideração que o que se discute é a qualificação contratual do contrato celebrado entre a Ré e a interessada, impõe-se a conclusão de que estamos perante um contrato de prestação de serviços.
CCLIII. Foi esse o contrato efectivamente celebrado, qualificado e pretendido pelas partes, ao abrigo da sua autonomia privada, afirmada, entre nós, no art. 405.º do CC. Tanto assim é que, durante toda a vigência do contrato de prestação de serviços, a interessada sempre se mostrou concordante com a relação jurídica estabelecida e nunca demonstrou intenção ou vontade de proceder à sua alteração.
CCLIV. Outra evidência dessa anuência da interessada é o facto de, tendo o Ministério Público proposto a presente acção de reconhecimento e existência de contrato de trabalho, a mesma não ter vindo aderir a esta, não sendo sequer parte da mesma e tendo intervindo como testemunha.
CCLV. Aliás, acerca da importância da autonomia privada e dos interesses privados presentes neste tipo de acções, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28 de Janeiro de 2015, foi proferido o seguinte: «Subjacente a tal actuação do M.P. afigura-se-nos estar, antes de mais, o interesse do próprio “trabalhador” a que a acção diz respeito, e só num plano secundário, o interesse da colectividade no combate à precariedade no trabalho (…)»
CCLVI. Face a todo o exposto, não podem existir dúvidas de que estamos perante um produto da autonomia privada, resultante do encontro de duas vontades – uma proposta e uma aceitação –, cuja disciplina legal se insere no Direito Privado, com as suas componentes da autonomia da vontade e da autonomia contratual, como expressão do princípio da liberdade.
CCLVII. Como tal, não pode o poder judicial intervir e intrometer-se no campo da liberdade contratual e da autonomia privada, de modo a sujeitar dois titulares de um contrato de prestação de serviços à qualificação jurídica dessa relação como contrato de trabalho, sem os próprios revelarem essa vontade, sob pena de tal constituir ingerência excessiva e, consequentemente inconstitucional, de um princípio constitucionalmente garantido, o da autonomia privada.
CCLVIII. De facto, qualquer tentativa de coarctar a liberdade de contratar da Recorrente e da prestadora C. C. que, a ocorrer como pretende impor o Tribunal a quo, redunda igualmente numa violação gritante do consagrado no artigo artigos 13.º, 26.º n.º1, 27.º n.º1, 47.º, 58.º n.º 2, alínea b), 61.º, n.º1 e 62.º, n.º1 da C.R.P., padecendo de incurável inconstitucionalidade, a qual se deixa arguida para todos os efeitos tidos por convenientes.
CCLIX.Com efeito, tal inconstitucionalidade é resultante da violação do princípio da autonomia privada por coarctação da sua vontade da sua liberdade de contratar, do princípio da igualdade, violação do seu direito de escolha livre do género de trabalho e violação da livre iniciativa económica privada, direitos fundamentais que tem agora a incumbência o Tribunal ad quem de proteger e salvaguardar.

III - DA PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE

CCLX. Como se disse acima, no que toca à distinção entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços, cujo objecto contratual partilha uma afinidade material, reconhece-se a subordinação jurídica como o elemento delimitador e diferenciador do contrato de trabalho face a outras figuras que dele se aproximam, entre as quais o contrato de prestação de serviços.
CCLXI. A natureza subjectiva deste elemento torna-o mais difícil de aferir do que se se tratasse de um elemento objectivo, uma vez que exige uma avaliação cuidada do modo como o contrato é executado e um juízo sobre a actuação das partes nesse contrato.
CCLXII. No sistema jurídico português houve várias tentativas para instituir presunções de laboralidade, justificadas pelas dificuldades tradicionais de o trabalhador provar a subordinação jurídica.
CCLXIII. É com base na presunção de laboralidade ínsita no art. 12.º do Código de Trabalho de 2009 que o Tribunal a quo entende que entre a Ré e a formadora C. C. vigorou um contrato de trabalho entre o início do ano lectivo 2007/2008 e 31 de Dezembro de 2018.
CCLXIV. Entende a Ré que, ao fazê-lo, o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento da matéria de direito, como se passa a demonstrar.

IV – DA APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO

CCLXV. De facto, no presente caso, há uma questão prévia que o Tribunal a quo desconsiderou por completo: a aplicação da lei no tempo. Como ficou provado, o contrato entre a Ré e a formadora C. C. foi celebrado no início do ano lectivo de 2007/2008, ou seja, Setembro de 2007
CCLXVI. Estando-se perante uma relação jurídica constituída em 2007, data anterior à entrada em vigor Código do Trabalho de 2009 (Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro), e não resultando da matéria de facto uma mudança essencial na configuração desta relação antes e depois desta data, a sua qualificação jurídica há-de operar-se à luz do regime do Código de Trabalho de 2003, na redacção dada pela alteração introduzida pela Lei n.º 9/2006 de 20 de Março.
CCLXVII. Pois embora o novo regime se aplique aos contratos de trabalho anteriormente celebrados, tal não acontece em relação às condições de validade nem aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento.
CCLXVIII. É este o entendimento unânime do Supremo Tribunal de Justiça. Veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/04/2015, relatado por Gonçalves Rocha (proc. n.º 329/08.0TTCSC.L1.S1), o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Maio de 2007, proc. n.º 06S4368, relatado por Pinto Hespanhol, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 2008, proc. n.º 08S1426,relatado por Alves Cardoso, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 2015, proc. n.º 3292/13.1TTLSB.L1.S1, relatado por Ana Luísa Geraldes e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Janeiro de 2017, proc. n.º 234/14.0T8MTS.P1.S1, relatado por Ribeiro Cardoso
CCLXIX. Assim, e estando em causa a ponderação de factos com reflexos na qualificação jurídica do contrato, não é aplicável a lei nova, mas a vigente à data da constituição dos factos a valorar.
CCLXX. Na data de contratação da formadora C. C., vigorava o art. 12.º do Código de Trabalho de 2003, na redacção dada pela Lei n.º 9/2006 de 20 de Março, que tinha o seguinte teor: «Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição»
CCLXXI. Por conseguinte, tendo sido invocado pelo Ministério Público (e pela própria ACT) ter sido celebrado e vigorado entre a Ré e a formadora um contrato de trabalho, sobre aquele impende o ónus de provar os factos conducentes à subsunção da relação jurídica em causa ao contrato de trabalho e respectivo regime legal (art. 342.º do CC).
CCLXXII. Operada a apreciação global dos factos-índice provados, não se pode concluir que a relação contratual estabelecida entre a formadora e a Ré se deva qualificar como um contrato de trabalho.
CCLXXIII. Pelo contrário, os aludidos factos-índice ou são incaracterísticos ou apontam em sentido diverso, sendo que o ónus da prova relativo aos factos de que se pudesse concluir pela existência de tal contrato impendia sobre o Ministério Público, o qual não logrou cumprir.

VEJAMOS:

CCLXXIV. Não resulta da matéria de factos provados [mesmo que não se atenda à impugnação da matéria de facto ora elencada] que a formadora C. C. integrasse a estrutura orgânica da Recorrente e que realizasse os seus serviços sob as suas orientações.
CCLXXV. Aliás, questionada a esse respeito, ela salienta a sua autonomia e que nunca existiram interferências na forma como realizava a sua prestação (cfr. depoimento da testemunha C. C. do tempo 00:15:10 ao tempo 00:14:41, transcrito supra).
CCLXXVI. É também indubitável que a formadora não tinha qualquer dependência económica da Recorrente.
CCLXXVII. Ora, é irrefutável que a referida presunção não foi provada pelo Recorrido, sendo que a sua prova e existência teria de ser cumulativa para que pudesse ser presumida a existência de um contrato de trabalho.
CCLXXVIII. Apreciando globalmente os indícios descritos e que emergem da relação contratual estabelecida entre as partes, impõe-se concluir que não se apuraram factos bastantes para caracterizar tal relação como contrato de trabalho, sendo que o ónus da prova relativo aos factos de que se pudesse concluir no sentido da existência daquele contrato impendia sobre o autor (art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil).
CCLXXIX. Face ao exposto, não tendo sido provada pelo Ministério Público a presunção de laboralidade consagrada pelo Código de Trabalho de 2003, na redacção dada pela Lei n.º 9/2006 de 20 de Março, tal presunção não pode operar e, consequentemente, atenta a falta de produção de prova por parte do Autor, só poderá o contrato celebrado entre a Ré e a formadora C. C. ser declarado e reconhecido como um contrato de prestação de serviços,

SEM PRESCINDIR, MESMO QUE ASSIM NÃO FOSSEE POR HIPÓTESE MERAMENTE TEÓRICA FOSSE APLICÁVEL A PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE CONSAGRADA NO ART. 12.º DO ACTUAL CÓDIGO DO TRABALHO, O QUE NÃO SE CONCEDE E APENAS POR DEVER DE PATROCÍNIO SE EQUACIONA,

CCLXXX. Diga-se que a presunção de laboralidade, consagrada no artigo 12.º do Código do Trabalho, ter-se-ia sempre por ilidida pela Ré.
CCLXXXI. De facto, tratando-se de uma presunção iuris tantum, nada impede a parte contrária de a ilidir, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho, conforme advém do nº 2 do artigo 350º do CC.
CCLXXXII. Atenta toda a produção de prova e matéria carreada para os autos, sempre deve ser considerada tal presunção totalmente ilidida pela Ré.
CCLXXXIII. A verdade é que, ponderados os indícios no seu conjunto e avaliados no caso concreto, torna-se evidente a existência de um contrato de prestação de serviços
CCLXXXIV. De facto, não só a vontade das partes foi no sentido de afirmar que entre elas existia um contrato de prestação de serviços, como também a realidade concreta demonstra que era essa a relação concreta e factual que se verificava entre as partes.
CCLXXXV. Existe, assim, uma correspondência real e efectiva entre a realidade concreta e a qualificação da relação jurídica existente entre o prestador e o beneficiário da actividade.

VEJAMOS.

A) O LOCAL DE TRABALHO COINCIDENTE COM INSTALAÇÕES DO BENEFICIÁRIO DA ACTIVIDADE OU POR ELE CONTROLADAS

CCLXXXVI. Um formador ou professor exerce habitualmente a sua actividade em escolas ou centros de formação, porque são estas as instalações legalmente homologadas pelo Ministério da Educação para o efeito, não sendo possível a ministração de aulas noutros locais.
CCLXXXVII. Não se olvide também que o local para prestação de serviços era escolhido de comum acordo, sendo o próprio formador a preferir que os serviços fossem prestados nas instalações da Ré, por uma questão de conveniência pessoal, porque não possuía instalações legalmente homologadas pelo Ministério da Educação para o efeito.
CCLXXXVIII. Conclui-se que a própria natureza da actividade de leccionação e formação exigia e exige que os serviços fossem e sejam prestados nas instalações da Ré.
CCLXXXIX. Assim, no caso concreto, o facto de local de prestação dos serviços ser coincidente com as instalações do beneficiário da actividade ou por este controladas não constitui qualquer indício de que estamos perante uma relação jurídica de trabalho subordinado.
CCXC. O Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão datado de 11 de Julho de 2015 e relatado por Moisés Silva (proc. n.º 346/13.8TTVCT.G1), assim o entende, bem como o Supremo Tribunal de Justiça num acórdão recente, de 27 de Novembro de 2019, relatado por António Leones Dantas (proc. n.º 457/14.2TTLSB.L2.S2).

B) A PERTENÇA DOS EQUIPAMENTOS E INSTRUMENTOS DE TRABALHO AO BENEFICIÁRIO DA ACTIVIDADE

CCXCI. A própria natureza da actividade de formação e leccionação exige que haja um mínimo de equipamentos e condições nas instalações para que a actividade em si possa ser realizada, não só para os formadores, mas também para os formandos. Se assim não fosse, o Ministério da Educação não poderia homologar as instalações para esse efeito.
CCXCII. Não obstante, o formador não utilizava exclusivamente equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Ré, mas também equipamentos e instrumentos de trabalho próprios, como, por exemplo, computador portátil, com o qual preparava as suas formações.
CCXCIII. Assim, também o facto de os equipamentos e instrumentos de trabalho serem propriedade do beneficiário da actividade prestada, in casu, a Ré, não constitui qualquer indício de que estamos perante uma relação jurídica de trabalho subordinado.
CCXCIV. O Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão datado de 11 de Julho de 2015 e relatado por Moisés Silva (proc. n.º 346/13.8TTVCT.G1), assim o entende, bem como o Supremo Tribunal de Justiça num acórdão recente, de 27 de Novembro de 2019, relatado por António Leones Dantas (proc. n.º 457/14.2TTLSB.L2.S2).

C) A EXISTÊNCIA DE HORÁRIO DE TRABALHO

CCXCV. A formadora nunca foi ajustado ou esteve obrigado a qualquer período de tempo de trabalho, pois apenas tinha que proceder à leccionação de concretos e determinados módulos formativos aos formandos, o que aceitava e se comprometia a fazer perante a Ré – era este o objecto contratual.
CCXCVI. Mais, o próprio horário de leccionação aos formandos, ou seja, o horário lectivo não era unilateralmente fixado pela Ré, pois era o próprio formador que indicava a sua disponibilidade e preferência de horário, que eram tidas em conta na fixação do horário de leccionação de aulas.
CCXCVII. E, ainda que pré-estabelecido, o horário de leccionação era passível de ser alterado em função da (in)disponibilidade superveniente do formador, sendo, aliás, alterado com regularidade por esse motivo e por indicação dos formadores.
CCXCVIII. Ademais, o formador não tinha qualquer controlo de assiduidade ou pontualidade, não existindo qualquer registo de tempos de entrada. O software e-schooling, servia o único propósito de registo dos sumários das aulas leccionadas e das eventuais faltas dadas pelos formandos.
CCXCIX. Como se torna fácil de perceber, a existência de horário para ministrar as aulas não é determinante para a qualificação do contrato, uma vez que numa escola profissional com várias turmas, vários professores e múltiplos alunos, em diferentes fases de aprendizagem, é essencial a existência de horários para que as aulas funcionem como mínimo de organização, independentemente da natureza do vínculo contratual dos professores e formadores que aí prestem serviço.
CCC. Assim, o facto de existir um horário definido para leccionação de aulas aos formandos, numa escola, não constitui qualquer indício de que estamos perante uma relação jurídica de trabalho subordinado.
CCCI. O Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão datado de 11 de Julho de 2015 e relatado por Moisés Silva (proc. n.º 346/13.8TTVCT.G1), assim o entende, bem como o Supremo Tribunal de Justiça num acórdão recente, de 27 de Novembro de 2019, relatado por António Leones Dantas (proc. n.º 457/14.2TTLSB.L2.S2) e, ainda, o Professor Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, pp. 130 e 131.

D) O CARÁCTER PERIÓDICO DA RETRIBUIÇÃO PAGA COMO CONTRAPARTIDA DA ACTIVIDADE

CCCII. Como ficou provado, a formadora não recebia uma retribuição da Ré, mas, antes, pagamentos referentes aos serviços prestados, sem qualquer regularidade ou periodicidade.
CCCIII. De facto, a formadora obrigava-se perante a Ré a leccionar um concreto e determinado módulo formativo aos formandos, mas o número de horas semanais ou mensais que leccionava ficavam ao seu arbítrio.
CCCIV. Ao longo da execução do contrato de prestação de serviços, até por uma questão de razoabilidade, a Ré ia liquidando à formadora os montantes referentes às horas já leccionadas. No entanto, estes pagamentos não tinham qualquer carácter regular ou periódico.
CCCV. Para além disso, a formadora emitia para quitação das quantias que lhe eram pagas, a título de honorários, os chamados “recibos verdes” (recibos do tipo fiscalmente definido para o rendimento de trabalho independente).
CCCVI. Ademais, a formadora nunca recebeu retribuição de férias nem subsídios de férias ou de Natal, como seria próprio de uma relação de natureza laboral.
CCCVII. Assim, não existia uma dimensão de estabilidade e continuidade nas tarefas executadas nem na sua remuneração, o que evidencia a inexistência de uma relação de subordinação jurídica.

E) O DESEMPENHO DE FUNÇÕES DE DIRECÇÃO OU CHEFIA NA EMPRESA PELO PRESTADOR DA ACTIVIDADE

CCCVIII. Como se torna evidente da prova produzida nos presentes autos, a formadora nunca desempenhou funções de direcção ou chefia na organização da Ré.

FACE AO AGORA EXPOSTO,
CCCIX. Mesmo que fosse aplicável a presunção de laboralidade ínsita no art. 12.º do actual Código do Trabalho – o que não é o caso – atenta toda a produção de prova e matéria carreada para os autos, essa presunção sempre teria de ser considerada totalmente ilidida pela Ré.

V - DA INEXISTÊNCIA DE UMA RELAÇÃO JURÍDICA DE TRABALHO
SUBORDINADO

CCCX. Como visto supra, a factualidade apurada evidencia uma clara demonstração da inexistência de subordinação jurídica, o que determina a ilisão da presunção legal de existência de contrato de trabalho.
CCCXI. Assim, o Ministério Público não logrou provar factualidade donde resulte que a formadora se vinculou à Ré através de contrato de trabalho.
CCCXII. Pelo contrário, os factos provados mais se afeiçoam ao contrato de prestação de serviços, tal como a lei o define no art. 1154.º do CC: «Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».
CCCXIII. Efectivamente, e antes do mais, a existência de ordens e instruções específicas e a obrigatoriedade do seu cumprimento, só por si, não importa a conclusão de que existe subordinação jurídica, na medida em que aquelas são compatíveis e próprias do contrato de prestação de serviços, como resulta do disposto no art. 1161.º, al. a), conjugado com o art. 1156.º, ambos do CC.
CCCXIV. Com efeito, estando em causa uma actividade de ensino pela qual a Ré é responsável por organizar e garantir aos seus formandos, é da natureza das coisas que a actividade do formador tivesse de obedecer a regras e procedimentos «uniformizados», quer fosse prestada mediante contratos de trabalho, quer o fosse ao abrigo de contratos de prestação de serviços.
CCCXV. Perpassa pela matéria de facto provada que o formador tinha um elevado grau de autonomia na organização e planificação da sua actividade, posto que respeitando os parâmetros gerais estabelecidos pelos órgãos competentes, organizavam as aulas como melhor entendiam.
CCCXVI. E ademais, como nota o Prof. JÚLIO GOMES, «E se um professor for contratado por uma escola privada, terá necessariamente, quer seja trabalhador autónomo, quer seja trabalhador subordinado, um horário, pelo menos das aulas que deve leccionar (já podem relevar com o indício de trabalho subordinado, porventura, outras obrigações, que também implicam horários: participação obrigatória em conselhos e júris, vigilâncias, mormente noutras cadeiras, horários de acompanhamento de turmas). Com efeito, um professor, mesmo que seja um trabalhador autónomo, não pode pretender, obviamente, dar aulas quando quiser, ficando sujeito à marcação de um horário (e de uma sala de aulas).» (in Direito do Trabalho, Vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, pp. 130/131).
CCCXVII. Também em acórdão de 28 de Junho de 2006 (Sousa Peixoto, Proc. 06S900), o Supremo Tribunal de Justiça, admitindo que «a prestação da actividade em local indicado pelo réu, a vinculação a horário de trabalho e o pagamento de uma retribuição em função do tempo constituem indícios no sentido da subordinação jurídica», adverte que «todavia, estando em causa a actividade docente, o valor desses indícios é praticamente nulo e não permitem, só por si, concluir no sentido da subordinação.». No mesmo sentido, e a título indicativo, vai o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de Maio de 2007 (Pinto Hespanhol, Proc. 06S4368).
CCCXVIII. E, sendo certo que o nomen iuris que as partes dão ao contrato não pode ser o elemento determinante para a aferição da sua natureza, não deixa de ser um elemento que deve ser tido em conta, no sentido de que as partes se nortearam de acordo com o título que escolheram para o contrato.
CCCXIX. O consignado nos contratos escritos outorgados entre a Ré e o formador – note-se, com formação académica superior –, é verdadeiramente impressivo no sentido de que as partes quiseram realmente, e esclarecidamente, vincular-se através de um contrato de prestação de serviços.
CCCXX. Acresce que, face à factualidade apurada não resulta indiciada – bem pelo contrário – a exclusividade de prestação de trabalho à Ré ou a subordinação económica do formador relativamente à mesma, o que tudo torna menos verosímil a existência de relações de subordinação do formador à Ré.
CCCXXI. Assim, os factos apurados não são suficientemente reveladores de que se verificasse uma situação de subordinação jurídica do formador relativamente à Ré. Antes, os factos provados apontam para, se não um efectivo querer, pelo menos uma aceitação, de ambas partes, da natureza do contrato como de prestação de serviços, sendo que, na execução do assim acordado, o formador, ao longo do tempo e nos termos supra assinalados, prestou o seu labor e comportou-se como se efectivamente estivesse vinculado por um contrato de prestação de serviços, amoldando-se a factualidade apurada ao cumprimento de obrigações decorrentes de um contrato de prestação de serviços.
CCCXXII. Daí que, face ao retro exposto, torna-se evidente a inexistência de uma relação jurídica de trabalho subordinado entre a Ré e o formador, razão pela qual deve a decisão do Tribunal a quo ser revogada totalmente.
CCCXXIII. Na subsunção dos factos ao direito, relativamente a casos em tudo semelhantes ao presente, os tribunais nacionais têm sido unânimes na consideração de se estar na presença de um contrato de prestação de serviços.
CCCXXIV.O próprio Tribunal da Relação de Guimarães assim o entendeu em acórdão datado de 16 de Novembro de 2017 (Vera Sottomayor, proc. n.º 1441/16.7T8VRL.G1), bem como o Supremo Tribunal da Justiça em acórdão de 28 de Junho de 2006 (Sousa Peixoto), proc. 06S900, em acórdão de 16 de Março de 2005(Sousa Peixoto), proc.04S4754, em acórdão de 10 de Dezembro de 2015 (António Leones Dantas, proc. n.º 67/13.1TTBCL.P1.G1.S1) em acórdão de 9 de Março de 2017 (Ana Luísa Geraldes, proc. n.º 424/13.3TTVFR.P1.S1) em acórdão de 27 de Novembro de 2019 (António Leones Dantas, proc.n.º457/14.2TTLSB.L2.S2) e em acórdão de 12 de Outubro de 2017 (Gonçalves Rocha, proc. n.º 1333/14.4TTLSB.L2.S2).

SEM PRESCINDIR, E AINDA QUE SE CONSIDERE A EXISTÊNCIA DE UMA RELAÇÃO DE TRABALHO SUBORDINADA ENTRE A RÉ E O FORMADOR, O QUE NÃO SE CONCEDE E APENAS POR MERO DEVER DE PATROCÍNIO SE EQUACIONA,

CCCXXV. Sempre se diga que entre a Ré e a formadora não vigorou uma relação laboral contínua, já que, na verdade, o contrato celebrado entre as partes era apenas referente a um concreto ano lectivo.
CCCXXVI. A Ré não sabia se, no ano subsequente, aquele concreto curso de formação seria aberto e, consequentemente, se iria precisar dos serviços da formadora. Nesta medida, a formadora sempre teve consciência que o contrato que celebrava conhecia o seu termo com o encerrar daquele ano lectivo.
CCCXXVII. Significa isto que, entre Ré e formadora, ocorreram tantos contratos de trabalho quantos anos lectivos. Com efeito, o contrato de trabalho cessava no termo do ano lectivo e, de meados Julho a meados de Setembro, não existia qualquer relação jurídica entre as partes.
CCCXXVIII. No final do ano lectivo, o contrato de trabalho cessava; e no início do ano lectivo subsequente, poderia ser celebrado um novo contrato de trabalho.
CCCXXIX. Perante esta factualidade, sempre se diga que, a considerar-se a relação existente entre a Ré e a formadora como de trabalho subordinado – o que, repete-se, não se concede e apenas por dever de patrocínio se equaciona – estamos na presença de vários contratos de trabalho, tantos quantos os anos lectivos em que a formadora prestou serviços a favor da Ré, sendo liminar que cada um dos contratos se extinguiu em Julho do ano subsequente, deixando de produzir quaisquer efeitos jurídicos, razão pela qual, para efeitos de antiguidade, apenas poderá ser considerada a existência da última relação jurídica constituída, a saber a constituída em Setembro de 2018.
CCCXXX. Mesmo que assim não se entenda, então será sempre manifesto que seria imperativo que fosse demonstrado para cada um dos referidos contratos (vigentes durante cada ano lectivo) a existência de indícios e da factualidade tendente à qualificação da relação jurídica como contrato de trabalho em cada um deles, e não tendo em consideração a relação jurídica “como um todo”, como se fosse una apenas. O que, salvo melhor entendimento, não ocorreu nos presentes autos, razão pela qual – no limite – apenas se poderá reconhecer a existência de um contrato de trabalho a partir de Setembro de 2018.

FACE AO SUPRA EXPOSTO:

CCCXXXI. É perfeitamente notório que o Tribunal a quo não fez a melhor interpretação do Direito aplicável, violando, entre outros, os artigos 219.º, 236.º, 405.º, 1152.º e 1154.º do Código Civil, os artigos 10.º e 12.º do Código do Trabalho, e ainda os artigos 13.º, 26.º/1, 27.º/1, 47.º, 58.º/2, 61.º/1, 62.º/1 e 85.º/1 da Constituição da República Portuguesa.
CCCXXXII. Termos em que, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a Sentença proferida, dando-se assim provimento ao recurso que ora se interpõe.

Nestes termos, e nos melhores de Direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá o Recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, ser revogada a sentença “a quo”, com as demais consequências legais.
Só assim se fará a costumeira Justiça!”
*
O Ministério Público veio responder ao recurso concluindo pela sua total improcedência com a consequente manutenção da decisão recorrida.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.

II – Do Objecto do Recurso

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, temos que as questões a decidir consistem no seguinte:

1 – Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
2 – Da nulidade da sentença por suspeição da Mmª Juiz a quo;
3 – Da falta de fundamentação dos factos dados como provados e não provados;

4 – Das excepções:
a)Da impossibilidade originária da lide;
b) Da inadequação do meio processual;
c) Da falta de interesse em agir do Ministério Público

5 – Da impugnação da decisão de facto
a) Dos factos provados;
b) Dos factos não provados

6 – Da qualificação do contrato.

III – Fundamentação de Facto

Com interesse para a decisão da causa provaram-se os seguintes factos:

1 - A ré (Associação Empresarial de X, Y e W), MPC …, NISS ……, com sede na Rua …, X, exerce como atividade principal organizações económicas e patronais, à qual corresponde o CAE — ….
2 - No desenvolvimento dessa sua atividade é proprietária da Escola Profissional de X, titular da autorização prévia de funcionamento no 140, emitida em 9 de maio de 2000, pelo Ministério da Educação/Direção Regional da Educação Norte.
3 – Os locais de trabalho onde se desenvolve esta atividade são geridos pela ré e situam-se na Praça …, X, na Rua ..., X e no Pavilhão Gimnodesportivo, na Travessa ..., …, X.
4 - A ré tem como Presidente da Direção, J. H., NIF ……, residente na Travessa de …, X.
5 - A trabalhadora C. C. foi admitida ao serviço da ré, como docente/formadora de Operadora de Informática e Cabeleireiro, na disciplina de Matemática Aplicada, de Empregado/Assistente Comercial, na disciplina de Matemática Aplicada e Orientadora Educativa de Turma, do Curso Empregado/Assistente Comercial, por três contratos celebrados entre a ré e a trabalhadora datados de 24 de Setembro de 2007 e 2 de Dezembro de 2007, respectivamente, para o ano letivo 2007/2008, com o período de vigência até 31 de dezembro de 2007 e intitulados pela ré como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Director de Turma” para o exercício das respectivas funções pela trabalhadora nos termos constantes de fls. 13-15 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
6 - Em Janeiro de 2008, a ré e a trabalhadora assinaram para o mesmo ano letivo de 2007/2008, dois novos contratos datados de 7 de Janeiro que a ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Director de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente na disciplina de Matemática Aplicada e as funções de Orientadora Educativa de Turma, com início em 2 de Janeiro de 2008 e com período de vigência até 31 de Julho de 2008 – nos termos constantes de fls. 16-17 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
7 - Para o ano letivo de 2008/2009, a ré e a trabalhadora assinaram três novos contratos datados de 15 de Setembro de 2008 que a Ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a as prestar as funções de docente/formador externo relativamente aos cursos de Técnica de Gestão de Equipamentos Informáticos, 2º e 3º anos, e Técnica de Vendas 1º e 3º anos na disciplina de Matemática, o segundo de Docente/Formador Externo, relativamente à Turma CEF-Cabeleireiro, Operador de Informática, Operador de Fotografia na disciplina de Matemática Aplicada e o terceiro de Orientador Educativo de Turma do Curso de Técnico de Vendas, todos com período de vigência até 31 de Julho de 2009. Sendo que, por documento datado de 31 de Agosto de 2009, houve alteração ao valor da remuneração horária para os serviços da trabalhadora como formadora externa em todo o ano lectivo de 2008/2009 – tudo nos termos constantes de fls. 18-21 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
8 - Para o ano letivo de 2009/2010, a ré e a trabalhadora assinaram dois novos contratos datados de 1 de setembro de 2009 que a ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu as prestar as funções de docente/formador na disciplina de Matemática e de orientador educativo de turma, com período de vigência até 31 de Julho de 2010. Sendo que, por documento datado de 31 de Agosto de 2010, houve alteração ao valor da remuneração horária para os serviços da trabalhadora como formadora externa em todo o ano lectivo de 2009/2010 – tudo nos termos constantes de fls. 22-24 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
9 - Para o ano letivo de 2010/2011, a ré e a trabalhadora assinaram três novos contratos, datados de 1 de setembro de 2010 e 13 de setembro de 2010, que a ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo”, “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar os serviços de docente/formador externo na disciplina de Matemática, de Matemática Aplicada e de Orientador Educativo de Turma, com período de vigência até 31 de Julho de 2011. Sendo que, por documento datado de 31 de Maio de 2010, intitulado pela ré como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” foi atribuída à trabalhadora também as funções de docência de Matemática num outro curso e, também, as funções de apoio pedagógico-didático à entidade coordenadora. E, por documento datado de 29 de Julho de 2011, houve alteração ao valor da remuneração horária para os serviços da trabalhadora como formadora externa no contrato datado de 13 de Setembro de 2010 – tudo nos termos constantes de fls. 25-30 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
10 - Para o ano letivo de 2011/2012, a ré e a trabalhadora assinaram três novos contratos, datados de 1 de setembro de 2011 e 12 de setembro de 2011, que a Ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo nas disciplinas de Matemática e Matemática Aplicada e de Orientador Educativo de Turma , com período de vigência até 31 de julho de 2012, nos termos constantes de fls. 31-33 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
11 - Para o ano letivo de 2012/2013, a ré e a trabalhadora assinaram cinco novos contratos, datados de 3 de setembro de 2012, que a Ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo nas disciplinas de Matemática e Matemática Aplicada e de Orientador Educativo de Turma, com período de vigência até 31 de julho de 2013. Sendo que, por documentos datados de 29 de Novembro de 2013 e 30 de Dezembro de 2013, houve alteração do valor da remuneração horária, retroagidos, respectivamente a 1 de Dezembro de 2013 e a Setembro de 2013, para os serviços da trabalhadora como formadora externa e como orientadora educativa, respectivamente - tudo nos termos constantes de fls. 34-41 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
12 - Para o ano letivo de 2013/2014, a Ré e a trabalhadora assinaram três novos contratos, datados de 2 de Setembro de 2013, que a Ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo nas disciplinas de Matemática e Matemática Aplicada e de Orientador Educativo de Turma, com período de vigência até 31 de Julho de 2014, nos termos constantes de fls. 42-44 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
13 - Para o ano letivo de 2014/2015, a ré e a trabalhadora assinaram quatro novos contratos, datados de 1 de setembro de 2014, que a ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma/Director de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo na disciplina de Matemática e de Orientador Educativo de Turma/Director de Turma, com período de vigência até 31 de julho de 2015, nos termos constantes de fls. 45-48 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
14 - Para o ano letivo de 2015/2016, a ré e a trabalhadora assinaram dois novos contratos, datados de 1 de setembro de 2015, que a Ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma/Director de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo na disciplina de Matemática e de Orientador Educativo de Turma/Director de Turma, com período de vigência até 29 de julho de 2016, nos termos constantes de fls. 49-50 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
15 - Para o ano letivo de 2016/2017, a ré e a trabalhadora assinaram dois novos contratos, datados de 12 de setembro de 2016, que a ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma/Director de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo na disciplina de Matemática e de Orientador Educativo de Turma/Director de Turma, com período de vigência até 31 de julho de 2017, nos termos constantes de fls. 51-52 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
16 - Para o ano letivo de 2017/2018, a ré e a trabalhadora assinaram três novos contratos, datados de 8 de setembro de 2017, que a Ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma/Director de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo nas disciplinas de Matemática e Matemática Aplicada e de Orientador Educativo de Turma, com período de vigência até 31 de julho de 2018, nos termos constantes de fls. 53-55 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
17 - Para o ano letivo de 2018/2019, a ré e a trabalhadora assinaram três novos contratos, datados de 6 de setembro de 2018, que a Ré intitulou “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma/Director de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo nas disciplinas de Matemática e Matemática Aplicada e de Orientador Educativo de Turma, com período de vigência até 31 de julho de 2019, nos termos constantes de fls. 56-58 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
18 – Cada um desses contratos interrompeu-se no mês de Agosto do ano lectivo correspondente, conforme neles se referia e do Regulamento Interno da Escola Profissional de X 2017 — 2020, aprovado pela Ré: na Secção VI (Calendário Escolar), do Capítulo III (Direitos e Deveres da Comunidade Escolar), define (no arto 1280, no 1) que "o ano escolar é o período compreendido entre o dia 1 de Setembro de cada ano e o dia 31 de Agosto seguinte” e estabelecendo de seguida (os nos 2, 3 e 5, do mesmo arto) que: o calendário escolar anual é definido por despacho do Ministério da Educação; que se organiza em 3 períodos letivos, ocorrendo a avaliação sumativa no final de cada um deles e que o mês de agosto é reservado para as férias de verão.
19 – E conforme o mesmo Regulamento (art.º 129º) cuja epígrafe é "Períodos de interrupção letiva”) estabelece: o ano escolar é organizado de modo que sejam cumpridas, no mínimo, 3 interrupções das atividades escolares, coincidentes com o Natal, Carnaval e a Páscoa; e uma quarta, por um período nunca inferior a 22 dias úteis seguidos, a ocorrer, em cada ano escolar, entre I de agosto e 1 de setembro.
20 – Ao longo de todos estes anos lectivos, a trabalhadora desenvolveu mediante orientações/diretrizes emanadas pelos Órgãos de Direcção da Escola e tal como consta da cláusula 1ª de cada um dos contratos, do regulamento interno (arts. 104, 196 a 210) e da caderneta informativa (pontos 5.3 e 5.5.) a sua atividade de Docente/Formador, Orientador Educativo de Turma e/ou Orientador Educativo de Turma/Director de Turma das sobreditas áreas, nas instalações da ré e/ou por si geridas, referidas no item 3, nomeadamente, nas instalações sitas na Praça ... e na Rua ... (alterado em conformidade com o ponto IV-5.a)).
21 - A trabalhadora dava as aulas que estavam previamente estabelecidas pela ré, de acordo com horário por esta previamente definido para a trabalhadora e demais docentes, para cada um dos anos lectivos e no seu início, de acordo com as turmas e as disciplinas que a trabalhadora ministrava e que a ré afixava nas instalações.
22 – Para além disso, a trabalhadora comparecia às reuniões de trabalho e de organização da ré, se fosse caso disso também como directora de turma, para que era convocada pela Ré, apreciava o desempenho escolar dos alunos e notava-os.
23 - Como diretora de turma a trabalhadora registava as faltas, elaborava a reposição de aulas aos alunos, mapas das faltas, atendia semanalmente os encarregados de educação dos alunos, reunia com os encarregados de educação, pelo menos 2 vezes por período escolar, procedia ao registo dos sumários pedagógicos, elaborava um dossiê de direção de turma segundo índice determinado pela Diretora pedagógica e elaborava todo o processo de matrícula inerente ao processo individual de cada aluno em formato de papel e digital, ocupava-se da preparação e elaboração de toda a documentação inerente às reuniões de avaliação formativa e sumativa e transmitia aos encarregados de educação as informações relativas aos seus educandos.
24 - Para o desempenho das suas funções a trabalhadora sempre utilizou – para além do seu computador pessoal - instrumentos e equipamentos pertencentes à ré, nomeadamente: mobiliário nos locais de trabalho (mesa, cadeira e quadro interactivo e branco), computador, videoprojector, fotocópias, colunas, canetas. E trabalhava, ainda, com os softwares específicos para o exercício das suas funções: nomeadamente, os programas informáticos (e-schooling) onde escrevia os sumários, a presenças dos alunos e registo de ocorrências e a plataforma (moodle) para interagir com os alunos, nomeadamente entrega de trabalhos e testes e fornecimento de material.
25 - A trabalhadora registava as aulas dadas com os respectivos sumários e as presenças dos respectivos alunos através de uma plataforma informática existente na ré, na qual entrava por meio de “login” no programa/plataforma “e-schooling” (alterado em conformidade com o ponto IV- 5.a)).
26 - A trabalhadora estava obrigada, de acordo com o respectivo Regulamento Interno (art. 208º), a comunicar e justificar, em impresso próprio dirigido ao diretor da ré, as faltas referentes às aulas e reuniões, assim como em caso de permutas entre si e outros docentes.
27 - A ré, segundo decorre do respetivo do Regulamento Interno (nos seus artos 209 e 210), podia aplicar sanções à trabalhadora e restantes colegas docentes, por incumprimento dos seus deveres, estando a trabalhadora sujeita a avaliação de desempenho para além dos demais deveres elencados nesse mesmo Regulamento (arts. 104º e 196º a 208º), designadamente do dever de pontualidade e assiduidade no cumprimento dos horários, de estar presente em todas as actividades para que seja convocada, de apresentação atempada de toda a documentação exigida, nomeadamente planificações, avaliações, planos de recuperação, proposta e relatório de visitas de estudo e actividades, colaboração com orientadores/directores de turma ou de curso, de ser o primeiro a entrar e o último a sair da sala de aulas, de desligar o telemóvel durante as aulas, de solicitar autorização, sempre que julgue necessário, da ocorrência de aulas fora da escola, assim como aulas extra à planificação, de participar no seu próprio processo de avaliação, fazendo a sua auto-avaliação com relatório crítico de desempenho e em especial obrigatoriedade de presença em todas as reuniões previstas/convocadas devendo a não participação ser justificada, dever de sumariar e assinar o livro de ponto e de registo de aula na plataforma informática. (alterado em conformidade com o ponto IV- 5.a)).
28 – A trabalhadora trabalhou na ré com as seguintes funções, pelo menos, nas seguintes horas dos anos lectivos respectivos: 333 em 2007/2008 como docente/ formadora e directora de turma; 768 em 2008/2009 como docente; 850 em 2009/2010 como docente; 1010 em 2010/2011 como docente; 834 em 2011/2012 como docente; 843 em 2012/2013 como docente; 729 em 2013/2014 como docente; 816 em 2014/2015 como docente; 1008 em 2015/2016 como docente; 798 em 2016/2017 como docente; e 861 em 2017/2018 como docente.
29 - Segundo o Ministério da Educação declarou relativamente a esta trabalhadora como dias do seu tempo de serviço na ré: 76 no ano letivo de 2007/2008; 245 no ano letivo 2008/2009; 260 no ano letivo de 2009/2010; 199 no ano lectivo de 2010/2011; 199 no ano letivo de 2011/2012; 168 no ano letivo de 2012/2013; 199 no ano letivo de 2013/2014; 260 no ano letivo de 2014/2015; 322 no ano letivo de 2015/2016; 254 no ano letivo de 2016/2017 – cfr. fls. 120 a 103 dos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido.
30 – Como contrapartida do trabalho que prestava, sob orientações/diretrizes emanadas pelos Órgãos de Direcção da Escola da Ré, a formadora recebia da ré: no ano lectivo 2007/2008 o valor de € 20,00/hora, acrescido de IVA; nos anos lectivos de 2008/2009 e 2009/2010 fora previsto esse mesmo valor, mas depois foi alterado com efeitos retroactivos para o valor de € 25/hora; no ano lectivo de 2010/2011 fora previsto o valor de € 15/hora acrescido de IVA, mas depois foi alterado com efeitos retroactivos para o valor de € 20/hora; no ano letivo de 2011/2012 foi previsto o valor de € 15/hora acrescido de IVA; no ano lectivo de 2012/2013 fora previsto esse mesmo valor, mas depois foi alterado com efeitos retroactivos para o valor de € 12; no ano lectivo de 2013/2014 foi previsto o valor de € 15/hora acrescido de IVA; a partir do ano lectivo 2014/2015 e seguintes o valor era de € 12,50/hora, acrescido de IVA. E cujo cálculo das horas de docência era feito em função das aulas registadas no e-schooling e cujo pagamento era efectuado após a trabalhadora emitir o respectivo recibo verde (alterado em conformidade com o ponto IV - 5.a)).
31 – Foram emitidos pela trabalhadora relativamente à ré facturas-recibos constantes de fls. 298 verso-308 dos autos aqui dadas por reproduzidas.
32 – No final de cada um de todos esses anos lectivos (até à celebração do contrato de trabalho a seguir mencionado), a ré não garantia à trabalhadora a sua contratação para o ano lectivo seguinte, alegando depender da aprovação dos cursos e da respectiva inscrição de alunos.
33 - Após a instauração do processo pela Autoridade para as Condições no Trabalho a ré comunicou à Segurança Social a admissão desta trabalhadora (C. C.), a 15 de Maio de 2019 como trabalhadora por conta de outrem (a ré) mediante contrato de trabalho sem termo, mas apenas com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2019.
34 - A trabalhadora está inscrita na Segurança Social, como trabalhadora independente, desde 1 de Novembro de 2007 e tendo declarado remunerações como como tal desde Outubro de 2008 até Abril de 2019, e como trabalhadora por conta de outrem (a ré) desde Janeiro de 2019 em diante, nos termos constantes de fls. 328-330 e 317-318 dos autos aqui dados por reproduzidos.
35 – O Conselho Intermunicipal de Educação da … reunido em 23/2/2016, aprovou a proposta intermunicipal de cursos profissionais, incluindo da Escola da ré, nos termos e para os efeitos constantes de fls. 273-283 aqui dadas por reproduzidas.
36 – Nos anos de 2017 e 2019, a propósito das autorizações de funcionamento dos cursos na Escola da ré houve as comunicações constantes de fls. 283 verso-290 aqui dadas por reproduzidas.

Factos não provados:

Não se provaram os demais factos alegados por ambas as partes, nomeadamente:

- os alegados montantes e respectivas datas de alegados pagamentos pela ré e por alegada transferência bancária para conta da trabalhadora;
- que tivesse sido a trabalhadora a recusar a celebração de contrato de trabalho durante esses mesmos anos lectivos;
- que os cursos da ré e respectivas horas não sejam sempre os mesmos e que a ré sempre dependesse da concessão de financiamento de determinadas instituições;
- que a ré nunca tivesse marcado qualquer falta à trabalhadora;
- que a ré nunca tivesse sancionado esta trabalhadora;
- e que só após muita insistência da ré a trabalhadora acabou por celebrar o contrato de trabalho.

Para além disso não foram atendidos os factos meramente conclusivos e os que estejam em contradição e/ou prejudicados pela factualidade acima dada como assente

IV – Fundamentação de Direito

1. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia

O Recorrente sustenta que a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, porquanto a juiz a quo não apreciou grande parte da factualidade descrita na contestação, consistindo a mesma em factos essenciais à boa decisão da causa, designadamente no que respeita aos factos a que constam dos artigos 72.º, 124.º; 125.º, 136.º, 137.º, 145.º, 144.º, 151.º, 179.º, 152.º, 153.º, 158.º, 177.º, 180.º, 188.º, 189.º, 228.º, 229.º, 233.º, 241 e 243.º da contestação.
Conclui assim que a decisão padece da nulidade por omissão de pronúncia prevista na al. d) do artigo 615º n.º 1 al. d) e 608º n.º 2 todos do C.P.C., uma vez que não se pronunciou sobre as questões legitimamente invocadas, agindo como se o contraditório fosse inexistente
Nos termos do artigo 615º.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil é nula a sentença “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar” (1ª parte) “ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” (2ª parte).
A nulidade da sentença por omissão de pronúncia, decorre do incumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, nos termos do qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras», prevendo ainda aquele dispositivo que o juiz não «pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Importa salientar que conforme dispõe o art.º 5.º, n.º 3, do CPC., o Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito, mas apenas tem de se pronunciar “sobre questões que devesse apreciar” e “conhecer de questões de que não podia deixar de tomar conhecimento”.
Quer isto dizer que ao Tribunal cabe o dever de conhecer do objecto do processo, definido pelo pedido deduzido e respectiva causa de pedir.
O Tribunal tem assim de apreciar e decidir as questões processuais trazidas aos autos pelas partes – pedidos formulados e excepções deduzidas - e todos os factos em que assentam, mas não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos pelas partes nos autos.
Como é jurisprudência unânime, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, prevista no artigo 615.º n.º 1 al. d) do C.P.C., só ocorre quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as “questões” que as partes tenham submetido à sua apreciação, ou se deva conhecer oficiosamente, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões jurídicas, pareceres ou doutrinas aduzidas pelas partes no esgrimir das teses em presença- neste sentido ver entre outros Acórdão do STJ de 8/02/2011, Proc. n.º 842/04.8TBTMR.C1.S1, disponível em dgsi.pt.
Como bem refere a recorrente nas alegações e depois repete nas conclusões de recurso, citando o acórdão da Relação de Coimbra de 15/10/2008.
«O vício processual de omissão de pronúncia reconduz-se a uma ausência de emissão de um juízo apreciativo sobre uma questão processual ou de direito material-substantivo que os sujeitos tenham, expressamente, suscitado ou posto em equação perante o tribunal e que este, em homenagem ao princípio do dever de cognoscibilidade, deva tomar conhecimento.»
Ora, foi precisamente o que não sucedeu com a decisão proferida pelo tribunal a quo, no âmbito da qual foi apreciado o objecto do processo, bem como a questão de direito material substantivo suscitada pelos sujeitos processuais, respeitante à qualificação jurídica do contrato celebrado entre a C. C. e a Ré, e as demais questões processuais suscitadas, designadamente as enumeras excepções e nulidade arguida pela Ré.
Temos por certo que a nulidade da sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando fique por decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, o que não sucede no caso em apreço, uma vez que a juiz a quo se pronunciou sobre todas as questões submetidas à sua apreciação.
O facto de o tribunal não se debruçar sobre simples conclusões, argumentos, opiniões, factualidade irrelevante, meramente conclusiva, meramente instrumental ou contraditória com outra apurada, não constitui qualquer “questão” que só por si impusesse a sua apreciação.
Na verdade, a factualidade ora indicada pela Recorrente ou constitui factualidade que é contraditória com a factualidade apurada, ou tem natureza meramente conclusiva ou é totalmente inócua para a boa decisão da causa ou constitui matéria de direito, não sendo por isso merecedora de pronúncia expressa em sede factual.

Em face do exposto consideramos que a decisão que pôs termo ao litígio não padece do vício invocado, razão pela qual improcede, nesta parte, as conclusões XII a XVII da alegação de recurso.

2. Da nulidade da sentença por suspeição da Mmª Juiz a quo

Defende a Recorrente que a decisão é nula por excesso de pronúncia e violação do disposto no art.º 125.º do CPC, porque quando foi proferida encontrava-se pendente o incidente de suspeição da Meritíssima Juiz a quo, suscitado pela recorrente no âmbito de um outro processo com o n.º 3642/19.7T8GMR, que se encontra pendente no Tribunal da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Guimarães, tendo no âmbito de tal incidente sido também suscitada a suspeição da juiz a quo para os presentes autos, bem como para todos os processos nos quais existia identidade de sujeitos – Ministério Público; Associação Empresarial de X, Y e W e identidade de mandatários da Ré.
Como bem esclarece a juiz a quo, na sequência do pedido de suspensão da instância motivado pelo incidente de suspeição suscitado naquele outro processo, no despacho que profere em 18/12/2019, transitado em julgado «… por um lado, nunca foi suscitado o incidente da minha suspeição na presente acção e que é autónoma relativamente àquela outra sem contender com o respectivo desenrolar da lide e, por outro lado, a suspensão daquela outra lide motivada por tal incidente não constitui motivo justificativo para a suspensão da marcha do presente processo, não sendo o mero ponto de vista subjectivo alegado por uma das partes nesta acção (com suas eventuais motivações, conveniências e/ou interesses), por si só, suficiente para bloquear (e, isso sim, prejudicar) a normal marcha do processual da presente acção e obstar a que seja proferida decisão do presente litígio em prazo razoável – cfr. os arts. 5º, n.º 3, 6, n.º 1, 7º, n.º 1, 8º e 272, n.º 1 “à contrário”, do CPC.»
Tal como resulta da posição assumida pela juiz a quo, com a qual concordamos na íntegra o incidente de suspeição suscitado pela Ré não respeita a este processo daí que nenhuma consequência possa ter na marcha processual dos presentes autos.
Relativamente à suscitada nulidade cabe-nos referir que em regra só existe excesso de pronúncia nos termos do art.º 615.º, nº 1, alínea d), do CPC., quando o juiz se ocupa de questões que não foram submetidas à sua apreciação pelas partes e sem que a lei permita ou imponha o seu conhecimento oficioso. Ou seja tal ocorre quando conhece de questões que não podia de forma alguma tomar conhecimento. Existe tal excesso quando, por exemplo, o juiz utiliza como fundamento da decisão matéria não alegada pelas partes

No caso em apreço, como se revela manifesto, a arguida nulidade é inexistente, como também não vislumbramos que pelo facto do tribunal ter proferido sentença tal constitua qualquer violação ao disposto no n.º 4 do artigo 20.º e no art.º 203.º da CRP, pois não existindo fundamento para suspender a instância, incumbia à juiz a quo proferir sentença ocupando-se de todas as questões que lhe foram submetidas pelas partes, como efectivamente veio a suceder, proferindo decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo, o que não ocorreria se desprovida de fundamento legal tivesse suspendido a instância.
Por último, acrescentamos que o que poderia estar em causa seria uma nulidade processual, resultante da eventual prática de acto que a lei não admite. Contudo, nesta sede a sua arguição seria sempre de considerar extemporânea por decurso do prazo, pois teria de ter sido suscitada na sequência do despacho que indeferiu o pedido de suspensão da instância, o que não sucedeu. cfr. arts. 195.º n.º 1 e 199.º n.º 1 do CPC
Improcedem as conclusões XVIII a XXV do recurso de apelação.

3. Da falta de fundamentação dos factos dados como provados e não provados

Insurge-se a Recorrente quanto à falta de fundamentação da matéria de facto, peticionando a baixa dos autos à 1ª instância com vista à fundamentação de tal decisão, uma vez que relativamente a muitos dos factos provados não se encontra motivada e por outro lado desconhece-se a que factos se referem os documentos invocados nessa motivação, ou seja falta o exame crítico dos documentos e a especificação dos factos a que respeitam, desconhecendo-se ainda as razões pelas quais algumas afirmações que constam dos pontos 5 a 17, 20 a 27 e 30 da factualidade, já que não é feita qualquer referência a qualquer tipo de prova que as motive.
Antes de mais importa salientar que em conformidade com o previsto no n.º 7 do art.º 186.º -O do CPT “a sentença é sucintamente fundamentada, regendo-se a sua gravação e transcrição para a ata pelo disposto no art.º 155.º do Código do Processo Civil”
Daqui resulta inequívoco não só que finda a produção de prova deve ser logo proferida sentença, como esta é gravada/transcrita para a ata, impondo-se assim que a sua fundamentação, quer de facto, quer de direito seja sucinta.
Acresce dizer que em conformidade com o disposto no art.º 662.º n.º 2 al. d) do CPC. só a total ausência de fundamentação de facto, relativamente aos factos essências para o julgamento, justifica a devolução à primeira instância para que esta a fundamente. A deficiência o diminuto pormenor ou a apreciação em bloco da fundamentação de facto, apenas fragiliza sentença, o que pode vir a relevar em sede de impugnação da matéria de facto.
Ora, a análise da motivação da matéria de facto não nos permite concluir pela sua manifesta insuficiência/ausência a impor a baixa dos autos para complementar a motivação de facto.
Tenha-se presente que uma fundamentação sucinta é aquela que permite ao destinatário normal apreender o percurso cognoscitivo e valorativo da decisão, referindo os motivos que assim a determinaram.
Na verdade, ainda que de forma abrangente, mas exaustiva, clara, precisa e suficientemente especificada, a juiz a quo explica das razões pelas quais apurou a factualidade provada designadamente mencionando a avaliação que fez de cada um dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, precisando das razões pelas quais os valorizou parcialmente ou na sua totalidade, realçando e analisando criticamente os documentos mais relevantes juntos aos autos. É assim perceptível o fio condutor que levou a dar como provados determinados factos e dar outros como não provados.
Ora, ainda que a juiz a quo não tenha fundamentado a decisão de facto da forma pretendida pela recorrente, o certo é que no caso, a tal não estava obrigada, sendo apenas se exigível que fundamenta-se de forma sucinta da matéria de facto, razão pela qual consideramos que na sentença recorrida tal desiderato se mostra mais do que suficientemente cumprido, nada havendo a ordenar.
Improcedem as conclusões XXVI a XXXIV.

4. Das excepções:

Da impossibilidade originária da lide;
Da inadequação do meio processual;
Da falta de interesse em agir do Ministério Público

Defende a recorrente que a presente acção destina-se a reconhecer a existência de uma relação laboral e caso, tal se verifique que se determine a data do seu início.
No caso em apreço a relação laboral encontra-se já reconhecida pelo que a presente acção se limita a discutir questões de antiguidade e não de existência de contrato de trabalho, razão pela qual por um lado não é de permitir a propositura desta acção apenas para discutir uma questão acessória, já que o pressuposto essencial deste tipo de acção que se traduz na (in)existência de um contrato de trabalho já estava reconhecido pela ré à data da propositura da acção. Por outro lado o meio processual utilizado é inadequado, já que apenas está em causa a antiguidade do contrato, devendo ser o trabalhador interessado a propor a correspondente acção comum. Por fim, defende a recorrente, que o interesse em agir do Ministério Público esgota-se com o reconhecimento da existência do contrato de trabalho, já que se mostra assegurado a defesa do interesse público, não existindo qualquer razão para que o Ministério Público se substitua ao trabalhador quando apenas o que está em causa é a sua antiguidade laboral.

Vejamos.

Como se sabe, a impossibilidade da lide, nos termos do art.º 277.º al. e) do C.P.C., ocorre quando a instância se revele de desnecessária ou desprovida de efeito útil, não chegando assim a ser proferida decisão sobre o mérito causa, dando lugar à sua extinção.
A instância extingue-se porque se tornou inútil a decisão final sobre a demanda, designadamente por impossibilidade de atingir o fim visado: ou seja verificado o facto, ocorrido antes ou na pendência da acção, o tribunal não conhece do mérito da causa, limitando-se a declarar aquela extinção.
Como é consabido, a acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é uma acção de simples acção de apreciação positiva, cujo objecto não se esgota com a celebração em data posterior à visita inspectiva da ACT, de um contrato de trabalho com efeitos reportados a uma data posterior. Tal resulta desde logo claro do disposto no artigo 15-A, n.º 2 da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro ao estabelecer que o procedimento é imediatamente arquivado, nos casos em que o empregador faça prova da regularização da situação do trabalhador reportada à data do início da relação laboral.
Tenha-se presente o escopo desta acção especial, que visa por termo ao falso trabalho autónomo, que impede que o trabalhador beneficie da tutela que a legislação laboral lhe confere.
Esta acção surgiu assim como mais um mecanismo de combate à precariedade social e laboral aos apelidados falsos “recibos verdes”, que não deixam de ser verdadeiras relações contratuais de natureza laboral, tendo por base assim a defesa de um interesse de ordem pública.
Daí, o autor desta acção ser o Ministério Público, que representa o Estado – colectividade, visando o combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações por excelência de trabalho subordinado, onde o interesse de cariz público se sobrepõe aos interesses pessoais quer do trabalhador, quer do empregador.
O Ministério Público (depois da Autoridade para as Condições do Trabalho ter, no âmbito da sua actividade fiscalizadora, procedido à instauração de um procedimento contra ordenaçional, que fica suspenso até ao trânsito em julgado da decisão da acção judicial proposta), na sequência da existência de uma situação de prestação de atividade aparentemente autónoma, em condições análogas ao contrato de trabalho e quando o empregador não tenha regularizado a situação mediante a apresentação de contrato de trabalho reportado à data do inicio da relação laboral, instaura a competente acção – art.º 15-A da Lei n.º 107/2009, de 14/09.

Como ultimamente tem sido defendido por este Tribunal da Relação de Guimarães, na sequência das alterações introduzidas pela Lei n.º 55/2017, de 17 de Julho, que alteraram a redacção do art.º 186.º-O n.º 1 do CPT (a qual previa que, se o empregador e o trabalhador estivessem presentes ou representados, o juiz realizava a audiência de partes, procurando conciliá-los, antes do início da audiência de julgamento) ainda que a propósito da validade da transacção celebrada entre o beneficiário da actividade e o prestador da actividade, que não podendo as partes transigir sobre direitos de que lhes não é permitido dispor, (arts. 1248.º e 1249.º do Código Civil) é de entender que, atentos os contornos e os interesses económicos e políticos subjacentes a esta acção especial, ao prestador e ao beneficiário da actividade não era lícito afastar a pretensão de reconhecimento da existência de contrato de trabalho formulada pelo Ministério Público – como se disse, sustentada em elementos de facto constatados directamente pela Autoridade para as Condições de Trabalho na data da inspecção realizada –, mas apenas indicar data diferente para o respectivo início, desde que anterior àquela, sendo certo que os inspectores indicam uma data mediante conhecimento necessariamente indirecto.

Neste sentido, ver o Acórdão da Relação de Guimarães de 18/10/2018, proferido no processo n.º 545/18.6T8BRG., consultável in www.dgsi.pt., no qual se sumariou o seguinte:

I. “Sendo a finalidade da transacção pôr termo ao litígio mediante recíprocas concessões, não podendo as partes, contudo, transigir sobre direitos de que lhes não é permitido dispor (arts. 1248.º e 1249.º do Código Civil), entendeu-se, no âmbito da redacção originária do n.º 1 do art. 186.º-O do Código de Processo do Trabalho, em face das motivações políticas, económicas e sociais subjacentes à acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, que ao prestador e ao beneficiário da actividade não era lícito afastar a pretensão de reconhecimento da existência de contrato de trabalho formulada pelo Ministério Público – sustentada em elementos de facto constatados directamente pela Autoridade para as Condições de Trabalho na data da inspecção realizada –, mas apenas indicar data diferente para o respectivo início, desde que anterior àquela, sendo certo que os inspectores indicam uma data mediante conhecimento necessariamente indirecto.
II. Tendo a Lei n.º 55/2017, de 17 de Julho, vindo revogar o citado n.º 1 do art. 186.º-O do Código de Processo do Trabalho, que era a base de justificação da admissão, com razoabilidade, dum acordo equitativo entre o prestador e o beneficiário da actividade quanto aos termos da pretensão formulada pelo Ministério Público, é duvidoso que se possa sustentar aquele entendimento nas acções em que é aplicável a nova redacção.
III. Com efeito, sendo o Ministério Público o titular da acção, a título principal, parece que não pode ser aceite qualquer acordo que o não tenha como outorgante, agora que já não consta da lei a aludida norma. “

Retornando ao caso dos autos, fácil é de concluir que o objecto dos autos, não se tornou, nem é impossível, pois o desiderato da acção não foi ainda atingido, já que continua por apurar se a relação contratual existente entre a Recorrente e a C. C., com início no ano lectivo de 2007/2008, manteve ou não sempre a mesma natureza e em caso afirmativo impõe-se o seu reconhecimento, desde a data da sua admissão e não numa outra data fixada comodamente pela Recorrente com o fito de obter o arquivamento do processo iniciado pela Autoridade para as Condições do Trabalho.
A presente acção mantém a sua utilidade, pois está ainda por reconhecer se tem ou não natureza laboral a relação estabelecida entre a C. C. e a Recorrente desde o início da relação contratual e até à data que já se mostra reconhecida pela recorrente, de forma a fixar-se a data de início da relação laboral em conformidade com o previsto no art.º 186.º-O, ns.º 8 e 9 do CPT., que deve ser comunicada à ACT e ao Instituto da Segurança Social, com vista à regularização das contribuições.
Em resumo, o contrato de trabalho celebrado entre empregador e trabalhador só inutilizará a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, se for reconhecido pelos outorgantes e existência do contrato de trabalho nos precisos termos peticionados pelo Ministério Público, ou seja desde a data indicada na petição inicial ou numa outra anterior a esta.
Por outro lado, como se refere no acórdão recentemente proferido por este tribunal, em 7/05/2020, proc. n.º 3644/19.3T8GMR a propósito de idêntica questão “o processo contra ordenacional está suspenso a aguardar o resultado da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, tendo, esta acção, também efeitos de outra ordem pública e contraordenacional que não se encontram solucionados com a celebração de um contrato de trabalho que cobre apenas parcialmente a relação contratual.
Terá a acção de prosseguir e ser o tribunal a decidir se a relação laboral deve abranger todo ou parte do período que está em causa, relembrando-se que a acção, embora tutele também aquela relação particular, tem uma função e um alcance mais vasto que entronca no seu carácter de natureza pública e imperativa, não disponível pelo trabalhador.”

Improcedem as conclusões CXCIII a CCII da alegação de recurso.

Quanto à inadequação do meio processual utilizado, por estar apenas em causa a antiguidade do contrato, devendo ser o trabalhador interessado a propor a correspondente acção comum, não podemos concordar com a recorrente.
Como todos sabemos deve ocorrer uma adequação entre o pedido formulado e as razões pelas quais a lei determina que se siga determinado processado – forma do processo. Dai que incumba ao autor escolher a forma de processo que melhor se adeqúe à sua pretensão determinada quer pelo pedido, quer pela causa de pedir.

No caso em apreço, não está apenas em causa a data de admissão da formadora ao serviço da recorrente, mas sim está também em causa apurar o tipo de relação contratual que existiu entre a C. C. e o empregador desde o seu início até à data da produção de efeitos do contrato de trabalho celebrado na pendência da acção fiscalizadora levada a cabo pela ACT, ou seja o pedido de reconhecimento do direito está contido na tutela conferida neste tipo de acção.
Voltamos a repetir que este tipo de acção não depende da vontade ou do impulso de trabalhador ou do empregador, nem depende da vontade da ACT ou do Ministério Público, está sobretudo em causa o interesse publico que importa acautelar
Assim sendo, a forma de processo a utilizar não é só a correta, como é o único meio processual aplicável, tendo presente que está suspenso um procedimento contra-ordenacional que para chegar ao seu término implica não só a decisão sobre a interposição ou não da acção, como a decisão transitada em julgado a proferir na acção especial de reconhecimento do contrato de trabalho.
Improcede assim a excepção e com ela as conclusões CCIII a CCXVI da alegação de recurso.
Quanto à falta de interesse em agir do Ministério Público diremos desde já que não podemos concordar com a recorrente no que defende a este propósito, pois a defesa do interesse público, no caso, não se esgotou com reconhecimento do contrato de trabalho com início em data posterior aos factos constatados pela ACT aquando das visitas levadas a cabo no âmbito da acção de fiscalização.
Com efeito decorre do regime especial deste tipo de acção que depois de impulsionado o procedimento pela ACT, incumbe ao Ministério Público, em representação do Estado e assumindo as vestes de defensor do interesse publico, que no caso se configura no combate à precaridade laboral resultante dos falsos contratos de prestação de serviços, mais conhecidos por falsos recibos verdes, propor a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.
Tal como assertivamente refere a sentença recorrida “…é precisamente por esta controvérsia existir, mais concretamente, por a ACT entender que já existia um camuflado contrato de trabalho desde data anterior à do aludido reconhecimento extrajudicial entre a ré e aquela trabalhadora que não foi arquivado o processo por esta entidade administrativa. Razão pela qual foi remetida a participação ao tribunal, cujo recebimento deu início à instância (por imposição contida no já referido art. 26º, nº 6, do CPT) e razão pela qual foi proposta a presente acção pelo Ministério Público, em obediência ao que se lhe impunha (nos termos previstos nos já citados arts. 5º-A, al. c), 186º-K, nº 1, e 186º-L, nº 1, do CPT).
Esta instauração da acção por parte do Ministério Público é independente quer da vontade do empregador quer da vontade do trabalhador. Pelo que, independentemente, da vontade destes, o Ministério Público tem de instaurar como instaurou, oficiosamente, este tipo acção.
Por isso, tem o Ministério Público (enquanto parte principal/autor na presente acção sob a forma de processo especial) quer interesse em agir quer legitimidade ou competência para a propositura desta acção - de simples apreciação positiva e denominada como acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, destinada a isso mesmo. E, em caso de procedência da mesma, a decisão judicial respectiva terá de conter não só o reconhecimento da existência de contrato de trabalho como, também, terá de fixar a data do início da relação laboral (conforme impõe o disposto no art. 186º-O, nº 8, do CPT).
O interesse processual consiste na necessidade de usar o processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção para solucionar um litígio existente ou tutelar um qualquer interesse material que careça de intervenção judicial e constitui uma excepção dilatória inominada que impede que se conheça do mérito da causa e origina a absolvição da instância – cfr. art.º 278º n.º 1 al. e), do CPC.
Na verdade, não se mostrando totalmente solucionado o conflito, uma vez que está por apurar a natureza da relação contratual estabelecida entre a formadora e a recorrente durante um determinado período de tempo, que não o contemplado no contrato de trabalho é manifesto o interesse em agir do autor.
Acresce dizer que não se vislumbra qualquer violação do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da CRP entre o trabalhador que recorre à acção comum para reconhecer determinado contrato como de trabalho e a instauração pelo Ministério Público desta acção especial, que tem propósito distinto como acima já deixámos expresso, de combate à precaridade e à laboralidade camuflada, agindo o Ministério Público não em nome de um qualquer interesse particular, mas em nome do interesse público. As situações são diferentes e não se confundem pelo que não se impõe tratamento igual, para o que à partida já é diferente.
Improcede esta excepção bem como as conclusões CCXVII a CCXXX da alegação de recurso.

5. Da impugnação da decisão de facto

a) Da impugnação da matéria de facto provada

A Recorrente/Apelante impugna a decisão da matéria de facto apurada pelo tribunal recorrido, no que respeita aos pontos de facto provados 5.º a 17.º, 20.º a 27.º e 30.º, defendendo que o tribunal a quo errou na valoração da prova testemunhal ao decidir não valorar os depoimentos prestados pelas testemunhas por si arroladas, que aliás eram as únicas que tinham conhecimento direto quer da organização da recorrente, quer da relação contratual estabelecida com a C. C..
Indica como meios de prova para fundamentar a sua pretensão essencialmente os depoimentos prestados pelas testemunhas por si arroladas.

Vejamos:

Os Tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.
Dispõe o artigo 662.º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por seu turno, resulta do artigo 640.º do C.P.C. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto” que quando se impugne a decisão proferida quanto à matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, bem como, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Importa ainda referir que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade do julgador ou da prova livre, consagrado no artigo no n.º 5 do artigo 607.º do CPC, segundo tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que tenha formado acerca de cada um dos factos controvertidos, salvo se a lei exigir para a prova de determinado facto formalidade especial.
No que respeita à prova testemunhal mostra-se consagrado no artigo 396.º do CC, o princípio da livre apreciação da prova testemunhal, segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e livre convicção do julgador, ao dispor o citado preceito legal que a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal.
Relacionado com este princípio estão os princípios da oralidade e da imediação.
O primeiro exige que a produção de prova e a discussão na audiência de julgamento se realizem oralmente, para que as provas, excepto aquelas cuja natureza o não permite, sejam apreendidas pelo julgador por forma auditiva. O segundo diz respeito à proximidade que o julgador tem com o participante ou intervenientes no processo, ao contacto com todos os elementos de prova através de uma perceção directa ou formal. Esta perceção imediata oferece maiores possibilidades de certeza e da exacta compreensão dos elementos levados ao conhecimento do tribunal.
Defende o Prof. Manuel de Andrade, em “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 386, que estes princípios possibilitam o indispensável contacto pessoal entre o juiz e as diversas fontes de prova. Só eles permitem fazer uma avaliação, o mais corretamente possível, da credibilidade dos depoimentos prestados pelas testemunhas.
Todavia importa ter presente para além do princípio da liberdade do julgador na apreciação da prova, que toda a apreciação da prova pelo tribunal da 1ª instância tem a seu favor o princípio da imediação, que não pode ser esquecido no convencimento da veracidade ou probabilidade dos factos.
Sobre a reapreciação da prova impõe-se toda a cautela para não desvirtuar os mencionados princípios, sem esquecer que não está em causa proceder-se a novo julgamento, mas apenas examinar a decisão da primeira instância e respectivos fundamentos, analisar as provas gravadas e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, a fim de averiguar se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação.
Em suma, o uso dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de manifesta desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos impugnados, acrescendo dizer que estando em causa a análise de prova gravada só se deve abalar a convicção criada pelo juiz a quo, em casos pontuais e excepcionais, ou seja quando não estando em causa a confissão ou qualquer facto só susceptível de prova documental, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer suporte nos elementos de prova trazidos aos autos ou estão em manifesta contradição com a prova produzida, ou não têm qualquer fundamento perante a prova constante dos autos.
Cabe assim ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria de facto controvertida em face dos elementos a que teve acesso, de forma a verificar ou não um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas, aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento, que possa vir a impor decisão diversa.
Ora, depois de termos ouvido todos depoimentos prestados na audiência de julgamento e analisado a prova documental junta aos autos, passamos à apreciação da impugnação da matéria de facto, uma vez que se mostram minimamente cumpridos os ónus de impugnação previstos no citado art.º 640.º do CPC.
Pretende a Recorrente que os pontos de facto provados sob os n.ºs 5 a 17, 20 a 27 e 30 passem a constar dos factos não provados.

Tais pontos de facto têm a seguinte redacção:

5 - A trabalhadora C. C. foi admitida ao serviço da ré, como docente/formadora de Operadora de Informática e Cabeleireiro, na disciplina de Matemática Aplicada, de Empregado/Assistente Comercial, na disciplina de Matemática Aplicada e Orientadora Educativa de Turma, do Curso Empregado/Assistente Comercial, por três contratos celebrados entre a ré e a trabalhadora datados de 24 de Setembro de 2007 e 2 de Dezembro de 2007, respectivamente, para o ano letivo 2007/2008, com o período de vigência até 31 de dezembro de 2007 e intitulados pela ré como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Director de Turma” para o exercício das respectivas funções pela trabalhadora nos termos constantes de fls. 13-15 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
6 - Em Janeiro de 2008, a ré e a trabalhadora assinaram para o mesmo ano letivo de 2007/2008, dois novos contratos datados de 7 de Janeiro que a ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Director de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente na disciplina de Matemática Aplicada e as funções de Orientadora Educativa de Turma, com início em 2 de Janeiro de 2008 e com período de vigência até 31 de Julho de 2008 – nos termos constantes de fls. 16-17 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
7 - Para o ano letivo de 2008/2009, a ré e a trabalhadora assinaram três novos contratos datados de 15 de Setembro de 2008 que a Ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a as prestar as funções de docente/formador externo relativamente aos cursos de Técnica de Gestão de Equipamentos Informáticos, 2º e 3º anos, e Técnica de Vendas 1º e 3º anos na disciplina de Matemática, o segundo de Docente/Formador Externo, relativamente à Turma CEF-Cabeleireiro, Operador de Informática, Operador de Fotografia na disciplina de Matemática Aplicada e o terceiro de Orientador Educativo de Turma do Curso de Técnico de Vendas, todos com período de vigência até 31 de Julho de 2009. Sendo que, por documento datado de 31 de Agosto de 2009, houve alteração ao valor da remuneração horária para os serviços da trabalhadora como formadora externa em todo o ano lectivo de 2008/2009 – tudo nos termos constantes de fls. 18-21 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
8 - Para o ano letivo de 2009/2010, a ré e a trabalhadora assinaram dois novos contratos datados de 1 de setembro de 2009 que a ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu as prestar as funções de docente/formador na disciplina de Matemática e de orientador educativo de turma, com período de vigência até 31 de Julho de 2010. Sendo que, por documento datado de 31 de Agosto de 2010, houve alteração ao valor da remuneração horária para os serviços da trabalhadora como formadora externa em todo o ano lectivo de 2009/2010 – tudo nos termos constantes de fls. 22-24 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
9 - Para o ano letivo de 2010/2011, a ré e a trabalhadora assinaram três novos contratos, datados de 1 de setembro de 2010 e 13 de setembro de 2010, que a ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo”, “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar os serviços de docente/formador externo na disciplina de Matemática, de Matemática Aplicada e de Orientador Educativo de Turma, com período de vigência até 31 de Julho de 2011. Sendo que, por documento datado de 31 de Maio de 2010, intitulado pela ré como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” foi atribuída à trabalhadora também as funções de docência de Matemática num outro curso e, também, as funções de apoio pedagógico-didático à entidade coordenadora. E, por documento datado de 29 de Julho de 2011, houve alteração ao valor da remuneração horária para os serviços da trabalhadora como formadora externa no contrato datado de 13 de Setembro de 2010 – tudo nos termos constantes de fls. 25-30 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
10 - Para o ano letivo de 2011/2012, a ré e a trabalhadora assinaram três novos contratos, datados de 1 de setembro de 2011 e 12 de setembro de 2011, que a Ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo nas disciplinas de Matemática e Matemática Aplicada e de Orientador Educativo de Turma , com período de vigência até 31 de julho de 2012, nos termos constantes de fls. 31-33 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
11 - Para o ano letivo de 2012/2013, a ré e a trabalhadora assinaram cinco novos contratos, datados de 3 de setembro de 2012, que a Ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo nas disciplinas de Matemática e Matemática Aplicada e de Orientador Educativo de Turma, com período de vigência até 31 de julho de 2013. Sendo que, por documentos datados de 29 de Novembro de 2013 e 30 de Dezembro de 2013, houve alteração do valor da remuneração horária, retroagidos, respectivamente a 1 de Dezembro de 2013 e a Setembro de 2013, para os serviços da trabalhadora como formadora externa e como orientadora educativa, respectivamente - tudo nos termos constantes de fls. 34-41 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
12 - Para o ano letivo de 2013/2014, a Ré e a trabalhadora assinaram três novos contratos, datados de 2 de Setembro de 2013, que a Ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo nas disciplinas de Matemática e Matemática Aplicada e de Orientador Educativo de Turma, com período de vigência até 31 de Julho de 2014, nos termos constantes de fls. 42-44 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
13 - Para o ano letivo de 2014/2015, a ré e a trabalhadora assinaram quatro novos contratos, datados de 1 de setembro de 2014, que a ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma/Director de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo na disciplina de Matemática e de Orientador Educativo de Turma/Director de Turma, com período de vigência até 31 de julho de 2015, nos termos constantes de fls. 45-48 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
14 - Para o ano letivo de 2015/2016, a ré e a trabalhadora assinaram dois novos contratos, datados de 1 de setembro de 2015, que a Ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma/Director de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo na disciplina de Matemática e de Orientador Educativo de Turma/Director de Turma, com período de vigência até 29 de julho de 2016, nos termos constantes de fls. 49-50 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
15 - Para o ano letivo de 2016/2017, a ré e a trabalhadora assinaram dois novos contratos, datados de 12 de setembro de 2016, que a ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma/Director de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo na disciplina de Matemática e de Orientador Educativo de Turma/Director de Turma, com período de vigência até 31 de julho de 2017, nos termos constantes de fls. 51-52 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
16 - Para o ano letivo de 2017/2018, a ré e a trabalhadora assinaram três novos contratos, datados de 8 de setembro de 2017, que a Ré intitulou como “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma/Director de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo nas disciplinas de Matemática e Matemática Aplicada e de Orientador Educativo de Turma, com período de vigência até 31 de julho de 2018, nos termos constantes de fls. 53-55 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
17 - Para o ano letivo de 2018/2019, a ré e a trabalhadora assinaram três novos contratos, datados de 6 de setembro de 2018, que a Ré intitulou “Contrato de Prestação de Serviços Formador Externo” e “Contrato de Prestação de Serviços Orientador Educativo de Turma/Director de Turma”, através dos quais a trabalhadora se comprometeu a prestar as funções de docente/formador externo nas disciplinas de Matemática e Matemática Aplicada e de Orientador Educativo de Turma, com período de vigência até 31 de julho de 2019, nos termos constantes de fls. 56-58 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
20 - A trabalhadora desenvolveu sob as ordens e fiscalização da ré, ao longo de todos esses anos lectivos, a sua atividade de Docente/Formador, Orientador Educativo de Turma e/ou Orientador Educativo de Turma/Director de Turma das sobreditas áreas, nas instalações da ré e/ou por si geridas, referidas no item 3, nomeadamente, nas instalações sitas na Praça ... e na Rua ....
21 - A trabalhadora dava as aulas que estavam previamente estabelecidas pela ré, de acordo com horário por esta previamente definido para a trabalhadora e demais docentes, para cada um dos anos lectivos e no seu início, de acordo com as turmas e as disciplinas que a trabalhadora ministrava e que a ré afixava nas instalações.
22 – Para além disso, a trabalhadora comparecia às reuniões de trabalho e de organização da ré, se fosse caso disso também como directora de turma, para que era convocada pela Ré, apreciava o desempenho escolar dos alunos e notava-os.
23 - Como diretora de turma a trabalhadora registava as faltas, elaborava a reposição de aulas aos alunos, mapas das faltas, atendia semanalmente os encarregados de educação dos alunos, reunia com os encarregados de educação, pelo menos 2 vezes por período escolar, procedia ao registo dos sumários pedagógicos, elaborava um dossiê de direção de turma segundo índice determinado pela Diretora pedagógica e elaborava todo o processo de matrícula inerente ao processo individual de cada aluno em formato de papel e digital, ocupava-se da preparação e elaboração de toda a documentação inerente às reuniões de avaliação formativa e sumativa e transmitia aos encarregados de educação as informações relativas aos seus educandos.
24 - Para o desempenho das suas funções a trabalhadora sempre utilizou – para além do seu computador pessoal - instrumentos e equipamentos pertencentes à ré, nomeadamente: mobiliário nos locais de trabalho (mesa, cadeira e quadro interactivo e branco), computador, videoprojector, fotocópias, colunas, canetas. E trabalhava, ainda, com os softwares específicos para o exercício das suas funções: nomeadamente, os programas informáticos(e-schooling) onde escrevia os sumários, a presenças dos alunos e registo de ocorrências e a plataforma (moodle) para interagir com os alunos, nomeadamente entrega de trabalhos e testes e fornecimento de material.
25 - A trabalhadora registava as aulas dadas com os respectivos sumários e as presenças dos respectivos alunos através de uma plataforma informática existente na ré, na qual entrava através do seu “login” no programa/plataforma “e-schooling”.
26 - A trabalhadora estava obrigada, de acordo com o respectivo Regulamento Interno (art. 208º), a comunicar e justificar, em impresso próprio dirigido ao diretor da ré, as faltas referentes às aulas e reuniões, assim como em caso de permutas entre si e outros docentes.
27 - A ré, segundo decorre do respetivo do Regulamento Interno (nos seus artos 2090 e 2100), tinha poder disciplinar sobre a trabalhadora e restantes colegas docentes, estando a trabalhadora sujeita a avaliação de desempenho para além dos demais deveres elencados nesse mesmo Regulamento (arts. 104º e 196º a 208º), sob pena de poder sofrer sanções pela ré em caso de incumprimento dos deveres.
30 – Como contrapartida do trabalho que prestava sob as ordens e fiscalização da Ré e dos seus corpos diretivos, a trabalhadora recebia da ré: no ano lectivo 2007/2008 o valor de € 20,00/hora, acrescido de IVA; nos anos lectivos de 2008/2009 e 2009/2010 fora previsto esse mesmo valor, mas depois foi alterado com efeitos retroactivos para o valor de € 25/hora; no ano lectivo de 2010/2011 fora previsto o valor de € 15/hora acrescido de IVA, mas depois foi alterado com efeitos retroactivos para o valor de € 20/hora; no ano letivo de 2011/2012 foi previsto o valor de € 15/hora acrescido de IVA; no ano lectivo de 2012/2013 fora previsto esse mesmo valor, mas depois foi alterado com efeitos retroactivos para o valor de € 12; no ano lectivo de 2013/2014 foi previsto o valor de € 15/hora acrescido de IVA; a partir do ano lectivo 2014/2015 e seguintes o valor era de € 12,50/hora, acrescido de IVA. E cujo cálculo das horas de docência era feito em função das aulas registadas no e-schooling e cujo pagamento era efectuado após a trabalhadora emitir o respectivo recibo verde.

A Mmª Juiz a quo motivou a sua decisão da seguinte forma:

“A convicção do tribunal, relativamente àquela matéria dada como provada com interesse para a decisão da causa, resultou da apreciação conjugada do acordo parcial das partes nos articulados, do teor da presunção legal contida no art. 12º, nº 1, do Código do Trabalho, do teor quer de todos os sobreditos documentos quer de todos os demais constantes dos autos e dos seguintes depoimentos prestados em audiência que incidiu sobre essa factualidade, nos termos a seguir indicados. Sendo de salientar que o auto da ACT com documentos anexos (nos termos constantes de fls. 2 a 221 aqui reproduzidos) faz fé em juízo e cujo valor probatório não foi infirmado e, aliás, o seu teor foi corroborado em audiência pelas seguintes pessoas inquiridas: F. A. e A. F. (inspectores da ACT – revelaram conhecimento dos factos respectivos de uma forma isenta, sincera, segura, coerente e merecedora de credibilidade, confirmando e explicitando de forma detalhada toda a matéria factual constante do auto e todos seus documentos anexos, sendo de salientar que, a propósito do auto de declarações da trabalhadora (a fls. 59-60), aqueles explicaram em que termos foram colhidas tais declarações de forma livre e esclarecida, assim como a assinatura pela mesma, tudo em tempo real e após a leitura integral do seu teor à trabalhadora, sem que esta tivesse feito qualquer ressalva); F. F. (inspector da Segurança Social – confirmou ter acompanhado aquele inspector da ACT aquando da 1ª visita à escola da ré e que tal sucedeu no âmbito de uma acção conjunta nacional para combate aos falsos recibos verdes); J. L. (director geral da ré há mais de 20 anos – apenas na parte a seguir indicada depôs de forma coerente e credível, à luz da sobredita apreciação conjugada, quando confirmou a contratação desta trabalhadora por contratos intitulados de prestação de serviços e com um número de horas pré-fixado para cada ano lectivo, a utilização pela trabalhadora de instrumentos e equipamentos da ré, o pagamento à trabalhadora do número de horas só era feito após esta emitir os recibos verdes); N. M. (directora pedagógica da ré desde 2014 e antes disso docente desde 2002 – apenas na parte a seguir indicada depôs de forma coerente e credível, à luz da sobredita apreciação conjugada, quando confirmou a contratação desta trabalhadora e respectivas funções, que lhe dava indicações pedagógicas e orientações, que havia avaliação do seu desempenho, que a mesma utilizava instrumentos e equipamentos da ré para além do seu computador pessoal, que não a ré nunca garantia àquela a manutenção de tal prestação no final de cada ano lectivo, o registo pela trabalhadora no e-schooling e o pagamento em função dessas aulas e a contagem das mesmas para tempo de serviço da mesma para o ensino público); e C. C. (a trabalhadora em apreço e prima da directora executiva da ré – apenas na parte a seguir indicada depôs de forma sincera, coerente e credível, à luz da sobredita apreciação conjugada, quando confirmou a sua inscrição como trabalhadora independente e ultimamente por conta da ré, as suas funções na ré desde há 13 anos lectivos consecutivos, o seu registo no e-schooling, a utilização de equipamentos e instrumentos da ré, o organigrama da ré, a avaliação do seu desempenho pela ré, a emissão de recibos-verdes relativamente à ré, a alteração do valor/hora pela ré, a não garantia pela ré de novo contrato para cada ano lectivo seguinte, o cariz livre e consciente das suas declarações prestadas à ACT e que assinou após ler o respectivo auto constante de fls. 59-60, que o lera novamente antes vir depôr nesta audiência e reiterou o que lá constava e que recusara a versão inicial de contrato de trabalho proposta pela ré em 2018 por não constar desde o início desse ano lectivo em Setembro e por a componente não lectiva ter de continuar a ser obrigatoriamente presencial na ré).
Contrariamente ao demais depoimento em audiência desta mesma testemunha (C. C. - a trabalhadora em apreço) que não mereceu credibilidade na restante parte por ter sido manifestamente comprometido, não espontâneo, pré-elaborado no seu discurso inicial e incoerente, à luz das regras de experiência comum e verosimilhança e da apreciação crítica e conjugada com todos os sobreditos elementos probatórios – pois (antes de ser confrontada e de ter reiterado as declarações constantes do respectivo auto) começou por fazer tábua rasa das mesmas, procurando desfocando a realidade dos factos, nomeadamente sob a mera alusão de que não tinha exclusividade e que lhe dera mais jeito os contratos oferecidos pela ré, de que não fazia registo manual de assiduidade, de que não tinha de permanecer lá todo o dia, de que podia faltar sem justificar por escrito e procurava permutar, que comunicava por mero respeito e educação às directoras das quais recebia meras orientações ou instruções, que não era obrigada a ir às reuniões do conselho pedagógico, que a avaliação de desempenho era apenas por causa da certificação da ré, que apenas ajustava as suas horas ao calendário escolar. E (mesmo depois de confrontada com o auto das suas declarações e de as ter reiterado) procurou justificar a data retroagida do contrato de trabalho apenas ao início desse ano porque aconselhada pelo seu contabilista.
Contrariamente ao demais depoimento em audiência da testemunha J. L. (director geral da ré) que não mereceu credibilidade na restante parte por ter sido manifestamente parcial, comprometido, não espontâneo e incoerente, à luz das regras de experiência comum e verosimilhança e da apreciação crítica e conjugada com todos os sobreditos elementos probatórios – nomeadamente ao referir (que durante esses mais de 11 anos lectivos) que aquela trabalhadora sempre fora mera prestadora de serviços, que ela nunca pedira contrato de trabalho, que a ré tão pouco lhe podia dar tal por ser imprevisível os cursos para o ano lectivo seguinte e, de que os horários só eram elaborados em função da disponibilidade da trabalhadora e sua afixação era por mera organização da ré, assim como os instrumentos e equipamentos de trabalho, os sumários informatizados das aulas e o regulamento interno nem sequer lhe era aplicável, todos essas eram só por mera exigência de certificação da escola da ré, não sendo a avaliação do seu desempenho formalizada e se fosse pouco positiva apenas e tão só não seria renovada a prestação de serviços pela trabalhadora, sem que a trabalhadora devesse obediência à ré nem estivesse sujeita a sanções por esta em caso de incumprimento, que a trabalhadora podia findar o ano lectivo até em Maio de cada ano lectivo se quisesse, que a ré só celebrara o contrato de trabalho com esta trabalhadora nesse 12º ano lectivo por ter sido pressionada pela ACT, mantendo-se tudo imprevisível em termos de cursos para a ré e que só posteriormente a trabalhadora aceitou tal contratação).
Contrariamente ao demais depoimento em audiência da testemunha N. M. (directora pedagógica da ré) que não mereceu credibilidade na restante parte por ter sido manifestamente parcial, comprometida, não espontânea e incoerente, à luz das regras de experiência comum e verosimilhança e da apreciação crítica e conjugada com todos os sobreditos elementos probatórios – nomeadamente ao referir (que durante esses mais de 11 anos lectivos) que esta docente e directora de turma era mera prestadora de serviços, que o regulamento interno era meramente orientativo, que para evitar maior indisciplina dos alunos a ré não deixava que persentissem diferença entre docentes efectivos e docentes meros prestadores, que apenas por uma questão de ética e por mera indicação ela justificava faltas, que só fazia os horários dela em função da prévia disponibilidade, que ela não estava sujeita às suas ordens nem sanções se não as cumprisse, que estavam dependentes de muitos factores todos os anos lectivos, que a avaliação de desempenho era meramente indicativa para gerir a qualidade da escola da ré, não servindo nem para sancionar nem para promover a trabalhadora).
Quando é certo que a contratação desta trabalhadora por tempo indeterminado em 15/5/2019, apesar de ter sido retroagida a período anterior ou com efeitos desde 1/1/2019, incongruentemente, nem sequer coincidiu com o início do respectivo ano lectivo (2018-2019), deixando de fora o período de Setembro até Dezembro de 2018 e quando tal contratação correspondia já à realidade dos factos existentes nesse mesmo trimestre e até desde data ainda muito mais anterior e consecutivamente, desde há 11 anos lectivos (desde 2007-2008 até então).
E, aliás, o conteúdo desses anteriores contratos de prestação de serviços e suas alterações constantes dos autos (a fls. 13-58), por si só, desmentia a denominação dada aos mesmos, aliás a avaliação do desempenho meritório desta trabalhadora serviu até para justificar aumentos do valor/hora pago ou a pagar (a fls. 28 e 30), assim como o teor quer do regulamento interno da ré quer da caderneta informativa do docente/formador (a fls. 121-182), sendo de salientar as regras e os deveres quer para o docente quer para o orientador educativo quer para o director de curso e em todos eles consignados são idênticos e em todos eles constam detalhadamente, tais como a obrigação de preparação de cada ano lectivo, a obrigação de cumprir o plano de curso, a obrigação de avaliação dos alunos no final de cada um dos 3 períodos lectivos de cada ano lectivo, da comparência nas reuniões marcadas pela ré, a obrigação de comunicação e justificação de faltas e permutas, a incumbência de esclarecer os alunos sobre os regulamentos e normas seguidos pela escola, de planificar e acompanhar a avaliação formativa e sumativa, visitas de estudo e actividades extracurriculares, de organizar e manter actualizado o dossier de curso, de atender os alunos e de alertar os colegas para o cumprimento das planificações dos módulos e disciplinas. E os e-mails constantes dos autos (nomeadamente a fls. 64-67 e 183-189) também confirmam tal. E sem que as funções desta trabalhadora, durante esses mais de 11 anos lectivos consecutivos, se cingissem à lecionação das aulas com avaliação de desempenho (a fls. 68-78, 80-120 e 192-205).
Sendo de salientar que o facto de não constar dos autos nenhum desses formulários (de fls. 190 e 191) para justificação de faltas e/ou permutas assinados pela trabalhadora não significa que, ao longo desses mais de 11 anos lectivos, esta nunca o tivesse feito e sem ficar com cópia.
Sendo que tão pouco os documentos juntos pela ré (a fls. 273-290 verso e 299 verso-308) foram de molde a desvirtuar a realidade dos sobreditos factos assentes com base nos sobreditos elementos probatórios, desde logo, porque a alegada dependência da oferta formativa e da inscrição de alunos para cada ano lectivo e/ou do alegado financiamento - tão pouco demonstrados ao longo de todos e cada um desses mais de 11 anos lectivos -, por si só, não seriam de molde a descaracterizar a prestação da trabalhadora em apreço, nem justificaram sequer contratação a termo e/ou a tempo parcial em qualquer desses anos lectivos anteriores. Para além disso, o alegado histórico de turmas desde 2000 a 2018 não tem qualquer comprovação documental pela ré das aludidas disciplinas em termos das respectivas turmas e carga horária. Por outro lado, o facto de poder haver ajustes ao horário base fixado pela ré para cada ano lectivo não retira o poder determinativo da ré a esse propósito, nomeadamente para fazer face a aumento de disciplinas e turmas a cargo desta trabalhadora, devido às respectivas necessidades da ré e sua estrutura organizativa, na qual tinha de atentar aos demais docentes quer dessas turmas quer das demais turmas e aos alunos, necessidades que se impunham às da trabalhadora e não sendo a vontade desta a impor-se, prévia ou posteriormente, àquelas necessidades da ré. Tanto mais podendo a ré, a qualquer momento, fazer cessar os seus serviços através de carta resolutória registada com oito dias de antecedência e/ou podendo a ré, simplesmente, aguardar pelo final de cada ano lectivo em que operava a rescisão automática de cada prestação de serviços e sem ter de pagar qualquer indemnização à trabalhadora. E até podendo a ré baixar, como baixou, o valor da retribuição/hora acordada, sob a mera alegação dessas suas necessidades durante a vigência de algum lectivo (como sucedeu no ano lectivo de 2012/2013 – cfr. fls. 39 a 41) e, também, aquando da contratação em outros anos lectivos, simplesmente, a ré oferecer menor valor da retribuição/hora (como sucedeu nos anos lectivos de 2011/2012, 2013/2014 e 2014/2015 até 2018/2019) comparativamente ao de anos lectivos anteriores e sem sequer ter de justificar e em que à trabalhadora só restava aceitar, ou não aceitar, em cada ano lectivo respectivo e sem lhe estar garantida a renovação dessa prestação de serviços, mesmo que com avaliação meritória e sem poder esta trabalhadora opor-se a tal diminuição como violadora do princípio da irredutibilidade da retribuição.
Por outro lado, tão pouco a ré juntou sequer os respectivos registos das aulas ou livro de ponto informático (e-schooling) e só juntou alguns recibos-facturas emitidos pela trabalhadora, sendo que deles constava uma vaga menção a propósito da descrição de serviços e como data da prestação a da emissão desses documentos e nem sequer juntou eventual extracto bancário ou outro documento discriminativo e comprovativo dos exactos montantes pecuniários alegados por esta a favor da trabalhadora.
E nunca sendo por demais salientar o princípio geral do nosso Direito segundo o qual «Os contratos são o que são, não o que as partes dizem que são». E (por maioria de razão direi eu) que não, necessariamente, os contratos são o que as partes pensam que são, nem as partes são, necessariamente, aquilo que se inscrevem ser. Por outras palavras, a pretensa autonomia privada ou liberdade contratual das partes (aquando da escolha da forma e modo de prestação da actividade laboral e da qualificação do contrato celebrado, dentro dos limites da lei, esgota-se aí) não pode impôr ao mundo jurídico uma qualificação que não esteja de acordo com os parâmetros reais e legais. E, por outro lado, a existência de alguma autonomia técnica inerente a este tipo de actividade profissional de docência e de direcção de curso não é incompatível com a subordinação jurídica correspectiva ao poder de direcção e fiscalização do estabelecimento de ensino da ré relativamente àquela sua docente e directora de turma durante mais de 13 anos lectivos consecutivos. E a existência do poder disciplinar por parte do estabelecimento de ensino da ré não depende do seu exercício efectivo por parte desta sua titular e, muito menos, depende do registo, ou não, de alguma sanção disciplinar relativamente àquela sua docente e directora de turma durante mais de 13 anos lectivos consecutivos.”

A fundamentação da decisão de facto afigura-se-nos de clara, precisa e suficiente, indo de encontro à prova produzida, revelando-se compreensível e apreensível o fio condutor do raciocínio crítico do julgador que ditou a materialidade fáctica dada como provada, impondo que aquela que se lhe opunha fosse dada como não provada.
Na verdade, a juiz a quo explica por que motivo deu credibilidade aos depoimentos de umas testemunhas em detrimento de outras, bem como as razões porque apenas valorizou parcialmente o depoimento das testemunhas arroladas pela recorrente, tudo isto conjugado com todos documentos juntos aos autos, sobretudo os emanados pela Ré, não impugnados e que por si só vem corroborar a versão dos factos dada como provada, permitindo assim que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade da sua convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados
Após audição da integral da prova produzida em audiência de julgamento e análise de todos os documentos juntos aos autos verificamos o acerto do juízo probatório efectuado pelo tribunal a quo, importando contudo proceder a algumas precisões, que irão implicar alguma alteração na factualidade provada.
Tenha-se presente que o Tribunal da Relação só deve proceder à alteração da matéria de facto quando depois de proceder à audição da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.
Como refere Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609 «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.»

Vejamos:

Quanto aos pontos 5.º a 17.º da factualidade provada e que respeita aos diversos contratos escritos que ao longo dos anos foram sendo celebrados entre a trabalhadora e a recorrente, a factualidade provada limita-se a relatar o que se fez constar dos respectivos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, razão pela qual não se pode aceitar, como pretende a recorrente que tais factos, sejam sem mais dados como não provados.
Se por um lado é certo que da prova produzida, designadamente da testemunhal, não foi em momento algum afirmado por quem quer que fosse, que foi a Ré quem intitulou tais contratos como “Contrato de Prestação de Serviços…”. Por outro lado também é certo que decorre das regras da experiência que a formalização do contrato de trabalho incumbe ao empregador, limitando-se, claro, após negociação, o trabalhador a colocar a sua assinatura.
Por último, parece-nos completamente irrelevante para a boa decisão da causa a autoria do nome iuris atribuído aos diversos contratos que foram sendo celebrados entre trabalhadora e Ré/Recorrente, pois tal não afasta nem põe em causa a vontade recíproca na celebração dos ditos contratos, razão pela qual não se impõe sequer proceder à eliminação da expressão “que a Ré intitulou”.
É assim de manter a factualidade que consta dos pontos 5 a 17.º dos pontos de facto provados.
Insurge-se a recorrente quanto à factualidade que consta dos pontos 20 e 30 dos pontos de facto provados defendendo que foram erroneamente dados como provados uma vez que a C. C. jamais executou os seus serviços sob as ordens e fiscalização da Ré, contrariamente ao dado como provado, razão pela qual se deve proceder à alteração de tal factualidade na parte em que se refere que a trabalhadora desenvolvia actividade “sob as ordens e fiscalização “ da Recorrente.
Ora, efectivamente assiste razão à recorrente, pois estando causa apurar a natureza da relação contratual estabelecida entre a C. C. e a Recorrente, não nos parece correto dar como provado que a trabalhadora desenvolvia a sua actividade “sob as ordens e fiscalização” da Ré, não pelas razões apontadas pela Recorrente, mas sim, por outras, que passamos a expor.
Resultava do n.º 4 do art.º 646.º do Código de Processo Civil de 1961 que se têm por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito, assim como as dadas sobre factos que só podiam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes. Embora a mencionada disposição legal não contemplasse directamente as respostas sobre a matéria de facto vagas, genéricas e conclusivas, foi-se consolidando na jurisprudência o entendimento de que aquela disposição era de aplicar analogicamente a tais situações, sempre que a matéria em causa se integrasse no thema decidendum, por se reconduzirem à formulação de juízos de valor que se devem extrair de factos concretos, objecto de alegação e prova.
Contudo, apesar do mencionado preceito ter sido eliminado do CPC de 2013, tem-se mantido tal entendimento, interpretando, a contrario sensu, o actual n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados. Ou seja, o que o tribunal pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida são os factos e não as conclusões ou juízos de valor a extrair dos mesmos à luz das normas jurídicas aplicáveis, que é uma operação intelectual distinta (1).

No caso em apreço, constatamos que as expressões dadas como provadas sob os pontos 20 e 30, são meras conclusões que a manterem-se, imporiam um imediato juízo de direito sobre a pretensão do Autor, dispensando assim a intervenção do tribunal na indagação e interpretação e aplicação das regras do direito aos factos concretos da situação equacionada.
Em suma tendo presente que a questão fulcral a apreciar nos presentes autos respeita à verificação ou não da subordinação jurídica de determinada trabalhadora à Ré, de molde a poder ou não concluir se pela existência de um contrato de trabalho entre ambos, não podemos admitir que se faça constar dos factos provados que “a trabalhadora desenvolveu sob as ordens e fiscalização da ré”
As mencionadas expressões não podem integrar assim o acervo factual, pois não passam de conclusões que ao tribunal cabe retirar dos factos concretos e circunstanciados devidamente articulados e demonstrados.

Em face do exposto é de expurgar dos factos provados tais expressões e proceder à alteração de tais pontos de factos, que em face da prova produzida, designadamente a documental – diversos contratos celebrados entre a formadora e o empregador, regulamento interno e caderneta informativa do docente formador – passam a ter a seguinte redacção, a qual passará a constar no local próprio:

20Ao longo de todos estes anos lectivos, a trabalhadora desenvolveu mediante orientações/diretrizes emanadas pelos Órgãos de Direcção da Escola e tal como consta da cláusula 1ª de cada um dos contratos, do regulamento interno (arts. 104, 190.º, 196 a 210) e da caderneta informativa (pontos 5.3 e 5.5.) a sua atividade de Docente/Formador, Orientador Educativo de Turma e/ou Orientador Educativo de Turma/Director de Turma das sobreditas áreas, nas instalações da ré e/ou por si geridas, referidas no item 3, nomeadamente, nas instalações sitas na Praça ... e na Rua ....
30 – Como contrapartida do trabalho que prestava, sob orientações/diretrizes emanadas pelos Órgãos de Direcção da Escola da Ré, a formadora recebia da ré: no ano lectivo 2007/2008 o valor de € 20,00/hora, acrescido de IVA; nos anos lectivos de 2008/2009 e 2009/2010 fora previsto esse mesmo valor, mas depois foi alterado com efeitos retroactivos para o valor de € 25/hora; no ano lectivo de 2010/2011 fora previsto o valor de € 15/hora acrescido de IVA, mas depois foi alterado com efeitos retroactivos para o valor de € 20/hora; no ano letivo de 2011/2012 foi previsto o valor de € 15/hora acrescido de IVA; no ano lectivo de 2012/2013 fora previsto esse mesmo valor, mas depois foi alterado com efeitos retroactivos para o valor de € 12; no ano lectivo de 2013/2014 foi previsto o valor de € 15/hora acrescido de IVA; a partir do ano lectivo 2014/2015 e seguintes o valor era de € 12,50/hora, acrescido de IVA. E cujo cálculo das horas de docência era feito em função das aulas registadas no e-schooling e cujo pagamento era efectuado após a trabalhadora emitir o respectivo recibo verde.

Quanto à factualidade respeitante ao horário de trabalho que consta do ponto 21 da factualidade provada ao contrário do entendido pela recorrente, não vislumbramos qualquer razão para dar como não provado este facto, o qual resulta exuberantemente demonstrado na cláusula 1ª al. i) ou al. j) dos inúmeros contratos assinados ao longo dos anos entre as partes, na qual se faz constar de forma clara e sem deixar qualquer margem para dúvida, que não só é a Ré quem fixa o horário da trabalhadora, como salvaguarda que o mesmo pode ser de forma unilateral por si alterado, ao consignar em cada um dos contratos formalizados uma cláusula com o seguinte teor “competindo ao trabalhador desenvolver o seu trabalho nesta Escola de acordo com o horário atribuído pela Direcção, o qual poderá ser alterado pela Entidade Proprietária, sempre que necessário

Com efeito, ainda que as testemunhas da Ré, nos seus depoimentos, designadamente a trabalhadora visada, tivessem proferido declarações, que poriam em causa ou contradizem este facto, o certo é que em conformidade, com a convicção assumida e devidamente motivada pelo tribunal a quo, com a qual não podemos deixar de concordar, tais depoimentos não se afiguram de credíveis, nem de revelaram de suficientes, para por em causa o que se fez constar dos respectivos contratos. Salientamos a veleidade como que a C. C. diz dar as suas disponibilidades “era de forma informal, falava com a direcção”. Ainda que se possa acreditar que a C. C. inicialmente, quer porque mantinha uma outra actividade, quer porque as horas lectivas atribuídas eram em número reduzido, indicasse as suas disponibilidades sendo o seu horário atribuído em função das mesmas, o certo é que quem fixava o horário, podendo alterado quando tal se viesse a revelar-se de necessário era a Ré, mais precisamente a sua direcção pedagógica, como aliás, deixa bem claro nos contratos que celebra com a sua colaboradora, bem como dos depoimentos de N. M. e J. L..
É assim de manter a redacção do ponto 21º da factualidade provada.
No que respeita à factualidade que consta dos pontos 22 e 23 respeitante ao concreto desempenho de funções atribuídas à trabalhadora pela Ré, que se pretende que sejam dadas como não provadas, defende a recorrente que tal factualidade para além de não corresponder à realidade não resulta de qualquer prova produzida.
Vejamos.
Quanto ao facto da recorrente afirmar que é desprovido de suporte probatório, por não assentar em qualquer depoimento, o facto de resultar da factualidade provada que a trabalhadora avaliava o desempenho escolar dos alunos, notava-os, elaborava reposição de aulas dos alunos, ou reunia com os encarregados de educação ou elaborava dossiês de direcção de turma e processos de matrícula, também se nos afigura dizer que não assiste razão à recorrente.
Na verdade, ainda que de forma explícita nenhuma das testemunhas inquiridas tenha referido esta factualidade, o certo é que resulta das regras da experiência conjugadas com o depoimento das testemunhas e documentação junta aos autos, designadamente do regulamento interno (artigos 31.º a 34.º define as funções, competência e requisitos de admissão do orientador educativo, artigo 104.º a deveres e direitos do corpo docente – formadores e artigo 139.º agentes do processo de avaliação, neles se inclui o docente formador e o orientador educativo de turma/director de turma) e emails enviados pela Direcção da Ré aos seus colaboradores, a caderneta informativa do docente/ formador (onde também se definem os critérios de avaliação e progressão do aluno e se estipulam os normativos do docente/formador), pois sendo a autora formadora e directora de turma é óbvio que lhe incumbia não só as tarefas de avaliação e notação dos seus alunos, como as demais que se fazem constar do mencionados pontos de facto que se impugnam.
Acresce dizer, mais uma vez que em conformidade com a motivação elaborada pelo tribunal a quo os contratos assinados entre a Trabalhadora e a Ré, tendo em vista o desempenho das funções de Orientador Educativo de Turma/Directora de Turma são esclarecedores quanto as estes factos, pois da cláusula 1ª al.g) faz-se consignar que compete à trabalhadora “reunir sempre que necessário com o Conselho de Turma, Orientador Educativo de Turma/Diretor de Turma e com o Diretor de Curso”, resultando as demais funções especificadas nos pontos 22 e 23 quer do regulamento interno, quer da caderneta informativa do docente/formador, quer dos emails enviados à C. C. pela Directora Pedagógica da Ré, isto no que respeita ao escalonamento para reposições de aulas, à elaboração e actualização do processo individual do aluno, reuniões com encarregados de educação, processo de matrícula e organização de reuniões (cfr. fls. 119 a 132 dos autos).

Como bem explica o Tribunal a quo em sede de motivação da prova destes factos “… o teor quer do regulamento interno da ré quer da caderneta informativa do docente/formador (a fls. 121-182), sendo de salientar as regras e os deveres quer para o docente quer para o orientador educativo quer para o director de curso e em todos eles consignados são idênticos e em todos eles constam detalhadamente, tais como a obrigação de preparação de cada ano lectivo, a obrigação de cumprir o plano de curso, a obrigação de avaliação dos alunos no final de cada um dos 3 períodos lectivos de cada ano lectivo, da comparência nas reuniões marcadas pela ré, a obrigação de comunicação e justificação de faltas e permutas, a incumbência de esclarecer os alunos sobre os regulamentos e normas seguidos pela escola, de planificar e acompanhar a avaliação formativa e sumativa, visitas de estudo e actividades extracurriculares, de organizar e manter actualizado o dossier de curso, de atender os alunos e de alertar os colegas para o cumprimento das planificações dos módulos e disciplinas. E os e-mails constantes dos autos (nomeadamente a fls. 64-67 e 183-189) também confirmam tal.”

Em suma, não só se encontra devidamente e suficientemente motivada a decisão que levou os factos que constam dos pontos 22 e 23 fossem dados como provados, como não foi cometido pelo tribunal a quo qualquer erro que imponha que seja proferida decisão diversa.
São assim de manter os pontos de facto 22 e 23.
No que respeita à factualidade que consta do ponto 24 dos pontos de facto provados, referente à titularidade dos instrumentos e equipamentos de trabalho utilizados pela trabalhadora, defende a recorrente que a mesma tem de ser dada como não provada, uma vez que grande parte dos instrumentos e equipamentos dados como assentes, para além de não serem utilizados pela trabalhadora, nenhuma testemunha os referiu ficando por isso a recorrente sem saber onde é que o tribunal alicerçou a sua convicção para dar tais factos como provados.
Mais uma vez urge dizer que não assiste razão há recorrente, não se vislumbrando que a decisão da matéria de facto padeça de qualquer erro que se imponha corrigir.
Na verdade, sobre equipamentos e instrumentos de trabalho a generalidade das testemunhas inquiridas pronunciaram-se sobre a titularidade dos mesmos, resultando exuberantemente provado, designadamente pelo depoimento da trabalhadora visada, que os instrumentos e equipamentos de trabalho pertenciam à Ré, sendo certo que alguns deles atenta a sua natureza teriam de ser utilizados pela trabalhadora e outros desde que estivessem disponíveis, a trabalhadora podia utilizá-los. A título meramente exemplificativo no que respeita às canetas, resultou do depoimento da trabalhadora que teria as suas próprias canetas, mas quando a escola lhe disponibilizava canetas, utilizava as da escola. Por aqui se vê que bem andou o tribunal ao dar como provado que a trabalhadora utilizou canetas pertencentes à ré, tal como utilizou o restante material dado como provado.
É assim de manter a redacção do ponto de facto n.º 24, já que a prova produzida revela-se suficiente para o efeito.
No que respeita ao ponto 25 dos pontos de facto provados defende a recorrente que não foi feita qualquer prova de que a C. C. entrava no programa “e-schooling” através do seu próprio “login”, razão pela qual se deve proceder à alteração parcial deste ponto de facto, eliminando tal referência.
Ora, compulsada a prova produzida teremos de dizer que efectivamente não resulta qualquer elemento probatório que nos permita concluir pela existência personalizada de acesso ao programa utilizado pelos formadores, razão pela qual é de deferir nesta parte a impugnação da matéria de facto, determinando-se a alteração do ponto de facto 25, dele se eliminando a expressão “do seu”, procedendo-se à respectiva alteração no local próprio.
No que respeita ao pontos 26 e 27 da factualidade provada referentes a justificação de faltas, poder disciplinar e avaliação de desempenho defende a recorrente que atenta a escassez da matéria probatória tais factos devem ser dados como não provados.
Quanto à factualidade constante do ponto 26 diremos desde já, que ao invés do defendido pela recorrente a prova documental é exuberante e mais do suficiente para dar como provado tal facto, pois este não resulta apenas do que se faz constar do regulamento interno, mas sim resulta expressamente prevista na cláusula primeira de qualquer um dos contratos assinados pela C. C., bem como da caderneta informativa do docente/formador (ponto 5.5.) e dos diversos emails, juntos com a participação da ACT onde a directora pedagógica apela e relembra o cumprimento de tais regras utilizando impresso próprio, para justificar faltas previsíveis ou imprevisíveis e permutas de aulas (a título exemplificativo email datado de 26/09/2018 e documentos 14 e 15 juntos com a participação da ACT).
Por outro lado, a prova testemunhal produzida em sentido oposto não mereceu a credibilidade do tribunal a quo, nos termos devidamente motivados, com os quais não podemos deixar de concordar, pois não se afigura minimamente credível, com tantas instruções escritas quanto a forma de justificação de faltas, que relativamente à C. C. tais orientações não lhe eram aplicáveis, só as seguindo por uma “questão de respeito”, como a própria o afirma.
Por fim, no que respeita à não aplicação do regulamento interno, parece-nos tratar-se de uma posição absurda assumida pela Ré, pois destinando-se o regulamento interno a definir as normas de funcionamento interno da escola profissional, bem como os direitos e deveres dos membros da sua comunidade escolar, neles se incluindo, quer os alunos, quer os docentes, muito se estranharia que não lhes fosse aplicado, quando do mesmo se faz constar que a contratação dos docentes é feita por contrato de prestação de serviços de duração limitada à leccionação da disciplina/módulo no ano lectivo em causa (artigo 135.º n.º 3 do regulamento) encontrando-se prevista a aplicação de sanções para os docentes que o infrinjam (art.º 209.º do regulamento) e sendo certo ainda que o corpo de docente, que como nos parece óbvio, teria de constar e constava como resulta do regulamento, do organigrama da empresa, sendo no entanto constituído essencialmente por apelidados “prestadores de serviços”, já que num universo de 13 docentes, apenas 3 seriam trabalhadores subordinados, ao que tudo indica, apenas por desempenharem outras funções para além docência.
Em suma é de manter o teor do ponto 26 dos factos provados.
Quanto ao ponto 27 dos factos provados respeitante ao poder disciplinar, bem como à avaliação de desempenho, também não podemos concordar com a recorrente no que respeita à escassez de prova a este propósito.
Se por um lado as testemunhas por si arroladas foram peremptórias ao afirmarem a inexistência de poder disciplinar e ao justificarem a necessidade de avaliação de desempenho com exigências exteriores à vontade da Ré, designadamente para poderem ser creditados em termos de qualidade de prestação de serviço. Por outro lado, a restante prova produzida, designadamente a documental conjugada com os depoimentos dos inspectores da ACT não deixa margem para dúvidas, que de forma encapotada a Ré exercia o poder disciplinar sobre os docentes/ prestadores de serviço e procedia à avaliação de desempenho da trabalhadora, dela retirando as respectivas consequências, designadamente premiando ou não a trabalhadora consoante o resultado do seu desempenho, tal como bem refere a juiz a quo na motivação da matéria de facto.
Com efeito, não nos cansamos de repetir, que o regulamento da Ré prevê que os docentes sejam contratados como prestadores de serviço, sendo por isso as sanções aplicadas pela Ré, apelidadas de “não cumprimento dos deveres por parte do docente/formador” (art.º 209 do Regulamento interno), limitadas, à impossibilidade de celebração de novo contrato com o prestador, ao pagamento de uma indemnização à Escola e à rescisão do contrato no seu término, ou em qualquer altura, caso o docente falte reiterada e culposamente ao cumprimento das suas obrigações contratuais ou ocorram circunstâncias que tornem impossível a manutenção da relação contratual, mediante carta registada com a antecedência mínima de 8 dias, tal como resulta da cláusula 4ª n.º 3 dos diversos contratos celebrados com a C. C..
Questão diferente, mas que não podemos deixar de anotar tem a ver com a expressão e afirmação de cariz conclusivo que imporia um imediato juízo de direito sobre a pretensão do Autor, que consta do ponto 27, “A ré tinha poder disciplinar… sob pena de poder sofrer sanções pela ré em caso de incumprimento dos deveres” e que em face do por nós defendido aquando da apreciação da impugnação dos pontos 20 e 30 urge alterar, já que se traduz na conclusão que o tribunal terá de retirar dos factos concretos e circunstanciados devidamente articulados e demonstrados.

Assim pelos motivos acima explanados, o ponto 27 dos pontos de facto provados passa a ter a seguinte redacção, que passará a constar do local próprio:

27 - A ré, segundo decorre do respetivo do Regulamento Interno (nos seus artos 209 e 210), podia aplicar sanções à trabalhadora e restantes colegas docentes, por incumprimento dos seus deveres, estando a trabalhadora sujeita a avaliação de desempenho para além dos demais deveres elencados nesse mesmo Regulamento (arts. 104º e 196º a 208º), designadamente do dever de pontualidade e assiduidade no cumprimento dos horários, de estar presente em todas as actividades para que seja convocada, de apresentação atempada de toda a documentação exigida, nomeadamente planificações, avaliações, planos de recuperação, proposta e relatório de visitas de estudo e actividades, colaboração com orientadores/directores de turma ou de curso, de ser o primeiro a entrar e o último a sair da sala de aulas, de desligar o telemóvel durante as aulas, de solicitar autorização, sempre que julgue necessário, da ocorrência de aulas fora da escola, assim como aulas extra à planificação, de participar no seu próprio processo de avaliação, fazendo a sua auto-avaliação com relatório crítico de desempenho e em especial obrigatoriedade de presença em todas as reuniões previstas/convocadas devendo a não participação ser justificada, dever de sumariar e assinar o livro de ponto e de registo de aula na plataforma informática.
É assim de manter o ponto 27, mas com uma diferente redacção da dada pelo Tribunal a quo.

Em suma, apesar da demonstração da realidade a que tende a prova não visar a certeza absoluta, mas sim criar no espirito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto, o que se verifica no caso em apreço, entendemos que o tribunal a quo indicou os fundamentos suficientes para que através das regras da experiência e da lógica se controle a razoabilidade da convicção sobre o julgamento, permitindo-nos dizer que não encontramos qualquer deficiência ou insuficiência na fundamentação da matéria de facto que imponha correcção da decisão nos termos pretendidos pela recorrente.
É assim de manter a decisão proferida pelo tribunal a quo quanto à matéria de facto provada, apenas com as alterações de redacção de alguns dos pontos de facto provados, por nós acima determinadas, uma vez que a globalidade da prova produzida não permite outra conclusão, sendo que os juízos de valor subjectivos, formulados pelo recorrente, não têm o condão de impor a sua própria convicção à convicção do juiz julgador.

b) Da impugnação da matéria de facto não provada

Atenta a prova testemunhal e documental junta aos autos entende a recorrente que devem ser considerados como provados os seguintes factos:

A) Desde Julho de 2018, mas com maior intensidade desde Fevereiro de 2019, que a vem sendo reiteradamente importunada e perseguida pela ACT.
B) A Formadora C. C. recusou inicialmente a celebração de um contrato de trabalho que lhe foi oferecido pela Ré, porque pretendia manter-se um contrato de prestação de serviços, e entendia que não era um falso recibo verde.
C) Os cursos de formação que a promove não são sempre os mesmos, sendo mutável todos os anos, e variando em função das carências dos profissionais da região que é necessário suprir, e em função da aprovação externa (de candidatura pedagógica e de candidatura ao seu financiamento).
D) São as entidades externas que tutelam a actuação da que dão orientações de quantas turmas/cursos podem ser aprovados para cada Comunidade Intermunicipal, e posteriormente são definidos pela ANQEP (Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional) os critérios para ordenamento da rede de cursos a aprovar, para o ano lectivo em causa, o número mínimo e máximo de turmas.
E) Só depois de aprovada a rede de oferta formativa é que a Ré fica em condições de divulgar a sua oferta de cursos de formação e “angariar” alunos para os cursos aprovados, no entanto nem sempre se consegue, por falta de alunos, abrir os cursos pretendidos.
F) A oferta formativa da Ré fica igualmente dependente da concessão, ou não, de financiamento de determinadas instituições à Ré, de forma a permitir-lhe avançar com a leccionação daqueles Cursos de Formação.
G) Dos Cursos de Formação oferecidos em 2018 (num total de 6), apenas 3 haviam figurado também da Oferta Formativa da Ré em 2017, e dos 7 cursos de formação oferecidos em 2017 pela Ré, apenas 3 também haviam feito parte da Oferta Formativa do ano de 2016, havendo 4 Cursos de Formação novos naquele ano.
H) O horário da leccionação dos módulos pela trabalhadora era elaborado em função das suas disponibilidades, sendo alvo de alterações subsequentes por força da (in)disponibilidade superveniente dos Formadores.
I) A trabalhadora podia ausentar-se logo que concluídas as tarefas, sem obrigatoriedade de permanecer nas instalações da Ré a cumprir qualquer horário.
J) A trabalhadora tinha liberdade de se fazerem substituir ou alterar os dias de formação em caso de impossibilidade/indisponibilidade.
K) As ausências da Formadora são insusceptíveis de sancionamento disciplinar.
A Ré não efectua qualquer controlo ou fiscalização da assiduidade ou pontualidade da trabalhadora, não fazendo a Autora quaisquer registos de entrada e saída.
M) A Ré nunca marcou qualquer falta à Formadora, seja justificada ou injustificada, ou sequer advertiu a Formadora por qualquer ausência, ou sequer intentou qualquer procedimento disciplinar, nem nunca exigiu qualquer justificação de falta.
N) O Regulamento Interno que a Ré dispõe não é aplicável à trabalhadora.
O) Os pagamentos efectuados à Formadora variavam em função da respectiva disponibilidade de prestar serviços à Ré, não sendo um pagamento periódico ou efectuado todos os meses do ano.
P) A actividade exercida pela Formadora tem obrigatoriamente de ser desenvolvida em local pertencente à Ré, o qual tem de ser obrigatoriamente autorizados/homologados pelo Ministério da Educação.
Q) A Ré é obrigada por imposição legal a ter/disponibilizar equipamentos/instrumentos nas salas de aulas, sem os quais os cursos não homologados e financiados.
R) Enquanto a trabalhadora mantinha um contrato de prestação de serviços, a Ré mantinha relação laboral com outros Formadores, os quais desempenhavam outras tarefas além de também leccionarem cursos de formação.

Cumpre apreciar

No que respeita ao ponto A) apenas se nos oferece dizer que se trata de matéria manifestamente conclusiva, desprovida de concretização factual, que além do mais não tem qualquer interesse para a boa decisão da causa pelo que não pode integrar o acervo factual.
Acresce ainda dizer que o depoimento da testemunha J. L., o qual motivaria a prova desta factualidade, também pode ser interpretado com um outro sentido, ou seja aquele que foi explicado pelos inspectores da ACT procederam a várias visitas, foram prorrogando prazos, a fim de proporcionar tempo e espaço para que a ré procedesse à regularização dos contratos.

Por outro lado em resposta à pergunta do Mandatário Ré Acha que uma perseguição por parte da ACT?

A visada testemunha respondeu: Não sei se, não sei se é uma perseguição da ACT…”
Sempre seria de considerar de insuficiente o depoimento para se poder concluir por qualquer perseguição da ACT à Ré, além de que teriam de ter sido alegados e provados factos materiais e concretos dos quais se pudesse extrair tal conclusão.

Quanto ao ponto B) nada melhor do que atentarmos no depoimento de C. C. para logo se concluir que tal facto não resultou provado não podendo por isso passar a constar da factualidade provada.

Se por um lado, corresponde à verdade que a C. C. inicialmente terá recusado a celebração do contrato de trabalho, pois ela própria o afirmou, o certo é que a motivação para o efeito não é a que se pretende agora que seja dada como provada, mas sim uma outra relacionada com a equiparação aos docentes do ensino público. Acresce dizer que em sede de audiência de julgamento, a C. C. já no final do seu extenso depoimento, afirmou que se considerava ser um falso recibo verde.

A restante prova produzida revela-se de insuficiente e é contraditada pelo depoimento da visada, pelo que o ponto B) não pode ser dado como provado.
Quanto aos pontos C), D, E), F) e G) alega a recorrente que estes pontos foram inexplicavelmente dados como não provados, pois resultam dos depoimentos prestados por J. L. e N. M., conjugados com os documentos 2 a 5 juntos com a contestação.
Ora, como bem anota a juiz a quo, ao desvalorizar os depoimentos destas testemunhas relativamente à prova destes factos, é precisamente o facto de a C. C. desempenhar as suas funções, quer de formadora, quer de orientadora de turma, há mais de 12 anos lectivos e interruptos, o que contraria e impede que estes factos possam constar da factualidade provada, pois não é com certeza a imprevisibilidade da necessidade da contratação da trabalhadora que impediu a Ré de celebrar com esta um contrato de trabalho, designadamente a termo certo ou a termo parcial, caso se verificassem os respectivos requisitos para o efeito, o que não colhe é a tese de Ré de que estava impedida de celebrar contratos de trabalho com os docentes da sua Escola, quer por os cursos que ministra e as respectivas horas não serem sempre os mesmos, quer porque a sua realização dependia da concessão de financiamento de determinadas instituições.
Por outro lado, os documentos juntos pela Ré também não se revelam de suficientes para dar os referidos factos como provados, já que dos mesmos não resulta a dependência da Ré da oferta formativa e da inscrição de alunos para cada ano lectivo e do alegado financiamento, nem o alegado histórico de turmas desde 2000 a 2018 tem qualquer comprovação documental, quer das disciplinas ministradas em termos das respectivas turmas e carga horária.
Em suma, a Ré não logrou provar que os cursos de formação ministrados por não serem sempre os mesmos implicavam a alteração dos serviços a serem prestados em cada ano lectivo, o que interferia com a contratação da C. C.. É assim de manter toda esta factualidade como não provada.
Quanto aos pontos H), I), J), K) L) e M) defende a Recorrente não compreender porque foram dados como não provados, já que a prova produzida sobre tais matérias é manifesta.
Ora, ainda que seja manifesta, como alega a Recorrente, a prova de tal factualidade o certo é que bem se compreende as razões pelas quais tais factos integram a factualidade não provada, com as quais não deixamos de poder concordar.
Como de forma clara e precisa, é mais uma vez explicado pela juiz a quo na motivação à decisão de facto, com a qual não podemos deixar de concordar, o depoimento da C. C. quanto à atribuição de horário segundo as suas disponibilidades, justificação de faltas, permutas e suas consequências, sancionamento disciplinar e controle de assiduidade, bem como os depoimentos quanto a estas matérias prestados pelas testemunha J. L. e N. M. não foram, nem pode ser merecedores de credibilidade, pois são contraditados por outros factos que se provaram, cuja prova resultou preponderantemente da documentação fornecida pela própria Ré, que não deixa margem para dúvidas quanto às regras a que os formadores externos estavam obrigados a cumprir, os quais não se distinguiam dos poucos formadores internos com quem a Ré havia celebrado contrato de trabalho.
Em suma, quer por não ter sido produzida prova convincente e credível quanto aos factos que agora se pretendiam dar como provados, quer por terem sido dado como provados factos que contradizem estes, não se vislumbra qualquer razão que imponha que passem a constar dos pontos de factos provados os pontos H) a M).
Quanto ao ponto N) referente à não aplicação do regulamento interno à C. C., bem como ao facto desta não integrar o organigrama da Ré, termos de dizer, que o próprio regulamento fala por si e contradiz de forma peremptória o que agora se pretende que seja dada como provado.
Para além de acima já termos defendido que o Regulamento se aplicava à C. C., agora acrescentamos, que esta efectivamente fazia parte do organigrama da escola, o qual não distingue docente internos de docentes externos, nele se incluindo os docentes, como aliás nos parece óbvio, tendo até atenção o facto do corpo docente ser de número reduzido ou praticamente insignificante no que respeita aos colaboradores titulares de contrato de trabalho.
Ainda que possa ser verdade que a C. C. estava convencida que o regulamento interno não se lhe aplicava, pois nem sequer o conhecia, o certo é que do mesmo constam enunciadas de forma exaustiva e minuciosa todas as normas aplicáveis aos docentes (neles se incluindo os formadores, por regra contratados como prestadores de serviços), desde a forma de contratação, execução de funções, sanções aplicáveis, etc. Tudo isto indo de encontro ao estipulado nas diversas cláusulas e alíneas que se fazem constar nos contratos escritos apelidados de prestação de serviços celebrados com a C. C., bem como com o previsto na caderneta informativa.
As explicações dadas pelas testemunhas arroladas pela Recorrente não convencem, nem são merecedoras de credibilidade, pois contradizem o expressamente consignado nos documentos elaborados pela própria Ré, razão pela qual o ponto N) é de manter nos factos não provados.
Quanto ao ponto O) referente aos pagamentos efectuados aos docentes também não se vislumbra qualquer razão para que passe a constar dos factos provados, pois o que se pretende que seja dado como provado não traduz e até contradiz, o que resultou apurado relativamente à relação contratual estabelecida entre a Ré e a C. C..
Na verdade, os pagamentos variavam consoante o número de horas mensais de formação prestadas pela C. C. e isto em função do horário atribuído pela Ré e cumprido pela C. C., sendo liquidadas com referência ao mês, tal como resulta do teor da respectiva cláusula constante de cada um dos contratos assinados pela C. C.. Contudo, nem todos os meses a C. C. recebia, por razões que em regra não lhe eram imputáveis, o que não afasta de forma alguma a natureza periódica dos pagamentos.
Improcede assim nesta parte a impugnação.
Quanto aos pontos P) e Q) referentes a obrigações legais que a recorrente tem de observar no que respeita a instalações e a equipamentos, para poder leccionar, afigura-se-nos dizer, que estes factos não contradizem nenhum outro facto dado como provado, sendo certo que não passam de constatações resultantes da lei, não contendo factualidade que importe dar como assente, já que referência aos normativos legais apenas pode relevar em sede de aplicação de direito aos factos.
Por último quanto ao ponto R) que a Ré pretende ver aditado, para além dos factos dele constante serem conclusivos e pejados de conceitos jurídicos, tal facto não foi alegado nos articulados, pelo que não vislumbra fundamento que justifique o seu adiamento aos factos provados.
Em suma improcede na sua totalidade a impugnação da matéria de facto no que respeita aos factos não provados.

6. Da qualificação do contrato

Tendo-se procedido a algumas alterações na matéria de facto apurada é com base no quadro factual agora fixado que se irá proceder à análise da questão de direito que urge apreciar e que respeita à qualificação jurídica do contrato estabelecido entre a Recorrente e a C. C., designadamente se a relação contratual estabelecida é de trabalho subordinado.
Consigna-se que para apreciação do pleito iremos convocar as normas da Código do Trabalho de 2003, com as alterações aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, posteriormente alterado pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, alteração que entrou em vigor em 25 de Março de 2006, pois estando em causa a qualificação substantiva de uma relação jurídica estabelecida entre Setembro de 2007 e Dezembro de 2018 e não resultando dos factos provados que a Recorrente e a C. C. tivessem alterado, a partir da entrada em vigor do código do trabalho revisto (Lei n.º 7/2009, de 12/02), os termos essenciais da relação contratual estabelecida, é aplicável o regime jurídico-laboral vigente que vigorava à data do inicio da relação contratual, tal como resulta do n.º 1 do art.º 7da lei //2009 de 12/02.
Só assim não seria relativamente aos factos ocorridos posteriormente à entrada em vigor do Código do Trabalho revisto, se deles resultasse que o relacionamento entre as partes tinha passado a ser substancialmente diferente do que tinha sido anteriormente, caso em que seria necessário indagar se essa alteração correspondia a uma modificação da natureza do vínculo que até aí tinha existido. Mas tal não sucedeu, pois apesar de terem sido assinados vários contratos correspondentes aos diversos anos lectivos, o relacionamento entre as partes manteve a mesma natureza.

Esta é a posição que temos vindo a defender, designadamente no Acórdão de 16/11/2017, proferido no proc. n.º 1441/16.7T8VRL consultável in www. dgsi.pt, no qual a este propósito se consignou o seguinte:

“Tudo isto para dizer que tendo a relação contratual tido o seu início na vigência do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, posteriormente alterado pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, alteração que entrou em vigor em 25 de Março de 2006, mas antes da publicação e, consequentemente, da entrada em vigor em 13/02/2009 do Código do Trabalho revisto, aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12/02 e sendo certo que a sua cessação ocorreu já na vigência do Código do Trabalho revisto, coloca-se desde logo a questão de saber se a qualificação do contrato deve ser aferida à luz do Código do Trabalho revisto ou se, pelo contrário, deve ser apreciada à face do regime jurídico-laboral que vigorava, Código do Trabalho de 2003.
A resposta encontra-se no n.º 1 do art.º 7.º Lei n.º 7/2009, de 12/02, que tal como o artigo 8.º da Lei n.º 99/2003, estabelecem que, sem prejuízo do disposto no presente artigo e nos artigos seguintes – que para o caso dos autos são irrelevantes –, o respectivo regime jurídico se aplicava aos contratos de trabalho e aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou adoptados antes da entrada em vigor dos sobreditos diplomas legais, “salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento”.
Assim sendo e caso se venha a entender que a relação em apreço nos autos é de trabalho subordinado, passou a estar sujeita ao Código do Trabalho revisto, após a data em que este entrou vigor.
Contudo no que diz respeito à apreciação da natureza do vínculo contratual ou seja à sua eventual qualificação como contrato de trabalho, o regime legal a aplicável já não será o contido no Código do Trabalho revisto constante do Código do Trabalho de 2003 (CT2003), que se encontrava em vigor aquando da celebração do contrato. Só não seria assim relativamente aos factos ocorridos posteriormente à entrada em vigor do Código do Trabalho revisto, se deles resultasse que o relacionamento entre as partes tinha passado a ser substancialmente diferente do que tinha sido anteriormente, caso em que seria necessário indagar se essa alteração correspondia a uma modificação da natureza do vínculo que até aí tinha existido.
Ora, dos factos provados não resulta que o relacionamento entre as partes tenha sofrido qualquer alteração relevante ao longo do tempo em que o vínculo se manteve, razão pela qual, deixamos consignado que na apreciação da questão agora sub judice, não iremos levar em conta o disposto no Código do Trabalho revisto, designadamente a presunção estabelecida no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009, mas sim o artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003, na redacção dada pela Lei n.º 9/2006, de 20/03, por ser este o regime aplicável.
Na verdade, como se escreveu a este propósito no Acórdão do STJ de 4/02/2015, proferido no Proc. n.º 437/11.0TTOAZ.P1 (relator Pinto Hespanhol), consultável em www.dgsi.pt “…quando o Código do Trabalho de 2009 regula os efeitos de certos factos, como expressão duma valoração dos factos que lhes deram origem, deve entender-se que só se aplica aos factos novos, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência (cf., por todos, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 13 de Fevereiro de 2008, Processo n.º 356/07, e de 10 de Julho de 2008, Processo n.º 1426/08, ambos da 4.ª Secção, cuja doutrina é transponível para o estatuído no Código do Trabalho de 2009).”

Esta tem também sido a posição assumida de foram uniforme pelo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente e ainda que a título meramente exemplificativo, nas seguintes Revistas: nºs. 577/08.2TTVNG.P1.S1, 460/11.4TTBCL.P1.S1, 56/12.3T4AVR.C1.S1, 3292/13.1TTLSB.L1.S1 e 1175/14.7TTLSB.L1.S1, datados, respectivamente, de 4 de Junho de 2014, 2 de Dezembro de 2013, 5 de Junho de 2013, de 09 de Setembro de 2015 e de 26 de Outubro de 2017, com sumários acessíveis em www.stj.pt.
Cabe-nos agora apreciar a questão da qualificação do contrato começando por recordar a distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços.
Estabelece o artigo 10.º do CT2003, que transcreve, com ligeiras alterações, o disposto no artigo 1152.º do Código Civil, que o contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas.
Por seu turno prescreve o artigo 1154.º do Código Civil, que contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
Destes conceitos resulta que o contrato de trabalho tem por objecto a prestação de uma actividade e o contrato de prestação de serviço a obtenção de um certo resultado proveniente do trabalho prestado por outrem, sendo certo que apenas o primeiro é necessariamente oneroso.
Quer a doutrina quer a jurisprudência têm vindo ao longo dos anos a salientar, que o que verdadeiramente distingue o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços é a chamada subordinação jurídica de uma das partes em relação à outra, subordinação essa que só no contrato de trabalho existe.
Ora, o contrato de trabalho tem assim como objecto a prestação de uma actividade e como elemento que o distingue dos demais a subordinação jurídica, que se traduz no poder que o empregador tem de através de ordens, instruções e directivas, conformar a prestação a que o trabalhador se obrigou.
Por seu turno o contrato de prestação de serviço visa, apenas, a obtenção de um determinado resultado que a parte sujeita a tal obrigação obterá por si, em regime de autonomia, isto é, sem estar sujeita ao poder de direcção da outra parte.
Nem sempre é fácil distinguir estas duas figuras contratuais, por em diversas situações ser difícil de perceber o que ficou estabelecido e o que era pretendido – se a actividade em si ou se o seu resultado, razão pela qual a subordinação jurídica é, pois, o elemento fundamental e diferenciador do contrato de trabalho e traduz-se numa posição de supremacia do credor da prestação de trabalho (o empregador) e na correspondente sujeição do prestador da actividade (o trabalhador), cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
Podemos assim concluir que o contrato de trabalho se caracteriza essencialmente pelo estado de dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face à entidade empregadora e que resulta da circunstância do trabalhador se encontrar submetido à autoridade e direcção do empregador que lhe dá ordens, enquanto na prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se apenas o resultado da actividade.
Importa salientar que em termos de repartição do ónus da prova, cabe ao trabalhador fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, isto é, demonstrar que presta uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).

Com a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, esta situação sofreu uma modificação relevante resultante do previsto no artigo 12.º do CT2003 ao acolher a presunção da existência de contrato de trabalho fundada no preenchimento cumulativo de cinco requisitos, que veio contudo a ser alterada pela Lei n.º 9/2006, de 20/03, que alterou o código do trabalho, e no qual se estabelece o seguinte:

Artigo 12.º
(Presunção)
Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição.

Estamos perante uma presunção legal, razão pela qual quem a tem a seu favor escusa de provar o facto a que ela conduz, nos termos do n.º 1 do artigo 350.º do Código Civil, bastando-lhe provar o facto que serve de base à presunção, sendo que a prova deste equivale à prova do facto presumido.
Relativamente à força probatória das presunções legais regula o n.º 2 do mesmo artigo 350.º do CC., de harmonia com o qual as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, salvo nos casos em que a lei o proibir.
Assim sendo podemos afirmar as presunções legais importam a inversão do ónus da prova – cfr. artigo 344.º, n.º 1, do CC.), sendo designadas por presunções juris tantum as que podem ser ilididas por prova em contrário, e por presunções juris et de jure as que não admitem prova em contrário.
A presunção legal do transcrito artigo 12.º é uma presunção juris tantum, que importa a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a parte adversa a prova do contrário do facto que serve de base à presunção ou do próprio facto presumido.

No caso, não temos dúvidas em afirmar que a factualidade apurada é suficiente para o preenchimento da presunção, já que se logrou provar que a C. C. estava inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade, exercendo a sua actividade de docente/formador e Director de Turma, durante 11 anos lectivos consecutivos, mediante ordens e orientações da recorrente, que detinha o poder de fiscalização, quer porque procedia a avaliação do desempenho da C. C., quer porque em caso de violação das normas regulamentares que a C. C. estava obrigada a observar lhe podia aplicar as sanções que constam do seu regulamento interno, entre as quais destacamos com sendo a mais gravosa a da cessação imediata do contrato celebrado, sem direito a indemnização.
Mais se provou que a C. C. exercia a sua actividade nas instalações da Ré, dando aulas em conformidade com o horário definido e afixado pela Ré, estando obrigada a estar presente nas reuniões, provas e exames, para as quais fosse convocada. Tinha de observar os deveres de assiduidade e pontualidade no cumprimento dos horários, devendo ainda estar disponível para uma actuação extra fora da sala de aula, tendo de observar as regras impostas pela recorrente relativas a faltas e substituições, designadamente tinha de justificar as faltas em impresso próprio dirigido ao director da recorrente
Para o desempenho das suas funções, a C. C., com excepção do seu computador pessoal, utilizava o equipamento e os instrumentos de trabalho disponibilizados pela Recorrente e a esta pertencente. A C. C. registava as aulas dadas com os respectivos sumários através da plataforma existente na ré, na qual entrava através de “login” no programa/plataforma “e-schooling”
Por fim, no que respeita à contrapartida pela prestação da actividade, resultou provado que a C. C. recebia um valor por hora, que foi variando ao longo dos anos, cujo cálculo era feito em função das aulas registadas no e-schooling e cujo pagamento era mensal e subsequente à prestação das horas registadas, sendo efectuado após a emissão do respectivo recibo verde. Em determinados anos em função da avaliação de desempenho, o valor/hora foi aumentado.
Acresce dizer que da análise dos documentos juntos aos autos relativos aos rendimentos da C. C. podemos afirmar, não só que a C. C. prestou a sua actividade preponderantemente para a Recorrente ao longo dos anos, tendo sido contratada pela recorrente para prestar em média cerca de 800 horas em cada ano lectivo, como os valores que lhe foram liquidados pela recorrente representam o grosso do seu rendimento anual, sendo de concluir pela sua dependência económica.
Está assim verificada a presunção legal da existência do contrato de trabalho, sendo certo que a recorrente não logrou afastar, designadamente porque não logrou provar que estivéssemos perante a prestação de uma actividade em que a colaboradora desenvolvesse o seu trabalho com autonomia, apenas estando obrigada a entregar ao beneficiário determinado resultado.
A factualidade provada é exuberante no que respeita ao facto da C. C. estar integrada na estrutura organizativa da Ré, desde o início da contratação, prestando a sua actividade sob a direcção e fiscalização da Ré, recebendo como contrapartida uma quantia mensal ainda que variável em função da horas mensalmente prestadas, pelo que mais não resta do que concluir pela existência de uma relação contratual de trabalho subordinado.

Como refere a este propósito o tribunal a quoE – contrariamente à pretensão da ré, a quem cabia o respectivo ónus de (com a necessária certeza) ilidir aquela presunção – a demais factualidade apurada, no caso em apreço, veio contextualizá-la de uma forma positiva, realçando os elementos constitutivos de uma verdadeira relação de trabalho subordinado ou jus-laboral (não sendo o mero facto de a ré ter intitulado tais contratos como de prestação de serviços, de o pagamento à trabalhadora depender da emissão por esta de facturas-recibos/vulgarmente chamados como recibos-verdes e de, entre Outubro de 2008 até Abril de 2019, esta ter estado inscrita na Segurança Social como trabalhadora independente declarando rendimentos como tal e de, desde Janeiro de 2019 em diante, ter ficado inscrita como trabalhadora por conta da ré, suficientes para, por si só, se desvirtuar tal relação jus-laboral).”.

Por último cabe-nos referir que a recorrente defende que a considerar-se que estamos perante um contrato de trabalho para efeitos de antiguidade terá apenas de se considerar a última relação jurídica constituída em Setembro de 2018, uma vez foram celebrados diversos contratos, tantos quantos os anos lectivos respeitantes, sendo certo que entre meados de Julho e Setembro nunca existiu qualquer relação jurídica entre as partes.

Esta posição da Recorrente também não merece acolhimento, pois provada que se mostra a relação contratual de natureza laboral estabelecida entre a recorrente e a C. C., com início em 24-09-2007, apenas se impõe reconhecer e fixar a data do seu início, revelando-se de inadmissível a pretensão de converter os diversos contratos celebrados entre as partes em contratos de trabalho a termo certo, pois tal violaria as mais elementares normas de direito laboral no que respeita à contratação a termo resolutivo, designadamente os artigos 140.º, 141.º, 147º e 148.º do Código do Trabalho.
Em face do exposto mais não resta do que julgar o recurso improcedente, sendo de manter a decisão recorrida.

V– Decisão

Pelo exposto e nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por ASSOCIAÇÃO EMPRESARIAL DE X, Y E W.
Custas a cargo da Recorrente
Notifique.
21 de Maio de 2020

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga

Sumário – artigo 663º n.º 7 do CPC.

I – A nulidade da sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando fique por decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, o que não sucede quando o tribunal não se debruce sobre simples conclusões, argumentos, opiniões, factualidade irrelevante ou contraditória com outra apurada.
II - Só existe excesso de pronúncia nos termos do art.º 615.º, nº 1, alínea d), do CPC., quando o juiz se ocupa de questões que não foram submetidas à sua apreciação pelas partes e sem que a lei permita ou imponha o seu conhecimento oficioso. Tal não sucede quando o juiz profere sentença estando pendente um incidente de suspeição. O que poderia estar em causa seria uma nulidade processual, resultante da eventual prática de acto que a lei não admite. Contudo, nesta sede a sua arguição seria sempre de considerar extemporânea, pois teria de ter sido suscitada na sequência do despacho que indeferiu o pedido de suspensão da instância, o que não sucedeu. cfr. arts. 195.º n.º 1 e 199.º n.º 1 do CPC.
III - A acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é uma acção de simples acção de apreciação positiva, cujo objecto não se esgota com a celebração em data posterior à visita inspectiva da ACT, de um contrato de trabalho com efeitos reportados a uma data posterior à da visita. Tal resulta desde logo claro do disposto no artigo 15-A, n.º 2 da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro ao estabelecer que o procedimento é imediatamente arquivado, nos casos em que o empregador faça prova da regularização da situação do trabalhador reportada à data do início da relação laboral.
IV - O contrato de trabalho celebrado entre empregador e trabalhador só inutilizará a acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, se for reconhecido pelos outorgantes e existência do contrato de trabalho nos precisos termos peticionados pelo Ministério Público, ou seja desde a data indicada na petição inicial ou numa outra anterior a esta.
VEstando por reconhecer a relação estabelecida entre a C. C. e a Recorrente desde o início da relação contratual e até 31-12-2018, de forma a fixar-se a data de início da relação laboral em conformidade com o previsto no art.º 186.º-O, ns.º 8 e 9 do CPT., que deve ser comunicada à ACT e ao Instituto da Segurança Social, com vista à regularização das contribuições é de concluir pela manutenção da utilidade da presente acção.
VI - A defesa do interesse público, no caso, não se esgotou com reconhecimento do contrato de trabalho com início em data posterior aos factos constatados pela ACT aquando das visitas levadas a cabo no âmbito da acção de fiscalização, mantendo-se assim o interesse em agir do Ministério Público, que transcende o interesse particular do próprio trabalhador.
VII – É de reconhecer a existência de contrato de trabalho quando se verifique que o trabalhador, durante 11 anos lectivos consecutivos esteve inserido na estrutura organizativa do empregador, exercendo a sua actividade de docente/formador, recebendo como contrapartida uma quantia mensal ainda que variável em função da horas mensalmente prestadas, recebendo ordens e orientações do empregador, que detinha o poder de fiscalização, quer porque procedia a avaliação do desempenho, quer porque em caso de violação das normas regulamentares que o trabalhador estava obrigado a observar lhe podia aplicar as sanções que constam do seu regulamento interno, entre as quais se destaca a cessação imediata do contrato celebrado, sem direito a indemnização.

Vera Sottomayor



1. Neste sentido, entre muitos outros, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2015, proferido no processo n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1 (disponível em www.dgsi.pt).