Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3461/16.2T8BRG.G2
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: ACÓRDÃO DA RELAÇÃO ANULADO PELO STJ
CONTRADIÇÃO E AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
SUPRIMENTO DA CONTRADIÇÃO PELA RELAÇÃO
BAIXA DO PROCESSO À 1ª INSTÂNCIA PARA AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CASO JULGADO
DECLARAÇÕES DE PARTE
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
PRAZO PRESCRICIONAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/01/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Suscitada impugnação de matéria de facto já objecto de anterior recurso decidido pela Relação, sem alteração nessa parte pelo STJ, em cuja revista determinou a eliminação de contradição quanto a outros factos e a necessidade de ampliação da matéria de facto quanto a factualidade também diversa, deve considerar-se estar a questão decidida com trânsito em julgado.
II- Coberta pelo trânsito em julgado da decisão, não deve a Relação conhecer da impugnação.
III. As declarações de parte são um elemento de prova novo, que foi introduzido pelo legislador, com a reforma do CPC em 2013, com vista a possibilitar a prova de factos cujo conhecimento é exclusivo das partes, ou de grande dificuldade de prova, por outros meios. É valorizado, credibilizado pelo princípio da livre apreciação das provas, valendo por si, mesmo que não haja outros elementos de prova coadjuvantes.
IV. Face às respostas aos pontos de facto 6 a 14 e 36 e 37 julgou-se que se verificaram os pressupostos da responsabilidade contratual das rés/apelantes.
V- Na intermediação financeira o prazo prescricional é de 2 anos se não houver dolo ou culpa grave (artigo 324 do CVM), o que aconteceu, no caso em apreço, aplicando-se o prazo ordinário de 20 anos.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães (1)

R. G., e marido, M. M., intentaram a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra X – BANCO ELECTRÓNICO DE SERVIÇO TOTAL, S.A., e BANCO A, S.A., pedindo:

a) a título principal: a condenação destes a pagar-lhes o montante de € 100.000,00, acrescido dos juros convencionados no período de subscrição de seis meses, no montante de € 2.050,00 e dos juros de mora contados à taxa legal, sobre o montante de € 102.050,00, desde 28 de Julho de 2014 até efetivo e integral pagamento;
b) subsidiariamente: a anulação do negócio celebrado com o 1º. Réu e a condenação de ambos os Réus na devolução do montante de € 100.000,00, acrescido de juros de mora, contados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto alegaram, em síntese, que são titulares de uma conta bancária numa dependência do 1ª. Ré e que, em Janeiro de 2014, o seu gestor de conta apresentou à Autora uma proposta de investimento pelo prazo de seis meses, descrevendo-o como um investimento isento de risco de capital, equiparável a um depósito a prazo, o que a levou a efetuar uma aplicação de € 100.000,00 nesse produto financeiro.

Porém, nem na data do vencimento da aplicação, nem posteriormente, aquela quantia foi colocada à disposição dos Autores, invocando a 1ª Ré a situação de insolvência da entidade emissora do produto financeiro subscrito por aqueles, concluindo os mesmos que a 1ª Réu agiu com dolo e má-fé, pois à data da intermediação financeira no negócio sabia da situação financeira do Grupo Y a que pertencia e, para além disso, não cumpriu, de forma grosseira, com as obrigações e deveres, nomeadamente de informação, a que está adstrito na qualidade de intermediário financeiro, tendo-lhes vendido um produto sem as características por si transmitidas.

Por fim, invocaram a existência de erro sobre o objeto do negócio e defenderam a responsabilização também da 2ª Ré pelos prejuízos causados, dada a relação de domínio total existente entre este último e 1ª Ré, que é integralmente detido por aquele.

As Rés apresentaram contestação, nos termos constantes de fls. 71-vº a 84 do processo físico, invocando em primeiro lugar a incompetência em razão do território e excecionando a prescrição do direito a que os Autores se arrogam, bem como a ilegitimidade da 2ª Ré.

Defenderam-se, ainda, por impugnação, negando grande parte da factualidade alegada pelos Autores, nomeadamente aquela através da qual estes últimos lhe atribuem responsabilidade civil, pois a 1ª Ré apenas se limitou a executar uma ordem de subscrição dada pela Autora e prestou-lhe todas as informações legalmente exigíveis, nunca tendo garantido o reembolso do capital investido.
Concluiu, pedindo a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.

Os Autores apresentaram resposta às exceções deduzidas pelas Rés (fls. 141-vº a 145 do processo físico).

Procedeu-se a uma audiência prévia (cfr. ata de fls. 148 do processo físico).

Foi elaborado despacho saneador, no qual foi negado provimento à incompetência territorial deduzida pelas Rés e à exceção de ilegitimidade, tendo o conhecimento da exceção perentória de prescrição sido relegado para decisão final.

Após foi fixado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova (fls. 149 a 152).

Procedeu-se seguidamente a julgamento.

Oportunamente foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
“Por tudo o exposto, decide-se julgar procedente a presente ação e, em consequência:
- condenar solidariamente o 1º e o 2º Réu no pagamento aos Autores da quantia de € 102.050,00, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor legal, desde 28 de Julho de 2014 até efetivo e integral pagamento.”

Inconformadas com o decidido as rés interpuseram recurso de apelação, formulando conclusões no sentido da impugnação de alguns pontos da matéria de facto e no segmento da decisão de direito, concluindo pela revogação do sentenciado com a improcedência da ação.

Houve contra-alegações que defendem o decidido.

O TRG, por acórdão, julgou a apelação improcedente, mantendo o decidido.

Inconformadas com o decidido as rés interpuseram recurso de revista excecional para o STJ que, por decisão singular, anulou o acórdão com fundamento na contradição entre respostas a dois factos e na necessidade da ampliação da matéria de facto respeitante ao nexo de causalidade.

O TRG., por acórdão, eliminou a contradição e ordenou a ampliação no que respeita aos artigos 133 e 134 da PI.

O tribunal da 1ª instância julgou esta matéria de facto e decidiu de direito julgando a ação procedente.

Inconformadas com o decido, as rés interpuseram recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:

“A. Praticamente tudo aquilo que o Tribunal a quo (e este Venerando Tribunal) deu como provado – as raras excepções redundam em outros claros lapsos – com relevo para a decisão a proferir baseou-se, única e exclusivamente, nas declarações de parte da Recorrida.
B. Essas declarações de parte, não só (i) foram atendidas sem qualquer censura, reserva ou hesitação pelo Tribunal a quo, como, o que é muito mais grave, (ii) prevaleceram sobre a experiência comum e, até, sobre outros meios de prova que as contrariavam frontalmente.
C.O entendimento jurisprudencial que faz depender a força probatória das declarações de parte da corroboração por outros meios de prova é a única que assegura adequadamente a correcta distribuição do ónus da prova relativamente a factos essenciais da causa de pedir, em termos diametralmente opostos aos que foram seguidos nestes autos.
D. O princípio da livre apreciação da prova não permite que a decisão sobre a matéria de facto seja produzida de forma arbitrária com base em íntimas convicções do julgador, senão quando circunstâncias similares, de forma frequente e reiterada, impliquem uma determinada situação de facto, de tal forma que de determinadas impressões sobre a prova produzida se possa, com alguma segurança e lógica, retirar determinadas conclusões factuais, o que manifestamente não sucedeu in casu.
E.É abundante nos autos a prova testemunhal sobre a forma de subscrição de papel comercial como aquele que os Recorridos subscreveram, tendo várias testemunhas enfatizado que não era possível ao Recorrente X executar uma subscrição sem ter subjacente uma ordem escrita como aquela que a Recorrida emitiu.
F. A Recorrida deslocou-se ao centro de investimento porque sabia, da sua experiência em investimentos anteriores, que os mesmos se processavam mediante emissão de ordem escrita para o efeito.
G. Foi alegada matéria relacionada com a questão de saber de quem foi a iniciativa do contacto que acabou por conduzir à subscrição do papel comercial, que deu origem àquilo que na primeira sentença foi enunciado como “facto não provado c)”.
H. O Tribunal a quo considerou não provado que a iniciativa do contacto telefónico sobre alternativas de investimento partiu da própria Recorrida, tendo feito prevalecer o alegado pelos Recorridos no artigo 22 da Petição Inicial, dando como provado o ponto 6 da matéria de facto com a redacção supra transcrita, lidando, contudo, o que a própria Recorrida confessou em declarações de parte.
I. A confirmação desse procedimento foi descrita pela testemunha A. M. ao minuto3:53 do seu depoimento (sessão de 12.09.2017).
J. A objecção dos Recorridos tem que ver com o facto de as próprias declarações de parte, reforçadas por outra prova testemunhal, demonstrarem ter sido a Recorrida quem tomou a iniciativa de contactar o Recorrente X e solicitar a apresentação alternativas de investimento.
K. Tendo em conta que foi a própria Recorrida quem, nas declarações de parte, contrariou a sua alegação inicial a esse respeito e confirmou aquilo que os Recorrentes alegaram na Contestação, o Facto não provado c) tinha, forçosamente, de ter sido dado como provado, alterando-se, em consequência e em conformidade, e para evitar mais contradições, a redacção do Facto 6.
L. Requer-se, assim, a V. Exas. que a redacção do Facto 6 passe a ser a seguinte: “Em Janeiro de2014, após solicitação da autora, esta foi contactada telefonicamente pelo seu gestor de conta no Banco X que lhe apresentou um investimento pelo prazo de seis meses, remunerado com uma taxa de juro anual na ordem dos 4%”.
M. A ordem de subscrição do instrumento financeiro não podia ser dada telefonicamente, sendo necessária a sua emissão por escrito, como o confirma a deslocação da Recorrida ao centro de investimento depois da conversa telefónica.
N. A Recorrida deslocou-se ao centro de investimento porque sabia que a operação só se concretizaria com a assinatura da documentação, tal como tinha acontecido com os seus investimentos anteriores,
O. Isso mesmo decorre claramente do que a própria Recorrida reconheceu ao minuto 5:38 da gravação das declarações de parte prestadas na sessão de 10.10.2017, e é confirmado pela prova testemunhal, nomeadamente o depoimento da testemunha A. M., ao minuto 15:25 da gravação (sessão de 12.09.2017), e o da testemunha J. A., ao minuto1:35 do depoimento prestado na mesma sessão.
P. Os argumentos do Tribunal a quo para inutilizar esses depoimentos não fazem qualquer sentido, uma vez que (i) a questão de saber como se processou a emissão da ordem de subscrição neste caso e (ii) a questão de saber como se processa a emissão dessas ordens“habitualmente” são uma e a mesma coisa para efeito de apuramento das regras contratuais aplicáveis.
Q. As regras contratuais aplicáveis à subscrição de papel comercial eram e são iguais para todos os clientes e essa questão é plenamente demonstrável testemunhalmente, como fizeram os Recorrentes.
R. Assim, porque a prova testemunhal produzida, cuja credibilidade não foi posta em causa de forma alguma pelo Tribunal a quo, foi absolutamente clara quanto aos procedimentos necessários à emissão de uma ordem válida de subscrição, requer-se a V. Exas. a alteração da redacção do Facto 8, nos seguintes termos: “Dias depois, a autora foi de novo contactada telefonicamente no sentido de se deslocar ao balcão de Braga do Banco X para assinar os documentos atinentes à operação pretendida e, assim, emitir validamente a ordem de subscrição”.
S. Da documentação de subscrição assinada pela Recorrida constava expressamente, como emitente, a RFI, identificada como uma sociedade anónima, incluindo o respectivo logótipo.
T. Mais do que isso, a Recorrida acabou por contrariar, nas suas declarações de parte, a estória de apenas investir em activos sem risco de capital e sobre a suposta convicção de que o investimento em papel comercial não tinha risco de capital.
U. Perguntada sobre qual a razão pela qual teria pretendido resgatar investimentos antecipadamente, perdendo a respectiva rentabilidade, se estava convicta de que os mesmos não tinham risco de capital e de que o reembolso estava assegurado, a resposta, ao minuto 21:10 da gravação das declarações de parte prestadas na sessão de 04.02.2020, não tem qualquer sentido: a Medida de Resolução e os seus termos só foram conhecidos dois meses depois dessa ponderação sobre o eventual resgate antecipado;
V. Logicamente, nunca poderiam ter sido equacionadas pela Recorrida à data, restando como explicação para essa ponderação a circunstância de a Recorrida saber que o investimento envolvia risco de perda de capital.
W. O próprio contexto que o Tribunal a quo conhecia devia, necessariamente, ter sido considerado na sua apreciação da prova produzida nos autos, especialmente no momento considerado na sua apreciação da prova produzida nos autos, especialmente no momento de apreciar e valorar as declarações de parte da Recorrida.
X. Sejam o histórico de investimentos da Recorrida (Documentos n.ºs 6, 7 e 9 juntos com a Contestação), seja a sua área de formação e de actividade profissional (reconhecido e aceite pela própria),seja a própria natureza da relação como personal financial advisor(esclarecida pela própria), seja a informação contida na ficha técnica e na ordem de subscrição escrita(documentalmente comprovada).
Y. A prova do “facto” 9 contraria frontalmente, antes de mais, a experiência comum e a normalidade no âmbito da apreciação da prova, à luz do contexto factual conhecido do Tribunal a quo, mas é desmentida, também, pelas próprias declarações de parte da Recorrida.
Z. Especialmente por violação, pelo Tribunal a quo, dos critérios legais a que se encontra vinculado na apreciação da prova produzida nos autos, requer-se a V. Exas. que revertam a decisão quanto ao tema em discussão, passando o Facto 9, assim, a ter a seguinte redacção:
“Deslocou-se para o efeito a esse balcão, onde se limitou a assinar a documentação que lhe foi exibida para o efeito, assim emitindo validamente a ordem de subscrição por si pretendida”.
AA. Se a redacção anterior do Facto 12 já era absolutamente inaceitável, a redacção que, entretanto, lhe conferiu o TRG é ainda menos compreensível, por duas razões fundamentais:
primeiro porque a alteração da redacção teve por base o entendimento segundo o qual “se provou que o acordo se concretizou ao telefone e não com a assinatura dos documentos de provou que o acordo se concretizou ao telefone e não com a assinatura dos documentos de fls. 20v e 21 e 114v e 115, datados do mesmo dia”; segundo, e ainda mais relevante, porque essa decisão do TRG violou normas de direito probatório material, não podendo ser mantida em circunstância alguma.
BB. A prova testemunhal produzida é clara o suficiente no sentido de estarem contratualmente previstos procedimentos específicos para a emissão de uma ordem de subscrição válida, de onde decorre que a ordem de subscrição pela Recorrida apenas se considerou validamente emitida por escrito, após assinatura, e não na conversa telefónica em que lhe foram emitida por escrito, após assinatura, e não na conversa telefónica em que lhe foram meramente apresentadas e explicadas alternativas de investimento.
CC. É esse, portanto, o momento que conclui toda a diligência do Recorrente X na prestação de informação, momento até ao qual deve essa diligência ser apreciada globalmente, não se reduzindo, simplesmente, o cumprimento do dever de informação pelo Recorrente X à mera apresentação telefónica do produto.
DD. A força probatória das declarações constantes de documentos particulares, como é o caso da ordem de subscrição que a Recorrida assinou (junta como Documento n.º 5 com a Contestação), proíbe outra prova em sentido contrário ao que decorre do seu teor.
EE. Em primeiro lugar, que nos termos do n.º 1 do artigo 376.º do Código Civil, o documento particular (sendo reconhecida, como é neste caso, a sua autoria) faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor – in casu, à Recorrida.
FF. Em segundo lugar, nos termos do n.º 2 desse artigo 376.º, em resultado de os factos contidos nessas declarações serem contrários aos interesses da Recorrida, os mesmos consideram-se provados nos termos prescritos para a prova por confissão;
GG. De onde decorre, em terceiro lugar, que, nos termos do disposto no artigo 358.º, n.º 2, do Código Civil, por ter sido feita perante a parte contrária, a declaração tem força probatória plena;
HH. De onde, por sua vez, em quarto lugar, decorre que, nos termos do disposto no artigo 393.º, n.º 2, do Código Civil, por tais factos se encontrarem provados plenamente por documento, que não se admite prova testemunhal em sentido contrário.
II. No momento em que declarou considerar-se devidamente informada, a Recorrida colocou legalmente em causa (vide artigo 334.º do Código Civil) a possibilidade de alegar, contraditoriamente, não ter sido devidamente informada sobre a mesma matéria.
JJ. Nunca poderia o Tribunal a quo dar este “facto” 12 como provado, especialmente quando o fez, única e exclusivamente, com base nas declarações de parte da Recorrida, cuja valoração é, além do mais, proibida pelo disposto no artigo 393.º, n.º 3, do Código Civil.
KK. Esta constatação coloca frontalmente em causa a ideia de que as declarações de parte foram consideradas relevantes perante a ausência de prova em sentido contrário, uma vez que, quanto a esta questão, existe a prova documental decorrente dos documentos de subscrição, dos quais constam todas as informações relevantes sobre o investimento, bem como a declaração da Recorrida com força probatória plena.
LL. O Tribunal a quo defendeu que “a documentação em causa já se encontrava previamente elaborada e o seu teor não foi objecto de discussão e negociação prévias” e“que o respectivo conteúdo não foi explicado pelo 1º Réu”, tendo daí retirado a consequência prevista no artigo 8.º, alíneas a), b) e c) do RJCCG.
MM. A teleologia do regime não é no sentido de inutilizar toda e qualquer cláusula que tenha sido previamente elaborada por uma das partes e não tenha sido especificamente negociada, mas antes a de fazer impender sobre o proponente das cláusulas deveres específicos de comunicação e informação, apenas determinando a exclusão das cláusulas dos contratos em que se insiram se esses deveres deverem considerar-se incumpridos.
NN. Para efeitos da sua exclusão de um contrato, o que cumpre averiguar não é se uma determinada cláusula foi especificamente negociada entre as partes, mas sim se a parte que a apresentou cumpriu, quando aplicáveis e nessa exacta medida, os deveres de comunicação da sua existência e de informação sobre o seu teor.
OO. A parte que se vinculou a cláusulas contratuais gerais pode imputar à parte proponente a violação de deveres de comunicação e informação se(i)as circunstâncias do caso (a extensão ou complexidade das cláusulas, a sua experiência e formação, etc.) exigirem uma diligência superior, e se (ii) tiver ela própria cumprido a diligência mínima que a boa-fé lhe impõe.
PP. Mas não pode pretender ver excluídas cláusulas de um determinado contrato se tiver prescindido conscientemente de, ou recusado, delas tomar conhecimento e de, sobre as mesmas, solicitar eventuais esclarecimentos à contraparte.
QQ. A Recorrida alega, quase orgulhosamente, que prescindiu de tomar conhecimento do teor das cláusulas porque assumiu, pura e simplesmente, que as mesmas tinham determinado teor, o que nem sequer faz sentido quando a Recorrida já tinha subscrito, antes daquele a que se reportam estes autos, diversos outros instrumentos financeiros em termos em tudo equivalentes.
RR. A declaração emitida pela Recorrida consta, no documento, no espaço imediatamente anterior à sua assinatura, e numa mancha gráfica equivalente à do remanescente do documento.
SS. Não está em causa uma qualquer remissão para o conteúdo de documentos diversos daquele em que a assinatura foi aposta, mas sim uma declaração clara, perceptível, aposta no próprio documento em que a Recorrida emitiu a ordem de subscrição.
TT. Nada há a censurar, em sede de alegada ilicitude, quanto ao dever de comunicação do teor das cláusulas em causa, já que a sua existência era por demais óbvia e a sua extensão absolutamente clara, além de ser perfeitamente conhecido da Recorrida em consequência de todo o seu histórico de investimentos financeiros anteriores.
UU. Quanto ao dever de informação, resulta cristalinamente do teor do artigo 6.º, n.º 1, do RJCCG, que esse dever não é um dever absoluto, antes abrangendo apenas os “aspectos nelas compreendidos cuja aclaração”, “de acordo com as circunstâncias”, “se justifique”.
VV. Não se vislumbra qual(is) o(s) aspecto(s) dessa declaração que poderiam carecer de aclaração, já que a linguagem utilizada na mesma é simples e clara, não fazendo referência a circunstâncias mais ou menos omissas, ou obscuras, ou subentendidas, nem a mesma se encontra redigida de forma que dificulte a sua apreensão por um cliente médio.
WW. O dever de comunicação foi devidamente cumprido pelo Recorrente X, tendo o clausulado relevante sido fornecido à Recorrida previamente à celebração do contrato (com a assinatura da ordem escrita de subscrição), e as cláusulas relevantes para esta discussão não apresentavam qualquer aspecto – fosse de complexidade, tecnicidade ou articulação sistemática com outras – que justificasse uma particular iniciativa de esclarecimento por parte do Recorrente X.
XX. Foi a Recorrida quem não usou da diligência mínima que a boa-fé impõe a um cliente com as suas características e experiência, pelo que nunca poderia proceder uma imputação como aquela que, a este respeito, fez ao Recorrente X.
YY. A aferição do cumprimento desses deveres não pode prescindir do contexto em que as mesmas foram propostas à Recorrida, ou seja, das circunstâncias que, no seu relacionamento concreto com a Recorrida, o Recorrente X teve em consideração.
ZZ. Por as circunstâncias não exigirem actuação diversa e por a Recorrida não ter usado da diligência mínima que se impõe a um cliente com as suas características, não houve qualquer violação, pelo Recorrente X, do disposto nos artigos 5.º e 6.º do RJCCG, pelo que o teor da ordem de subscrição de papel comercial emitida pela Recorrida deve manter-se em toda a sua extensão, incluindo todas as declarações por esta aí prestadas, com todas as consequências legais.
AAA. Assim, requer-se a V. Exas. que revertam a decisão do Tribunal a quo, dando-se como não provado o “facto” 12, por o seu conteúdo conflituar, em parte, com o de documento com força probatória plena, não sendo legalmente admissível prova testemunhal em contrário, e, portanto, em virtude de a prova desse “facto”, nos termos em que foi feita, violar normas de direito probatório material.
BBB. E por, noutra parte, a sua suposta prova ter sido sustentada apenas nas declarações de parte da Recorrida, quando outros meios de prova muito mais idóneos e imparciais deixaram suficientemente claro que a emissão de ordens de subscrição de papel comercial por telefone, pura e simplesmente, não era contratualmente permitida.
CCC. Como Facto12, deve considerar-se provado, como impõem os artigos 376.º, n.ºs 1 e 2, 358.º, n.º 2, e 393.º, n.º 2, todos do Código Civil, aquilo que resulta do Documento n.º 5 junto com a Contestação, ou seja, que: “Quando emitiu validamente e assinou a ordem de subscrição do papel comercial, a A. já havia sido devidamente informada da Nota Informativa sobre as características características e condições do mesmo, tinha conhecido e aceite integralmente a Ficha Técnica e tinha integral e perfeito conhecimento dos riscos do investimento, sendo a vontade e decisão de aquisição do papel comercial da sua inteira responsabilidade”.
DDD. Nunca poderia dar-se como provado que a RFI era uma sociedade do Grupo Y, uma vez que não existia entre aquela e o Banco ... qualquer relação de grupo – aliás, não existia qualquer relação de participação entre ambas.
EEE. A prova desse facto resulta também daquela visão errada de acordo com a qual a ordem teria sido emitida por telefone e nenhuma da informação prestada à Recorrida após a chamada telefónica de apresentação do investimento serve para o que quer que seja.
FFF. A prova testemunhal demonstrou que a ordem de subscrição apenas se considerava validamente emitida quando o fosse por escrito, de onde decorre que a informação prestada à Recorrida documentalmente tem de ser relevada, nomeadamente as referências a “Y Group” no próprio logotipo da RFI constante da Ficha Técnica.
GGG. Pelo que, nunca se poderia ter dado como provado o “facto” 14, requerendo-se a V. Exas. que alterem a decisão do Tribunal a quo dando-o como não provado, ou, subsidiariamente, ser o mesmo dado como provado apenas na versão que resulta de toda a ponderação de prova a que nos referimos, a saber: “Na conversa telefónica em que lhe foram apresentadas alternativas de investimento, não foi especificamente transmitido à autora que o papel comercial foi emitido por uma empresa do Grupo Y, designadamente a RF.”.
HHH. A relevância das relações de grupo não pode ser analisada com base num conceito económico de “grupo societário”, mas sim do ponto de vista da definição legal de relações de grupo, analisadas relativamente a duas concretas sociedades, nos termos previstos no CSC.
III. De acordo com o disposto nos artigos 488.º a 490.º do CSC, só se considera existir relação de grupo entre duas sociedades quando uma delas detém originariamente, ou passa supervenientemente a deter, 100% do capital social da outra, ou quando seja celebrado contrato de subordinação (que para aqui não releva).
JJJ. Não havendo contrato de subordinação, como não havia, duas sociedades encontram-se em relação de grupo, única e exclusivamente, quando uma delas seja titular, directa ou indirectamente, da totalidade do capital social da outra.
KKK. Qualquer participação inferior a 100% é qualificada, apenas, como uma relação de domínio– que já não despoleta a aplicação do mesmo regime que as relações de grupo.
LLL. A alegação feita no artigo 58 da Petição Inicial foi expressamente impugnada pelos Recorrentes na sua Contestação, e a informação que o contraria está, como sempre esteve, publicamente disponível no website do Recorrente X, no âmbito do seu Relatório e Contas relativo ao exercício de 2014
MMM. Tendo sido expressamente impugnada pelos Recorrentes, o ónus da prova dessa alegação manteve-se sobre os Recorridos, que não apresentaram qualquer meio de prova apto a demonstrar tal alegação, nem o poderiam fazer por não corresponder à realidade.
NNN. Assim, requer-se a V. Exas. que rectifiquem o lapso do Tribunal a quo, dando como não provado o facto 26.
OOO. Dos documentos 8 e 9 juntos com a Petição Inicial não resulta que o Recorrente X tivesse tido conhecimento das determinações do BdP referidas pelos Recorridos, já que as únicas entidades mencionadas pelo BdP como tendo sido destinatárias das mesmas, neste quadro, são a YFG e o Banco ....
PPP. O Recorrente demonstraram documentalmente nos autos, através do documento que juntou com o seu requerimento de 23.07.2018, apresentado junto do STJ, quando o recurso de Revista Excepcional já estava pendente (ora junto como Documento n.º 1).
QQQ. No que toca ao Recorrente X, aquele documento deixa óbvio que a referida proibição apenas foi imposta cerca de duas semanas após a data da subscrição do papel comercial aqui em causa pelos Recorridos, que teve lugar em 28 de Janeiro de 2014.
RRR. Perante o teor do documento em causa, a serem dados como provados os factos 29 e 32, nunca poderia ser em termos diversos dos que seguidamente se apresentam, requerendo- se a V. Exas. que alterem a decisão do Tribunal a quo em conformidade:
SSS. Facto 29: “Em 3 de Dezembro, o Banco de Portugal determinou e comunicou à YFG e ao Banco ... que fosse eliminada a «exposição resultante quer do financiamento direito ou indirecto, quer da concessão de garantias do grupo YFG à YI que não estivesse coberta por garantias juridicamente vinculativas e prudentemente avaliadas”
TTT. Facto 32: “Em 14 de Fevereiro de 2014 o Banco de Portugal determinou à YFG e ao Banco ... a«Proibição da comercialização, de forma directa ou indirecta (designadamente através de fundos de investimento ou outras instituições financeiras), de dívida de entidades do ramo não financeiro do Grupo Y junto de clientes de retalho»”.
UUU. As testemunhas A. M., J. A. e C. A. – minuto 21:09 do depoimento da testemunha A. M. (sessão de 12.09.2017), minuto 08:23 do depoimento da testemunha J. A. (sessão de 12.09.2017), minuto 09:10 do depoimento da testemunha C. A. (sessão de 12.09.2017), minutos 25:20 e 35:47 do depoimento da testemunha J. C. (sessão de 12.09.2017) – afirmaram e justificado precisamente o oposto do que daí consta, a única testemunha que avançou com uma suposição em sentido contrário não fez mais do que isso, não tendo referido conhecimento directo de qualquer facto relacionado com essa questão, nem sequer de “ouvir dizer”.
VVV. Essas testemunhas, (i) não só referiram que esse conhecimento não existia, de forma generalizada, no Recorrente X, como (ii) demonstraram conhecimento de casos de colaboradores (e familiares) do mesmo que investiram neste mesmo instrumento financeiro e perderam todo o investimento, alguns dos quais, especificamente, membros do Conselho de Administração.
WWW. O argumento de que os seus depoimentos eram irrelevantes “porque não conseguiram concretizar a data da aquisição, para se saber se foi antes ou depois do Aviso do Banco de concretizar a data da aquisição, para se saber se foi antes ou depois do Aviso do Banco de Portugal”, na medida em que o papel comercial era emitido em séries, com datas limite de subscrição previamente definidas, e que a série subscrita pelos Recorridos foi a única série ainda comercializada que não chegou a ser reembolsada pela emitente.
XXX. Todos os colaboradores e até administradores do Recorrente X que perderam investimentos em papel comercial tinham subscrito precisamente a mesma série que os Recorridos, ao contrário do que este TRG já pretendeu defender.
YYY. Perante a prova gravada, produzida em audiência, dúvidas não restam de que o “facto” 31 não poderia, em caso algum, ter sido considerado provado, devendo essa decisão ser revertida por V. Exas, dando-o como não provado, o que se requer.
ZZZ. Os “factos” 36 e 37 resultam das alegações feitas pelos Recorridos nos artigos 133 e 134 da Petição Inicial, sinalizados pelo STJ quando se referiu à insuficiência da matéria de facto, e foram objecto específico da sessão de julgamento de 04.02.2020, conforme ordenado por este TRG.
AAAA. O juízo de prognose exigível de um intermediário financeiro no âmbito de uma intermediação, bem como a percepção que o cliente teve da informação prestada, não podem ser aferidos com base no conhecimento de facto que o julgador tem na hora de decidir.
BBBB. O incumprimento por parte do emitente do produto financeiro em causa, que é inevitavelmente do conhecimento do tribunal na data em que a questão lhe e colocada, não era, e na quase totalidade dos casos não tinha que ser – como não era in casu – do conhecimento, ou sequer antecipável, pelo intermediário financeiro.
CCCC. Quanto à ideia de que o capital aplicado no papel comercial era “novo” e proveniente de outra instituição, isso apenas é verdade relativamente a € 10.000 que a Recorrida terá creditado na conta para liquidação da subscrição, sendo que os restantes € 90.000 já constavam na conta desde Agosto de 2013 e até já tinham sido utilizados para investimentos no Fundo Y Liquidez, como decorre com clareza do Documento n.º 6, junto com a Contestação.
DDDD. Não é verdade a ideia segundo a qual os depósitos a prazo especiais são disponibilizados a “capital novo” e não a “clientes” novos: o critério, nomeadamente do Recorrente X, é o de apenas atribuir depósitos preferenciais a contas novas.
EEEE. Bem sabia a Recorrida que, depois de ter beneficiado uma vez desse depósito com taxa especial, não podia, no âmbito da mesma conta, beneficiar de remuneração equivalente em depósitos a prazo.
FFFF. Não foi porque a Recorrida tomou como referência o valor garantido em depósitos a prazo que aplicou exactamente € 100.000,00 em papel comercial, foi porque esse era o valor mínimo de cada subscrição, como decorre com clareza da Ficha Técnica do papel comercial, junta com a Contestação como Documento n.º 5.
GGGG. Resulta claro de ambos os depoimentos da testemunha C. A. (e.g. sessão de 04.02.2020, ao minuto 3:54 da gravação), que quatro dos cinco investimentos que a Recorrida realizou através do Recorrente X tinham risco de perda de capital, bem como que todos esses investimentos tiveram lugar antes da subscrição do papel comercial em discussão nos autos.
HHHH.A Recorrida percepcionou o risco como sendo extremamente baixo – tal como era percepcionado por todos os agentes do mercado (incluindo os reguladores BdP e CMVM) à luz da informação auditada e publicamente disponível –, e, quando este se materializou, entendeu responsabilizar o Recorrente por esse evento imprevisível à data da subscrição, com base no mesmo vício de raciocínio que referimos e que o STJ cada vez mais reprova.
IIII. Essa perspectiva não é admissível de um tribunal em qualquer circunstância, em particular tendo em conta as características das partes e a prova (ou ausência dela) produzida nos autos.
JJJJ. Por tudo o exposto, requer-se a V. Exas. que revertam a decisão do Tribunal a quo relativamente aos Factos 36 e 37, dando-os como não provados, como devia ter feito o Tribunal a quo.
KKKK. O Recorrente X não foi abrangido pela Medida de Resolução aplicada ao Banco ... pelo BdP, não teve quaisquer processos impulsionados pelos reguladores (BdP e CMVM) relacionados com o “tema Banco …”, nem com a intermediação de subscrições de dívida de sociedades do Grupo Y, tendo mantido a sua actividade com todo o reconhecimento que a mesma merece do mercado.
LLLL. O mínimo que o Tribunal a quo devida ter feito antes de lhe imputar dolosamente os factos que aqui estão em discussão era ter explicado qual teria sido a motivação do Recorrente X, até porque o elemento volitivo é uma vertente crucial do conceito de dolo.
MMMM. Toda a análise da prova produzida e a decisão sobre a matéria de facto provada e não provada foram evidentemente toldadas por aquela ideia a que já nos referimos supra e que o próprio STJ já qualificou, na prática, como uma efectiva presunção de nexo de causalidade.
NNNN. Todos os investimentos em instrumentos financeiros (mesmo os não complexos, como era o caso) acarretam riscos, maiores ou menores, compensados tendencialmente pela remuneração que cada instrumento oferece.
OOOO. Se esse risco for, pura e simplesmente, retirado judicialmente (e contra legem) da esfera dos investidores e transferido para os intermediários financeiros, toda a actividade ficará comprometida e deixará de fazer sentido, pois passaremos a ter os intermediários financeiros sujeitos a riscos que não são compensados pela contrapartida financeira paga pelos investidores, e os investidores sujeitos a receberem remunerações superiores à dos investimentos efectivamente garantidos sem estarem, porém, sujeitos aos riscos de insucesso dos investimentos que realizam.
PPPP. O Tribunal a quo não conseguiu compreender que a materialização do risco de um investimento não é, em si, sinónimo de que há algo a apontar negativamente à intermediação financeira.
QQQQ. A eventual materialização do risco é, apenas e só, a possibilidade que qualquer investidor tem de ponderar, em conjunto com a retribuição oferecida, e pesando toda a informação (prestada pelo intermediário financeiro e publicamente disponível) sobre a entidade responsável pelo reembolso, antes de realizar o investimento.
RRRR. Para entender que o dever de informação foi violado, o Tribunal a quo entendeu, necessariamente, ser razoável e normal, de acordo com a experiência comum, toda a uma série de circunstâncias que nada têm de normal ou aceitável, além de que essa informação sempre se consideraria prestada na documentação que a Recorrida assinou quando formalizou o investimento.
SSSS. O Tribunal a quo incorreu em outro lapso jurídico, nomeadamente ao dar por não escritas as declarações prestadas pela Recorrida nessa ocasião, nos termos do artigo 8.º do RJCCG, devido apenas ao facto de o conteúdo da ordem de subscrição não ter sido previamente negociado nem, alegadamente, explicado à Recorrida
TTTT. Os deveres de comunicação (quanto à existência das cláusulas contratuais gerais) e de informação não são deveres absolutos, justificando-se especialmente relativamente a aspectos de uma cláusula contratual geral que careçam de pormenorização ou clarificação.
UUUU. O histórico de investimentos dos Recorridos tem, necessariamente, de ter impacto na intensidade do dever de informação que se exige do intermediário financeiro, especialmente quando a esse histórico acrescem as características pessoais (nomeadamente de formação e actividades profissionais) dos Recorridos e o concreto instrumento financeiro que aqui está em causa e que é unanimemente reconhecido como o menos complexo, menos volátil e com menos risco de todos.
VVVV. O Tribunal a quo fez claramente impender sobre o Recorrente X um ónus de prova impossível, porquanto a natureza oral e directa da primeira fase de prestação de informação impossível, porquanto a natureza oral e directa da primeira fase de prestação de informação(apresentação do produto) confere à ordem escrita de subscrição uma importância crítica, não só em termos de validade da ordem, como de prova, pelo intermediário financeiro, de que informação legalmente exigível foi prestada ao cliente e de que este se considerou conhecedor da mesma.
WWWW. Atendendo ao contexto factual e àquela que teria sido a única decisão razoável sobre a matéria de facto, nunca, em caso algum, se poderia considerar que o Recorrente X violou deveres de informação, no que aqui releva, quanto ao risco de perda de capital, subjacente ao investimento que os Recorridos efectuaram;
XXXX. Uma vez que, independentemente da conversa telefónica em que o produto foi inicialmente apresentado (sobre a qual só conhecemos a perspectiva interessada da Recorrida), foi entregue à Recorrida documentação da qual constavam, não só esse, como todos os outros riscos do investimento.
YYYY. Não há razão para desonerar a Recorrida da diligência mínima de ler essa informação e, perante eventuais dúvidas, solicitar os esclarecimentos que porventura considerasse necessários e que certamente detectaria se, como afirma, a apresentação telefónica tivesse descrito o produto em sentido diametralmente oposto ao que consta da documentação informativa.
ZZZZ. Dos Documentos n.ºs 8 e 9, juntos pelos Recorridos com a sua Petição Inicial, não só resulta que (i) não se verificou qualquer proibição de venda de papel comercial em momento anterior à data do investimento concretizado pelos Recorridos, como (ii) não consta qualquer referência ao Recorrente X, mas sim, e apenas, à YFG e ao Banco ..., que foram os únicos destinatários das determinações aí mencionadas.
AAAAA. Diversas testemunhas frisaram o facto de terem sido feitos investimentos equivalentes ao dos Recorridos por colaboradores do Recorrente X, familiares e amigos seus, bem como, por administradores do Recorrente X, tendo todos sido lesados pela falta de reembolso pela emitente
BBBBB. Além disso, os Recorrentes juntaram aos autos, ao abrigo do disposto no artigo 425.º do CPC, junto do STJ, em 23.07.2018, um documento emitido pelo BdP nos termos do qual este reconhece que as questões relacionadas com o risco de exposição a dívida de entidades do Grupo Y, bem como a proibição da sua comercialização, nunca foram notificadas ao Recorrente X (Cfr. Documento n.º 1) – esse documento não pode ser ignorado e não podem V. Exas. deixar de retirar do mesmo as consequências legais.
CCCCC. Nenhum raciocínio de “imputação de conhecimento” pode ser meramente lógico e automático, antes devendo basear-se em critérios normativos compreensíveis e inquestionáveis.
DDDDD.É necessário tomar em conta a que título a pessoa singular em causa tomou conhecimento das informações, em que contexto, e qual a relação das mesmas com as funções desempenhadas por tal pessoa.
EEEEE. Depois, antes de se presumir que um determinado membro de órgão de administração de uma sociedade lhe transmitiu informações sobre outra sociedade da qual é igualmente administrador, é necessário reconhecer que tal pode não ter sucedido.
FFFFF. É inadmissível o conjunto de presunções em que o Tribunal a quo, na prática, suportou a ideia de que o Recorrente X, ou os seus administradores, tinham conhecimento da real situação financeira da emitente e/ou do risco de exposição à sua dívida.
GGGGG. Não há qualquer informação de que o Recorrente X tivesse conhecimento e que devesse ter sido transmitida aos Recorridos sem que o tivesse sido, o Tribunal a quo, ao considerar terem sido praticados factos ilícitos, interpretou erradamente as normas previstas nos artigos, tendo retirado das mesmas um conjunto de imposições que, em face do caso concreto, delas manifestamente não resulta, o que se argui para efeitos do artigo 639.º, n.º 2, alínea b), do CPC.
HHHHH. Do artigo 7.º, n.º 1, do CVM, e ponderado o conjunto de informação prestada, tanto telefonicamente, como na documentação informativa entregue à Recorrida, não pode retirar-se que a informação prestada aos Recorridos não tenha sido completa, verdadeira, actual, clara, objectiva ou lícita, tendo o Recorrente X prestado toda a informação de que dispunha e a que estava legalmente obrigado.
IIIII. Não se vislumbra que actuação diversa poderia o Recorrente X ter adoptado, nomeadamente de que forma se poderia considerar que este colocou em causa os legítimos interesses dos clientes, ou a eficiência do mercado, ou a transparência, ou a boa-fé, ou a lealdade (vide artigo 304.º, n.ºs 1 e 2 do CVM),
JJJJJ. Se houve coisa que o Recorrente X fez, foi ter em conta os conhecimentos e experiência dos Recorridos em investimentos financeiros, como lhe impunha o artigo 304.º, n.º 3, do CVM.
KKKKK. A referência ao artigo 312.º, n.º 1, alínea a), do CVM é descabida uma vez que o Recorrente X, como ficou óbvio da prova produzida nos autos, não conhecia nenhum risco especial concreto que devesse ter transmitido aos Recorridos.
LLLLL. O Tribunal a quo errou na determinação da norma aplicável, o que é fundamento de recurso nos termos do disposto no artigo 639.º, n.º 2 alínea c), do CPC, não havendo norma que alternativamente devesse ter sido aplicada simplesmente porque a situação de facto não era apta a preencher aquela a que se refere o Tribunal a quo.
MMMMM.A referência aos artigos 312.º-C, n.º 1, alínea j) e 312.º-E, n.ºs 1 e 2, é igualmente absurda, uma vez que todos os riscos aí mencionados constavam com toda a clareza da documentação informativa, pelo que, independentemente da decisão de dar por não escrita uma parte dessa documentação, é manifesto que o Recorrente X transmitiu a informação relevante aos Recorridos.
NNNNN. O Tribunal a quo errou na determinação da norma aplicável, o que é fundamento de recurso nos termos do disposto no artigo 639.º, n.º 2 alínea c), do CPC, não havendo norma que alternativamente devesse ter sido aplicada simplesmente porque, mais uma vez, a situação de facto não era apta a preencher aquela a que se refere o Tribunal a quo.
OOOOO. Consta dos autos, sem margem para dúvidas ou para prova em contrário, que a Recorrida recebeu, e assinou, a documentação informativa sobre o papel comercial.
PPPPP. Independentemente do expediente de ter considerado excluída dessa documentação a declaração da Recorrida no sentido de ter sido informada dos riscos e condições do investimento – que apenas tem reflexo na questão do valor probatório dessa declaração, o Tribunal a quo não inutilizou, nem podia, o remanescente desses documentos.
QQQQQ. Uma coisa é discutir se a Recorrida leu ou não essa documentação, outra é discutir se o Recorrente X lhe forneceu a informação relevante ou não.
RRRRR. Se é a diligência de um intermediário financeiro que estamos a analisar, na prestação de informação a uma cliente sobre riscos e condições de um determinado produto financeiro, não é possível considerar que aquele actuou com dolo, ou mesmo com negligência grosseira, quando a sua diligência incluiu a entrega de documentação da qual aqueles constam tão claramente.
SSSSS. A imputação subjectiva também assenta na ideia incorrecta e indemonstrada segundo a qual o Recorrente X, na data da subscrição, nas pessoas dos seus administradores, estava ciente de um risco especial associado à exposição a títulos de dívida de entidades do Grupo Y.
TTTTT. Já se escalpelizou a (in)utilidade probatória dos Documentos n.ºs 8 e 9 juntos com a Petição Inicial, bem como se transcreveram depoimentos de testemunhas com relevo para essa matéria que atestaram em sentido contrário a esse, além de se ter enfatizado a importância de se considerar a documentação que os Recorrentes juntaram aos autos em 23.07.2018, por requerimento dessa data apresentado junto do STJ (Cfr. Documento n.º 1).
UUUUU. Se a avaliação do cumprimento objectivo de um dever é cristalizada (como foi, e mal) num único momento temporal, a avaliação da diligência adoptada pelo Recorrente X vê- se, também ela, restringida a esse momento, tornando-se assim irrelevante a sua actuação no sentido de cumprir os seus deveres de informação a partir daí.
VVVVV. A prestação de informação pelo Recorrente X é um processo contínuo, que inclui a apresentação de produtos (pessoalmente ou à distância) e a prestação de informação documental, porque está suficientemente clarificado contratualmente que ordens de subscrição como a dos autos não podem, nem podiam, ser validamente emitidas numa chamada telefónica como aquela em que o produto foi apresentado.
WWWWW. O Recorrente X não deve, nem pode, ser coarctado na sua liberdade de estruturar a sua actividade nos termos em que entender – com os limites prescritos legalmente, obviamente – e de acordar contratualmente com os seus clientes sobre as formas admissíveis de emissão de ordens válidas de subscrição de produtos,
XXXXX. Para os efeitos do disposto no artigo 639.º, n.º 2, alínea b), do CPC, o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação do critério definido no artigo 304.º, n.º 2, do CVM, quando concluiu que, à luz do mesmo, a diligência do Recorrente X correspondeu a uma actuação dolosa ou, pelo menos, gravemente negligente
YYYYY. Requer-se a V. Exas. que, considerando (i) toda a actuação do Recorrente X até ao momento da assinatura da ordem escrita de subscrição pela Recorrida, bem como (ii)a prova(testemunhal e documental) produzida nos autos que demonstra que o Recorrente X não tinha, nessa data, conhecimento de qualquer risco especial de exposição de títulos de dívida de entidades do Grupo Y, revertam a decisão do Tribunal a quo e reconheçam que nada há a censurar, do ponto de vista subjectivo, na actuação do Recorrente X, dando como não preenchido o pressuposto “culpa” da responsabilidade que lhe é imputada, reconhecendo- se também a falência de todo o juízo de responsabilidade.
ZZZZZ. Subsidiariamente, caso se considere – no que não se concede – que a sua actuação é subjectivamente censurável apenas por não se considerar ilidida a presunção de culpa, requer-se que se fixe esse juízo de culpa no mínimo grau, como impõem os princípios aplicáveis, a título de mera negligência.
AAAAAA. Acolhendo-se a posição do STJ transcrita, cabia aos Recorridos demonstrarem – não apenas afirmando, mas com meios de prova credíveis – que, se o Recorrente X lhes tivesse mencionado que a emitente do papel comercial era a RFI (dada, aparentemente, a sua inclusão no Grupo Y) e que o mesmo tinha risco de perda de capital, não teriam realizado o investimento.
BBBBBB. Consta da matéria de facto provada (pontos 34 e 35) que os Recorridos fizeram, antes da subscrição do papel comercial, dois investimentos em fundos de investimento, um dos quais o denominado Y Liquidez, todos com risco de perda de capital, apresentando um nível de complexidade e de risco em tudo equivalente ao do papel comercial.
CCCCCC.A única “prova” produzida nesse sentido pela Recorrida foram as suas próprias alegações em declarações de parte, e mesmo essas são desmentidas pelo seu histórico de investimentos documentalmente comprovado.
DDDDDD. Ficou no ar o comentário do Tribunal a quo, decorrente de ter considerado provado que aí a Recorrida foi desaconselhada a exigir o reembolso antecipado, pelo que, para evitar que se caia em que qualquer tentativa de retirar, também dessa matéria, uma suposta responsabilidade do Recorrente X, em termos de considerá-la causal do prejuízo aqui alegado, frisa-se que, também nesse caso, é evidente que o nexo de causalidade não se encontra preenchido.
EEEEEE. Em termos de causalidade, para que um determinado ilícito seja considerado causa dos danos alegados, nos termos dos artigos 562.º e 563.º do Código Civil, é necessário que o mesmo seja causa necessária, adequada e suficiente, do ponto de vista da normalidade e da experiência comum, de tais danos.
FFFFFF. O suposto “desaconselhamento” quanto ao vencimento antecipado em nada contribuiu para os danos alegados, pura e simplesmente porque, mesmo que o vencimento antecipado tivesse sido exigido pela Recorrida, o mesmo nunca teria tido lugar, pois consta da prova que a RFI, em Julho de 2014 – portanto, um mês depois da suposta reunião sobre o vencimento antecipado –, apresentou um pedido de gestão controlada que veio a culminar, no final de2014, com a declaração da sua insolvência.
GGGGGG.O eventual reembolso antecipado do investimento, na data em que alegadamente foi ponderado, seria sempre um exercício estéril, que não culminaria em nenhum reembolso efectivo, pura e simplesmente porque a emitente já não tinha capacidade financeira para tal.
HHHHHH. Ainda que o Recorrente X tivesse aconselhado o reembolso antecipado naquela data, os danos produzir-se-iam em qualquer caso.
IIIIII. Verifica-se, assim, um erro quanto à interpretação do disposto nos artigos 562.º e 563.º do Código Civil, o que é igualmente fundamento de recurso nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 639.º, n.º 2, alínea b), do CPC, que expressamente se argui perante V. Exas.
JJJJJJ. Do ponto de vista do respectivo prazo, ninguém se atreverá a defender que a prescrição do direito alegado pelos Recorridos ainda não tinha operado na data de propositura da acção.
KKKKKK. Não tendo havido, como não houve, qualquer negligência grosseira do Recorrente X– muito menos dolo –, por efeito do disposto no artigo 324.º, n.º 2, do CVM, os direitos alegados pelos Recorridos prescreveram “decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos”.
LLLLLL. Ainda que se aceitasse a tese de que os Recorridos não sabiam aquilo em que estavam a investir, certamente tiveram esse conhecimento antes da reunião de Junho de 2014 ou, no limite do impensável, na data de vencimento em que o reembolso não teve lugar, ou seja, 28.07.2014.
MMMMMM. Tendo o Recorrente X sido citado apenas em 01.08.2016, a prescrição já tinha operado quando essa citação teve lugar (vide artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil)
NNNNNN. Nem se pretenda fazer operar a regra prevista no artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil, porquanto, tendo os Recorridos proposto a acção em 27.07.2016, mesmo a presunção absoluta de interrupção aí prevista a favor dos Recorridos apenas operaria (cinco dias depois) no dia 1 de Agosto, precisamente a data em que o Recorrente X foi citado e em que a prescrição já teria, em qualquer dos casos, operado.
OOOOOO. Requer-se a V. Exas. que reconheçam isso mesmo e que, em consequência revoguem a Sentença recorrida e determinem a absolvição dos Recorrentes dos pedidos formulados pelos Recorridos, em consequência do disposto no artigo 324.º, n.º 2, do CVM.
PPPPPP. Do artigo 570.º do Código Civil resulta que, quando o lesado não adopte, pelo menos, o nível mínimo de diligência que lhe é exigido e, com isso, contribua para os prejuízos sofridos, a indemnização deve sempre ser reduzida em conformidade, ou mesmo excluída.
QQQQQQ. Resulta das declarações de parte que não terá sido abordado inicialmente o nível de risco do investimento, tendo apenas sido referidas a taxa de juro e o prazo de maturidade, não referindo a Recorrida ter feito qualquer pergunta ou levantado qualquer reserva quanto a essa questão.
RRRRRR. O que a Recorrida refere é que entendeu razoável deslocar-se às instalações do Recorrente X para, simplesmente, “assinar de cruz” a documentação de subscrição, que reconhece que nunca teve interesse em consultar, nem sequer “na diagonal.
SSSSSS. Reconhece, também, que sempre teve acesso à informação da sua conta no website do Recorrente X, mas aparenta referir nunca a ter consultado
TTTTTT. As características do investimento, pelo menos na documentação informativa e de subscrição (já nem vamos, sequer, à chamada telefónica), constavam devida e expressamente referidas.
UUUUUU. A Recorrida contribuiu para a consolidação do investimento, pelo que, ainda que parcialmente – leia-se, ainda que houvesse alguma responsabilidade imputável ao Recorrente X, no que não se concede –, contribuiu decisivamente para os danos que aqui reclama.
VVVVVV. Ao abrigo do referido artigo 570.º do Código Civil é, no mínimo, de reduzir o valor da indemnização, ao abrigo de uma equitativa distribuição das “culpas” entre o agente e o lesado – sendo certo que é convicção dos Recorrentes que a indemnização devia sempre ser excluída in totum.
WWWWWW. O Tribunal a quo falhou na determinação da norma aplicável (artigo 570.º do Código Civil), o que configura igualmente fundamento do presente recurso, conforme prescreve o artigo 639.º, n.º 2, alínea c), do CPC.
XXXXXX. O Tribunal a quo condenou os Recorrentes a indemnizar os Recorridos, também, pela expectativa de remuneração (juros) do investimento em papel comercial, entendimento que corresponde à corresponde à tutela do interesse contratual positivo, ou seja, simplificando, do interesse dos Recorridos no cumprimento da obrigação de reembolso e pagamento de juros contratualizados por parte da emitente RFI.
YYYYYY. Essa pretensão dos Recorridos é incompatível com a verificação do pressuposto nexo de causalidade – como já vimos –, uma vez que a afirmação dos Recorridos que sustenta toda a sua tese nestes autos é a de que, se o Recorrente X tivesse actuado como entendem que devia, com a informação que dizem não ter recebido, não realizariam o investimento.
ZZZZZZ. Os Recorridos alegam que, se não fosse a conduta que imputam ao Recorrente X, o investimento não teria tido lugar, de onde, obviamente, decorre que os Recorrentes não podem pretender ser remunerados nos termos de um contrato com a emitente que declaram que não pretendiam
AAAAAAA. A própria argumentação dos Recorridos é o espelho do interesse contratual negativo, traduzido em serem colocados, pelos Recorrentes, na posição financeira em que estariam se não tivessem subscrito o papel comercial.
BBBBBBB. Assim, requer-se a V. Exas. que revertam também mais esse lapso do Tribunal a quo, reconhecendo que a posição dos Recorridos assenta apenas no interesse contratual negativo, não havendo fundamento para condenar os Recorrentes indemnizem os Recorridos pela remuneração prevista no contrato celebrado com a emitente
Termos em que:

A. Deve proceder o presente Recurso de Apelação, na vertente de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, efectuada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 640.º do CPC, ajustando-se a matéria de facto provada em conformidade.

Em qualquer caso:

B. Deve proceder o presente Recurso de Apelação, na vertente de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de Direito, por se considerarem demonstrados como procedentes os diversos fundamentos previstos no artigo 639.º, n.º 2, alíneas a) a c), do CPC, sendo revogada a Sentença recorrida em conformidade, fazendo-se, apenas desta forma, a costumada

JUSTIÇA!

Houve contra-alegações que pugnaram pelo decidido.

Das conclusões do recurso ressaltam as seguintes questões:

1 (conclusão L) Se é de alterar a redação do facto 6 para o seguinte:
“Em Janeiro de 2014, após solicitação da autora, esta foi contactada telefonicamente pelo seu gestor de conta no Banco X que lhe apresentou um investimento pelo prazo de seis meses, remunerado com uma taxa de juro anual na ordem dos 4%”.
2 (conclusão R) Se é de alterar a redação do facto 8 nos termos seguintes:
“Dias depois, a autora foi de novo contactada telefonicamente no sentido de se deslocar ao balcão de Braga do Banco X para assinar os documentos atinentes à operação pretendida e, assim, emitir validamente a ordem de subscrição”.
3 (conclusão Z) Se é de alterar o facto 9 nos termos seguintes:
“Deslocou-se para o efeito a esse balcão, onde se limitou a assinar a documentação que lhe foi exibida para o efeito, assim emitindo validamente a ordem de subscrição por si pretendida”.
4 (conclusão AAA) Se é de reverter a resposta positiva para negativa ao facto 12 por conflituar com documento com força probatória plena.
5 (conclusão GGG) Se deve ser alterada a resposta positiva para negativa ao ponto de facto 14.
6 (conclusão NNN) Se é de alterar a resposta positiva para negativa ao ponto de facto 26.
7 (conclusão SSS) Se é de alterar a resposta ao ponto 29 nos termos seguintes:
“Em 3 de Dezembro, o Banco de Portugal determinou e comunicou à YFG e ao Banco ... que fosse eliminada a «exposição resultante quer do financiamento direito ou indirecto, quer da concessão de garantias do grupo YFG à YI que não estivesse coberta por garantias juridicamente vinculativas e prudentemente avaliadas”.
8 (conclusão TTT) Se é de alterar a resposta ao ponto de facto 32 nos termos seguintes:
“Em 14 de Fevereiro de 2014 o Banco de Portugal determinou à YFG e ao Banco ... a«Proibição da comercialização, de forma directa ou indirecta (designadamente através de fundos de investimento ou outras instituições financeiras), de dívida de entidades do ramo não financeiro do Grupo Y junto de clientes de retalho»”.
9 (conclusão YYY) Se é de alterar a resposta positiva para negativa ao ponto de facto 31.
10 (conclusão JJJJ) Se é de reverter as respostas positivas para negativas aos pontos de facto 36 e 37.
11 Se é de admitir e valorizar o documento junto pelas recorrentes no recurso para o STJ. a 23/07/2018, ao abrigo do disposto no artigo 425 do CPC.
12. Se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil contratual da 1ª ré.
13. Se é de aplicar ao caso o disposto no artigo 570 do C. Civil, reduzindo-se o valor da indemnização em face da concorrência de culpas da 1ª ré e dos autores na subscrição do papel comercial.
14. Se se concretizou a prescrição do direito invocado pelos autores nos termos do artigo 324 n.º 2 do CVM por falta de prova do dolo ou culpa grave da 1ª ré.
15 Se é de condenar as recorrentes nos juros emergentes do contrato.

Vamos conhecer das questões enunciadas.

1 a 9 – Estas questões dizem respeito ao segmento do recurso na vertente do facto. A matéria fáctica envolvida foi objeto de recurso e decidida pelo acórdão desta Relação a 20/03/2018 que fixou a respetiva matéria de facto. As recorrentes interpuseram recurso para o STJ como de revista excecional, que por decisão sumária de 31/05/2019 enunciou as questões a decidir em que incluiu a “reapreciação da matéria de facto e a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil”. Quanto à primeira questão entendeu que a matéria de facto assentava sobre a livre apreciação da prova, não vislumbrando qualquer violação das normas sobre a prova, pelo que manteve as respostas. Apenas anulou o acórdão por contradição entre os factos 12, 13, 16 e 17 e ainda o facto 8 e 12 e pela necessidade de ampliação da matéria de facto no que tange ao nexo de causalidade indicando o artigo 133 da PI.

E foi com base nestes pressupostos que ordenou que o processo baixasse à Relação para que fossem eliminadas as contradições e ampliada a matéria de facto, o que veio a acontecer pelo acórdão desta Relação de 19/09/2019, que supriu as contradições e enviou o processo à 1ª instância para ampliação da matéria de facto tendo em conta o disposto nos artigos 133 e 134 da PI.

Este acórdão não foi sujeito a reclamação ou reforma nos termos do artigo 615 e 616 do CPC, pelo que se esgotou o poder jurisdicional do TRG no que tange ao decidido (artigo 613 do CPC). Foram removidas as contradições e a matéria de facto, como não foi alterada pelo STJ, terá de ser considerada como assente porque decidida definitivamente pela Relação, com trânsito em julgado.

Daí que não nos vamos pronunciar sobre estas questões.

10 (conclusão JJJJ) Se é de reverter as respostas positivas para negativas aos pontos de facto 36 e 37.

Estes pontos de facto resultaram das respostas aos artigos133 e 134 da petição inicial, em consequência do ordenado pela decisão singular do STJ que o TRG cumpriu com a prolação do acórdão de 19/09/2019, em que foi ordenada a ampliação da matéria de facto respeitante a estes artigos da PI.

Para uma melhor compreensão do que está em discussão vamos transcrever as respostas dos pontos de facto 36 e 37.

36. Foi a ausência de risco de perda do capital que levou a Autora a contratar o serviço.
37. A operação foi descrita como equiparada a um depósito a prazo quanto à ausência de risco de perda capital.

O tribunal recorrido motivou estas respostas com o seguinte:
“A convicção do tribunal, no tocante à prova destes factos, teve por base, exclusivamente, as declarações de parte prestadas em sede de audiência final pela Autora R. G..

Com efeito, do depoimento da única testemunha inquirida sobre esta matéria, C. A., como já anteriormente se referiu, não acompanhou a subscrição do produto por parte dos Autores e não revelou conhecimento directo de quaisquer factos com interesse para a discussão da causa, limitando-se a descrever o processamento da subscrição destes produtos, em termos genéricos, nada de concreto sabendo sobre a situação sob apreciação.

Daí que o respectivo depoimento não tenha sido relevante para a convicção do tribunal sobre os mencionados factos.

Pelo contrário, nas declarações de parte que prestou a Autora voltou a apresentar um discurso linguístico totalmente coerente e convincente, relevando consistência e um percurso de raciocínio lógico que evidencia que a mesma não poderia estar a faltar à verdade, explicando e descrevendo as conversas mantidas entre si e o seu gestor de conta que a levaram a ficar convencida de que com a subscrição do produto não existia risco de perda do capital e que se tratava de uma operação equiparada a um depósito a prazo quanto a esse aspecto.

Como já havia sido feita referência na sentença anteriormente proferida e havia já sido frisado pela Autora, a mesma efectuou advertências e obteve garantias por parte do gestor de conta de que não se trataria de uma aplicação com risco de perda do capital, o que a levou a assinar a documentação sem questionar, pressupondo que a mesma refletia o acordo firmado telefonicamente.

Estas declarações prestadas pela Autora voltaram a ser rigorosas, coerentes e precisas, o que permitiu que, não obstante o natural interesse da mesma no desfecho da acção, tenham sido absolutamente convincentes e consideradas verdadeiras, pelo que foram valoradas como tal, fazendo uso e dando aplicabilidade prática ao princípio da livre apreciação da prova.”

As apelantes insurgem-se contra estas respostas positivas, defendendo a sua reversão porque assentam exclusivamente nas declarações de parte, descurando o depoimento testemunhal do funcionário C. A., que acompanhou a subscrição do documento que ordenou a operação financeira. As declarações de parte, não podem, por si só, fundamentar as respostas em causa porque emergem de alguém que tem interesse na causa.

E para justificar esta posição elegeu alguns excertos das declarações de parte da autora, mesmos do anterior julgamento em 2017 e da testemunha C. A..

Revisitada a prova conclui-se que o depoimento da testemunha C. A. é irrelevante para a reversão da matéria de facto em discussão porque não interveio diretamente na operação financeira. Pelas funções exercidas no banco X, como diretor de investimentos, participa “…em tudo aquilo que são processos de descrição de produtos dos nossos investidores bem como toda a componente formativa das equipas comerciais e simultaneamente tudo o que são soluções de investimento que são apresentadas aos nossos clientes..”. No caso em apreço, em resposta a uma pergunta do mandatário das rés/apelantes frisou que esteve envolvido nas montagens, na preparação de tudo aquilo que forma os processos associados ao papel comercial da RF”.

Assim, apenas ficamos com as declarações de parte da autora, que são relevantes, face à forma como foram prestadas, à sua objetividade, revelando confiança e credibilidade. O facto de não serem corroboradas por outros meios de prova não significa que não possam fazer prova da matéria de facto questionada. E isto porque são um meio de prova previsto no artigo 466 do CPC, cujo valor probatório não depende desse facto, mas apenas está sujeito à livre apreciação do tribunal. O tribunal apenas terá de ponderar que está perante alguém que tem interesse na causa e fazer um escrutínio adequado de molde que não fique com dúvidas que as declarações são convincentes, credíveis.

E pelo que já frisamos, face à questão de saber se realizaria a operação financeira se soubesse que era de risco de perda do capital, julgamos que, pelo seu perfil, e pelo que disse nunca a faria. Estava fora do seu horizonte qualquer operação de alto risco, como a que está em discussão.

Daí que face a todo o exposto é de manter as respostas aos pontos de facto questionados, porque, numa perspetiva relativa e não absoluta da prova, correspondem à prova produzida em julgamento.

11. Se é de admitir e valorizar o documento junto pelas recorrentes no recurso para o STJ. a 23/07/2018, ao abrigo do disposto no artigo 425 do CPC.

O documento em causa foi apresentado por requerimento avulso na pendência do recurso no STJ., ao abrigo do disposto no artigo 425 do CPC, para reversão dos pontos de facto 29 e 32 da matéria de facto dada como assente no acórdão recorrido, tendo havido contraditório, foi admitido pelo STJ., uma vez que não houve decisão a ordenar o seu desentranhamento. Este tribunal, na decisão sumária de 31/05/2019, tomou posição sobre a questão da reapreciação da matéria de facto suscitada pelas recorrentes, e não a alterando porque assentava em meios de prova sujeitos à livre apreciação da prova. Assim teve em conta este documento junto pelas recorrentes para decidir nos termos apontados, o que impede a Relação de o valorizar para os termos requeridos, uma vez que a matéria fáctica, em causa, já foi decidida, definitivamente, tendo a decisão transitado em julgado neste segmento.

Vamos consignar a seguinte matéria de facto:
“1. O 1º Réu é uma sociedade financeira que se dedica às actividades de banking, asset management e trading.
2. No âmbito da habitual gestão das suas poupanças, em Junho de 2013 a autora R. G. dirigiu-se ao balcão de Braga do 1º Réu, tendo aí procedido à abertura de conta de depósitos à ordem, em co-titularidade com o Autor M. M., seu marido.
3. Na referida conta de depósitos à ordem, os autores depositaram, numa primeira fase, o montante de € 90.000,00, proveniente de depósito a prazo a 12 meses, entretanto vencido, de que eram titulares junto do Banco ….
4. No âmbito dos procedimentos prévios à referida operação, foi solicitado à autora que preenchesse um formulário próprio destinado à identificação do seu “perfil de investidor”, mediante descrição do seu comportamento financeiro passado e disponibilidade e expectativa relativamente às hipotéticas aplicações futuras.
5. Nesse questionário, na parte respeitante a “informação sobre conhecimentos e experiência”, perante estas perguntas a Autora colocou uma cruz na quadrícula correspondente à resposta seguinte:
- Habilitações académicas? Formação superior em áreas não económico- financeiras ou de gestão;
- Conhecimentos sobre instrumentos, produtos e mercados financeiros? Alguma percepção dos riscos associados aos diferentes instrumentos financeiros;
- Tipo de investimento que já efectuou ou conhece? Apenas contas de poupança e depósitos;
- Transacções efectuadas ou nos mercados de capitais? Nenhuma;
- Volume das operações com instrumentos financeiros? Nenhuma;
- Atitude face aos investimentos? A prioridade é a preservação do capital;
- Principal fonte de rendimentos? Trabalho.
6. Em Janeiro de 2014, a autora foi contactada telefonicamente pelo seu gestor de conta no Banco X que lhe apresentou um investimento pelo prazo de seis meses, remunerado com uma taxa de juro anual na ordem dos 4%, descrevendo-o como um investimento isento de risco de capital.
7. Em face da proposta apresentada, a autora acedeu ainda por telefone em efectuar a aplicação de € 100.000,00 no referido produto financeiro, sendo que, para esse efeito, procedeu ao depósito na conta já identificada de € 10.000,00, os quais acresceram aos € 90.000,00 anteriormente depositados.
8. Dias depois, a autora foi de novo contactada telefonicamente no sentido de se deslocar ao balcão de Braga do Banco X para apor a sua assinatura nos documentos atinentes à operação efectuada por via telefónica.
9. Deslocou-se para o efeito a esse balcão, onde se limitou a assinar a documentação que lhe foi exibida para o efeito, convicta de que a operação financeira que realizara e aí descrita se tratava de um investimento num produto que não envolvia risco de capital.
10. Aquela documentação já se encontrava previamente elaborada e o respectivo teor não havia sido discutido e negociado com os autores, nem o conteúdo lhes foi explicado pelo 1º Réu.
11. A condição de o investimento a realizar não conter risco foi pela autora frisada ao longo das diversas conversas anteriores estabelecidas com o seu gestor de conta.
12. A Autora não foi advertida da existência de qualquer perigo de perda de capital, pelo seu gestor de conta, em quem depositava toda a confiança, aquando da operação referida em 8.
13. A ficha técnica por si assinada, no item relativo ao montante de reembolso, mencionava um reembolso de 100% do valor nominal subscrito, acrescido de juros remuneratórios.
14. A subscrição do produto em análise foi realizada telefonicamente pela autora sem jamais lhe ter sido comunicado que estaria a subscrever obrigações subordinadas de empresa do Grupo Y, designadamente da RF..
15. Foi neste enquadramento que a autora assinou a ficha técnica respeitante ao produto, do qual consta, entre outros: a) A “RF Investments S.A.” como entidade emitente; b) Emissão de papel comercial por oferta particular de subscrição; c) Data de subscrição de 28 de Janeiro de 2014; d) Prazo de emissão 181 dias; e) Data de reembolso de 28 de Julho de 2014; f) Taxa de juro anual nominal de 4,10%; g) Pagamento de juros na data de reembolso; h) Montante de reembolso de 100% do valor nominal subscrito, acrescido dos respectivos juros; i) Instituição colocadora: X-Banco Electrónico de Serviço Total, S.A.
16. Na parte final da ficha técnica encontra-se a menção de risco de liquidez, caso o investidor não conseguisse vender o papel comercial pelo valor da subscrição.
17. Na ordem de compra que assinou consta a seguinte declaração, em letras de reduzida dimensão, previamente elaborada pelo 1º Réu: “Que fui devidamente informado da Nota Informativa sobre as características e condições do título que pretendo adquirir bem como tomei conhecimento e aceito integralmente a Ficha Técnica e/ou Prospecto da emissão disponível em www.bancoX.pt e que recebi cópia da documentação relativa a esta operação. Ter integral e perfeito conhecimento dos riscos descritos acima (envolvidos na aquisição e detenção deste tipo de activos) e que a vontade e decisão de aquisição destes activos são da minha inteira responsabilidade. Confirmo ainda ter pleno conhecimento de que o rendimento do capital investido nos referidos títulos é da responsabilidade da entidade emitente, tendo lugar nos termos indicado na respectiva documentação, não assumindo o Banco X qualquer compromisso de garantia em relação a este compromisso. Que fui informado que a actual metodologia de valorização dos títulos de dívida aplicada pelo Banco X é a de considerar, para os devidos efeitos, o valor nominal do papel comercial detidos em carteira pelos clientes. Ter conhecimento que o Banco X creditará os valores relativos a juros, rendimentos e reembolsos apurados de acordo com as condições de emissão após confirmação, pelo Custo diante, de recepção dos mesmos por parte dos emitentes dos valores mobiliários.”.
18. Em junho de 2014, face às notícias veiculadas pela comunicação social relativamente ao Grupo Y, a autora reuniu nas instalações da 1ª ré com o seu gestor de conta, D. S., manifestando o propósito de solicitar o reembolso antecipado da aplicação efectuada.
19. No decurso dessa reunião foi desaconselhada a fazê-lo, tendo aquele gestor de conta reafirmado que a aplicação era totalmente segura e que, no limite, se a emitente não tivesse solvabilidade para proceder ao pagamento, o montante aplicado estava acautelado por via da existência de uma provisão que servia para assegurar os pagamentos aos credores.
20. Perante esta explicação, os autores, uma vez mais, seguiram a indicação prestada pelo gestor de conta, mantendo a aplicação que se venceria cerca de um mês depois.
21. Em 25 de Julho 2014 o 1º Réu enviou à autora uma comunicação com o seguinte teor: «(…) a RF. apresentou um “pedido de sujeição ao regime de gestão controlada” ao abrigo da lei luxemburguesa, referindo não estar em condições de cumprir com as obrigações decorrentes de determinadas dívidas. Não obstante e neste contexto recordamos que, segundo comunicado pelo Banco ... e cuja cópia se anexa, o Banco ... tem vido a assegurar o reembolso, na maturidade, do capital investido pelos clientes não institucionais do Grupo Y em todas as emissões de papel da RF.. O Banco X é considerado no âmbito do Grupo Y.”
22. A 30 de Julho de 2014 a autora procedeu à emissão de um cheque sacado sobre essa conta de DO, no montante de 105.000,00, que depositou em conta igualmente por si titulada, mas no Banco ....
23. Tal cheque foi devolvido por falta de provisão, com data de 4 de Agosto de2014, apesar de o extracto de conta à data ter por saldo final o montante de €2014, apesar de o extracto de conta à data ter por saldo final o montante de €109.369,11.
24. Apesar de devolvido, o título em causa não foi levado à compensação junto do banco de Portugal.
25. Os Autores encontram-se sem possibilidade de movimentar o dinheiro investido e os juros que se venceram no aludido prazo de maturidade.
26. O 1º Réu integrou o Grupo Y até à deliberação do Conselho da Administração do Banco de Portugal que determinou a medida de resolução do Banco Y, S.A., datada de 3 de Agosto de 2014.
27. Actualmente o 1º Réu é integralmente detido pelo 2º Réu.
28. A RF Investments, S.A. era uma sociedade pertencente ao Grupo Y, por ser detida pela YI (Y International, S.A.), com sede no Luxemburgo, integrando-se no chamado sector não financeiro do Grupo Y.
29. Em 3 de Dezembro o Banco de Portugal determinou e comunicou ao Grupo Y que fosse eliminada “a exposição resultante quer do financiamento directo ou indirecto, quer da concessão de garantias do grupo YFG à YI que não estivesse coberta por garantias juridicamente vinculativas e prudentemente avaliadas”.
30. A eliminação da exposição determinada pelo Banco de Portugal inclui a venda a clientes do de dívida subordinada do Grupo Y/RF.
31. No final do ano de 2013, os administradores do 1º Réu já estavam cientes do risco da exposição ao sector não financeiro do Grupo Y e, não obstante, o 1º Réu não informou os Autores desse risco, nem no momento da subscrição do produto financeiro, nem posteriormente
32. Em 14 de Fevereiro de 2014 o Banco de Portugal determinou a “Proibição da comercialização, de forma direta ou indireta (designadamente através de fundos de investimento ou outras instituições financeiras), de dívida de entidades do ramo não financeiro do Grupo Y junto de clientes de retalho”.
33. Em Dezembro de 2014 foi decretada a insolvência da RF Investments, S.A..
34. Em Julho de 2013 os Autores aplicaram € 55.000,00 num fundo de investimento Y LIQUIDEZ, sem garantia de reembolso de capital.
35. Em Novembro de 2013 os Autores fizeram um outro investimento sem garantia de reembolso de capital, aplicando € 95.000,00 num fundo de investimento Banco … TESOURARIA.
36. Foi a ausência de risco de perda do capital que levou a Autora a contratar o serviço.
37. A operação foi descrita como equiparada a um depósito a prazo quanto à ausência de risco de perda capital.”

12. Se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil contratual da 1ª ré.

Coloca-se a questão da responsabilidade civil contratual da 1ª ré, se se verificam os seus pressupostos. O tribunal recorrido considerou que houve incumprimento do contrato de intermediação financeira por violação do dever de informação, culpa na vertente do dolo ou culpa grave, nexo de causalidade e dano, julgando a ação procedente, com a condenação da segunda ré, solidariamente, devido à sua relação de domínio, invocando a violação de vários artigos do CVM.

As rés insurgem-se contra o decidido alegando, em síntese, que não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil contratual, mais concretamente a ilicitude, a culpa, o nexo de causalidade e o dano. No que tange à ilicitude, a 1ª ré considera que cumpriu os deveres de informação com a assinatura por parte da autora e a respetiva entrega à autora de toda documentação, com informação relevante sobre o produto financeiro subscrito, não se aplicando ao caso o disposto no artigo 8º do DL. 446/85 de 25/10 (regime das Cláusulas Contratuais Gerais) conjugado com o artigo 321 n.º 3 do CVM, mas antes o regime da subsecção II do CVM, porque a ordem de subscrição não integra o contrato de intermediação financeira.

No que concerne à culpa, ao nexo de causalidade e dano, as alegações do recurso incidem mais sobre a matéria de facto que deveria ter sido dada como provada e não provada pelo tribunal recorrido, para concluírem que não se verificam estes pressupostos, mas dentro deste contexto, e não analisando os factos dados como assentes pela decisão recorrida, e daí retirarem as suas conclusões, sobre estes pontos da matéria de direito, que impugnaram.

No que concerne à ilicitude, por violação dos deveres de informação, como decidido pelo tribunal recorrido, as apelantes desconsideram os factos dados como provados nos pontos de facto 6 a 14 da matéria de facto provada. Estes pontos de facto condensam, em si, as negociações havidas, via telefone, entre a autora e o gestor de conta, que lhe referenciou um produto financeiro para investimento, frisando-lhe que estava isento de risco de capital, o que a determinou a decidir subscrevê-lo, dando ordem nesse sentido, que foi executada, tendo ido ao balcão do banco apenas assinar os documentos necessários para formalizar o contrato outorgado, pelo telefone, que se encontravam devidamente elaborados.

Valorizaram apenas os factos integradores dos pontos de facto 15 a 17 da matéria de facto provada, que dizem respeito ao teor dos documentos subscritos pela autora, no ato da formalização do acordo celebrado por telefone, dias antes. O certo é que as declarações que constam dos documentos, e que estão vazadas nos pontos de facto 15 a 17, são contraditórias com as dos pontos de facto 6 a 14, no que concerne ao risco de capital, às caraterísticas do produto financeiro. Daí que não possam ser isoladas do contexto do negócio. Os pontos de facto 6 a 14 refletem as negociações e a tomada de decisão pela autora no sentido da ordem de compra via telefone, e os pontos de facto 15 a 17 apenas traduzem a formalização do contrato, cujo conteúdo não corresponde ao que foi acordado, nem ao que se passou no momento da assinatura dos documentos.

Em face desta divergência, teremos de concluir que os pontos de facto 6 a 14 afastam o teor dos factos vertidos nos pontos de facto 15 a 17, na medida em que traduzem a vontade real da autora. Além disso, estes factos inserem-se num conjunto de cláusulas que não foram negociadas pela autora e o gestor de conta, estavam previamente elaboradas, pelo que se integram no conceito de cláusulas contratuais gerais previsto no artigo 1º do DL. 446/85 de 25 de outubro e que se aplica ao caso por força do artigo 321 n.º 2 e 3 do CVM, na medida em que estamos perante um investidor não qualificado. E, de acordo com o disposto no artigo 8º al. a), b) e c) do DL. 446/85 de 25 de outubro devem ser consideradas não escritas como decidiu o tribunal recorrido.

A atividade de intermediação financeira está prevista no artigo 290 do CVM, sendo aplicável ao caso em apreço a do n.º 1 alínea a) “a) A recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem;”. Na verdade, a autora deu uma ordem de compra que foi cumprida pelo seu gestor de conta, tendo-se, desta forma, concluído o negócio, ou seja, o contrato de intermediação financeira, que é regulado nos artigos 321 e seguintes do CVM. A subsecção II refere-se à execução de um tipo de intermediação financeira, traduzida na ordem e sua receção. Mas a esta subseção são aplicáveis os princípios gerais do contrato de intermediação financeira previstos no capítulo II, subsecção I do CVM, pelo que é de aplicar, ao caso em apreço, o regime geral das cláusulas contratuais gerais aos investidores não qualificados, que devem ser tratados como consumidores, para efeitos do regime das cláusulas contratuais gerais.

Por todo o exposto, julgamos que a 1ª ré não cumpriu com os deveres de informação a que estava vinculada.

Quanto à culpa da 1ª ré temos a destacar os pontos de facto 26, 28, 29, 30, e 31 da matéria de facto provada. Está provado que a administração da 1ª ré, nos finais do ano de 2013, sabia do risco da exposição ao setor não financeiro do Grupo Y e, apesar disso, não acatou a recomendação do Banco de Portugal no sentido de não ser comercializada a clientes dívida subordinada da sociedade RF.. Pois continuou a fazê-lo, vendendo papel comercial aos autores, para além de não os elucidar sobre a situação, as caraterísticas do produto e dos riscos que lhe estavam associados, face à informação que detinha. Este comportamento é altamente censurável, revelando dolo eventual, na medida em que a empresa em causa, pertencendo ao setor não financeiro do Grupo Y, poderia causar incumprimento no termo da maturidade, e ficou indiferente perante este facto, mantendo a comercialização do produto financeiro. Mesmo que assim não se entenda, julgamos que este comportamento integra a negligência consciente, pois acreditando que tal não aconteceria, atendendo à recomendação do Banco de Portugal, e às necessidades de segurança, credibilidade e confiança no sistema financeiro e dos investidores, impunha-se maior diligência, como é exigível aos bancos em situações de alto risco, como era o caso, face às investigações que estavam em curso pelo Banco de Portugal. Daí que tenha vendido um produto, que sabia que não era seguro, face às circunstâncias já relatadas, e criou na autora a convicção contrária, que não havia risco de perder o capital.

No que concerne ao nexo de causalidade julgamos que o mesmo se concretizou na medida em que, se a 1ª ré tivesse devidamente informado a autora, no momento em que lhe divulgou o produto, pelo telefone, esta não teria dado a ordem de compra. E, nestas circunstâncias, não teria investido o seu capital neste produto, que acabou por não ser reembolsado no termo de maturidade, acrescido dos juros. Neste caso, o importante é o momento da compra e não o do eventual resgate que a autora ainda propôs à 1ª ré, que a desaconselhou, porque o contrato iria ser cumprido e, caso não fosse, sempre estaria garantido o capital porque havia provisão nesse sentido. A autora, face ao seu perfil de investidora, nunca compraria este produto se soubesse, antecipadamente, que havia risco de perder o capital, face às informações que a ré já tinha do Banco de Portugal. O dano não se verificaria, porque não havia negócio. E isto está em sintonia com o que consta das respostas aos pontos 36 e 37 da matéria de facto provada.

13. Se é de aplicar ao caso o disposto no artigo 570 do C. Civil, reduzindo-se o valor da indemnização em face da concorrência de culpas da 1ª ré e dos autores na subscrição do papel comercial.

As rés pretendem a redução da indemnização nos termos do artigo 570 do C. Civil porque entendem que houve concorrência de culpas da 1ª ré e dos autores na compra do papel comercial. Julgamos que não se verificam os pressupostos do normativo invocado, porque, pelo que já expusemos em 12, a culpa é exclusiva da 1ª ré, que não cumpriu, devidamente, com os seus deveres de informação, e ainda, sabendo da recomendação do Banco de Portugal, continuou a comercializar o produto.

14. Se se concretizou a prescrição do direito invocado pelos autores nos termos do artigo 324 n.º 2 do CVM por falta de prova do dolo ou culpa grave da 1ª ré.

As rés apelantes suscitam a prescrição do direito de indemnização peticionado porque foram citadas para além dos dois anos, a partir do momento que os autores apelados tiveram conhecimento da conclusão do negócio e dos seus termos, invocando o disposto no artigo 324 n.º 2 do CVM.

Com interesse para a decisão desta questão fixamos a seguinte matéria de facto:

1. A ação deu entrada em juízo a 27 de julho de 2016 (fls. 60v.)
2. O aviso de receção da citação ao Banco X foi assinado por A. I. a 1/08/2016 a quem foi entregue a respetiva carta (fls. 61).
3. A ordem de compra foi subscrita pela autora a 23/01/2014 (fls. 114 e 115)
4. A 30 de Julho de 2014 a autora procedeu à emissão de um cheque sacado sobre essa conta de DO, no montante de 105.000,00, que depositou em conta igualmente por si titulada, mas no Banco ....
5. Tal cheque foi devolvido por falta de provisão, com data de 4 de agosto de 2014, apesar de o extrato de conta, à data, ter por saldo final o montante de € 109.369,11.

O tribunal recorrido considerou que não se verificavam os pressupostos da prescrição invocada porque a 1ª ré agiu com dolo ou culpa grave, sendo o prazo prescricional de 20 anos nos termos do artigo 309 do C. Civil.

A questão da prescrição prevista no artigo 324 n.º 2 do CVM, no caso em apreço, só se coloca se estivermos perante uma situação de mera culpa. Como foi decidido que a 1ª ré agiu com dolo ou culpa grave, o prazo prescricional será o geral, previsto no artigo 309 do Civil, que é de 20 anos, uma vez que estamos no domínio de responsabilidade civil contratual. Não se verifica a prescrição invocada.

15 Se é de condenar as recorrentes nos juros emergentes do contrato.

As apelantes suscitam o interesse negativo que levaria a que os apelados só tivessem direito a receber o capital investido e não os juros emergentes do interesse positivo na celebração do contrato incumprido.

Esta questão não foi suscitada pelas apelantes na contestação, nas alegações do primeiro recurso para o TRG, nas alegações do recurso para o STJ, nem o tribunal, no desenrolar do processo, nas suas decisões, aludiu a tal questão. Foi, pela primeira vez, nestas alegações de recurso para o TRG que as apelantes apontaram tal questão para decidir.

O certo é que estamos perante uma questão nova, que não foi objeto de discussão ao longo do processo, nem na decisão recorrida o tribunal aludiu a tal questão, pelo que o TRG está impedido de a conhece, pelo que não o vai fazer.

Concluindo: 1. Não se conheceram as questões indicados em 1 a 9, porque o TRG considerou que estavam cobertas pelo trânsito em julgado da decisão Sumária do STJ.
2 As declarações de parte são um elemento de prova novo, que foi introduzido pelo legislador, com a reforma do CPC em 2013, com vista a possibilitar a prova de factos cujo conhecimento é exclusivo das partes, ou de grande dificuldade de prova, por outros meios. É valorizado, credibilizado pelo princípio da livre apreciação das provas, valendo por si, mesmo que não haja outros elementos de prova coadjuvantes.
3 Face às respostas aos pontos de facto 6 a 14 e 36 e 37 julgou-se que se verificaram os pressupostos da responsabilidade contratual das rés/apelantes.
4. Na intermediação financeira o prazo prescricional é de 2 anos se não houver dolo ou culpa grave (artigo 324 do CVM), o que aconteceu, no caso em apreço, aplicando-se o prazo ordinário de 20 anos.

Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.

Custas a cargo das apelantes.
Guimarães,


1 - Apelação 3461.16.2T8BRG.G2– 2ª
Proc. Comum
Tribunal Judicial Comarca Braga –
Relator Des. Espinheira Baltar
Adjuntos Des. Eva Almeida e Luísa Ramos