Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
247/22.9T8BCL.G1
Relator: FRANCISCO SOUSA PEREIRA
Descritores: NULIDADES DA SENTENÇA
CARREIRA PROFISSIONAL
PROGRESSÃO NA CARREIRA
SECTOR PÚBLICO EMPRESARIAL
ACORDO COLECTIVO DE TRABALHO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Se o Juiz, mesmo que se não tenha realizado audiência prévia, profere despacho em que dá sem efeito a audiência final agendada e, consignando que “Melhor compulsados os autos, parece-nos que está em causa, essencialmente, uma questão de interpretação do Acordo Coletivo de Trabalho (…), não parecendo haver factos controvertidos com relevância para a decisão da causa. Assim, notifique as partes para se pronunciarem quanto à possibilidade de decisão de mérito da acção, sem necessidade de produção de prova.”, e se as partes, notificadas, acedem a tal convite, nenhuma se pronunciando contra a decisão de mérito sem a realização da audiência final, e até, uma delas, alegando o que entendeu sobre o mérito da acção e para o efeito fazendo a «análise» do articulado da contraparte, e não tendo o Tribunal recorrido exorbitado nem dos factos de que lhe era lícito conhecer nem da esfera jurídica conformada pela alegação das partes, não pode em recurso essa parte invocar a nulidade da sentença por violação do princípio do contraditório e decisão surpresa.
II - Para efeitos de reposicionamento remuneratório por força do acordo coletivo de trabalho (ACT) publicado no Boletim de Trabalho e Emprego (BTE) n.º 23, de 22 de junho de 2018, celebrado entre o Centro Hospitalar ..., EPE e outros e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais – FNSTFPS de trabalhadores que, aquando do início da vigência desse ACT, já eram trabalhadores vinculados por contrato individual de trabalho a entidade empregadora outorgante daquele ACT, os pontos de avaliação do desempenho acumulados, a que se alude no n.º 5 da cláusula 33.ª do ACT, terão de ser os obtidos pelo trabalhador em avaliações realizadas já na vigência do ACT.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

Apelante: AA E OUTRAS (autoras)
Apelada: HOSPITAL DE ..., E.P.E.

I – RELATÓRIO

AA E OUTRAS, com os demais sinais nos autos, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra HOSPITAL DE ..., E.P.E., também nos autos melhor identificada, pedindo a condenação da ré a:

1. Pagar a cada uma das Autoras os danos não patrimoniais conforme o acima alegado no valor de € 2.000,00, cada, perfazendo o valor total de € 12.000,00 (doze mil euros);
2. Pagar à Autora AA o valor global de € 3.670,69, a título de créditos, retroativos e diferenças salarias devidos e não pagos com a proveniência supra alegada;
3. Pagar à Autora BB o valor global de € 3.670,69, a título de créditos, retroativos e diferenças salarias devidos e não pagos;
4. Pagar à Autora CC o valor global de € 3.670,69, a título de créditos, retroativos e diferenças salarias devidos e não pagos;
5. Pagar à Autora DD o valor global de € 3.670,69, a título de créditos, retroativos e diferenças salarias devidos e não pagos;
6. Pagar à Autora EE o valor global de € 3.670,69, a título de créditos, retroativos e diferenças salarias devidos e não pagos;
7. Pagar à Autora FF o valor global de € 2.833,75, a título de créditos, retroativos e diferenças salarias devidos e não pagos;
8. A pagar sobre todas as quantias acima peticionadas os respetivos juros de mora à taxa legal em vigor até integral pagamento das mesmas, bem como custas de parte e processuais

Alegam para tanto, e em síntese, que são trabalhadoras por conta da ré, a qual não cumpriu o acordo colectivo de trabalho, que identificam, que entrou em vigor em 1 de Julho de 2018.

Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se, nessa sede, a conciliação entre elas.

Notificada para o efeito, a ré apresentou contestação para, além de deduzir a excepção da incompetência material do Tribunal e de, não pondo em causa a existência das alegadas relações laborais, impugnar parte da matéria alegada pelas autoras, sustentar que vem cumprindo o aludido ACT.

Prosseguindo os autos, veio a realizar-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto julgo a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolvo a ré do pedido.”

Inconformadas com esta decisão, dela vieram as autoras interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):

“I. O artigo 82.º, n.º 4 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP) garante que “Todos os trabalhadores têm direito ao pleno desenvolvimento da respetiva carreira profissional, que pode ser feito por alteração de posicionamento remuneratório ou por promoção”.
II. Sendo regra geral, nos termos do artigo 156.º, n.º 7 da LGTFP, que haja “lugar a alteração obrigatória para a posição remuneratória imediatamente seguinte àquela em que o trabalhador se encontra, quando a haja, independentemente dos universos definidos nos termos do artigo 158.º, quando aquele, na falta de lei especial em contrário, tenha acumulado 10 pontos nas avaliações do desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontra”.
III. Por sua vez, a Cláusula 25.º do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), de 14 de maio de 2018, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego (BTE) n.º 23, de 22 de junho de 2018, prevê expressamente que “Os trabalhadores abrangidos pelo presente AC têm direito a um desenvolvimento profissional, o qual se efetua mediante alteração de posicionamento remuneratório ou, sendo o caso, provimento, por concurso, em categoria superior, nos mesmos termos em que estes institutos se encontram regulados para os trabalhadores com vínculo de emprego público integrados em carreiras gerais”.
IV. À data da entrada em vigor do ACT, a 01 de julho de 2018 – com exceção da Recorrente FF, que só a partir de janeiro de 2018 -, todas as Recorrentes tinham acumulados mais de 10 pontos nas avaliações do desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontravam, pelo que tinham já preenchidos os requisitos exigidos para a alteração obrigatória para a posição remuneratória seguinte àquela em que se encontravam.
V. À data da entrada em vigor do ACT, e até 30 de setembro de 2020, as Recorrentes estiveram posicionadas na 1.º posição remuneratória, a realizar um horário semanal de 40 horas e a auferir uma retribuição ilíquida de € 780,72, correspondente a € 683,13 de retribuição base, e € 97,59 de acréscimo pelo aumento da carga horária em 5 horas semanais.
VI. O ACT foi subscrito pela Recorrida e é aplicável às Recorrentes.
VII. A Recorrida obrigou as Recorrentes a optarem entre duas escolhas que as mantinham ilegalmente na 1.º posição remuneratória: 1) realizarem um horário de trabalho de 35 horas semanais e auferirem a remuneração base de € 683,13, ou; 2) realizarem um horário de trabalho de 40 horas semanais e manterem a respetiva retribuição ilíquida de € 780,72.
VIII. O Tribunal a quo fez uma errada interpretação dos n.ºs 3 e 5 da Cláusula 33.
IX. Se as Recorrentes tivessem sido contratadas com Contrato de Trabalho em Funções Públicas (CTFP), à data da entrada em vigor do ACT estariam já posicionadas na 2.º posição remuneratória.
X. A 2.º posição remuneratória implicava uma retribuição base ilíquida de € 789,54, pela realização de um horário semanal de 35 horas.
XI. Só em outubro de 2020, por ato discricionário da Recorrida, as Recorrentes foram posicionadas na 2.º posição remuneratória e passaram a realizar um horário semanal de 35 horas.
XII. Não existindo nenhum fundamento legal para a Recorrida só em outubro de 2020 ter decidido aplicar o ACT que entrara em vigor a 01 de julho de 2018.
XIII. Nem tampouco existe fundamento legal para recusar o pagamento de retroativos pela não aplicação do ACT à data em que este entrou em vigor.
XIV. De 01 de julho de 2018 a 30 de setembro de 2020, as Autoras receberam um valor hora de € 4,50, calculados com base na 1.º posição remuneratória, quando um colega que tivesse sido contratado na mesma data em que estas foram, com CTFP, estaria a receber um valor hora de € 5,21, calculado com base na 2.º posição remuneratória.
XV. Tudo isto, com a agravante de que as Recorrentes terem conhecimento de que um seu colega – arrolado por estas como testemunha – apresentou a mesma reclamação à Recorrida, e viu-lhe ser deferido o pagamento de todos os retroativos devidos pelo período em que não houve aplicação do ACT.
XVI. Questão sobre a qual o Tribunal a quo não se pronunciou, pelo que a decisão se encontra enferma com o vício da omissão de pronúncia (artigo 591.º, n.º1, alínea d) 1.º parte, CPC).
XVII. De igual modo, o Tribunal a quo não se pronunciou no respeitante aos danos não patrimoniais suscitados pelas Recorrentes, incorrendo, também aqui, no vício da omissão de pronúncia.
XVIII. Já em sentido oposto, o Tribunal a quo, em claro vício de excesso de pronúncia (artigo 591.º, n.º 1, alínea d), 2.º parte, CPC) conheceu da questão de fundo, sobre a aplicação do ACT, baseando-se na declaração subscrita pelas Recorrentes, considerando que a opção feita por estas resultou da sua vontade, e não de uma “obrigação” imposta pela Recorrida, que “forçou” as Recorrentes a optarem entre duas escolhas, sendo que nenhuma delas exprimia a vontade das mesmas.
XIX. Sem prejuízo do exposto, o Tribunal a quo ao decidir do mérito da ação, sem, sequer, a realização da audiência prévia, não respeitou o princípio do contraditório, genericamente consagrado no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, e que é por este assegurado pela imposição do dever processual, que especialmente lhe incumbia, de garantir às Recorrentes o direito (que lhes assiste) de dizer aquilo que, no momento processualmente adequado (definido previamente pela lei), ainda entenderem ser, do seu ponto de vista, relevante.”

A recorrida apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso, pois, e em suma:

“1- A douta sentença apreciou corretamente os factos alegados pelas partes, os documentos juntos não impugnados e efetuou uma correta interpretação e aplicação da lei aplicável.
2- Não merece, assim, qualquer censura.
3- Deverá o Recurso improceder totalmente por não se mostrarem violadas quaisquer disposições legais.”

Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da procedência do recurso.
Tal parecer não mereceu qualquer resposta.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar:

a) Nulidade da sentença;
b) Errada aplicação do direito.

III - APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da nulidade da sentença:

A esta questão se reportam as conclusões XV e ss do recurso.

Comecemos por apreciá-la com referência aos fundamentos invocados pelas recorrentes nas conclusões XV e XVI.

Em suma, sustentam as apelantes que se verifica o vício da omissão de pronuncia porque, tendo alegado a existência de um seu colega de trabalho – arrolado como testemunha –, que nas mesmas condições laborais/contratuais das recorrentes, e após fazer idêntica reclamação, viu-lhe ser deferido pela recorrida o pagamento dos retroativos respeitantes ao período em que a recorrida não lhe aplicou o ACT, questão sobre a qual o Tribunal a quo não se pronunciou.

Vejamos então.

Estabelece o art. 615.º/1 d) e n.º 4 do CPC:
“Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(….)
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”

Aquela citada al. d) tem o seu antecedente lógico no art. 608.º, n.º 2, do mesmo Código onde, acerca das Questões a resolver [na sentença] consta:
“2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
           
A propósito da interpretação do art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, sintetizou-se no Ac. RP de 23-05-2022[1], conforme ponto II  do respectivo sumario, “Neste âmbito, importa ter bem presente que as questões submetidas à apreciação do tribunal a que o legislador se refere se identificam com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.”

No mesmo sentido se diz no CPC Anotado de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[2], “Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (ver o n.º 2 da anotação ao art. 608).”

Reportemos à situação em análise:
           
A este propósito apenas descortinamos que as autoras alegaram, no art. 75.º da PI, o seguinte: “E o que agrava ainda mais a situação, é o facto das Autoras terem conhecimento de que reclamação idêntica foi deferida a um Colega, no passado mês de março de 2020, tendo o Réu, nesse caso, pago integralmente os retroativos reclamados, pelo que, até por imperativos de igualdade e não discriminação, deve ser integralmente acolhida a presente pronúncia.”
Ora, “a situação” a que nesse artigo da petição inicial se alude consiste no facto de as trabalhadoras do réu aqui autoras continuarem, após 1 de Julho de 2018 e até Outubro de 2020, com um período normal de trabalho semanal de 40 horas e a auferir a retribuição de € 780,72 (correspondente a € 683,13 de retribuição base, e € 97,59 de acréscimo pelo aumento da carga horária em 5 horas semanais), apesar de naquela primeira data ter entrado em vigor o ACT que identificam e existirem as demais normas legais que citam, e que, pelas demais razões que aduzem – v.g. à data da entrada em vigor do ACT as Autoras terem acumulados mais de 10 pontos nas avaliações do desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontravam – e disposições convencionais e legais estas que lhes conferiam o direito a, já desde 01.07.2018, auferirem uma retribuição no valor que o réu lhes veio a reconhecer em Outubro de 2020 e a praticar um período normal de trabalho semanal de 35 horas.
A questão a que o Tribunal recorrido tinha que apreciar e dar resposta era, portanto, esta, se face à causa de pedir, conforme a matéria alegada, e ao direito invocado (ou outro que entendesse aplicável) as autoras tinham direito ao que assim peticionaram.
E esta questão foi inequivocamente tratada na decisão recorrida.
Quando muito, tratar-se-ia – o alegado naquele art. 75.º da PI – de um argumento mais, a reforçar aquela referida fundamentação, mas, pela forma en passan e conclusiva – “reclamação idêntica” (não tendo sido alegados quaisquer factos para que se pudesse chegar a esta conclusão) -, em que foi trazido à liça, nem sob esse aspecto se afigura relevante.
Na conclusão XVII dizem as recorrentes que o Tribunal recorrido também não se pronunciou sobre a questão dos danos não patrimoniais, incorrendo também aqui no vício da omissão de pronúncia.
Efectivamente as recorrentes alegaram, nos art.s 80.º e ss da PI, ter sofrido danos não patrimoniais por via da actuação da recorrida,
(80.º Perante esta continuada situação de injustiça e discriminação, que tem sido denunciada, verbalizada e comunicada pelas Autoras aos responsáveis máximos do Réu desde há vários anos, é, para elas, mais do que aceitável a sua revolta, e o sentimento persistente de que têm sido traídas na sua confiança e dignidade e se encontram insatisfeitas a nível profissional e consequentemente a nível pessoal.
81.º A estes sentimentos manifestam-se também, durante todos estes anos, sintomas físicos como ansiedade, perturbações do sono, irritabilidade, entre outros.
82.º Sentimentos esses que são comuns a todas as Autoras, sem exceção.
83.º Na verdade, é comum a todas as Autoras, um estado de profunda inquietação e de sentimento de injustiça pela forma como têm sido tratadas pelo Réu.
84.º O Réu com o tratamento desigual e o não pagamento dos valores e quantias, a que cada uma das Autoras tem legitimamente direito, tem profanado e comprometido o valor da personalidade individual, profissional, social e familiar de cada uma das Autoras.
85.º Assim, o sofrimento e sentimento de injustiça, o mal-estar, o abalo emocional, o desgosto, a inquietação e ansiedade, a profanação da personalidade individual, social e profissional de cada uma das Autoras, constituem dano moral indemnizável por quantia nunca inferior a € 2.000 (dois mil euros) que cada uma dos Autoras, por si, impetra e reclama do Réu, a título de ressarcimento pelos danos morais advenientes dos eventos descritos.),
formulando a final, sob o ponto 1., o correspondente pedido.
Sucede, porém, que na economia da decisão proferida, esta questão ficou prejudicada.
Com efeito, entendeu-se que o réu não estava obrigado a pagar às autoras as retribuições que reclamam nem a atribuir-lhes o período normal de trabalho semanal de 35 horas nos termos que reclamam, isto é, considerou-se lícita a actuação do réu.
Porque assim é, mesmo que não se tenha expressamente referido essa prejudicialidade, deve considerar-se que o foi implicitamente, sendo que, efectivamente e na economia da decisão proferida, tal questão está prejudicada.
Questão, diversa, que poderá eventualmente colocar-se, mas a jusante, e posto que a factualidade pertinente aos invocados danos morais não mereceu resposta nem de provado nem de não provado, é a da necessidade de ampliação da matéria de facto – cf. art. 662.º/2, c), in fine, do CPC.
Nas conclusões XVIII e XIX assacam as recorrentes à sentença o vício do excesso de pronúncia.

Dizem as recorrentes que tal se verifica na medida em que o Tribunal recorrido conheceu da questão da “escolha” feita pelas apelantes com base apenas nas declarações subscritas por estas, sem lhes conceder a oportunidade de tomarem uma posição quanto às mesmas, sendo que foram obrigadas, pela recorrida, a fazer uma das duas escolhas possíveis mas o que em momento algum exprimiu a sua vontade livre e esclarecida; assim, o Tribunal a quo proferiu uma decisão de mérito, não respeitando o princípio do contraditório, genericamente consagrado no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, e que é “substantivamente assegurado pela imposição do dever processual, que especialmente lhe incumbe, de garantir às partes o direito (que lhes assiste) de dizer aquilo que entenderem ser relevante”, no momento processualmente adequado e que no caso era numa audiência prévia.

Entendemos que as recorrentes não têm razão.

A ré alegou expressamente na contestação – art. 29.º - que as autoras optaram por se manter no regime das 40 horas semanais, remetendo para as declarações assinadas pelas autoras e que juntou aos autos (doc.s 2 a 7 da contestação).

Em 13.6.2022 foi proferido despacho saneador em que (para além do mais, designadamente ter-se julgado improcedente a excepção da incompetência material deduzida pela ré) se entendeu que os autos não têm complexidade que justificasse a convocação de audiência prévia.
Não se vê razão para discordar desta decisão, nem foi oportunamente questionado o seu acerto.
Nos termos do artigo 62.º, n.º 1, do CPT, “1 - Concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.º 1 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada uma audiência prévia quando a complexidade da causa o justifique.” (sublinhado nosso)
Como se diz em Ac. RE de 15-12-2022[3], a convocação da audiência prévia constitui “a exceção e não a regra”.

É certo que, na decorrência do despacho saneador, e no prosseguimento dos autos, foi agendada data para realização da audiência final onde, como é consabido, está compreendida a fase das alegações orais – art. 604.º/3 e do CPC.
E tal audiência não se veio a realizar, tendo sido proferida a sentença.

Contudo, antes da prolação desta decisão, o Mm.º Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:
“Melhor compulsados os autos, parece-nos que está em causa, essencialmente, uma questão de interpretação Acordo Coletivo de Trabalho ( AC ) publicado no BTE n.º 23, de 22/06/2018, não parecendo haver factos controvertidos com relevância para a decisão da causa.
Assim, notifique as partes para se pronunciarem quanto à possibilidade de decisão de mérito da acção, sem necessidade de produção de prova.
Mais dou sem efeito a data designada para realização da audiência de julgamento.”

Este despacho foi notificado às partes, que ficaram assim a saber que o Senhor Juiz a quo congeminava decidir imediatamente do mérito da acção, sem realização da audiência final.

A ré veio “remeter para o já alegado na sua contestação e documentos já juntos, com a consequente improcedência da ação.”
As autoras, por seu turno, apresentaram requerimento em que, para além de manifestarem o entendimento que “o Tribunal não necessitará de produção de prova para proferir uma decisão quanto ao mérito da ação. (…) Com a consequente procedência total da ação”, alegaram que:

“1. A não aplicação imediata do Acordo Coletivo de Trabalho (AC) publicado no BTE n.º 23, de 22/06/2018, por parte da Ré, levou a que durante mais de 2 anos as Autoras tivessem sido “forçadas” a trabalhar mais horas do que aquelas que deveriam.
2. Com a agravante de se encontrarem posicionadas num escalão remuneratório inferior aquele em que deveriam estar com a entrada em vigor do respetivo AC.
3. Essa situação só veio a ser corrigida pela Ré, em outubro de 2020, volvidos mais de 2 anos, sem nunca esta ter reconhecido o seu erro, ou procurado a sua reparação.
4. Mais ainda, furtou-se a qualquer tentativa de interpelação das Autoras, negando-lhes sempre uma justa decisão sem sequer se darem ao trabalho de fundamentar a sua decisão inicial.
5. Quer a aplicação do AC desde outubro de 2020, quer a própria tomada de posição da Ré nos presentes autos – por exemplo, com a invocada exceção de incompetência – mais não representam do que a confissão da Ré quanto à validade da aplicação deste AC às Autoras.
6. Posto isto, o que a Ré nunca conseguiu – nem conseguirá – fundamentar ou sustentar é a recusa em admitir que deveria ter aplicado imediatamente o AC aquando da sua entrada em vigor, ou, não o tendo feito, o legítimo direito de as Autoras serem ressarcidas com o pagamento dos retroativos devidos, correspondentes ao tempo decorrido entre a entrada em vigor do AC e a sua aplicação por parte da Ré.
7. E como o Tribunal de certo concordará, este período de tempo, de mais de 2 anos, em que as Autoras trabalharam mais horas do que aquelas que deveriam, e em que receberam menos remuneração do que aquela que deveriam ter recebido, é suscetível de causar danos não patrimoniais na esfera jurídica das Autoras.
8. Desde se verem privadas a usufruir dessas horas trabalhadas a mais, por exemplo, passando mais tempo com a família,
9. Ao facto de durante mais de 2 anos auferirem uma remuneração bastante inferior aquela a que teriam direito, e que poderia permitir uma gestão de um orçamento familiar de forma diferente, evitando certos constrangimentos que tiveram de enfrentar,
10. E, principalmente, ao sentimento de angústia, desânimo, revolta, desvalorização e tristeza, com que as Autoras tiveram de lidar, no dia a dia, no trabalho, sentindo-se completamente desmotivadas e inferiorizadas, por saberem da injustiça com que a Ré as tratava.”
Ora, ainda que pudesse entender-se que nos termos do falado despacho as partes apenas deveriam pronunciar-se quanto à possibilidade de decisão de mérito da acção sem necessidade de produção de prova, o certo é qua as autoras aproveitaram para se pronunciar sobre o mérito da acção, analisando inclusive a “posição da Ré nos presentes autos”.

Assim, as autoras tiveram oportunidade de dizer o que entenderam a propósito da defesa do réu, não ocorrendo qualquer violação do princípio do contraditório nem havendo qualquer decisão surpresa.

Como se sintetizou no sumário de douto Ac. da RP de 08-03-2019[4], “II - A decisão-surpresa prevista no nº3 do mesmo artigo [art. 3.º CPC] ocorre se o juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo.”
Resulta da resenha que supra efectuamos que não foi nada disso que se passou no presente caso, não tendo o Tribunal recorrido exorbitado nem dos factos de que lhe era lícito conhecer nem da esfera jurídica conformada pela alegação das partes.

Ante o exposto, e concluindo, não se verifica a deduzida nulidade da decisão recorrida.

Da errada aplicação do direito:

Diga-se em primeiro lugar que, de algum modo relacionado com o que as recorrentes designaram como «questão da “escolha”» - que supra apreciamos no âmbito do conhecimento das invocadas nulidades da sentença -, em sede de motivação do recurso as apelantes dizem que “não se conformam com a factualidade tida por provada no ponto 15 da matéria de facto” mas – e talvez por isso aquele anunciado inconformismo não teve repercussão nas conclusões do recurso –, no desenvolvimento do respectivo raciocínio, dizem que “O Tribunal a quo, considerou que as Recorrentes, optaram por manter as 40 horas semanais, mantendo assim uma retribuição ilíquida de € 780,72.

O que de facto é verdade, mas que teria de ser contextualizado com o facto de que foi vedada às Recorrentes a possibilidade de passarem para a 2.º posição remuneratória. Ou seja, a Recorrida deu às Recorrentes, para estas optarem, apenas duas escolhas:
PRIMEIRA OPÇÃO: Continuarem na 1.º posição remuneratória, a observar um horário de trabalho de 40 horas semanais, recebendo € 683,13 de remuneração base e € 97,59 de acréscimo pelas 5 horas semanais.
SEGUNDA OPÇÃO: Continuarem na 1.º posição remuneratória, passarem a observar um horário de trabalho de 35 horas semanais, conforme os colegas com CTFP, recebendo apenas os € 683,13 de remuneração base.
Estas foram as únicas duas escolhas que foram dadas às Recorrentes, e que foram “forçadas” a escolher, tendo estas, de facto, optado por manterem as 40 horas semanais, por forma a não perderem rendimentos.
Mas o que o Tribunal a quo não considerou, estranhamente, é que a Recorrida deveria ter dado às Recorrentes uma terceira escolha, que foi aquela que veio a reconhecer em outubro de 2020, nomeadamente:
TERCEIRA OPÇÃO: Passarem para a 2.º posição remuneratória, a observar um horário de trabalho de 35 horas semanais, recebendo € 789,54 de remuneração base.” (sublinhámos)
Ora, em boa verdade essa contextualização fáctica a que as apelantes aludem é inócua. Se tiverem razão na interpretação que fazem das normas legais e convencionais que trouxeram à colação – isto é, se tiverem direito a já em 01.07.2018 passarem para a 2.º posição remuneratória e a observar um horário de trabalho de 35 horas semanais, recebendo € 789,54 de remuneração base (aquilo que designam por terceira opção), então não teriam de fazer qualquer opção (pois que não se verificava a situação que, de acordo com o previsto no ACT, lhes permitiria optar - entre continuar a receber a retribuição que recebiam à data da entrada em vigor do mesmo ACT mas trabalhando mais horas do que as 35 horas semanais, ou passando a ter este período normal de trabalho semanal mas vendo reduzida a sua retribuição mensal) – e o problema é jurídico, sendo que, nos termos do art. 476.º do CT, que consagra o Princípio do tratamento mais favorável “As disposições de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador.”.

Os factos a considerar, por assentes,s são então os seguintes:

“1. O Réu é uma Entidade Pública Empresarial (EPE) do Serviço Nacional de Saúde, sendo uma pessoa coletiva dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial.
2. As Autoras ocupam todas, atualmente, o cargo de assistentes administrativas e outorgaram contrato individual com o Réu;
3. Tendo ainda celebrado aditamentos posteriores a este;
4. As Autoras foram admitidas nos seguintes termos:
a) A Autora AA foi admitida em 06 de junho de 2005 através de contrato individual de trabalho sem termo, para exercer funções correspondentes à categoria profissional de Assistente Administrativa.
b) A Autora BB foi admitida em 15 de dezembro de 2004 através de contrato individual de trabalho sem termo, para exercer funções correspondentes à categoria profissional de Auxiliar de Apoio e Vigilância. A 24 de janeiro de 2008, por aditamento ao CIT, a autora passou a exercer funções correspondentes à categoria profissional de Assistente Administrativa.
c) A Autora CC foi admitida em 21 de dezembro de 2004, através de contrato individual de trabalho sem termo, para exercer funções correspondentes à categoria profissional de Auxiliar de Apoio e Vigilância. A 24 de janeiro de 2008, por aditamento ao CIT, a autora passou a exercer funções correspondentes à categoria profissional de Assistente Administrativa.
d) A Autora DD foi admitida em 21 de fevereiro de 2007 através de contrato individual de trabalho a termo certo, para exercer funções correspondentes à categoria profissional de Assistente Administrativa. A 11 de março de 2010, por aditamento ao CIT, este passou a ser por tempo indeterminado.
e) A Autora FF foi admitida em 22 de dezembro de 2008 através de contrato individual de trabalho a termo incerto, para exercer funções correspondentes à categoria profissional de Assistente Administrativa. A 04 de maio de 2009, por aditamento ao CIT, este passou a ser por tempo indeterminado.
f) A Autora EE foi admitida em 04 de maio de 2007 através de contrato individual de trabalho sem termo, para exercer funções correspondentes à categoria profissional de Auxiliar de Apoio e Vigilância. A 24 de janeiro de 2008, por aditamento ao CIT, a autora passou a exercer funções correspondentes à categoria profissional de Assistente Administrativa
5. Como resultado de cada um dos CIT, foi clausulado e definido um horário semanal de 40 horas.
6. Pelo cumprimento do horário semanal de 40 horas, as Autoras auferiam uma remuneração base (35 horas) e um acréscimo de 5 horas
7. Assim, o vencimento base das Autoras sempre foi indexado à primeira posição e nível remuneratório dos colegas da mesma organização com Contrato de Trabalho em Funções Públicas (doravante CTFP) para a mesma categoria e funções, com iguais aumentos salariais, incluindo a atualização proporcional do acréscimo remuneratório pelas 5 horas semanais a mais
8. A 30 de junho de 2018, as Autoras encontravam-se a realizar um horário semanal de 40 horas, pelo qual auferiam a retribuição ilíquida de € 780,72 – calculada com base na 1.º posição remuneratória (5.º Nível) da Tabela Remuneratória Única, correspondente a € 683,13 de retribuição base, e € 97,59 de acréscimo pelo aumento da carga horária em 5 horas semanais.
9. A 01 de julho de 2018, entrou em vigor o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (denominado “acordo coletivo de trabalho”), de 14 de maio de 2018, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego (BTE) n.º 23, de 22 de junho de 2018;
10.Tal acordo colectivo foi subscrito pela aqui ré;
11.Desde 01 de julho de 2018 até 30 de setembro de 2020, as Autoras estiveram a cumprir um horário semanal de 40 horas;
12.À data da entrada em vigor do ACT as Autoras tinham acumulados mais de 10 pontos nas avaliações do desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontravam:
13.A Autora FF, a partir de janeiro de 2019, tinha preenchidos os requisitos exigidos para a alteração obrigatória para a posição remuneratória seguinte àquela em que se encontrava
14.A posição em causa implicada uma remuneração mensal ilíquida de 789, 54 €;
15.As Autoras optaram por manter as 40 horas semanais, mantendo assim uma retribuição ilíquida de € 780,72, pelo facto da ré não aceitar a redução do horário de trabalho, para as 35 horas semanais, mantendo o mesmo nível remuneratório;
16.Em outubro de 2020 o Réu, por Deliberação do Conselho de Administração, datada de 01 de outubro de 2020, decidiu alterar a posição remuneratória das autoras, para aquele descrita em 14;
17.Na comunicação então remetida às autoras, consta o seguinte:
a) Foi autorizado pelo CA a alteração do posicionamento remuneratório previsto no capítulo XIV Cláusulas 33.º e 34.º [do AC] articuladas com o artigo 16.º da Lei 71/2018, de 31 de dezembro (LOE 2019) e do n.º 5 do artigo 151.º do Decreto-Lei n.º 84/2019, de 28 de junho (DLEO 2019)”.
b) “Face ao exposto será aplicada a redução horária das 40h/s para as 35h/s e respetivo reposicionamento nos vencimentos do mês de OUTUBRO/2020 sem qualquer possibilidade de retroatividade conforme informação abaixo apresentada.”.

E contendendo com a questão acima enunciada, na decisão recorrida discorreu-se nos termos seguintes:

“Fixada a matéria de facto cumpre dizer que está em causa, em termos práticos, a forma como a ré executou o ACT descrito nos factos assentes, no que se refere ao horário de trabalho semanal.
Assim, e conforme o seu artigo 11º, n.º 1, “o período normal de trabalho é o previsto na Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aplicável a trabalhadores com vínculo de emprego público, integrados em carreiras gerais”, a saber, 35 horas semanais, conforme o artigo 105º, n.º 1, b) da Lei 35/2014, de 20 de Junho.

Ficou assente que as autoras, à data da entrada em vigor do ACT, tinham, como horário semanal de trabalho, as 40 horas semanais.
Sobre esta questão, importa analisar o disposto nos artigos 32º e 33º do ACT, os quais têm o seguinte teor:

ARTIGO 32º:
1- (…)
2- Com prejuízo do disposto no número anterior, a aplicação da cláusula 11.ª do presente AC, circunscreve-se aos trabalhadores cujo valor hora da respetiva remuneração base não exceda, na sequência da alteração do período normal de trabalho aqui previsto, o dos correspondentes trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas.
3- Para efeitos do disposto no número anterior, deve reconstituir-se a situação do correspondente trabalhador à data em que foi contratado pela entidade pública empresarial para o exercício do conteúdo funcional que o mesmo assegure à data da entrada em vigor do presente
AC e apurar qual seria o seu posicionamento remuneratório, caso o mesmo tivesse celebrado um contrato de trabalho em funções públicas com um salário base igual ao da primeira posição remuneratória, e calcular a proporção face ao salário com que este trabalhador foi contratado.
4- Nos casos em que os trabalhadores aufiram remuneração superior à que corresponderia a idênticos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas, podem os mesmos, ainda assim, mediante declaração escrita, optar pelo de período normal de trabalho previsto na cláusula 11.ª, sendo a remuneração a auferir ajustada, aplicando a proporção calculada nos termos previstos no número 3 da presente cláusula ao salário base correspondente à sua posição atual na carreira, produzindo efeitos no dia 1 do mês seguinte ao da apresentação daquela declaração.
5- Todas as situações não abrangidas pelos números 2 a 4 da presente cláusula dependem de acordo entre o trabalhador e a entidade empregadora, a materializar em adenda ao correspondente contrato de trabalho.
*
Já segundo o artigo 33º, n.º 2, 3 e 5 do mesmo ACT:
1. (…)
2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, nos casos em que, pelo exercício de funções correspondentes à categoria para que foi contratado, a retribuição auferida pelo trabalhador integre uma parte certa e outra variável, não se incluindo nesta última as componentes associadas ao exercício de funções de carácter transitório e específico, designadamente, relativas à isenção de horário e coordenação, deve atender-se ao somatório das duas componentes, para efeitos de integração na respetiva posição remuneratória da correspondente categoria.
3. No que respeita aos trabalhadores que, nos termos previsto na cláusula anterior,
optem por manter o regime de trabalho a que correspondam mais de 35 horas semanais, a integração na correspondente tabela remuneratória pressupõe, só para este efeito, que igualmente se ficcione qual seria o seu posicionamento remuneratório, caso os mesmo tivessem celebrado um contrato de trabalho em funções públicas, à data em que foram contratados pela entidade pública empresarial para o exercício do conteúdo funcional que os mesmos asseguravam à data da entrada em vigor do presente AC, presumindo, cumulativamente, que os mesmos se encontram sujeitos a um horário semanal correspondente a 35 horas de trabalho normal.
4. (…)
5. Os trabalhadores a que se alude nos números anteriores, apenas poderão alterar a sua posição remuneratória quando, verificando-se os demais requisitos, nomeadamente, tenham acumulado 10 pontos nas avaliações do desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontram, o valor hora correspondente à respetiva remuneração passe a ser inferior ou igual ao que corresponde a idênticos trabalhadores, sujeitos a um horário de trabalho de 35 horas semanais
*
Assim, retira-se destas disposições, conforme refere a ré, que aquando da entrada em vigor daquele ACT, nas situações cujo valor hora da respetiva remuneração base excedesse, na sequência da alteração do período normal de trabalho previsto, o dos correspondentes trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas, os trabalhadores podiam manter o atual regime de horário e a respetiva remuneração ou optar, mediante declaração escrita, por passar ao PNT de 35 horas e a auferir uma remuneração inferior (aplicando-se a proporção calculada equiparada aos trabalhadores em CTFP ao salário base correspondente à sua posição atual da carreira, produzindo efeitos no dia 1 do mês seguinte ao da apresentação daquela declaração
Ora no caso dos autos foram as autoras que optaram por manter o horário de trabalho de 40 horas, nos termos dos n.ºs 3 e 5 da cláusula 33º pelo que não nos parece que exista fundamento legal para considerar como ilícita a actuação da ré, nesta parte.
Relativamente à posição remuneratória, as autoras alegam que, com a entrada em
vigor do ACT; e pelo número de pontos de avaliação de desempenho, deveriam ter sido integradas na posição remuneratória seguinte (embora com datas diferentes, consoante as autoras).
Nesta parte importa dizer que, nos termos do artigo 82º, n.º 4 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei 35/2014, de 20 de Junho, “todos os trabalhadores têm direito ao pleno desenvolvimento da respetiva carreira profissional, que pode ser feito por alteração de posicionamento remuneratório ou por promoção.”
Nesta parte, e salvo o devido respeito, não vemos como das nomas invocadas do ACT, se possa concluir que, com a entrada em vigor deste, deveria ter havido uma alteração da posição remuneratória.
Mas, conforme já dissemos, decisivo é para nós o facto de resultar da vontade das
autoras a manutenção do horário de trabalho que tinham até 30/06/2018, mantendo assim
a remuneração que auferiam.
A acção não pode, assim, proceder.”
           
Como primeira nota importa consignar que, rigorosamente, não resulta da materialidade constante do citado rol que o ACT trazido à colação - acordo coletivo de trabalho publicado no Boletim de Trabalho e Emprego (BTE) n.º 23, de 22 de junho de 2018, celebrado entre o Centro Hospitalar ..., EPE e outros e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais – FNSTFPS - seja aplicável às relações laborais estabelecidas entre as autoras e a ré – cf., nomeadamente, n.º 2 da cláusula 1.ª e n. e da cláusula 32.ª, do mencionado ACT, e art.s 496.º/1/2 e 497.º/1 do CT, e que a matéria de facto é omissa quanto à filiação ou não das autoras quer em Sindicato integrante da Federação outorgante do dito ACT quem em qualquer outro.
De todo o modo, sendo inequívoco que as partes estão de acordo quanto à sua aplicação, e resultando dos autos que a ré o vem efectivamente aplicando (sem prejuízo da discussão se o aplica devidamente ou não), é questão que não faz sentido apreciar, aceitando-se pois a sua aplicabilidade no caso.

Dito isto, o pomo da discórdia que temos de resolver consiste em saber se, à data da entrada em vigor do falado ACT (01.07.2018), às autoras assistia o direito a serem “reposicionadas na 2.ª posição remuneratória”, sendo sobre a premissa de uma resposta positiva a esta pergunta que assenta todo o raciocínio expendido pelas recorrentes.
E adiantando o nosso entendimento, afigura-se-nos que não.

Vejamos porquê.

Esgrimem as recorrentes que “À data da entrada em vigor do ACT as Recorrentes, exceção feita à Recorrente FF que só a partir de janeiro de 2019, tinham acumulado mais de 10 pontos nas avaliações do desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontravam.”, por isso que a partir de 01.7.2018 deviam ter ascendido à 2.º posição remuneratória, correspondente ao 7.º nível da TRU, o que implicava auferirem uma remuneração mensal ilíquida de € 789,54, pois que esta alteração remuneratória torna-se obrigatória quando os trabalhadores em CTFP, ou, neste caso, por força da aplicação do ACT, os trabalhadores em contrato individual de trabalho (CIT), acumulem mais de 10 pontos nas avaliações de desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontram, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 156.º, n.º 7 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), sendo que o ACT, na sua Cláusula 25.º, determina expressamente que “Os trabalhadores abrangidos pelo presente AC têm direito a um desenvolvimento profissional, o qual se efetua mediante alteração de posicionamento remuneratório (...) nos mesmos termos em que estes institutos se encontram regulados para os trabalhadores com vínculo de emprego público, integrados em carreiras gerais.”

É verdade que, nos pontos 12. e 13. da matéria de facto consta que 12.À data da entrada em vigor do ACT as Autoras tinham acumulados mais de 10 pontos nas avaliações do desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontravam; 13.A Autora FF, a partir de janeiro de 2019, tinha preenchidos os requisitos exigidos para a alteração obrigatória para a posição remuneratória seguinte àquela em que se encontrava (sendo que, como se afigura evidente, o que se pretende significar neste número 13. é que à data de Janeiro de 2019 a autora FF passou a ter acumulados os aludidos 10 pontos nas avaliações; doutro modo a matéria em causa seria absolutamente despicienda, por conclusiva).
E reconhece-se igualmente o assinalado conteúdo quer da cláusula 25.ª do ACT quer do n.º 7 do art. 156.º da Lei 35/2014 (LGTFP).

Porém, cumpre ter presente quer o conjunto das cláusulas/normas do ACT aplicáveis, quer as demais normas, legais, que no caso relevem.
Desde logo porque, como chamou a atenção a ré, apesar de ter contabilizados todos os “pontos” desde 2003, entende que o cômputo dos pontos para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório, obtidos no âmbito do processo de avaliação de desempenho, se contará apenas a partir da data da entrada em vigor do ACT.

Entendemos que tem razão.

Como se escreveu em acórdão desta Relação[5] a propósito que questão semelhante, e posição na qual nos revemos, “O ACT 2019 [no caso presente, o ACT de 2018] acima identificado é dirigido aos trabalhadores com CIT e teve por objectivo uniformizar realidades diferentes. Na verdade, por força da privatização progressiva das funções prestacionais públicas (que se contrapõem às de soberania ou de autoridade pública) e das sucessivas legislações, convivem no sector empresarial do Estado trabalhadores sujeitos a diferentes vínculos jurídicos de trabalho, mormente trabalhadores com contrato de trabalho e trabalhadores com vínculo de emprego público. A dado passo encontramos, amiúde, trabalhadores a exercerem as mesmas funções e com estatutos profissionais diferentes, com tudo o que de prejudicial isso acarreta.
O ACT em causa visa ultrapassar essas diferenças nos aspectos essenciais que regem a actividade.
Mas, como referimos o ACT só é aplicável a partir de 1-12-2019 [no caso presente, 01.7.2018] e não desde a data do início dos contratos de cada um dos AA (2003, 2007, 2008, 2009) – clª 12. O ACT não é aplicável retroactivamente, mas somente para o futuro.
O que significa que o direito a avaliação de desempenho dos AA só se adquire a partir de então (1-12-2019) [no caso dos autos, 01.7.2018] e, portanto, que só podem progredir para o futuro.
Repise-se que antes do ACT, os trabalhadores informáticos com CIT não tinham uma carreira, nem direito a avaliação de desempenho que, entre o mais, é um requisito de progressão profissional.
O desenvolvimento da carreira estava apenas prevista para trabalhadores com vínculo de emprego público, consagrando-se quanto a eles um direito de desenvolvimento de carreira por alteração de posicionamento ou promoção (“…4 - Todos os trabalhadores têm direito ao pleno desenvolvimento da respetiva carreira profissional, que pode ser feito por alteração de posicionamento remuneratório ou por promoção.”- art. 82º; “Os trabalhadores estão sujeitos ao regime de avaliação do desempenho constante do diploma próprio …”-89º; “Para além dos efeitos previstos no diploma que a regulamenta, a avaliação do desempenho dos trabalhadores tem os efeitos previstos na presente lei em matéria de alteração de posicionamento remuneratório na carreira,…”- 91º LGTFP).
O diploma referente ao sistema integrado de avaliação de desempenho dos trabalhadores da Administração Pública consagra que: “1 - A avaliação do desempenho individual tem, designadamente, os seguintes efeitos:… e) Alteração de posicionamento remuneratório na carreira do trabalhador e atribuição de prémios de desempenho, nos termos da legislação aplicável”)- art. 52º Lei 68-B/2007, de 28-12.
Mas o diploma só é aplicável os trabalhadores da Administração Pública com relação jurídica de emprego público e, ademais, exclui do seu âmbito de aplicação as entidades públicas empresariais - art 2º, nº 3, e nº 4, c), Lei 68-B/2007, de 28-12.
Não é assim extensível aos AA.

Se a ré fez algumas avaliações anteriores a alguns dos AA [no caso, a todos os autores], fê-lo sem obrigatoriedade legal e nenhuma consequência daí se pode extrair, à falta de outros elementos, sendo um instrumento de gestão empresarial e na sua disponibilidade.”

Com efeito, a cláusula 10.ª do ACT de 2018 cuja aplicação se vem fazendo estabelece:

“A avaliação de desempenho dos trabalhadores abrangidos pelo presente AC fica sujeita, para todos os efeitos legais, incluindo a alteração do posicionamento remuneratório, ao regime vigente para os trabalhadores com vínculo de emprego público, integrados em carreiras gerais, com as devidas adaptações.” (sublinhado nosso)
Ora, fica sujeita precisamente porque até então não o estava, isto é, não havia norma legal (lato sensu) que o impusesse.
E porque assim é, só pode regular as avaliações que se realizaram/venham a realizar desde a respectiva data de entrada em vigor – 01.07.2018 – para futuro.
Donde, a razão da ré ao pretender que para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório, os pontos obtidos no âmbito do processo de avaliação de desempenho se contarão apenas a partir da data da entrada em vigor do ACT.
Aliás, se assim não fosse, abrir-se-ia seguramente o flanco a novas situações de injustiça relativa pois aqueles trabalhadores a quem a entidade empregadora  (a aqui ré ou outra entidade subscritora do mesmo ACT) não tivesse efectuado as mencionadas avaliações ficariam prejudicados relativamente aqueles a quem a entidade empregadora, embora não obrigada, tivesse realizado avaliações de desempenho de acordo com o regime vigente para os trabalhadores com vínculo de emprego público e por isso obtido os pontos necessários à alteração do posicionamento remuneratório.
           
Por outro lado, as cláusulas 32.ª e 33.ª do mesmo ACT visam regular a aplicação do regime consagrado no ACT, nomeadamente quanto à aplicação do período normal de trabalho de 35 horas semanais (por força da remissão prevista na cláusula 11.ª/1) e quanto ao reposicionamento remuneratório, aos contratos individuais do trabalho que se já se tinham iniciado anteriormente ao começo da vigência desse ACT.

Sucede que o n.º 5 da cláusula 33.ª do ACT – cláusula cuja epígrafe é “Reposicionamento remuneratório” – estabelece: “Os trabalhadores a que se alude nos números anteriores [no caso, as autoras/recorrentes, aí abrangidas], apenas poderão alterar a sua posição remuneratória quando, verificando-se os demais requisitos, nomeadamente, tenham acumulado 10 pontos nas avaliações do desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontram, o valor hora correspondente à respetiva remuneração passe a ser inferior ou igual ao que corresponde a idênticos trabalhadores, sujeitos a um horário de trabalho de 35 horas semanais.” (sublinhado também nosso)

Assim, não sendo contabilizáveis para o efeito aqueles pontos obtidos pelas autoras em avaliações realizadas antes da entrada em vigor do ACT, não estavam as recorrentes em condições de, à data de 01.07.2018, transitarem obrigatoriamente para o nível remuneratório seguinte.

Como já se disse, todo o enquadramento jurídico feito pelas recorrentes assenta no direito a este reposicionamento remuneratório (pois, se lhes assistisse esse direito, transitariam também para o período normal de trabalho semanal de 35 horas, sem qualquer redução da retribuição, porquanto a mesma (o “valor hora”) - «actualizada» com referência à 2.ª posição remuneratória, correspondente ao 7.º nível da TRU – já não excederia o valor da retribuição dos correspondentes trabalhadores com contratos de trabalho em funções públicas).

Assim, terá de improceder a acção, pois soçobra não só o invocado fundamento para as quantias reclamadas a título de “créditos, retroativos e diferenças salariais”, como não se verificam os requisitos – desde logo o incumprimento (culposo) do ACT, o que torna despiciendo cuidar da verificação dos danos alegados – necessários a qualquer condenação em indemnização por danos não patrimoniais.

V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo das recorrentes.
Notifique.
Guimarães, 16 de Março de 2023

Francisco Sousa Pereira (relator)
Antero Veiga
Maria Leonor Barroso


[1] Proc. 588/14.9TVPRT.P1, Pedro Damião e Cunha, www.dgsi.pt        
[2] Vol. 2.º, 4.ª Ed., Almedina, pág. 737.
[3] Proc. 154/22.5T8TMR.E1, Emília Ramos Costa, www.dgsi.pt
[4] Proc. 14727/17.4T8PRT-A.P1, Carlos Portela, www.dgsi.pt
[5] Ac. RG de 17.3.2022, Proc. 1812/20.4T8VRL.G1, Maria Leonor Barroso, www.dgsi.pt