Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1075/20.1T8GMR.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
ENCERRAMENTO DO PROCESSO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Verificando que a massa insolvente é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, o Juiz apenas pode declarar encerrado o processo após prévia audição, designadamente, dos credores, já que a estes é conferido o direito de obstarem ao encerramento do processo, depositando à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.
II- E a notificação do relatório do administrador aos credores e onde tal encerramento já constava como proposta não garante o cumprimento do contraditório sobre a questão do encerramento, uma vez que a notificação genérica dessa peça processual não promove nem garante o efectivo exercício pleno do contraditório quanto à específica e concreta questão do encerramento por alegada insuficiência da massa.
III- E isto com evidência assim decorre do facto de a proposta de encerramento não revestir carácter vinculativo para o juiz, e de, simultaneamente, ser sobre este último impende o ónus processual de desencadear o procedimento tendente à verificação das condições para se decidir pelo encerramento, sendo essa a essencial razão por que a audição dos interessados deve ser suscitada expressamente, nos termos do nº 2, do 232º, CIRE, até porque, nessa oportunidade, pode algum dos credores querer depositar o montante "determinado pelo juiz", o que pressupõe que, antes de serem ouvidos, deve o Juiz proceder a essa determinação e só depois facultar o contraditório.
IV- O princípio do contraditório é hoje entendido um direito de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.
V- O exercício e a concretização deste princípio, numa concreta situação, não está dependente ou sujeita a um qualquer e prévio julgamento incidente sobre a solidez ou consistência substancial do eventual direito que, com a sua consagração e em decorrência do seu cumprimento, se pretendeu salvaguardar ou exercer.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrentes: A. P., A. M., A. L. e A. C..

Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo de Comércio de Guimarães, J2.

A. P., A. M., A. L. e A. C., Credoras Reclamantes nos autos de insolvência supra melhor identificados vêm expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
1. As Requerentes são credoras da Insolvente “X, Unipessoal, Lda.”.
2. Dentro do prazo legal, reclamaram os seus créditos junto do Administrador de Insolvência nomeado.
3. E, ao que sabem, o mesmo terá sido reconhecido.
4. Entretanto, a assembleia de credores agendada foi 137 de 824 desmarcada, em virtude da pandemia COVID-19.
5. Sucede, no entanto, que as Requerentes, por si ou através do seu Mandatário, nunca mais tiveram qualquer notícia do processo.
6. Nem foram convocadas para nova data para realização da assembleia de credores, nem foram notificadas para se pronunciarem sobre o relatório elaborado pelo Sr. Administrador de Insolvência.
7. No entanto, no dia hoje, ao consultarem o “Portal Citius” constataram que o presente processo foi encerrado por insuficiência da massa insolvente.
8. Tal informação consta de anúncio publicado no dia 11.05.2020 no “Portal Citius”.
9. No entanto, também nunca as Requerentes ou o seu Mandatário foram notificadas para se pronunciarem sobre o encerramento do processo por insuficiência de massa, conforme impõe o artigo 232.º n.º 2 do CIRE: “2 – Ouvidos o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, o juiz declara encerrado o processo, salvo se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.” (negrito nosso).

Nestes termos, requerem a V. Exa. se digne:
a) declarar nulo todo o processado posteriormente ao dia da desmarcação da assembleia de credores;
b) ordenar a notificação das Requerentes para se pronunciarem sobre o relatório elaborado pelo Sr. Administrador de Insolvência; e c) dar sem efeito o despacho/ decisão de encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente.
(…)
Por despacho proferido nos autos tal requerimento foi julgado improcedente.

Inconformado com tal decisão, apelam as Requerente, e, pugnando pela respectiva revogação, formulam nas suas alegações as seguintes conclusões:

A. Vem o presente recurso de apelação interposto do douto despacho, com a ref.ª n.º 168173949, datado de 18.05.2020, que indeferiu o requerimento apresentado pela Recorrente (ref.ª n.º 10059954) que pretendia ver declarado nulo todo o processado posteriormente ao dia da desmarcação da assembleia de credores, ordenar a notificação da Requerente para se pronunciar sobre o relatório elaborado pelo Sr. Administrador de Insolvência e dar sem efeito o despacho/ decisão de encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, isto porque não pode a Recorrente conformar-se com o mesmo.
Vejamos porquê:

DO OBJECTO DO RECURSO

B. A Recorrente é credora da Insolvente “X, Unipessoal, Lda.”.
C. Todavia, desde o início do processo de insolvência e até ao dia de hoje (09.06.2020), nunca a Recorrente, por si ou através do seu mandatário, foi notificada de qualquer despacho ou decisão, com excepção do despacho recorrido.
D. Nomeadamente, nunca a Recorrente ou o seu Mandatário foram notificados para se pronunciarem sobre o encerramento do processo por insuficiência de massa, conforme impõe o artigo 232.º n.º 2 do CIRE.

DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO

E. Como se alegou supra, a Recorrente pretende, com o presente recurso, ver anulada a decisão que indeferiu o seu requerimento apresentado em 14.05.2020.
F. Com efeito, tal discordância prende-se essencialmente com dois argumentos: i) violação do princípio do contraditório; e ii) violação de lei.

I – VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

G. A Recorrente tem o seu crédito reconhecido nos autos, constando da lista de créditos reconhecidos nos termos do disposto no artigo 129.º do CIRE – cfr. apendo B (Reclamação de Créditos).
H. Conforme se constata da simples consulta dos autos, a Recorrente: nunca foi notificada da desmarcação da assembleia de credores; nunca foi notificada para se pronunciar sobre o relatório elaborado pelo Sr. Administrador de insolvência, pese embora exista, nos autos, um despacho a determiná-lo; nunca foi notificada sobre a decisão que incidiu sobre a análise desse relatório; e nunca foi notificado para se pronunciar sobre o encerramento do processo por insuficiência de massa, conforme impõe o artigo 232.º, n.º 2 do CIRE.
I. O Tribunal a quo violou claramente o princípio do contraditório (artigo 3.º do Código de Processo Civil) ao nunca ter notificado a Recorrente dos despachos proferidos nos autos, mesmo depois de esta ter reclamado no dia em que teve conhecimento dessa violação (cfr. artigos 195.º e 199.º do CPC).
J. Destarte, e salvo melhor opinião, deve o despacho recorrido ser revogado e/ou anulado por violação do princípio do contraditório.

II - VIOLAÇÃO DE LEI

K. Acresce ainda que o douto despacho recorrido está ferido de ilegalidade por violação de lei.
L. Com efeito, impõe o artigo 232.º n.º 2 do CIRE que: “2 - Ouvidos o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, o juiz declara encerrado o processo, salvo se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.”.
M. Resulta assim claro que o Tribunal não pode encerrar o processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente, sem que antes os credores se pronunciem.
N. Ora, a Recorrente, credora reconhecida nos autos, nunca foi notificada para esse efeito, nem por si, nem por intermédio do seu Mandatário.
O. Foi, assim, violado o artigo 232.º do CIRE.
P. Concluindo, diremos que o despacho recorrido (ref.ª n.º 168173949), violou os artigos 3.º, 195.º e 199.º do Código do Processo Civil e o artigo 232.º do CIRE.
*
A Apelada não apresentou contra-alegações.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Analisar da violação da violação, por incumprimento, de lei expressa, e do principio do contraditório.
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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

Além dos factos que constam do relatório que antecede, e com relevância para a decisão do recurso, consta da fundamentação de direito da decisão recorrida o que a seguir se transcreve:
(…)
Ref. 10059954: Indefere-se o requerido porquanto a pronúncia prevista no art. 232º, nº2 do CIRE, decorre da notificação do referido relatório, e que no prazo concedido podiam então exercer o seu direito de contraditório face à proposta prevista no aludido relatório.

Fundamentação de direito.

De tudo quanto antecede â evidência resulta que a questão em discussão nos autos a mais não subsume do que à de saber se houve ou não violação do disposto no artigo 232, nº 2, do CIRE, e logo também e por decorrência, do principio do contraditório.

Conforme o preceituado nos nºs 1) e 2), deste preceito, “Verificando que a massa insolvente é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, o administrador da insolvência dá conhecimento do facto ao juiz, podendo este conhecer oficiosamente do mesmo”, sendo que, “Ouvidos o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, o juiz declara encerrado o processo, salvo se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente”.

Como referem L.A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “o nº1, do artigo 232 atribui a verificação da insuficiência da massa insolvente para pagar as custas do processo e as restantes dívidas da massa ao administrador da insolvência, ou seja, ao órgão da insolvência correspondente ao previsto no nº 1, do artigo 187, do CPEREF – liquidatário judicial.
No seguimento desta notificação do administrador quanto à insuficiência da massa insolvente, o juiz, antes de declarar o processo encerrado, deve ouvir o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente.
Como regra, a insuficiência da massa acarreta o encerramento do processo. Mas não é um efeito necessário dessa insuficiência, como se verifica da segunda parte do nº 1”.

Destarte, parece-nos, assim, evidente que o regime previsto no artigo 232, do CIRE, constitui um afloramento de um principio geral do direito processual civil, no âmbito do processo do processo de insolvência, ou, mais concretamente, do principio do contraditório, plasmado em termos genéricos no artigo 3, nºs 1 e 3, do C.P.C., no qual se estipula que, salvo nos casos excepcionais previstos na lei, “o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição”, não sendo lícito ao juiz, salvo em caso de manifesta desnecessidade, “decidir de quaisquer questões de direito ou de facto, mesmo que do conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

Como é consabido, o princípio do contraditório é hoje entendido “como garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, directa ou indirectamente, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”. (1)

Assim se conclui que o fim principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo.

Daqui resulta que nestes processos, terá sempre de facultar-se aos credores a possibilidade de deduzirem todas as suas razões de concordância ou discordância com o eventual encerramento do processo, tanto quanto é certo que os mesmos podem até obstar a esse encerramento, pois que, como supra se referiu, “a insuficiência da massa acarreta o encerramento do processo. Mas não é um efeito necessário dessa insuficiência, como se verifica da segunda parte do nº 1”.

Ao Recorrente terá assim de ser reconhecido o direito de se pronunciar sobre esta situação.

E o exercício efectivo de um tal direito de modo algum pode ser impedido por mais notória, intensa ou ostensiva que se entenda ser a carência de fundamento pertinente, que a todos os títulos tornasse indubitável e imperiosa a conclusão de que ao Recorrente não assistiria qualquer fundamento válido e juridicamente sustentado e relevante de oposição ao encerramento, pois como resulta do exposto, para conseguir tal desidrato bastaria tão somente ”depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz.

Isto considerado, temos que na presente situação, conforme alega a Recorrente, compulsados os autos constata-se que não foi notificada da desmarcação da assembleia de credores, bem como, para se pronunciar sobre o relatório elaborado pelo Sr. Administrador de insolvência, sendo que, pese embora exista, nos autos, um despacho a determiná-lo, também nunca foi notificada sobre a decisão que incidiu sobre a análise desse relatório, e bem assim, também nunca foi notificado para se pronunciar sobre o encerramento do processo por insuficiência de massa, conforme impõe o artigo 232.º, n.º 2 do CIRE.
Destarte, a questão a esclarecer em mais não consistirá do que na de aquilatar da relevância da omissão destes actos processuais e do decorrente impedimento da Recorrente de se ter pronunciado previamente sobre o eventual encerramento do processo, ou seja, se terá sido dado adequado e eficaz cumprimento ao princípio do contraditório e dos preceitos legais aplicáveis à situação.

Ora, sobre o sentido e alcance do princípio do contraditório no âmbito do processo civil, o Tribunal Constitucional pronunciou-se, entre outros, no Acórdão n.º 259/2000, no qual se escreveu:

“O direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deva chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada das partes poder aduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras”. (2)
É que - sublinhou-se no Acórdão n.° 358/98 – “o processo de um Estado de direito (processo civil incluído) tem de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder expor as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.°, n.° 1, da Constituição, que prescreve que “a todos é assegurado o acesso (...) aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”. (3)
E, acrescenta-se no mesmo Acórdão, que “(…) a ideia de processo equitativo e leal (due process of law) exige, não apenas um juiz independente e imparcial - um juiz que, ao dizer o direito do caso, o faça mantendo-se alheio e acima de influências exteriores, a nada mais obedecendo do que à lei e aos ditames da sua consciência – como também que as partes sejam colocadas em perfeita paridade de condições, por forma a desfrutarem de idênticas possibilidades de obter justiça. Criando-se uma situação de “indefensão”, a sentença só por acaso será justa”.

Como supra se mencionou, o exercício e a necessidade de concretização deste princípio do contraditório, numa concreta situação, não está dependente ou sujeita a um qualquer e prévio julgamento incidente ou tendente a indagar e esclarecer da solidez ou consistência substancial do eventual direito que, através da sua consagração e cumprimento, se pretenda salvaguardar ou exercer.

Acresce que, como é consabido, a garantia do exercício do direito do contraditório, que se encontra plasmado no artigo 3º, nº 3, do C.P.C., visa, como princípio estruturante de todo o nosso processo civil, assegurar uma discussão dialéctica entre as partes, em ordem a evitar “decisões surpresa”, ou seja, baseadas em fundamentos que não tenham sido previamente considerados pelas partes e, consequentemente, reforçar, assim, o direito de defesa, não sendo lícito, “salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

Como se deixou dito, a regra do contraditório deixa de estar exclusivamente associada ao direito de defesa, no sentido negativo de oposição à actuação processual da contraparte, para passar a significar um direito de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. (4)

Acrescente-se, apenas, o que sobre a matéria também escreveu Teixeira de Sousa: “a violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constantes do artº 201º, nº1, dada a importância do contraditório, é indiscutível que a sua inobservância pelo tribunal é susceptível de influir no exame ou decisão da causa”. (5)

Assim, dúvidas não podem restar de que, ao não ter sido notificado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 232, do CIRE, foi cerceado ao Recorrente o seu direito de se pronunciar sobre o encerramento do processo e até de praticar actos que a esse mesmo encerramento poderiam obstar, em manifesto prejuízo dos seus direitos processuais e substanciais, mostrando-se, assim, incumprida a legislação aplicável á situação violado o princípio do contraditório.

E assim sendo, deferida deve ser pretensão de nulidade, por omissão dessa notificação, nos termos acabados de referir, pois não foi observada ou cumprida a lei, com prejuízo dos direitos de defesa da Recorrente.

E isto assim se nos afigura, sem embardo da plena consciência que temos de que a decisão recorrida considerou que o contraditório sobre a questão do encerramento foi assegurado mediante a notificação do relatório do administrador aos credores, onde tal já constava como proposta.

Todavia, e salvo o devido respeito por esta posição, não se nos afigura que isto assim possa ser considerado, uma vez que a notificação genérica dessa peça processual não promove nem garante o efectivo exercício pleno do contraditório quanto à específica e concreta questão do encerramento, por alegada insuficiência da massa, o que com evidência resulta do facto de a proposta não revestir carácter vinculativo para o juiz, e de ser sobre este último que impende o ónus processual de desencadear o procedimento tendente à verificação das condições para se decidir pelo encerramento, sendo essa a essencial razão por que a audição dos interessados deve ser suscitada expressamente, nos termos do nº 2, do 232º, CIRE, até porque, nessa oportunidade, pode algum dos credores querer depositar o montante "determinado pelo juíz....", o que pressupõe que, antes de serem ouvidos, deve ele proceder a essa determinação e só depois facultar o contraditório.

Destarte, na procedência da presente apelação, decide-se revogar a decisão recorrida determinando-se a sua substituição por outra que determine a notificação do Recorrente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 232, nº 2, do CIRE.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, a cuja anulação se procede, determinando-se a sua substituição por outra que determine a determine a notificação do Recorrente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 232, nº 2, do CIRE.

Sem custas.
Guimarães, 8/10/2020.



1. Cfr. Lebre de Freitas/João Redinha/Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, págs. 7-8.
2. Cfr. Acórdão n.º 259/2000, publicado no Diário da República 2ª série, de 7 de Novembro de 2000, e Acórdão nº 86/88, publicado nos, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11. °, pp. 741 e segs.
3. Cfr. Acórdão n.° 358/98 (publicado no Diário da República, 2ª série, de 17 de Julho de 1998), repetindo o que se tinha afirmado no Acórdão n° 249/97 (publicado no Diário da República 2ª série, de 17 de Maio de 1997).
4. Cfr. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, págs. 96-97.
5. Cfr. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., p. 48.