Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1473/18.0T8VRL.G1
Relator: JOSÉ DIAS
Descritores: ASSOCIAÇÃO
DELIBERAÇÕES SOCIAIS
DELIBERAÇÕES NÃO REGISTADAS EM ATA
ÓNUS DA PROVA
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- Sendo as associações pessoas coletivas, cujos órgãos são imperativamente colegiais, as deliberações nelas tomadas têm de ser registadas em ata (art. 63º, n.º 1 do CSC ex vi art. 10º do CC).
2- A ata não é meio ou modo pelo qual os associados exprimem ou exteriorizam a sua vontade deliberativa, mas apenas meio certificativo da deliberação tomada, pelo que a falta de registo em ata não invalida o procedimento deliberativo, sequer a própria deliberação (a ata não é formalidade ad substantiam) e a deliberação validamente tomada, ainda que não registada em ata, é plenamente eficaz (a ata não é formalidade ad probationem), pelo que os factos e as deliberações não registadas em ata podem ser provados mediante recurso a todos os meios de prova legalmente permitidos, incluindo a testemunhal.
3- O ónus da prova de factos e deliberações não registados em ata impende sobre a parte que queira prevalecer-se desses factos ou deliberações.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I- RELATÓRIO.

L. L., residente na Rua … Vila Real, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra Sport Club X, com sede na Rua …, Vila Real, pedindo que se:

a- declare a anulabilidade da deliberação da assembleia eleitoral de 25/05/2018, com as legais consequências, dada a invocada invalidade da mesma;
b- determine a repetição da assembleia geral eleitoral do dia 25/05/2018 para eleição dos órgãos sociais do Réu com respeito pelos estatutos do clube;
c- declare a nulidade da investidura da posse dos órgãos sociais na reunião de alguns sócios ocorrida a 16/06/2018;

Subsidiariamente, caso se entenda que a reunião de sócios do dia 16/06/2018, configurou uma reunião de assembleia geral do Réu, se:
d- declare a anulabilidade da assembleia geral do dia 16/06/2018 pela invalidade invocada na mesma e por violação dos estatutos do Réu e da lei em geral, de acordo com os fundamentos expostos na petição inicial.

Para tanto alega, em síntese, que a Ré é uma associação desportiva sem fins lucrativos e de utilidade pública, sendo o Autor seu associado;
Em 25/05/2018 teve lugar a assembleia geral eleitoral para eleição dos órgãos sociais do Réu, na qual o Autor não exerceu o seu voto e não participou;
A marcação dessa assembleia teve lugar na sequência de transação homologada no âmbito da providência cautelar n.º 1162/17.3T8VRL, que correu termos no Juízo Local Cível de Vila Real, Juiz 2;
A essa eleição concorreram três listas;
No dia 24/05/2018, um dia antes da data designada para o ato eleitoral, o presidente da mesa da assembleia geral suspendeu o ato eleitoral por suspeitas da prática de atividades ilícitas na inscrição de associados com capacidade eleitoral ativa e por questões de segurança relacionados com o ato eleitoral em si e, no dia 25/05/2018, não compareceu na sede do Réu;
Acontece que o Presidente da Câmara Municipal ..., que não é associado do Réu, sequer ocupa qualquer cargo neste, o mesmo acontecendo com a Câmara Municipal ..., numa conferência de imprensa que teve lugar em 24/05, referiu que se as eleições não se realizassem no dia 25/05, o Município suspenderia todos os apoios ao Réu;
E no dia 25/05, na sequência da Câmara, por ordem do Presidente de Câmara, ter arrombado as portas e ter mudado as fechaduras das instalações do Réu, realizou-se o ato eleitoral, sem que antes tivesse sido contactado qualquer órgão deste;
No dia 28/05, o presidente da mesa da assembleia geral eleitoral do Réu convocou eleições para o dia 11/06/2018;
Acontece que o sócio e cabeça de lista da lista C instaurou providência cautelar pedindo a suspensão das deliberações constantes da ata de reunião da Direção do Réu do dia 24/05/2018, da decisão do presidente da mesa da assembleia geral eleitoral que suspendeu as eleições designadas para o dia 24/05/2018 e, bem assim a decisão deste de convocar eleições para 11/06/2018;
No âmbito da referida providência cautelar, foi decidido suspender as deliberações constantes da referida reunião da Direção do Réu de 24/05, a decisão do presidente da mesa da assembleia geral suspendendo as eleições do dia 25/05 e, bem assim a decisão deste convocando eleições para o dia 11/06;
No dia 25/05/2018, o ato eleitoral iniciou-se às 16h30m e terminou pelas 23h00, ao contrário do que ficou deliberado na assembleia geral de marcação do ato eleitoral, onde se previa que este se iniciasse pelas 17h00;
Uma vez que, nesse dia 25/05, o presidente da mesa da assembleia geral e restantes membros dessa mesa não compareceram, foi constituída uma assembleia eleitoral “ad hoc”, onde foi decidido supostamente pelos sócios delegar no presidente da Direção do Réu a constituição da mesa dessa assembleia geral eleitoral constituída ad hoc;
Acontece que a ata dessa assembleia geral não refere quem integrou a mesa do ato eleitoral, que sócios delegaram no presidente da direção a constituição de uma assembleia eleitoral “ad hoc”, quem votou, o quê, que votação existiu, que constituição da mesa teve lugar, estando o documento apenas assinado pelo presidente da direção e pelos representantes das listas A e C;
A ata de encerramento das eleições do dia 25/05 apenas se encontra assinada pelo presidente da direção;
Os boletins de voto apenas foram ilegalmente rubricados pelos candidatos das listas A e C, uma vez que o cabeça de lista da lista B referiu publicamente que não se apresentaria a eleições dadas as deliberações tomadas pelo presidente da mesa da assembleia geral eleitoral então em funções;
No dia 16/06/2018 teve lugar a tomada de posse dos supostos órgãos eleitos, da lista C, concorrentes e vencedores das eleições de 25/05;
Essa posse teve lugar em instalações geridas pela Câmara Municipal ... e a posse foi dada pelo vereador da Câmara, N. P., sócio do Réu e membro do conselho fiscal deste;
A assembleia geral eleitoral do dia 25/05/2018 viola o disposto no art. 66º dos estatutos do Réu, padecendo do vício da anulabilidade;
A assembleia geral de tomada de posse é igualmente anulável em consequência do vício da anulabilidade que afeta a assembleia geral eleitoral do dia 25/05, bem como padece do vício da nulidade por violar o disposto nos arts. 62º, f), 63º e 66º dos estatutos do Réu.

O Réu contestou defendendo-se por exceção e por impugnação.
Impugnou parte da facticidade alegada pelo Autor, concluindo que as deliberações invocadas pelo Autor não padecem de nenhum dos vícios que este lhes imputa.
Subsidiariamente invoca a exceção do abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, alegando que o Autor fez parte de antigos órgãos sociais do Réu e incompatibilizou-se com alguns elementos dessa direção, vindo a fazer uma espécie de “ultimato” ao presidente da altura, A. R., manifestando vontade que este o escolhesse;
Como esse “ultimato” não foi atendido, o Autor saiu dos órgãos sociais do Réu e, passado algum tempo, aproximou-se de F. C., atual presidente do Réu:
Para além de estimular a vontade latente de F. C. de dotar o Réu de uma nova direção, o Autor fez parte da lista que F. C. apresentou às eleições de 2017 e que saiu derrotada;
Durante as eleições de 2017 e até 05/05/2018, o Autor apoiou e participou ativamente no movimento que fez com que a vontade de F. C. se mantivesse acesa, tendo participado em inúmeras reuniões, quer com o círculo mais próximo do movimento que apoiava F. C., quer com a equipa jurídica, e chegou, inclusivamente, a participar em alguns programas de rádio e mantinha uma coluna, de conteúdo ácido, onde expendia aquilo que entendia podia ferir a direção que conduzia os destinos do Réu entre junho de 2017 e maio de 2018;
Durante todo esse período, o Autor sempre demonstrou ter opinião acerca da atuação da Câmara Municipal, mormente de alguns dos seus elementos, tendo aparentemente na sua génese um móbil político indisfarçável;
Na noite de 05/05/2018 o Autor mostrou a dois elementos do círculo interno da candidatura de F. C., M. J. e P. C., bem como ao próprio F. C., um artigo de opinião onde discorria acerca de alguns aspetos e que no último parágrafo continha uma mensagem de apoio à candidatura de F. C.;
Nessa mesma noite, o Autor foi informado que não faria parte da lista de F. C., que foi a lista que acabou por vencer as eleições de 25/05/2018;
Acontece que aquele artigo acabou por ser publicado mas o dito último parágrafo foi alterado e de apoiante de F. C., o Autor passou a ser um opositor público das eleições agendadas;
O Autor aparenta uma enorme sede de protagonismo, parecendo procurar, através do futebol, credibilizar a sua imagem pública, imagem essa manchada por alguns problemas;
Neste momento, o Autor juntou a sua vontade àqueles, que duramente criticou, e que faziam parte da anterior direção do Réu, criticando quinzenalmente todo e qualquer aspeto que julga encontrar e que seja, na sua ótica, motivo de exposição pública, ou seja, faz exatamente aquilo que fazia, sendo que, neste caso, visa aqueles que via anteriormente como seus aliados;
O Autor tentou, através de providência cautelar, que as eleições não se realizassem, tendo o tribunal não dado provimento à sua pretensão;
Após todo o período pré-eleitoral, com necessidade de recurso aos tribunais, entende-se que após a realização de eleições livres e esclarecidas, com aceitação generalizada dos resultados, principalmente pelo segundo candidato mais votado, a agremiação precisa de paz.
Conclui pela improcedência da ação e pedindo que seja absolvido do pedido.

Notificou-se o Autor para responder à matéria de exceção invocada pelo Réu, o que fez, impugnando parte dos factos alegados pelo Réu e os que se mostrem em contradição com os invocados na petição inicial.
Conclui pela improcedência da exceção perentória do abuso de direito invocada pelo Réu e como na petição inicial.

Dispensou-se a realização da audiência prévia, fixou-se o valor da presente ação em 30.000,01 euros, proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, que não foram alvo de reclamação, conheceu-se dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes e designou-se data para a realização de audiência final.

Realizada audiência final, proferiu-se sentença, julgando a ação procedente, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:

“Pelo supra exposto, julga-se a ação procedente e, consequentemente, decide-se:
A) Anular a deliberação da assembleia geral eleitoral de 25 de maio de 2018, com referência ao Réu SPORT CLUB X
B) Condenar o Réu SPORT CLUB X no pagamento das custas processuais.
*
Registe e notifique”.

Inconformado com o assim decidido, o Réu interpôs o presente recurso de apelação em que formula as seguintes conclusões:

A- O Tribunal a quo não percebeu nem se pronunciou sobre o fundamento de anulação peticionado pelo recorrido, o qual se centrava máxime nos pontos 11, 16 e 17, onde acusava o então Presidente do Município de ter sido ele a mandar a realizar o ato eleitoral.
B- O tribunal a quo não tomou em linha de conta o anteriormente decidido nos autos de procedimento cautelar 1149/18.9T8VRL, decisão junta pelo Autor sob o Doc. 4, na sua PI.
C- O recorrido/autor havia confessado, no artigo 38º da petição, que a assembleia eleitoral em causa tinha poderes para eleger os membros dos corpos sociais, dada a decisão do processo n.º 1149/18.9T8VRL (“38- Dúvidas não restam que a AGE de 25-05-2018 tinha poderes para eleger os membros dos órgãos sociais, dada a decisão do Proc. 1149/18.9T8VRL”).
D- Não tendo o tribunal dado por provado nem tendo sido suscitada a questão da invalidade de tal deliberação prévia à própria assembleia geral, não pode decidir como decidiu, para mais com ausência de fundamentação bastante, vício que inquina inexoravelmente a douta sentença recorrida e ao arrepio da lei e da Constituição da República Portuguesa.
E- E caso paradigmático de absoluta necessidade de produção de prova suplementar para identificar as concretas pessoas que fizeram parte da mesa ad hoc, sob pena de não se poder concluir que houve violação dos Estatutos atento o teor do seu artigo 66º, sendo incompreensível para a recorrente que a decisão da anulabilidade tenha sido proferida quando foi dado por provada a composição plúrima bem como a solicitação dos associados presentes (e não do presidente do Município como o autor havia construído a narrativa na douta petição inicial!) nesse sentido;
F- Tudo foi feito às claras e de forma pacífica, num quadro de estado de necessidade e para que fosse cumprido o doutamente acordado judicialmente tendo as eleições de ter lugar em maio (que não é junho!), não tendo sido questionado por parte de quem perdeu, que aceitou democraticamente os resultados, padecendo a douta decisão do vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e nulidade nos termos e para os efeitos do art. 615º, n.º1, c) do CPC e em violação da legitimidade processual.
G- Não se percebe o destino dos factos alegados em sede de contestação e que não constam dos factos provados nem dos não provados, julgando-se que os mesmos se mostram essenciais para a boa decisão da causa e merecem ser alvo de decisão, dúvidas inexistindo em como tal factualidade e circunstancialismo são pertinentes e indispensáveis à boa decisão da causa, não podendo ser sumariamente descartados uma vez que num litígio judicial a prova não pode ser apenas a que seja feita por documentos ou pela confissão escrita nos articulados das partes (ademais quando in casu nem isso valeu, como sucede com o confessado pelo autor no artigo 38º da douta petição inicial!), a ponto de não haver pronúncia por parte do tribunal a quo, padecendo a douta decisão recorrida do vício da nulidade por expressa demissão ajuizativa/omissão de pronúncia e sendo nula nos termos e para efeitos do art. 615º, n.º 1, al. d) do CPC;
H- Atente-se na sumária alusão à contestação que é efetuada na douta decisão proferida, toda ela de uma singeleza nada compatível com a extensão da problemática subjacente, havendo défice de fundamentação bem como falta de apreciação integral do thema decidendum, em violação do acesso a uma tutela jurisdicional efetiva e da vinculação temática ao objeto do processo;
I- Visa-se a não condenação num segundo prejuízo, pois todo o processo eleitoral já foi deveras penalizante, havendo sentimento de injustiça dado que se explanou a sua situação de forma verdadeira, buscando uma solução duradoura e afinal aquilo que conseguiu foi uma solução temporária e um problema duradouro, ao arrepio do que havia decidido nos autos de processo 1149/18.9T8VRL, que a douta decisão recorrida contradiz, padecendo a douta decisão recorrida de nulidade por contradição.
J- Deverá assim ser revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que determine a legalidade do processo eleitoral, a qual não poderá nunca ser percecionada pela mera análise documental que, ademais, se mostra in casu inquinada, pois sempre a valoração da mesma teria de observar e respeitar as mais elementares regras de apreciação, não podendo ser dadas por provadas realidades que os documentos expressamente infirmam.
K- Last but never de last sempre se dirá que haverá injustiça sempre e quando o benefício seja incomensuravelmente menor que os danos e prejuízos que irá causar, pelo que tendo havido qualquer preclusão da livre deliberação e vontade dos associados do recorrente, que se exprimiram livremente, não se vê fundamento sérios para uma querela menor colocar em causa a subsistência e validade do decidido e aceite pela comunidade em geral (de entre toda uma multiplicidade de associados, demais entidades e pessoas, apenas uma delas persiste numa ilegalidade que mais não é que a forma de cumprir uma decisão judicial e ultrapassar um impasse criado na véspera das eleições (no dia anterior!), julgando-se, salvo o devido respeito, que os princípios da proteção da confiança e do próprio interesse público de uma agremiação com tais pergaminhos (veja-se o ponto de facto provado, que tal atesta!), se terá de sobrepor e mesmo em caso de uma aparente não conformidade plena à legalidade não deverá ser lançada mão de um fármaco deveras lesivo e que causará mais danos que vantagens.
L- Tem-se por notório, o que se alegou nos termos e para os efeitos do art. 412º do Código de Processo Civil, que é quase intuitiva a ideia de que qualquer sujeito cria expectativas e orienta as suas opções de vida de acordo com decisões ou deliberações das assembleias gerais, antecipando riscos baseados em tais situações que prevê (e ganhando acréscimo de confiança na sua materialização escrita!) manterem-se, e planificado a vivência com base em tais factos pelo que de um ponto de vista subjetivo, a ideia fundamental a reter é a de que não devem ser permitidas alterações jurídicas com as quais, razoavelmente, os associados e as pessoas em geral não podem contar e que introduziriam na respetiva esfera jurídica desequilíbrios desproporcionais, justificando-se por isso que seja reconhecida ao poder judicial uma posição conservadora tendente a impedir a perturbação que a ação estadual imprevista poderia introduzir.
M- Existe verdadeiramente um benefício prático e efetivo para o recorrente, reclamante da proteção da confiança, uma vez que com o recurso apresentado se visa obstar um prejuízo sério, decorrente da ingovernabilidade e desestabilização associativa de valor substancialmente superior ao benefício a obter pelo recorrido, que assenta numa preterição formal plenamente justificável, não podendo a confiança depositada pelo recorrente, assenta na segurança jurídica, deixar de merecer tutela jurídica, não podendo o Direito globalmente considerado ficar absolutamente indiferente à eventual frustração dessa confiança, devendo serem tidos em consideração e douta análise a efetuar por V/ Exas. os princípios da boa fé, da segurança jurídica e da proteção da confiança.
N- Sob pena de preterição da noção do Estado de Direito ter-se-á de admitir que se vive sob a legitimação do princípio da confiança exigindo-se do poder público a boa fé nas relações com os particulares e o respeito pela confiança que os indivíduos depositam na estabilidade e continuidade do ordenamento jurídico e bem andará o Tribunal quando tutele tal expectativa já criada pelo recorrente, entidades e associados globalmente considerados, derivada da deliberação eleitoral, e adequada ponderação das diversidades da situação, sem conversão dos critérios de justiça substantiva em instrumentos de plasticidade jurídica inadequados ao caso.
O- Normas jurídicas violadas: máxime art. 66º dos Estatutos do recorrente; arts. 3º, n.º 3, 412º, 465º, n.º 2, 607º, n.ºs 4 e 5, 608º, n.ºs 1 e 2 e 615º, n. 1, c) e d) do CPC; arts. 20º, 205º, n.º 1 e 266º, n.º 2 CRP; Princípios violados: máxime da segurança jurídica e da proteção da confiança, da materialidade e da transparência decisória, da necessidade de fundamentação, da livre apreciação da prova, do acesso à tutela jurisdicional efetiva, da vinculação temática ao objeto do processo, do inquisitório, do contraditório, da irretratabilidade da confissão nos articulados, da análise crítica da prova documental, da devida valoração probatória do direito de defesa e vinculação temática ao objeto do processo, da proporcionalidade, da adequação da proibição do excesso, do acesso à tutela jurisdicional efetiva, da metódica de concordância prática entre direitos, bem como da igualdade.
Destarte, se interpõe recurso, visando a revogação da douta decisão proferida, atentos os vícios de que padece /ausência/insuficiência da exigível fundamentação, contradição e omissão de pronúncia/demissão ajuizativa, a gerar nulidade, com errada subsunção jurídica bem como errónea apreciação da prova documental e confissão do recorrido) a redundar em injustiça, violação da proteção da confiança, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso, e não conformidade a um direito materialmente justo e processualmente conforme.

O apelado contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação e concluindo as suas contra-alegações nos termos que se seguem:

A) O Réu fundamenta o seu recurso na falta de prova bastante para a decisão tomada pelo Tribunal sem impugnar a matéria de facto dada como provada e sem indicar, nessa sequência, os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa.
B) Ficou provado que um conjunto de sócios se disponibilizou para integrar a mesa, e não ficou provado que a dita mesa foi constituída pelos membros necessários ao cumprimento dos Estatutos.
C) A mesa da assembleia eleitoral de dia 25 de maio incumpriu a imperativa constituição por um Vice-Presidente, dois Secretários e dois Vice-Secretários, como resultou do doc. 5 junto com a p.i. e do conjunto da matéria de facto dada como provada e não provada.
D) A inobservância da obrigatoriedade dos elementos constitutivos da mesa, bem como o decurso do acto eleitoral configurou uma violação do disposto nos arts. 56.º a 62.º, dos Estatutos do SPORT CLUB X, sendo a deliberação inválida, nos termos consignados no art.º 177.º do Código Civil.
E) Os factos provados nos pontos 10 a 12 não foram impugnados pelo Réu, sendo aos mesmos bem aplicado o Direito e a conclusão de violação estatutária e legal atrás descrita.
F) O Juiz da causa não é obrigado a pronunciar-se sobre toda a matéria exceptiva constante das peças processuais apresentadas em Juízo mas apenas e só na só às concretas controvérsias centrais a dirimir e seus argumentos decisivos.
G) Não é uma questão de menor importância a realização de umas eleições sem respeito absoluto pelos Estatutos que regem a instituição onde os mesmos vigoram.
H) Deverão igualmente improceder as alegações do Réu concernentes aos princípios da confiança, da materialidade e da transparência decisória que se prendem com o cumprimento da lei e dos Estatutos e não com a sua violação.
Termos em que deve ser improcedente o recurso interposto, o que se requer.

Na sequência da apresentação das alegações e das contra-alegações de recurso, a 1ª Instância proferiu despacho, em que se limitou a pronunciar-se quanto às nulidades da sentença suscitadas pelo apelante, concluindo pela improcedência das mesmas, nos termos que se seguem:
O Réu arguiu a nulidade da sentença por falta de fundamentação, contradição e omissão de pronúncia.
Em conformidade com o preceituado no art.º 615.º/1, do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido; f) Seja omissa no que respeita à fixação da responsabilidade por custas, nos termos do n.º 4 do artigo 607.º
A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura (art.º 615.º/2).
As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades (art.º 615.º/3).
Consagra-se, nestes termos, um elenco taxativo de causas de nulidade da sentença, a título de errores in judicando, os quais se reconduzem a falta de fundamentação, oposição entre os fundamentos e a decisão ou erro de julgamento, omissão e excesso de pronúncia, em função dos poderes de cognição do tribunal e pronúncia ultra petitum, à luz do princípio do pedido e dos conexos poderes de pronúncia do tribunal (vd. José Lebre de Freitas/A. Montalvão Machado/Rui Pinto, CPC anotado, vol. 2.º, Coimbra Editora, p. 667 e ss.).
*
Na situação sub judice, não se vislumbra contradição intra/inter fundamentação de facto e fundamentação de direito, curando-se de uma mera proclamação anódina, desprovida de substrato objetivo.
Concomitantemente, o Tribunal, em sede de fundamentação de facto, especificou a respetiva motivação, sendo que, no âmbito da fundamentação de direito, aferiu os pressupostos constitutivos das associações, sopesou o regime das deliberações e respetivos desvalores jurídicos, cotejou-o com os Estatutos do Réu e subsumiu aos factos provados, não se lobrigando a alardeada falta de fundamentação.
Ademais, no que se refere à predita omissão de pronúncia, os fundamentos aduzidos pelo Réu contendem, exclusivamente, com matéria vertida nos arts. 60.º) a 74.º) da contestação, os quais contemplam circunstâncias linearmente irrelevantes com referência ao objeto do processo (imprestáveis para estribar uma exceção perentória) e meros enunciados genéricos e conclusivos, inidóneos para integrarem a matéria fáctica nuclear da ação (vd. o terceiro parágrafo de fls. 7 da sentença).
Em correlação com o sobredito, o Tribunal inferiu que o abuso de direito propalado pelo Réu se antolhava desguarnecido de um mínimo de sustentação fática em sede de contestação.
Enfatize-se que, em convergência com o consignado no art.º 334.º, do Código Civil, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
O abuso do direito estriba-se na disfuncionalidade de comportamentos jurídico-subjetivos, sendo, primacialmente, uma concretização do princípio da boa fé do qual promana um juízo de valoração ético-jurídico que deslegitima a atuação do titular do direito (vd. A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, Parte Geral, tomo IV, 2005, Almedina, p. 371 e seguintes).
O abuso do direito consubstancia, assim, o exercício inadmissível de posições jurídicas, sendo que uma das modalidades de atos abusivos é o desequilíbrio no exercício de direitos, o qual abrange as seguintes sub-hipóteses: (i) o exercício danoso inútil, quando o titular não retira qualquer benefício pessoal, causando, essencialmente, um dano considerável a outrem; (ii) a do dolo agit petit quod statim redditurus est, que traduz o comportamento da pessoa que exige o que, de seguida, terá de restituir; (iii) a desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem (idem).
Uma outra modalidade de atos abusivos é o tu quoque, o qual exprime o cânone geral de que a pessoa que viole uma norma jurídica não pode prevalecer-se da situação daí decorrente, exercer a posição violada pelo próprio ou exigir a outrem o acatamento da situação já violada, com base nos brocardos turpitudinem suam allegans non auditur ou equity must come with clean hands (vd. A. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, Parte Geral, tomo IV, Almedina, p. 327 e seguintes).
O tu quoque contratual funda-se no postulado da primazia da materialidade subjacente, reconduzindo-se ao exercício de posições indevidamente obtidas, ou seja, a situações jurídicas que, por força de um comportamento anterior do seu beneficiário, foram alteradas, na sua configuração, por forma a não permitir atuações ao seu abrigo que, de outro modo, seriam possíveis (idem).
Uma terceira modalidade do abuso de direito reconduz-se ao venire contra factum proprium, o qual demanda a existência de um investimento de confiança da parte objetivamente imputado a uma conduta ativa da contraparte (ibidem).
Subsumindo os enunciados supra à situação concreta, o Réu não alegou e tampouco provou factos suscetíveis de equação em sede de abuso de direito, curando-se de uma estrita alegação vaporosa, não emanando a pertinência exigível para ser ponderado em sede de sentença, sendo que, talqualmente o prodigiosamente expendido por Ludwig Wittgenstein “A totalidade dos factos determina, pois, o que é o caso e também tudo o que não é o caso…Para conhecer um objeto tenho que conhecer não as suas propriedade externas mas todas as suas propriedades internas…a substância é o que permanece independente daquilo que é o caso.” (vd. Tratado Lógico-Filosófico e Investigações Filosóficas, Fundação Calouste Gulbenkian, 2.ª edição, p. 29-33).
Pelo supra exposto, indefere-se o requerido.

Notificadas as partes do teor do despacho que antecede, o apelante apresentou o seguinte requerimento:

SPORT CLUBE X, réu nos presentes autos e nos mesmos melhor identificado, tendo sido notificado de douto despacho ora proferido, vem, respeitosamente, expor a V/ Exa. que, como bem ressalta da peça processual junta com a referência 2316275, interpôs recurso ordinário da douta sentença proferida, tendo motivado mesmo a contraparte a apresentar contra-alegações.
De facto, não se trata de mero requerimento com arguição de nulidade, a qual, em razão de ser admissível recurso, sempre teria de ser suscitada no âmbito recursório…
Se é certo que a discordância de opinião é legítima, e o Tribunal poderá sustentar a douta sentença recorrida, não é menos verdade que tem de ser proferida douta decisão que verse sobre o recurso interposto e, verificados que estejam os pressupostos legais, admitir o mesmo e fixar-lhe o efeito, o que se requer.
De facto, por razões inerentes à economia processual, julga o recorrente que não terá de deduzir novo recurso autónomo por referência ao douto despacho ora notificado, pois as discordâncias de opinião face ao douto despacho de sustentação ora notificado são, mutatis mutandis, as mesmas que as vertidas no recurso já apresentado.
E tal despacho não pode ser tido como integrante da douta sentença proferida, uma vez que com a mesma esgotou-se o poder jurisdicional do Tribunal a quo, apenas podendo intervir para corrigir erros materiais suprir nulidades (neste caso, pelo contrário, o Tribunal a quo entende inexistirem!) e reformar a douta sentença nos apertados termos plasmados no CPC (art. 613º n.º 2).
E, nos termos do art. 617º n.º 1 CPC, a apreciação da nulidade da sentença ou da sua reforma, pelo Tribunal de primeira instância, teria de ser efetuada “no próprio despacho em que se pronuncia pela admissibilidade do recurso”, o que, com o devido respeito por opinião diversa, manifestamente não se mostrou efetuado.

Seguiu-se em 18/11/2020, o seguinte despacho:
“Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 617º, nº 1 do Código de Processo Civil, consigna-se:
Vem o autor invocar a nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1 al. c) e d) do CPC.
De acordo com tais normativos, a sentença é nula quando exista oposição entre os fundamentos e a decisão ou quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível; ou quando exista omissão ou excesso de pronúncia.
No que concerne à alínea c) do predito artigo, consideramos que o recorrente não invoca fundamento bastante para tal.
Relativamente à alínea d), refira-se que, de acordo com o disposto no artigo 608º, n 2 do CPC, o tribunal deve conhecer de todas as questões que a partes tenha submetido à apreciação, com exceção das questões que ficarem prejudicadas pela solução dada a outras, não impondo que se esgote todos os argumentos invocados pelas partes.
Todavia, Vossas Excelências Senhores Desembargadores, apreciando superiormente a questão farão, como sempre, Justiça.
Porque legal, legítimo e tempestivo, admite-se o recurso interposto pelo réu, o qual é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo (artigos 629º, 631º, 638º, 644º, nº 1 al. a), 645º, nº 1 al. a) e 647º, nº 1, todos do Código de Processo Civil).
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação, as questões que são colocadas pelo Réu (apelante) à consideração desta Relação resumem-se ao seguinte:

a- se a sentença sob sindicância é nula por:
a.1- omissão de pronúncia ao não ter apreciado a causa de pedir invocada pelo apelado, que se centrava na circunstância do então Presidente da Câmara Municipal ... ter mandado realizar o ato eleitoral e, bem assim, por não ter considerado provados, sequer como não provados os factos alegados na contestação em sede de exceção perentória do abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium;
a.2- excesso de pronúncia, ao ter decidido pela invalidade da deliberação da assembleia geral eleitoral de 25/05/2018 para realizar o ato eleitoral nesse mesmo dia, quando essa questão não foi suscitada pelo apelado e quando este confessou que essa assembleia geral eleitoral tinha poderes para designar a eleição dos membros dos órgãos sociais do apelante;
a.3- contradição entre os fundamentos e a decisão, por existir contradição entre o decidido na sentença sob sindicância e o que foi decidido no âmbito dos autos de providência cautelar n.º 1149/18.9T8VRL;
a.4- falta de fundamentação, por nela não ter sido apreciado integralmente o thema decidendum, nomeadamente a facticidade que foi alegada pelo apelante na contestação em sede de exceção do abuso de direito;
a.5- por violação do princípio do inquisitório, porquanto a 1ª Instância não produziu prova suplementar para identificar as pessoas que fizeram parte da assembleia geral eleitoral ad hoc constituída em 25/05/2018 e que constitui a mesa dessa assembleia geral;
a.6- por falta de legitimidade processual ativa do apelado;
b- se a sentença sob sindicância, ao anular a deliberação da assembleia geral eleitoral de 25 de maio de 2018, com fundamento na violação do art. 66º dos estatutos da apelante, padece de erro de direito, porquanto não se provou as concretas pessoas que fizeram parte da assembleia geral eleitoral ad hoc que teve lugar em 25 de maio de 2018, quando o ónus da prova recaia sobre o apelado (Autor) e atenta a circunstância do benefício da decisão recorrida ser inferior aos danos e prejuízos que dela decorrem.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:
1. O Réu é uma associação desportiva fundada em -.5.1920.
2. Por despacho de 20.10.1987 publicado no Diário da República n.º …, II série, de 3.11.1987, declarou-se a utilidade pública do Sport Club X.
3. No âmbito da reunião da Assembleia Geral do Sport Club X realizada em 24.4.1986, deliberou-se proceder à alteração dos estatutos do mesmo, consignando-se, designadamente, que:
“Art.º 49.º - São órgão diretivos do Clube:
a) A Assembleia Geral, através da Mesa da Assembleia Geral;
b) O Conselho Fiscal;
c) A Direção.
Art.º 50.º - A eleição dos órgãos diretivos é feita, bienalmente, em Assembleia Geral Ordinária convocada para o efeito, sendo apenas elegíveis os sócios efetivos, beneméritos e honorários no pleno uso dos seus direitos.
(…)
Art.º 54.º - A Assembleia Geral é a reunião dos sócios efetivos, beneméritos e honorários no pleno uso dos seus direitos e nela reside o poder supremo do Clube (…)
Art.º 55.º- A Assembleia Geral reúne ordinária e extraordinariamente, devendo ser convocada por meio de aviso publicado num jornal local e afixado em lugares públicos e na sede do clube com, pelo menos, dez dias de antecedência, indicando expressamente o dia, hora e local da reunião e ordem de trabalhos.
Art.º 56.º - A Assembleia Geral funcionará em sessão ordinária:
(…)
b) Bienalmente, no mês de março dos anos par, para eleição dos órgãos diretivos e consultivos, em separado ou conjuntamente;
(…)
Art.º 57.º - A Assembleia Geral reunirá em sessão extraordinária, em qualquer data:
a) Se a Mesa da Assembleia Geral o julgar necessário;
b) A solicitação da Direção ou do Conselho Fiscal;
c) A requerimento de, pelo menos, cinquenta sócios efetivos no pleno uso dos seus direitos.
(…)
Art.º 58.º - A Assembleia reunida ordinária ou extraordinariamente (...) considera-se funcionando legalmente em primeira convocação quando, à hora marcada, estejam presentes dois terços, ou mais, da totalidade dos sócios efetivos; se, porém, esse número não for atingido, funcionará em segunda convocação, uma hora depois do previamente designado, com qualquer número de presenças, desde que o aviso convocatório assim o determine ou expresse.
Art.º 59.º- As decisões da Assembleia Geral serão tomadas por maioria simples de votos (…)
Art.º 60.º - À Assembleia Geral, além das prerrogativas inerentes, compete designadamente:
a) Eleger e exonerar ou demitir os Membros dos Órgãos Sociais;
(…)
Art.º 61.º- A Mesa da Assembleia Geral é composta pelo Presidente, Vice-Presidente, dois Secretários e dois Vice-Secretários.
Art.º 62.º - O Presidente da Mesa da Assembleia Geral é o mais categorizado representante do Clube e tem por atribuições:
a) Convocar as reuniões da Assembleia Geral, indicando a ordem de trabalhos;
b) Presidir às sessões da Assembleia Geral e dirigir os seus trabalhos, mantendo a devida ordem, assistido de dois secretários;
(…)
f) Investir os sócios eleitos na posse dos respetivos cargos.
Art.º 63.º - Ao Vice-Presidente compete substituir o Presidente nas suas ausências e impedimentos.
(…)
Art.º 64.º - Na falta de quaisquer Membros da Mesa, a assembleia geral nomeará de entre os sócios efetivos presentes os que forem necessários para completar ou constituir a Mesa, que dirigirá os trabalhos com as mesmas atribuições da Mesa eleita.”
4. O Autor é sócio n.º … do Réu SPORT CLUBE X.
5. No âmbito do procedimento cautelar n.º 1162/17.3T8VRL, que correu termos no Juízo Local Cível de Vila Real – J2, o Autor e o Réu subscreveram a seguinte transação:
a) formação de uma comissão de revisão dos estatutos que até 31 de março realizaria uma sessão de esclarecimento aos sócios sobre as propostas de alteração dos estatutos;
b) realização de uma assembleia geral (AG) destinada à aprovação desses estatutos e marcação de novo ato eleitoral até 30.04.2018;
c) na realização da AG para aprovação dos estatutos de forma a legitimar os órgãos sociais que desses estatutos vierem a surgir, seria convocada a realização do ato eleitoral em AG eleitoral até final de maio de 2018.
6. No dia 24.4.2018, realizou-se a assembleia geral do Réu, em sede da qual se deliberou marcar o novo ato eleitoral para o dia 25 de maio, com início pelas 17h00 e termo pelas 23h00 do mesmo dia.
7. Foram apresentadas a sufrágio três listas que depois de aprovadas no que à capacidade eleitoral passiva respeita, foram submetidas a sorteio e ficou deliberado que as letras identificativas das mesmas listas seriam as seguintes:
- Lista A: encabeçada pelo sócio J. R.;
- Lista B: encabeçada pelo sócio A. F.;
- Lista C: encabeçada pelo sócio F. C..
8. No dia 24.05.2018, o presidente da Mesa da Assembleia Geral (MAG) em funções, J. P., declarou comunicar ao Presidente da Direção do Sport Clube X que “(…) e por entender que não estão reunidas condições mínimas de segurança que não se mostram suscetíveis de serem asseguradas por via de recurso às autoridades policiais, determinou suspender o ato eleitoral em curso, nos termos supra expostos.”
9. No dia 25.05.2018, o presidente da Mesa da Assembleia Geral (MAG) em funções, J. P., não compareceu para a realização do ato eleitoral do Réu.
10. No dia 25.5.2018, os sócios presentes para a realização do ato eleitoral do Réu declararam “delegar no senhor Presidente da Direção, A. R., do Sport Club X, a constituição de uma assembleia eleitoral ad hoc.”
11. Após o indicado em 10), um conjunto de sócios não identificados declarou disponibilizar-se para integrar a mesa da Assembleia Geral do Réu.
12. Em decorrência do mencionado em 10) e 11), o ato eleitoral iniciou-se às 16h30 e terminou pelas 23h00, sendo que a predita Mesa, constituída por A. R., Presidente da Direção, declarou apurar os seguintes resultados:
- Lista A: 365 votos;
- Lista B: 54 votos;
- Lista C: 375 votos;
- Votos brancos: 3 votos;
- Votos nulos: 3 votos.
13. No dia 25.5.2018, o presidente e o vice-presidente da Mesa da Assembleia Geral do Réu, respetivamente, J. P. e J. M., apresentaram ao Presidente da Direção do mesmo o respetivo pedido de demissão, “com efeitos imediatos”.
14. No dia 28.05.2018, o presidente da Mesa da Assembleia Geral, J. P., subscreveu convocatória para eleições dos órgãos sociais do clube para o dia 11 de junho de 2018, entre as 15h00 e as 23h00.
15. No dia 16.6.2018, pelas vinte horas, realizou-se a tomada de posse dos órgãos sociais do Réu, consignando-se que “verificando-se a falta de todos os membros da Mesa da Assembleia Geral cessante, bem como do Presidente do Conselho Fiscal, H. R., sócio …, tendo sido, neste ato substituído por N. P., sócio n.º …, Vice-Presidente do Conselho Fiscal cessante, o qual, no exercício dos poderes em que se encontra investido deu posse à nova Presidente da Mesa da Assembleia Geral, ou seja, à Exma. Senhora Doutora C. A., a qual, de seguida, e no exercício dos poderes em que se encontra investida, deu posse aos restantes membros dos órgãos sociais eleitos para o próximo biénio.”
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Por sua vez, a 1ª Instância julgou não provados os seguintes factos:
16. No dia 25.5.2018, o Presidente da Câmara Municipal ... deu uma conferência de imprensa, tendo referido que caso as eleições não se realizassem no dia 25.05.2018, o município suspenderia todos os apoios municipais ao Réu.
17. No circunstancialismo referido em 10) a 12), os boletins de voto foram rubricados apenas pelos candidatos das listas A e C.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

B.1- Das nulidades da sentença.

O apelante imputa à sentença recorrida o vício da nulidade com fundamento em omissão de pronúncia, excesso de pronúncia, falta de fundamentação, contradição entre os fundamentos e a decisão, violação do princípio do inquisitório e por falta de legitimidade processual ativa do apelado, invocando para tanto os argumentos que infra se explanarão e esmiuçarão, os quais reconduz a nulidades da sentença, com o que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, incorre numa série de equívocos, nomeadamente, a propósito do distinguo que se impõe operar entre, por um lado, pressupostos processuais e nulidades da sentença, por outro, entre nulidades processuais e nulidades da sentença, bem como entre nulidades da sentença e erros de julgamento e, bem assim, dentro das nulidades da sentença, confunde ou desconsidera o que se entender por nulidade da sentença por omissão de pronúncia, por excesso de pronuncia, por falta de fundamentação e por contradição entre os fundamentos de facto e de direito que alicerçam a decisão proferida na sentença e a própria decisão.
Acresce que dentro dos erros de julgamento, o apelante não toma em devida consideração as especialidades dos remédios previstos pela lei processual, mais concretamente, no art. 662º do CPC, para os vícios que possam afetar o julgamento da matéria de facto, os quais, por via de regra, não determinam a nulidade da sentença.
Note-se que ao concluirmos o que se acaba de enunciar, não desconhecemos que nas conclusões de recurso e nas antecedentes motivações, o apelante não chega a invocar expressamente o vício da nulidade da sentença por excesso de pronúncia, mas ao sustentar que “não tendo sido suscitada a questão da invalidade de tal deliberação prévia à assembleia eleitoral …” (referindo-se às deliberações anuladas pela 1ª Instância, em sede de sentença recorrida), o apelante mais não faz que imputar à sentença recorrida o vício da nulidade por excesso de pronúncia, pretendendo que esta declarou a anulabilidade dessas deliberações com fundamento (causa de pedir) não invocado pelo apelado (Autor), a qual, aliás, na sua perspetiva, se centra na conduta do Presidente de Câmara que vem alegada na petição inicial.
O apelante, naquelas conclusões de recurso e nas antecedentes motivações também não chega expressamente a referir que a sentença recorrida é nula por violação da legitimidade processual ativa do apelado, sequer por violação do princípio do inquisitório, mas conforme emerge do teor das conclusões D a F que verte nas suas alegações de recurso, estando a expandir os argumentos que levam a que, na sua perspetiva, a sentença recorrida esteja inquinada dos vícios da nulidade que expressamente lhe imputa, acaba por escrever que “não tendo o tribunal dado por provado nem tendo sido suscitada a questão da invalidade de tal deliberação prévia à própria assembleia geral, não pode decidir como decidiu, para mais com ausência de prova bastante, vício que inquina inexoravelmente a douta sentença recorrida e ao arrepio da lei e da Constituição de República Portuguesa. E caso paradigmático de absoluta necessidade de produção de prova suplementar para identificar as concretas pessoas que fizeram parte da mesa ad hoc, sob pena de não se poder concluir que houve violação dos estatutos …padecendo a douta decisão da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão nos termos e para os efeitos do art. 615º, n.º 1, al. c) do CPC e em violação da legitimidade processual”, com o que, a nosso ver, imputa efetivamente o vício da nulidade à sentença por violação do princípio do inquisitório e, bem assim, suscita o pressuposto processual da ilegitimidade ativa do apelado, fazendo-o em sede de vícios de nulidade que imputa à sentença recorrida.
Deste modo, para que não venhamos a ser acusados do vício da omissão de pronúncia, vamos pronunciarmo-nos sobre todas as mencionadas questões, isto é, conforme já se enunciou em sede de objeto da presente apelação, se a sentença sob sindicância é nula por omissão de pronúncia, por excesso de pronúncia, por contradição entre os fundamentos e a decisão nela proferida, por falta de fundamentação, por violação do princípio do inquisitório e/ou por falta de legitimidade processual ativa do apelado.

B.1.1- Pressupostos processuais versus nulidades da sentença – exceção dilatória da ilegitimidade ativa.

A sentença recorrida anulou as deliberações da assembleia geral eleitoral constituída “ad hoc” em 25 de maio de 2018 e de constituição da respetiva mesa, com os seguintes fundamentos (transcreve-se ipsis verbis parte da subsunção jurídica nela operada pela 1ª Instância):
“atesta-se que:
No dia 25.5.2018, os sócios presentes para a realização do ato eleitoral do Réu declararam “delegar no senhor Presidente da Direcção, A. R., do SPORT CLUB X, a constituição de uma assembleia eleitoral ad hoc.”;
Após o indicado em 10), um conjunto de sócios não identificados declarou disponibilizar-se para integrar a mesa da Assembleia Geral do Réu;
Em decorrência do mencionado em 10) e 11), o ato eleitoral iniciou-se às 16h30 e terminou pelas 23h00, sendo que a predita Mesa, constituía por A. R., Presidente da Direção, declarou apurar os resultados descritos em 12).
Sopesando-se o exposto, afere-se que se realizou uma assembleia eleitoral ad hoc que postergou de forma manifesta o ato eleitoral ordinário designado para o dia 25.5.2018, sendo que a mesa foi presidida pelo Presidente da Direção e incumpriu a imperativa constituição por um Vice-Presidente, dois Secretários e dois Vice-Secretários.
Destarte, infere-se linearmente que as sobreditas vicissitudes prefiguram desconformidades que atentaram contra os artigos 56.º a 62.º, dos Estatutos do Réu, pelo que a respetiva deliberação se antolha inexoravelmente inválida, nos termos consignados no art.º 177.º, do Código Civil, postulando-se a procedência do pedido formulado na al. A), o que induz à inutilidade das pretensões vertidas e B) e C)”.
Insurge-se o apelante contra o assim decidido, sustentando que o ato eleitoral do dia 25/05/2018, na sequência da constituição ad hoc da assembleia geral eleitoral e da constituição da mesa dessa assembleia geral, por falta de todos os elementos da mesa que então se encontravam em funções, “foi feito às claras e de forma pacífica, num quadro de estado de necessidade e para que fosse cumprido o doutamente acordado judicialmente, tendo as eleições de ter lugar em maio (que não é junho!), não tendo sido questionado por parte de quem perdeu, que aceitou automaticamente os resultados, padecendo a douta decisão do vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e nulidade nos termos e para os efeitos do art. 615º, n.º 1, al. c) do CPC e em violação da legitimidade processual”.
Se bem entendemos o invocado fundamento de recurso, o apelante sustenta que a sentença recorrida não podia declarar a anulabilidade da deliberação de 25 de maio de 2018 de constituição ad hoc da assembleia geral eleitoral e de constituição da mesa dessa assembleia geral, face à ausência (ou à demissão) de todos os elementos da mesa daquela assembleia geral que então se encontravam em funções, em virtude do Autor (apelado) não dispor de legitimidade processual ativa para pedir que se declarasse a invalidade dessas deliberações.
No entanto, dir-se-á que uma questão são as nulidades da sentença, designadamente, se o apelado deduziu ou não, em sede de petição inicial, pedido no sentido de que se declarasse a invalidade das deliberações tomadas pela assembleia geral do apelante de constituir uma assembleia geral eleitoral ad hoc e de constituição da respetiva mesa, com os concretos fundamentos pelos quais a 1ª Instância veio anular essas deliberações ou, caso não o tenha feito, se esses fundamentos eram (ou não) do conhecimento oficioso do tribunal (questão essa que contende efetivamente com o vício da nulidade da sentença por excesso de pronúncia – e que, por isso, será apreciada no momento próprio) e outra, bem diversa, é se o apelado dispunha (ou não) de legitimidade ativa para pedir a invalidação das deliberações da assembleia geral determinando a constituição de uma assembleia geral eleitoral ad hoc e da respetiva mesa nos termos em que o fez, o que já contende com o pressuposto processual da legitimidade ativa.
Na verdade, há que se operar a distinção entre, por um lado, pressupostos processuais e por outro, nulidades da sentença.
Essa distinção passa pelas seguintes considerações: ou o apelado (Autor) pediu, em sede de petição inicial, que se declarasse a invalidade das referidas deliberações da assembleia geral, determinando a constituição ad hoc de uma assembleia geral eleitoral e a constituição da respetiva mesa, com os concretos fundamentos pelo quais essas deliberações foram invalidadas pela 1ª Instância, apesar de não dispor de legitimidade ativa para deduzir esse pedido com os enunciados fundamentos, e a questão reconduz-se à exceção dilatória da ilegitimidade ativa do apelado para formular aquele pedido, ou seja, existe falta de um pressuposto processual, que não tendo sido suscitado pelo apelante em sede de contestação, sequer não tendo o tribunal dele conhecido oficiosamente em sede de despacho saneador, ou o mais tardar (face à prolação, nos autos, de despacho saneador tabelar, que não conheceu concretamente da exceção dilatória da ilegitimidade ativa) em sede de sentença, e o apelante, conforme se demonstrará, já não poderá suscitar essa exceção dilatória na presente fase processual de recurso, ou o apelado, em sede de petição inicial, não pediu que se declarasse a invalidade daquelas deliberações da assembleia geral com os concretos fundamentos invocados pela 1ª Instância para as invalidar e, bem assim, essa questão não era do conhecimento oficioso do tribunal e, nesse caso, estaremos efetivamente perante o vício da nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, uma vez que o tribunal, nesse caso, em violação dos princípios do dispositivo e do contraditório, conheceu, na sentença sob sindicância, de questão que não tinha sido suscitada pelo apelado Autor (apelado) e de que não podia conhecer oficiosamente.

Vejamos:
As causas determinativas de nulidade das decisões judiciais (conceito que engloba os despachos, as sentenças e os acórdãos – cfr. arts. 613º, n.º 3, 615º e 617º, n.º 1 do CPC) encontram-se taxativamente enunciados no art. 615º do CPC e reportam-se a vícios formais do despacho, sentença ou do acórdão em si mesmos considerados, decorrentes de na respetiva elaboração e/ou estruturação não terem sido respeitadas as normas processuais que regulam essa sua elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão nela proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao último conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além desse campo de cognição), tratando-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença (acórdão ou despacho) em si mesma considerada, ou seja, reafirma-se, está-se na presença de vícios formais que afetam o próprio despacho, sentença ou acórdão de per se, ou os limites à sombra dos quais foram proferidos.
Neste sentido escreve Abílio Neto que os vícios determinativos de nulidade da decisão judicial “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” .
Diferentemente dos vícios determinativos da nulidade da sentença, do despacho ou do acórdão, os quais, reafirma-se, são unicamente os que se encontram taxativamente elencados no n.º 1 do art. 615º e reportam-se a vícios formais que os inquinam de per se de invalidade, são os pressupostos processuais, os quais se reconduzem aos requisitos mínimos exigidos pela lei para que o tribunal possa entrar na apreciação do mérito da causa.
Os pressupostos processuais “são precisamente os elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a providência requerida. Trata-se das condições mínimas consideradas indispensáveis para, à partida, garantir uma decisão idónea e uma decisão útil da causa. Não se verificando algum desses requisitos, como a legitimidade das partes, a capacidade judiciária de uma delas ou de ambas, o juiz terá, em princípio, que abster-se de apreciar a procedência ou improcedência do pedido, por falta de um pressuposto essencial para o efeito” .
Os pressupostos processuais são, assim, as condições de admissibilidade do processo, cuja falta configura exceções dilatórias, que obstam a que o tribunal possa conhecer do mérito da causa e que dão lugar à absolvição do réu da instância, ou nos casos expressamente previstos na lei, à remessa do processo para outro tribunal (arts. 576º, n.ºs 1 e 2 e 577º do CPC).
Destarte, sendo os pressupostos processuais as condições mínimas indispensáveis de admissibilidade do processo, isto é, para que o tribunal possa entrar no conhecimento do mérito da relação jurídica material que as partes lhe submetem a julgamento, tais pressupostos nada têm a ver com os vícios determinativos da invalidade da sentença a que alude o art. 615º, n.º 1 do CPC.
Note-se que compreendendo-se por “sentença” o ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa (n.º 2 do art. 152º), seja conhecendo de mérito (absolvendo ou condenando o réu do pedido), seja abstendo-se desse conhecimento (absolvendo o réu da instância) , sendo todas as exceções dilatórias, ressalvando a exceção da incompetência absoluta decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário e da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto no art. 104º do CPC, de conhecimento oficioso do tribunal (art. 578º), naturalmente que serão raras as situações em que uma sentença que se limite a declarar inverificado um pressuposto processual e a absolver o réu da instância, abstendo-se o tribunal de conhecer do mérito da causa, mas cingindo-se a pronunciar-se sobre a relação processual, declarando encontrar-se impedido de conhecer do fundo/mérito da causa por falta de um pressuposto processual e, consequentemente, a absolver o réu da instância, padeça de uma das causas de invalidade da sentença a que alude o art. 615º do CPC, uma vez que apenas nos casos de exceção dilatória que não seja do conhecimento oficioso do tribunal e que não tenha sido arguida pelas partes, poderá o tribunal incorrer no vício da nulidade por excesso de pronúncia.
Um dos pressupostos processuais é, como se referiu, o da legitimidade das partes.
Mediante o pressuposto da legitimidade exige-se que exista uma certa posição dos sujeitos que figuram como partes (demandante e demandado) em determinado processo e o objeto nele em discussão (pedido e causa de pedir), de modo a poder concluir-se que por referência a esse objeto e de acordo com a lei substantiva, esse concreto objeto do processo encontra-se a ser discutido entre as partes “certas”, isto é, entre aquelas que segundo o direito substantivo podem dispor da relação jurídica em discussão nesse processo, independentemente dessas partes serem efetivamente ou não os titulares ativos ou passivos dessa específica e concreta relação jurídica material controvertida, o que já não contende com o pressuposto processual da legitimidade, mas antes com a legitimidade substantiva, isto é, com o mérito da causa.
No pressuposto processual da legitimidade ativa ou passiva o que está em causa é saber se atento o objeto do processo delineado pelo autor, isto é, à relação jurídica material por ele delineada subjetiva (mediante a identificação dos sujeitos) e objetivamente (mediante a indicação do pedido e a alegação da causa de pedir que o suporta) na petição inicial, aquele e o demandado são ou não os sujeitos que podem dispor dessa relação jurídica (n.º 3 do art. 30º do CPC), posto que, se não o forem, sob pena de estar a praticar atos inúteis, uma vez que ainda que o demandante logre fazer prova de todos os factos em que alicerça o seu pedido (causa de pedir), o tribunal não lhe poder reconhecer a pretensão (pedido) que aquele pretende fazer valer no processo contra a pessoa por ele demandada, quer porque o demandante não é o titular do direito que pretende que o tribunal lhe reconheça, quer porque o demandado não é o verdadeiro sujeito que pôs em crise esse direito, pelo que, à partida, não estão recolhidos os requisitos necessários e indispensáveis para que o tribunal possa proferir uma decisão de fundo dotada de qualquer utilidade.
Logo, nos casos de ilegitimidade ativa e/ou passiva impõe-se que o tribunal se abstenha de entrar na apreciação do mérito da relação jurídica controvertida delineada pelo autor (demandante) na petição inicial e absolva o réu (demandado) da instância.
Acontece que a exceção dilatória da ilegitimidade ativa apenas pode ser suscitada pelo Réu na contestação (art. 573º do CPC) e apenas pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal em sede de despacho saneador (arts. 578º, 595º, n.º 1, al. a) do CPC), ou não tendo o tribunal conhecido dessa concreta e específica exceção em sede de despacho saneador, como aconteceu no caso, em que se limitou a proferir despacho saneador tabelar e, por isso, genérico, não se debruçando, concreta e especificamente, sobre a exceção dilatória da ilegitimidade ativa, pode ainda dela conhecer oficiosa e derradeiramente na sentença (n.º 3 do art. 595º).
Destarte, transpondo o que se acaba de referir para o caso dos autos, dir-se-á que não tendo o apelante suscitado, em sede de contestação, a exceção dilatória da ilegitimidade ativa do apelado para pedir que se declarasse a invalidade das deliberações tomadas pela assembleia geral do apelante de constituição ad hoc em 25/05/2018 de uma assembleia geral eleitoral e de constituição da respetiva mesa, com os concretos fundamentos pelos quais a 1ª Instância invalidou essas deliberações, momento processual esse (o da contestação) em que podia (e tinha), sob pena de preclusão, de suscitar a exceção em causa, e não tendo a 1ª Instância conhecido oficiosamente dessa concreta exceção dilatória da ilegitimidade ativa em sede de despacho saneador, sequer na sentença, onde podia, em termos derradeiros, dela conhecer (uma vez que se limitou a proferir nos autos despacho saneador tabelar), não assiste agora ao apelante o direito de, em sede de alegações de recurso, invocar a exceção dilatória da ilegitimidade ativa do apelado (autor) para deduzir aquele concreto pedido de invalidação das mencionadas deliberações.
Resulta do exposto, improceder o mencionado fundamento de recurso invocado pelo apelante da pretensa ilegitimidade ativa do apelado para pedir que se declare a invalidade da deliberação da assembleia geral de constituição de assembleia eleitoral ad hoc em 25 de maio de 2018 e de constituição da respetiva mesa, com os concretos fundamentos em que a 1ª Instância anulou essa deliberação, não padecendo a sentença sob sindicância de qualquer vício de nulidade decorrente dessa pretensa ausência de legitimidade ativa.

B.1.2- Nulidades da sentença versus nulidades processuais – princípio do inquisitório.

Após acusar a 1ª Instância de ter incorrido em nulidade da sentença, por omissão, excesso de pronúncia e por contradição entre os fundamentos e a decisão nela proferida, sustenta o apelante que ocorre “absoluta necessidade de produção de prova suplementar para identificar as concretas pessoas que fizeram parte da mesa ad hoc, sob pena de não se poder concluir que houve violação dos estatutos, atento o teor do seu art. 66º, sendo incompreensível para a recorrente que a decisão da anulabilidade tenha sido proferida quando foi dado por provada a composição plúrima bem como a solicitação dos associados presentes (e não do presidente do Município como o autor havia construído a narrativa na douta petição inicial) nesse sentido”.
Note-se que essa alegação é feita pelo apelante quando alude aos casos de nulidade de sentença, pelo que se bem entendemos o sentido e o alcance dessa sua alegação, na sua perspetiva, a sentença sob sindicância padecerá do vício da nulidade por violação do princípio do inquisitório, princípio esse que, na sua perspetiva, impunha que a 1ª Instância tivesse oficiosamente diligenciado pela determinação da identidade das pessoas que fizeram parte da mesa da assembleia geral eleitoral constituída ad hoc em 25/05/2018 e da respetiva mesa.
No entanto, a ser efetivamente essa a posição do apelante, o mesmo confunde nulidades da sentença com nulidades processuais.
Vejamos: as nulidades da sentença, acórdão ou despacho, conforme já afirmado, são exclusivamente as que se encontram taxativamente elencadas no n.º 1 do art. 615º do CPC e reportam-se a vícios formais que afetam a própria sentença, acórdão ou despacho, em si mesmos considerados, por neles não terem sido observadas as normas processuais que regulam a respetiva elaboração e/ou estruturação ou por o tribunal não ter respeitado os limites a que a sua atividade decisória se encontrava conformada e delimitada, em termos de pretensão (pedido) ou de fundamentos (causa de pedir), condenando o réu ou o autor-reconvindo, respetivamente, em pedido quantitativa ou qualitativamente diverso daquele que tinha sido formulado pelo autor, na petição inicial, ou pelo réu-reconvinte, na reconvenção, ou condenando o réu ou o autor-reconvindo no concreto pedido que tinha sido formulado mas com fundamento, isto é, com base numa causa de pedir não invocada pelo autor, na petição inicial, ou pelo reu-reconvinte, na reconvenção, e de que não era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente (excesso de pronuncia) ou não conhecendo desse pedido à luz de todas as causas de pedir invocadas pelo autor, na petição inicial, ou pelo réu-reconvinte, na reconvenção, ou não conhecendo de todas as exceções que tinham sido invocadas pelas partes para impedir, modificar ou extinguir o pedido formulado, apesar do conhecimento dessas causas de pedir e/ou exceções não se encontrar prejudicado por decisão anterior proferida pelo tribunal (omissão de pronúncia).
Por sua vez, as nulidades processuais (error in procedendo) traduzem-se em vícios ocorridos ao longo do processo antes ou após a prolação da sentença (acórdão ou despacho) e, portanto, excluindo-se estes de tais vícios.
Os vícios determinativos de nulidade processual podem traduzir-se na circunstância do tribunal ter praticado, ao longo do iter processual, um ato que a lei não admite ou ter omitido um ato ou uma formalidade que a lei prescreve.
As nulidades processuais podem ser nominadas, quando se encontrem expressamente previstas e reguladas na lei, como é o caso das nulidades a que se reportam os arts. 186º a 194º do CPC, ou ser inominadas, atípicas ou secundárias, a que alude o art. 195º do CPC, onde expressamente se estabelece que “fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Dito por outras palavras, as nulidades processuais identificam-se com quaisquer desvios ao formalismo processual prescrito na lei, enquanto as nulidades da sentença situam-se no âmbito restrito da elaboração desta, desde que essa violação preencha um dos casos contemplados no art. 615º .
Destarte, as nulidades do processo não se confundem com as nulidades da sentença, tratando-se de realidades jurídicas distintas, com modos de reação e com consequências também elas distintas.
Com efeito, as nulidades processuais decorrem de ter sido praticados ao longo do iter processual, antes ou após a prolação da sentença (acórdão ou despacho), ato ou atos ilegal(ais), por não serem admitidos pela lei, ou por ter sido omitido ato ou formalidade prescritos na lei que afetam a cadeia teleológica que liga os atos do processo, independentemente da bondade ou regularidade de cada um se desinserido do “iter processual”. Já as nulidades da sentença respeitam a vício(s) ou patologias dessa concreta peça processual (sentença, acórdão ou despacho) em si mesma considerada, consistente em nela terem ocorrido um dos desvios contemplados no art. 615º do CPC .
Note-se que segundo o velho brocardo, de acordo com o qual “das nulidades reclama-se e das sentenças recorre-se”, a arguição da nulidade processual faz-se na própria instância em que é cometida, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art. 199º do CPC.
Quanto esteja em causa nulidade secundária, essa arguição faz-se de acordo com as regras do art. 199º, n.º 1 e no prazo geral de dez dias do art. 149º, n.º 1 do mesmo Código, sob pena se ficarem sanadas.
Por sua vez, as nulidades da sentença, sempre que seja admissível recurso ordinário, carecem de ser suscitadas em sede de recurso e no prazo legalmente fixado para a interposição deste (em regra, 30 dias) - art. 615º, n.º 4 do CPC -, ou não sendo admissível recurso ordinário, junto do próprio tribunal que proferiu a sentença (acórdão ou despacho), no prazo de dez dias a contar da notificação (arts. 615º, n.º 4 e 149º, n.º 1 do CPC).
Precise-se que as nulidades do processo podem determinar a nulidade da própria sentença (acórdão ou despacho), não porque esta padeça de um dos vícios intrínsecos a que alude o art. 615º, n.º 1 do CPC, mas porque quando essas nulidades processuais ocorram antes da prolação da sentença (acórdão ou despacho), por decorrência do n.º 2 do art. 195º do CPC, a procedência de uma nulidade processual poderá levar à nulidade dos atos subsequentes, incluindo da própria sentença (acórdão ou despacho) apesar desta não padecer de nenhum dos vícios a que alude o n.º 1 do art. 615º.
Destarte, dir-se-á que a ter ocorrido violação do princípio do inquisitório por parte da tribunal a quo, ao não ter determinado oficiosamente a realização de prova suplementar com vista a identificar as pessoas que fizeram parte da mesa da assembleia geral eleitoral constituída ad hoc no dia 25/05/2018, conforme pretende o apelante acontecer, tratar-se-á de uma nulidade processual, porquanto o tribunal terá omitido atos (no caso, diligências instrutórias) que lhe eram impostos por lei, por força do princípio do inquisitório proclamado no art. 411º do CPC.
Deste modo, a ser certa a tese do apelante e a impor-se ao tribunal a quo a realização de diligência instrutórias com vista a determinar os associados daquele que integraram a mesa da assembleia geral eleitoral constituída ad hoc em 25/05/2018, tratar-se-á indiscutivelmente de preterição de atos processuais que porque são suscetíveis de influir no exame e na decisão da causa, consubstanciam nulidade processual secundária, que cai sob a alçada do art. 291º, n.º 1 do CPC (e não nulidade da própria sentença sob sindicância).
Acontece que essa nulidade processual, a ter efetivamente ocorrido (e caso fosse efetivamente uma nulidade processual e não antes um pretenso erro de julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância), tinha de ser arguida pelo apelante junto da 1ª Instância, no prazo de dez dias, a contar da notificação da sentença, altura em que o mesmo teve necessariamente conhecimento da pretensa violação do princípio do inquisitório em que terá incorrido a 1ª Instância ao ter julgado provada a facticidade constante dos pontos 11º e 12º na sentença recorrida, sem ter cuidado em encetar diligências probatórias com vista a identificar os associados que integraram a mesa da assembleia geral eleitoral constituída ad hoc em 25/05/2018.
Destarte, não tendo o apelante arguido essa pretensa nulidade processual em que terá incorrido a 1ª Instância, junto desta, dentro do prazo de dez dias a contar da notificação da sentença, a mesma sanou-se, não podendo agora aquele, em sede de alegações de recurso, vir suscitá-la, quando essa pretensa nulidade processual já se encontra sanada.
Acresce precisar que independentemente da questão de se saber sobre quem recai o ónus da alegação e da prova dos factos demonstrativos em como as deliberações de constituição da assembleia eleitoral ad hoc que teve lugar em 25/05/2018 e da constituição da respetiva mesa cumpre (ou não) os requisitos legais e/ou estatutários da apelante para a tomada dessas deliberações – designadamente, se esse ónus alegatório e probatório recai sobre o Autor (apelado), conforme, nas suas alegações de recurso, pretende o apelante acontecer, ou se diversamente esse ónus alegatório e/ou probatório impende sobre o próprio apelante - e, bem assim da questão de se saber qual a força probatória a atribuir à ata dessa assembleia geral eleitoral constituída ad hoc em 25/05/2018 e da constituição da respetiva mesa, nomeadamente se essa ata constitui requisito ad substantiam, ad probationem ou se não comunga de nenhuma dessas naturezas (tudo questões que necessariamente teremos de abordar em sede de subsunção jurídica da facticidade que se quedou como provada e não provada nos autos), diremos que contrariamente ao pretendido pelo apelante, na nossa perspetiva, ao não determinar oficiosamente a realização de diligências instrutórios com vista a identificar os associados da apelante que integraram a mesa da assembleia geral eleitoral constituída ad hoc, a 1ª Instância não incorreu em qualquer violação do princípio do inquisitório.
Vejamos.
É pacífico na doutrina e na jurisprudência que o princípio do inquisitório, que se encontra consagrado no art. 411º do CPC, não é um poder discricionário que assiste ao juiz e que este exerce ou não, indiscriminada e discricionariamente a seu bel prazer, mas antes traduz um poder dever, um ónus, que lhe cabe exercer conjugadamente com os princípios do dispositivo, da autorresponsabilidade e da igualdade das partes, da preclusão dos direitos processuais destas e da imparcialidade a que o juiz vê subordinada toda a sua atuação, pelo que o juiz não é livre de exercer ou não esse poder inquisitorial, sequer de ao abrigo do mesmo, determinar toda e qualquer diligência instrutória que entenda pertinente para esclarecer todo e qualquer facto que se encontre em discussão no processo, como arredando aqueles outros princípios que se mantêm vigorantes no CPC.
Com efeito, o princípio do dispositivo, segundo o qual as partes dispõem do processo, cabendo ao juiz controlar a observância das normais processuais e, por fim, proferir a decisão acerca do conflito de interesses que determinou a proposição da ação e, portanto, é ao autor que pertence a iniciativa da ação e o impulso necessário ao seu prosseguimento , continua a ser um dos princípios estruturantes e basilares da lei adjetiva nacional.
Em função desse princípio, o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que essa resolução lhe seja pedida por uma das partes, isto é, pelo autor da ação (art. 3º, n.º 1), a quem incumbe o ónus de, na petição inicial, delimitar subjetiva (mediante a identificação das partes) e objetivamente (mediante a identificação do pedido e da causa de pedir) a relação jurídica material que submete à apreciação do tribunal (arts. 552º, n.º 1, als. d) e e)), sendo essa relação material e as exceções que venham a ser alegadas pelo réu na contestação, com vista a impedir, extinguir ou modificar o direito que o autor vem exercer contra aquele (arts. 572º, al. c) e 573º) e as eventuais contraexceções que o autor contraponha a essas exceções invocadas pelo réu na contestação (art. 587º, n.º 2 ex vi art. 572º, al. c) do CPC) que constituem o thema decidendum, a que o tribunal e as partes vêem toda a sua atividade instrutória e decisória circunscrita e delimitada (arts. 5º, n.º 1, 607º, n.º s 2, 3 e 4,608º, n.º 2, 609º, n.º 1 e 615º, n.º1, als. d) e e)).
Note-se que o princípio do dispositivo desde há muito que se encontra temperado no ordenamento processual civil nacional pelo princípio do inquisitório, que é precisamente o princípio inverso.
O princípio do inquisitório atribui ao juiz um papel mais ativo na condução do processo, tendo com a revisão operada ao CPC pela Lei n.º 41/2013, sido dado passos decisivos no sentido de libertar as partes das amarras decorrentes do princípio do dispositivo e na incrementação da sua mitigação com o princípio do inquisitório, tudo com vista a fomentar a prolação de decisões materialmente justas em detrimento de decisões de forma.
Deste modo, é que na vigência do atual CPC, sobre o autor apenas impende o ónus de, na petição inicial, alegar os factos essenciais constitutivos da causa de pedir que elegeu para suportar o pedido (arts. 5º, n.º 1 e 552º, al. d)); sobre o réu apenas impende o ónus de, na contestação, alegar os factos essenciais integrativos das exceções que invoque (art. 5º, n.º 1 e 572º, al. c)) e sobre o autor apenas impende o ónus de, na réplica, na ausência desta, na audiência prévia e, não havendo lugar a ela, no início da audiência final, alegar os factos essenciais integrativos das contraexceções que oponha às exceções invocadas pelo réu na contestação (arts. 5º, n.º 1, 584º, n.º 1, 587º, n.º 2 e 3º, n.º 4), estando, assim, as partes libertas do ónus da alegação dos factos complementares e instrumentais.
Não obstante isso, ou seja, apesar das partes já não terem o ónus da alegação dos factos complementares e dos instrumentais, na sentença, o juiz deve considerar os factos instrumentais (em sede de motivação do julgamento da matéria de facto), desde que o apuramento desses factos resulte da instrução da causa (al. a), do n.º2 do art. 5º), e deve julgar provados os factos complementares desde que a prova destes resulte da instrução da causa e adicionalmente o juiz cumpra quanto a estes o princípio do contraditório (al. b), do n.º 1 do art. 5º do CPC).
Assim é que o princípio do inquisitório que impende sobre o juiz assume particular importância em sede de apuramento de factos complementares e instrumentais.
No entanto, esse princípio, conforme decorre do art. 411º do CPC, onde se lê que “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”, assume plena eficácia na fase da instrução do processo.
Destarte, apesar do objeto do processo se encontrar, em geral, submetido à disponibilidade das partes e de sobre o autor impender o ónus da alegação dos factos essenciais integrativos da causa de pedir que elegeu para suportar o pedido e sobre as partes o ónus da alegação dos factos essenciais integrativos das exceções e contraexceções que invoquem, sem prejuízo dos relevantes poderes inquisitoriais que assistem ao tribunal no apuramento dos factos instrumentais e dos complementares, é na fase da instrução do processo que o princípio do inquisitório assume plena eficácia, ao impor ao juiz o ónus de realizar ou ordenar, ainda que oficiosamente, todas as diligências probatórias que entenda necessárias ao apuramento do factos essenciais, complementares e instrumentais e que se justifiquem pela necessidade de evitar que, pela falta de prova, a decisão da causa seja imposta pelo non liquet probatório e não pela realidade das coisas averiguadas em juízo .
A observância do princípio do inquisitório pelo juiz em sede de instrução da causa, não é um poder discricionário, mas antes um autêntico poder/dever que lhe é legalmente imposto, com vista ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio, pretendendo-se que “nenhum facto relevante para a decisão da causa fique por esclarecer” .
Na verdade, se quanto aos factos integrativos da causa de pedir invocada pelo autor na petição inicial e às exceções invocadas pelas partes, o tribunal vê o seu campo de cognição limitado aos factos essenciais que tenham sido alegados pela partes (o mesmo já não se afirmando em relação aos factos complementares e aos instrumentais – art. 5º, n.º 2, als. a) e b) do CPC), já quanto à indagação dos factos essenciais (alegados) e aos complementares e instrumentais (independentemente da alegação destes), o tribunal não tem de limitar a sua análise aos meios de prova indicados pelas partes, dispondo de amplos poderes inquisitoriais, a que deve recorrer quando percecione que determinada dúvida pode ser superada mediante a realização de diligências probatórias suplementares .
No entanto, apesar do princípio do inquisitório consubstanciar um poder/dever que impende sobre o tribunal em sede de instrução da causa, tal princípio não configura a concessão de um direito substantivo de natureza processual que seja conferido às partes e a que o tribunal tenha de corresponder, sequer consente que o tribunal possa realizar, ao abrigo do mesmo, toda e qualquer diligência instrutória.
Com efeito, o princípio do inquisitório tem de ser avaliado, delimitado e aplicado tendo em consideração os restantes princípios que continuam vigorantes no CPC, como sejam os princípios do dispositivo, da autorresponsabilidade e da igualdade das partes, da preclusão dos direitos processuais que assistem às partes, sem esquecer o dever da imparcialidade do juiz , de modo que o princípio do inquisitório tem de ser conjugado com aqueles outros princípios norteadores da lei processual civil.
Dir-se-á que da conjugação de todos esses princípios resulta que o juiz tem de exercitar os seus poderes inquisitoriais (que, reafirma-se, são poderes vinculados e nunca discricionários), em sede de instrução da causa, preservando sempre o necessário equilíbrio de interesses que ação pressupõe, critérios de objetividade e uma relação de imparcialidade.
Desse equilíbrio decorre que “a intervenção oficiosa do juiz” em sede de princípio do inquisitório apenas pode assumir “uma natureza complementar relativamente ao ónus da iniciativa da prova que impende sobre cada uma das partes, não podendo aquele servir para superar, de forma automática, falhas processuais reveladas, designadamente, através da omissão da apresentação do requerimento probatório em devido tempo ou sequer da alteração do rol de testemunhas até ao limite definido pelo art. 598º, n.º 2” .
Neste sentido pronuncia-se Lopes do Rego, ao ponderar que “o exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicar tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste – não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseiros ou indesculpavelmente negligentes das partes” .
No mesmo sentido postula Abrantes Geraldes, referindo-se aos poderes inquisitoriais conferidos pelo art. 662º do CPC ao Tribunal da Relação, mas cujos argumentos são integralmente transponíveis para a 1ª Instância em sede de cumprimento do princípio do inquisitório a que se encontra adstrita em sede de instrução da causa, sustentando que: “Trata-se de uma diligência que não está circunscrita a depoimentos, podendo incidir sobre quaisquer meios de prova, desde que se revele a existência de dúvida fundada sobre a prova realizada que seja suscetível de sanação mediante a produção de novos meios de prova. (…) não estamos perante um direito potestativo de natureza processual que seja conferido às partes e que à Relação apenas cumpra corresponder, antes deve ser encarado como um poder/dever atribuído à Relação e que esta usará de acordo com critérios de objetividade, quando percecione que determinadas dúvidas sobre a prova ou falta de prova de factos essenciais poderão ser superados mediante a realização de diligências probatórias suplementares. Afinal, a alteração legislativa não modificou as regras de distribuição do ónus da prova que se colhem do direito material, nem aboliu os efeitos que emanam de um sistema em que ainda predomina o princípio do dispositivo (e também o da aquisição processual, nos termos do art. 413º). Igualmente não poderá deixar de ser ponderado que o ónus de proposição de meios de prova se deve materializar também através da sua apresentação em momentos processualmente ajustados, com previsão de efeitos preclusivos que não podem ser ultrapassados só pela livre iniciativa da parte. (…), como critério orientador, pode servir a apreciação critica da atuação que o juiz de 1ª instância teve ou deveria ter tido aquando da realização da audiência final, ponderando casuisticamente a amplitude dos poderes de averiguação que a lei lhe confere (art. 411º) e que podem ser transpostos naqueles circunstâncias para a Relação quando esta se depare com as aludidas dúvidas sérias suscetíveis de serem dirimidas”, trata-se de “uma medida paliativa destinada a resolver situações patológicas que emergem simplesmente de uma nebulosa que envolva a prova que foi produzida e que não foi convenientemente resolvida (devendo sê-lo) segundo o juízo crítico da Relação” .
Decorre do que se vem dizendo, que o juiz apenas deve socorrer-se ao princípio do instrutório em sede de instrução da causa, determinando oficiosamente a realização de diligências instrutórias, quando face à prova produzida pelas partes, se depare com dúvidas sobre a ocorrência ou não de factos essenciais (estes, necessariamente alegados), complementares ou instrumentais (estes, independentemente de terem sido ou não alegados) e quando se lhe afigure que essas dúvidas são suscetíveis de serem superadas mediante a produção de prova suplementar.
Deste modo, em sede de reabertura da audiência final, o tribunal não poderá determinar a reabertura dessa audiência final para o apuramento de factos essenciais integrativos da causa de pedir alegados pelo autor na petição inicial ou das exceções invocadas pelas partes quando esses factos essenciais não tenham sido alegados pelas partes, uma vez que os factos essenciais têm de ser necessariamente alegados (art. 5º, n.º 1 do CPC).
Acresce que se antes do encerramento da audiência final, o tribunal pode e deve, dentro dos já enunciados pressupostos e limites, determinar a produção de prova suplementar com vista a sanar dúvidas que se lhe suscitem face à prova produzida arrolada pelas partes quanto à ocorrência (ou não) de factos essenciais (estes, necessariamente alegados pelas partes), complementares ou instrumentais (os quais não carecem de ser alegados), uma vez encerrada a audiência final, o tribunal já não poderá determinar a reabertura da audiência final para sanar dúvidas que se lhe deparem (em sede de elaboração da sentença) quanto à ocorrência ou não de factos complementares ou instrumentais, uma vez que, nos termos das als. a) e b) do n.º 2 do art. 5º do CPC, os factos complementares e instrumentais apenas devem ser considerados provados na sentença quando a respetiva prova resulte da instrução da causa e, adicionalmente, quanto aos complementares, o juiz cumpra o princípio do contraditório.
Logo, se uma vez produzida a prova e encerrada a audiência final, ao tribunal se suscitarem dúvidas quanto à verificação (ou não) de factos complementares ou instrumentais, a conclusão a extrair é que a prova desses factos complementares ou instrumentais não resultou da instrução da causa, não se justificando, por isso, a reabertura da audiência final com vista ao respetivo apuramento.
Reafirma-se, a reabertura da audiência final apenas será legítima quando, em sede de elaboração da sentença, face à prova produzida, o juiz se depare com dúvidas quanto à ocorrência ou não de factos essenciais (que tenham sido alegados) e desde que se prefigure que essa situação de dúvida pode ser superada mediante a produção de prova suplementar.
A reabertura da audiência final nunca será legitima para superar eventuais dúvidas do juiz quanto a factos complementares ou instrumentais, isto naturalmente, sem prejuízo de uma vez reaberta a audiência final para superar dúvidas do juiz quanto à ocorrência ou não de factos essenciais (alegados), na sequência da prova que venha a ser produzida para apuramento desses factos essenciais, virem a ser concomitantemente superadas eventuais dúvidas do juiz quanto à ocorrência de factos complementares ou instrumentais ou de, inclusivamente, se virem a apurar novos factos complementares ou instrumentais, caso em que o juiz deve considerá-los provados na sentença, desde que, relembra-se, quanto aos complementares, cumpra o dever do contraditório.
Posto isto, revertendo ao caso dos autos, nele a 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:
9. No dia 25.05.2018, o presidente da Mesa da Assembleia Geral (MAG) em funções, J. P., não compareceu para a realização do ato eleitoral do Réu.
10. No dia 25.5.2018, os sócios presentes para a realização do ato eleitoral do Réu declararam “delegar no senhor Presidente da Direção, A. R., do SPORT CLUB X, a constituição de uma assembleia eleitoral ad hoc.”
11. Após o indicado em 10), um conjunto de sócios não identificados declarou disponibilizar-se para integrar a mesa da Assembleia Geral do Réu.
A propósito da não identificação dos sócios que fizeram as mencionadas declarações e, bem assim quanto aos associados que acabaram por integrar a mesa da assembleia geral eleitoral ad hoc, a 1ª Instância fundamentou essas respostas nos seguintes termos:
A formação da convicção do tribunal fundou-se na análise crítica e aglutinada do depoimento do Autor L. L. e das declarações das testemunhas R. J., J. G., N. P., A. R., C. D., J. P., J. C., P. C. e M. J., em concatenação com a valoração da certidão de fls. 1-28, da convocatória de fls. 28-verso, das atas de fls. 42, dos escritos de fls. 58-59, do auto de fls. 95-97, das atas de fls. 35-37 do apenso A, das listas de fls. 38-40 do apenso A) e da declaração de fls. 41-verso a 43 do apenso A), sopesados à luz das regras probatórias tipificadas e do princípio da livre apreciação, em sede de um iter objetivamente cognoscitivo e dialecticamente valorativo.
O Autor L. L. não dimanou qualquer conhecimento direto das vicissitudes do ato eleitoral do Réu, limitando-se a aflorar as ocorrências pretéritas e subsequentes.
A testemunha R. J., Presidente da Câmara de Vila Real, revelou lineamente não ser sócio do Réu, não titulando, assim, cognição do ocorrido no ato eleitoral do mesmo, exceto quanto à necessidade que lhe foi reportada de proceder à abertura da porta de acesso às respetivas instalações, as quais pertencem ao Município.
(…)
No que se refere às testemunhas J. G., C. D., J. P., J. C., P. C. e M. J. outrossim não aduziram quaisquer circunstâncias passíveis de explicitarem em que termos é que foi designada a assembleia geral ad hoc e quais os respetivos membros.
Ademais, a testemunha J. P. abordou sumariamente o quadro em que decidiu suspender o ato eleitoral no dia 24.5.2018, sendo que mencionou que não compareceu na assembleia, o que foi reconhecido pelo Réu, e admitiu que no mesmo dia pediu a demissão das suas funções.
No que se atem à testemunha N. P., limitou-se a aflorar perfunctoriamente que participou no ato eleitoral, afigurando-se incapaz de identificar os membros da Mesa, sendo que reconheceu que presidiu à investidura dos órgãos eleitos, enunciando, singelamente, que tal ocorreu ante a não presença de quaisquer outros membros dos órgãos cessantes.
Relativamente à testemunha A. R., perpetrou um depoimento assaz genérico, lacunoso e desprovido de consistência objetiva, assomando-se como Presidente da Direção do Réu, porém, não explicitando minimamente o entorno em que aceitou presidir à assembleia ad hoc e tampouco logrando identificar os demais membros, enredando-se, assim, num manto de insubsistência.
(…).
As atas de fls. 42 enunciam de forma marcadamente sumária a constituição da assembleia eleitoral ad hoc e os resultados apurados na mesma.
(…)
No que se refere aos factos 10) a 12)), o Tribunal estribou-se nas atas de fls. 42”.
Resulta linearmente da fundamentação acabada de transcrever, motivação essa que o apelante não coloca em crise (tanto mais que não impugna o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância e, muito menos, mediante o cumprimento dos ónus impugnatórios do art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, o que determinaria que sempre se tivesse de rejeitar uma eventual impugnação do julgamento da matéria de facto que tivesse sido operada pelo apelante), que nenhuma das testemunhas, sequer o Autor, foram capazes de identificar os concretos associados que declararam delegar no presidente da direção do apelante a constituição de uma assembleia eleitoral ad hoc, sequer a propósito dos associados que se disponibilizaram para integrar a mesa desse assembleia geral constituída ad hoc e, bem assim quanto aos associados que integraram efetivamente essa mesa.
Mais resulta que de ata dessa assembleia geral não consta igualmente essa identificação, o que, refira-se, é rigorosamente certo, conforme se alcança pela simples leitura dessa ata, junta pelo apelado como doc. 5 A, em anexo à petição inicial.
Finalmente, resulta que terão sido essas as razões, isto é, a circunstância da prova pessoal produzida em audiência final e da própria ata daquela assembleia geral eleitoral ad hoc não proceder à referida identificação dos associados que prestaram as mencionadas declarações e que integraram a mesa da assembleia geral eleitoral ad hoc do dia 25/05/2018, que levaram a 1ª Instância a responder à facticidade supra nos termos em que o fez.
Deste modo, verificando-se que nenhuma das testemunhas e/ou partes que depuseram em audiência final souberam identificar quem foram esses concretos associados que fizeram aquelas declarações e que integraram a mesa, sequer constando a identificação desses associados da própria ata dessa assembleia geral eleitoral constituída ad hoc, e não cuidando a própria apelante em identificá-los na contestação (apesar de ser, sem dúvida alguma, a parte que estava em melhores condições para proceder a essa identificação), sequer em lado algum nos autos, é apodíctico que para além dos limites que se impõem ao tribunal em sede de princípio do inquisitório, independentemente desses limites, não se vislumbra que outras concretas diligências instrutórias pudessem ser realizadas pela 1ª Instância com vista à identificação dos associados que fizeram as mencionadas declarações e integraram a mesa da assembleia geral constituída ad hoc.
Com efeito, quando as próprias partes, principalmente o apelante, que era quem, no caso dos autos, reafirma-se, sem dúvida alguma, dispunha (ou devia dispor) de melhores condições para proceder à identificação dos seus associados que fizeram as mencionadas declarações e que integraram a mesa da assembleia geral eleitoral ad hoc (afinal é a assembleia geral dele, apelante) não cuidaram em identificar esses seus associados, quando a ata dessa assembleia é omissa sobre esses aspetos identificativos e quando também a prova pessoal que as partes carrearam para os autos e que foi produzida em audiência final foi também insuscetível de proceder a essa identificação, sequer de aportar elementos, designadamente, o nome e morada de pessoas que tivessem estado presentes, nesse ato eleitoral, e que levassem, fundada e justificadamente, a concluir que essas pessoas seriam capazes de proceder à mencionada identificação dos associados, é apodíctico que não ocorre da parte do tribunal qualquer violação do princípio do inquisitório, uma vez que não se vislumbra existir qualquer elemento probatório de que este pudesse lançar mão com vista a atingir esse desiderato.
Resulta do exposto que, no caso, a 1ª Instância não incorreu em qualquer violação do princípio do inquisitório, pela singela razão de que não foram apurados quaisquer elementos de prova que aquela pudesse determinar que fossem realizados com o fito de proceder à identificação dos associados da apelante que fizeram as mencionadas declarações e que integraram a mesa da assembleia geral constituída ad hoc em 25/05/2018, improcedendo este fundamento de recurso.

B.1.3- Nulidade da sentença por falta de fundamentação.

O apelante acusa a sentença sob sindicância de nulidade por falta de fundamentação, alegando que “não tendo o tribunal dado por provado nem tendo sido suscitada a questão de invalidade de tal deliberação prévia à própria assembleia geral, não pode decidir como decidiu, para mais com ausência de fundamentação bastante, vício que inquina inexoravelmente a douta sentença recorrida e ao arrepio da lei e da Constituição da República Portuguesa”.

Apreciando:

Como é sabido, o dever de fundamentação das decisões judiciais tem consagração no art. 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e densificando esse comando, os arts. 154º, n.º 1 e 615º, n.º 1, al. b) do CPC impõem ao juiz o dever de especificar os fundamentos de facto e de direito em que alicerça a decisão e comina de invalidade a sentença em que não sejam especificados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão nela proferida.
O fundamento teleológico do dever de fundamentação assenta na circunstância de destinando-se a decisão judicial a resolver um conflito de interesses (art. 3º, n.º 1 do CPC), esse conflito só logrará efetiva resolução e alcançar a restauração da paz social se o juiz “passar de convencido a convincente”, o que apenas conseguirá se através da fundamentação, convencer “os terceiros da correção da sua decisão” .
Acresce que a fundamentação exerce uma função facilitadora do reexame da causa pelos tribunais superiores e de reforço do autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao ato jurisdicional , além de ser uma fonte legitimadora do poder judicial, dado que não possuindo os tribunais uma legitimidade direta, mas antes indireta, que lhes advém da Constituição (art. 202º, n.º 1 da CRP), essa legitimidade apenas será assegurada se, através da fundamentação, os tribunais lograrem demonstrar e convencer que as decisões que proferem não são meros atos arbitrários, mas antes a concretização da vontade abstrata da lei aplicada ao caso concreto.
Porque assim é, compreende-se que a fundamentação apenas esteja dispensada nos casos de despacho de mero expediente e que com essa única ressalva, ainda que o pedido não seja controvertido ou que a questão não suscite qualquer dúvida, a decisão terá de ser fundamentada nos termos ajustados ao caso.
A fundamentação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (n.º 2 do art. 154º do CPC) .
Mais se compreende que se imponha ao juiz de na sentença (acórdão ou despacho), em sede de julgamento da matéria de facto, o ónus de discriminar os factos que considera provados e não provados e declarar os que considera provados (art. 607º, nºs 3 e 4 do CPC), devendo de forma clara e especificada, motivar essa decisão de facto, e quanto a factos sujeitos à livre apreciação da prova, terá de analisar criticamente as provas produzidas e expor os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção em relação a cada facto (art. 607º, n.ºs 4 e 5 do CPC.), explicitando e exteriorizando não só a respetiva decisão de facto, como os motivos que a determinaram, nomeadamente, porque “acreditou em determinada testemunha e não noutra, porque se afastou das conclusões dum relatório pericial para se aproximar das de outro, por que razão o depoimento de uma testemunha com qualificações técnicas o convenceu mais do que um relatório pericial divergente ou por que é que, não obstante vários depoimentos produzidos sobre certo facto, não se convenceu de que ele se tivesse realmente verificado” .
Dito por outras palavras, em sede de fundamentação do julgamento da matéria de facto sujeita à livre apreciação da prova, “o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento de facto. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correção da sua decisão” .
Por sua vez, em sede fundamentação do julgamento da matéria de direito, impõe-se ao juiz o dever de identificar as normas e os institutos jurídicos de que se socorreu e a interpretação que deles fez em sede de subsunção jurídica da facticidade provada e não provada (n.º 3 daquele art. 607º).
Apesar do que se acaba de dizer, impõe-se precisar que em sede julgamento da matéria de facto sujeito ao princípio da livre apreciação da prova e da respetiva fundamentação/motivação, a al. b), do n.º 1 do art. 615º do CPC, carece de ser compatibilizada com o regime especial e específico previsto no art. 662º, n.ºs 1 e 2 do CPC, decorrendo dessa compatibilização que quando o tribunal omita pronúncia quanto a factos essenciais integrativos da causa de pedir alegada pelo autor ou das exceções alegadas pelas partes, no sentido de não considerar provados, sequer como não provados esses factos essenciais alegados, o que se reconduz ao vício da deficiência , quando do processo constem todos os elementos probatórios que permitam à Relação efetuar esse julgamento com a necessária segurança, esta deverá realizá-lo, julgando essa facticidade provada ou não provada e fundamentando esse julgamento de facto que realizou; de contrário, isto é, não integrando essa facticidade os temas de prova, ou não constando do processo todos os elementos de prova, que permitam à Relação fazer um julgamento seguro e consciencioso dessa concreta facticidade, deverá anular a sentença e determinar a ampliação do julgamento da matéria de facto a essa concreta facticidade em relação à qual a 1ª Instância omitiu pronúncia .
Quanto à motivação/fundamentação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, a insuficiente fundamentação/motivação desse julgamento de facto não determina a nulidade da sentença, acórdão ou despacho, mas nos termos da al. b), do n.º 1 do art. 615º do CPC, apenas dá lugar à devolução do processo à 1ª Instância para que supra esse vício (art. 662º, n.º 2, al. d) do CPC).
Ou seja, no que respeita ao julgamento da matéria de facto, apenas a total ausência de discriminação e indicação dos factos julgados provados e de declaração dos julgados não provados determina a nulidade da sentença (acórdão ou despacho) nos termos da al. b), do n.º 1 do art. 615º. Em sede de fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto, igualmente apenas a total ausência de fundamentação desse julgamento da matéria de facto fulmina a sentença de invalidade, nos termos do art. 615º, n.º 1, al. b) do CPC.
Acresce que em sede de julgamento de direito, é igualmente absolutamente pacífico que apenas a falta, em absoluto e total, de fundamentação de direito determina a nulidade da sentença, acórdão ou despacho a que se reporta a al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC, designadamente, conclusivos juízos de direito, e não apenas a mera incompletude, deficiência ou sumariedade da fundamentação jurídica, a qual não afeta o valor legal da sentença, acórdão ou despacho .
Posto isto, lida e relida a sentença sob sindicância, diremos que a fundamentação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, encontra-se devidamente motivado, na medida em que o tribunal identifica os concretos elementos de prova que considerou para julgar provada e não provada a facticidade assim julgada e, bem assim as concretas razões que o levaram a concluir pela prova ou não prova dessa facticidade, sendo essas razões perfeitamente perceptíveis para qualquer declaratário médio.
De igual modo, o julgamento de direito realizado na sentença sob sindicância, ainda que sucinto, encontra-se devidamente fundamentado, na medida em que o tribunal procede à identificação das normas legais e estatutárias que aplicou ao caso, procede à respetiva interpretação, e subsume-as aos factos que se quedaram como provados e não provados.
Destarte, contrariamente ao pretendido pelo apelante, a sentença recorrida não padece do vício da invalidade por falta de fundamentação de facto ou de direito, vício esse que, para que se verificasse, reafirma-se, exigia que se estivesse perante uma total ausência de fundamentação de direito ou de facto e não perante uma motivação/fundamentação meramente insuficiente ou deficiente.
De resto, o que se acaba de concluir não é sequer colocado em crise pelo próprio apelante, que apenas imputa o enunciado vício da nulidade da sentença sob sindicância, por pretensa falta de fundamentação, devido à circunstância de, na sua perspetiva, nela a 1ª Instância não ter apreciado integralmente o thema decidendum, nomeadamente, a facticidade que foi alegada na contestação para fundamentar a exceção perentória do abuso de direito que imputa à atuação do apelado.
No entanto, salvo o devido respeito por entendimento contrário, esse pretenso vício não se reconduz ao vício da nulidade por falta de fundamentação, mas antes ao da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Assim sendo, improcede o mencionado fundamento de recurso, uma vez que a sentença sob sindicância não padece do vício da nulidade por falta de fundamentação.

B.1.3- Nulidade da sentença por excesso e omissão de pronúncia.

O apelante imputa à sentença recorrida o vício da nulidade por excesso de pronúncia, sustentando que a 1ª Instância declarou a anulabilidade da deliberação da assembleia geral eleitoral de 25 de maio de 2018, quando essa questão não foi suscitada pelo apelado e quando este confessa que essa assembleia geral eleitoral tinha poderes para designar a eleição dos membros dos órgãos sociais daquela.
Mais imputa à mesma sentença o vício da nulidade por omissão de pronúncia advogando que nela o tribunal não apreciou a causa de pedir invocada pelo apelante, que se centrava na circunstância do então Presidente da Câmara Municipal ... ter mandado realizar o ato eleitoral e, bem assim, por não ter considerado provados, sequer como não provados os factos que alegou, em sede de contestação, como factos constitutivos da exceção perentória do abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium que imputa à atuação do apelado.
Quid juris?
Uma das causas taxativas de invalidade da sentença que se encontra enunciada no n.º 1 do art. 615º é a nulidade por omissão ou por excesso de pronúncia, a que se reporta a al. d).
Trata-se de nulidade que se relaciona com o art. 608º, n.º 2 do CPC, que impõe ao juiz a obrigação de resolver na sentença (despacho ou acórdão – arts. 613º, n.º 3 e 666º, n.º 1 do CPC) todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer de questões não suscitadas pelas partes, exceto se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Na verdade, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos pelo autor com fundamento em todas as causas de pedir por ele invocadas na petição inicial para ancorar o pedido e, bem assim conhecer de todas as exceções invocadas pelo réu, na contestação, para extinguir, impedir ou modificar o pedido que o autor pretende que o tribunal lhe reconheça e, bem assim, de todas as contraexceções que o autor, em sede de réplica, na ausência desta, em sede de audiência prévia, ou não havendo lugar a esta lugar, no início da audiência final, oponha às exceções invocadas pelo réu na contestação, o não conhecimento de pedido, causa de pedir, de exceção ou de contraexceção (desde que suscitada/arguida pelas partes, pelo que não integra nulidade da sentença o não conhecimento de exceção que seja de conhecimento oficioso do tribunal, mas que não tenha sido arguida pelas partes – o que se reconduz a erro de direito) cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes na sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC) .
Inversamente, o conhecimento de pedido, causa de pedir, de exceção ou contraexceção não arguidos pelas partes e de que não era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente, configura nulidade por excesso de pronúncia.
Precise-se que a invalidade da sentença por omissão ou excesso de pronúncia é uma decorrência do princípio do dispositivo, na medida em que cabendo, por força desse princípio, ao autor propor a ação (art. 3º, n.º 1 do CPC), mediante a apresentação em juízo, da petição inicial, em que terá de delimitar subjetiva e objetivamente a relação jurídica que submete a julgamento, o pedido e a causa de pedir, mas também as exceções que venham a ser deduzidas pelo réu em sede de defesa (na contestação) e, bem assim as contraexceções que venham a ser opostas pelo autor na réplica, na ausência desta, na audiência prévia, ou não havendo lugar a ela, no início da audiência final (arts. 584º, n.º 1 e 3º, n.º 4 do CPC) às exceções invocadas pelo réu, delimitam necessariamente o thema decidendum a que o tribunal vê toda a sua atividade instrutória e decisória delimitada e conformada no processo , mas é igualmente uma emanação do princípio do contraditório, o qual, na sua dimensão tradicional negativa, impede que o tribunal resolva o conflito que a ação pressupõe sem que o autor lhe submeta esse conflito e sem que o réu seja devidamente chamado para deduzir oposição (n.º 1 do art. 3º do CC), e que na sua atual dimensão positiva, proíbe a prolação de decisões surpresa (n.º 3 do art. 3º), ao postergar a indefesa e ao reconhecer às partes o direito de conduzirem ativamente o processo e de contribuírem positivamente para a decisão a ser nele proferida.
Deste modo, é que o juiz terá de conhecer de todas as questões que as partes lhe colocam, sob pena da sentença (acórdão ou despacho) que venha a proferir ser nula por omissão de pronúncia, e nela não pode conhecer de questões que as partes não lhe tenham submetido a julgamento, salvo se essas questões forem do conhecimento oficioso, sob pena da sentença que venha a proferir ser nula por excesso de pronúncia.
No entanto, incumbe precisar que uma coisa são as “questões” e outra, bem diversa, são os “argumentos”.
Na verdade, conforme já alertava Alberto dos Reis, impõe-se distinguir, por um lado, entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. “Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”.
Assim, apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a “questões” que lhe são submetidas pelas partes determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões .
Do mesmo modo, apenas o conhecimento pelo tribunal de questões não suscitadas pelas partes nos seus articulados e de que o tribunal não possa conhecer oficiosamente, determina a invalidade da sentença por excesso de pronúncia.
Na esteira da doutrina e da jurisprudência, dir-se-á que “questões” são os pontos de facto e/ou de direito centrais, nucleares, relevantes ou importantes submetidos pelas partes ao escrutínio do tribunal para dirimir a controvérsia entre elas existentes e cuja resolução lhe submetem, atentos os sujeitos, os pedidos, causas de pedir e exceções por elas deduzidas ou que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres ou doutrinas expendidos no esgrimir as teses em presença .
Revertendo aos ensinamentos de Alberto dos Reis, “…assim como a ação se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir (…), também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objeto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)” .
Acresce precisar que apenas ocorre nulidade por omissão de pronúncia quando o tribunal, na sentença (acórdão ou despacho) silencie, total e absolutamente, qualquer pronúncia quanto à questão e não quando a aprecia de forma sintética e escassamente fundamentada .
Também não existe nulidade por omissão de pronúncia quando o juiz tenha erroneamente considerado que o conhecimento de uma outra questão de que conheceu e decidiu prejudicou a apreciação daquela outra em relação à qual se acusa a falta de pronúncia. Nesse caso, o que existe é uma situação de erro de julgamento (uma decisão que do ponto de vista jurídico é errónea), onde esse erro, a verificar-se, terá de ser corrigido pelo tribunal ad quem .

B.1.3.1- Caso concreto – nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

Assente nas mencionadas premissas advoga o apelante que a sentença recorrida é nula, por excesso de pronúncia uma vez que nela a 1ª Instância declarou a anulabilidade da deliberação da assembleia geral eleitoral de 25/05/2018, quando essa questão não foi suscitada pelo apelado e quanto este último confessou, inclusivamente, que essa assembleia geral eleitoral tinha poderes para designar a eleição dos membros dos órgão sociais do apelante por via da procedência da decisão proferida no âmbito do procedimento cautelar n.º 1149/18.9T8VRL, mas antecipe-se, desde já, sem razão.
Na sentença sob sindicância, a 1ª Instância anulou as deliberações da assembleia geral eleitoral da apelante de 25/05/2018 constituída ad hoc e de constituição da respetiva mesa, em que estando designada a assembleia geral eleitoral para esse dia 25/05, ato eleitoral esse a decorrer entre as 17h00m e 23h00m, nesse dia 25/05, perante a falta de todos os elementos da mesa dessa assembleia geral que se encontravam então em funções, os associados presentes declararam “delegar no senhor Presidente da Direção, A. R., do SPORT CLUB X, a constituição de uma assembleia eleitoral ad hoc” e em que um conjunto de associados não identificado declarou disponibilizar-se para integrar a mesa dessa assembleia geral ad hoc, na sequência do que, se iniciou o ato eleitoral pelas 16h30m e que terminou pelas 23h00, em que a mesa, constituída por A. R., Presidente da Direção, declarou apurar os resultados descritos no ponto 12º dos factos apurados.
A 1ª Instância anulou essa deliberação (que na verdade, conforme resulta do que se vem dizendo, bem como do próprio teor da sentença recorrida e, bem assim da alegação do apelado em sede de petição inicial, de onde resulta que apesar de pedir que se “declare a anulabilidade da deliberação geral eleitoral de 25/05/2018”, na verdade, o que pretende é que se declare a anulabilidade de duas deliberações, mais concretamente: a deliberação de constituição da assembleia geral eleitoral ad hoc e a deliberação de constituição da mesa dessa assembleia) com fundamento de que “se realizou uma assembleia eleitoral ad hoc, que postergou de forma manifesta o ato eleitoral ordinário designado para o dia 25/05/2018, sendo que a mesa foi presidida pelo Presidente da Direção e incumpriu a imperativa constituição por um vice-presidente, dois secretários e dois vice-secretários”.
Por sua vez, compulsada a petição inicial, verifica-se que nela o apelado pede que se declare a anulabilidade da deliberação da assembleia geral eleitoral da apelante do dia 25/05/2018 – na verdade, reafirma-se, das duas deliberações nela tomadas (e não, contrariamente ao pretendido pelo apelante, da deliberação da assembleia geral que designou esse ato eleitoral para o dia 25/05/2018).
Ou seja, o pedido de declaração da anulação da deliberação deduzido pelo apelado na petição inicial incide precisamente sobre a deliberação da assembleia geral que determinou a constituição de uma assembleia geral eleitoral ad hoc e aquela que determinou a constituição da respetiva mesa que teve lugar no dia 25/05/2018, pelo que em sede de sentença recorrida, é indiscutível que a 1ª Instância ateve-se aos precisos termos do pedido deduzido pelo apelado em sede de petição inicial, não incorrendo em condenação ultra petitum.
Passando à causa de pedir deduzida pelo apelado em sede de petição inicial para ancorar aquele pedido anulatório, é certo que conforme refere o apelante, nos arts. 3º, 7º, 9º e 18º a 20º da petição inicial, o apelado alegou que “no dia 25/05/2018, nas instalações do SPORT CLUB X, na morada da sede do Réu, teve lugar uma assembleia geral eleitoral (AGE) para eleições dos órgãos sociais do clube”, assembleia essa que foi designada na sequência de transação celebrada em processo judicial, tendo, na sequência dessa transação, “na assembleia geral ficado deliberado a marcação de novo ato eleitoral para o dia 25/05/2018, com início pelas17h00 e terminus pelas 23h00 do mesmo dia”.
Mais alega que, “no dia 24/05/2018, o presidente da mesa da assembleia geral em funções, J. P., suspendeu o ato eleitoral” designado para o referido dia 25/05, vindo “no dia 8/05/2018, o presidente da mesa da assembleia geral a realizar a convocatória para eleições dos órgãos sociais do clube”, mas que “as deliberações constantes da ata da reunião da direção do Réu de 24/05/2018 e a decisão do Presidente da mesa da assembleia geral de 24/05/2018, que suspendeu o ato eleitoral do dia 25/05/2018 e a decisão daquele convocando eleições para 11/06/2018” foram suspensas no âmbito dos autos de providência cautelar n.º 1149/18.9T8VRL, concluindo assim, o apelado, no art. 38º da petição inicial, que “a assembleia geral eleitoral tinha poderes para eleger os membros sociais, dada a decisão do Proc. 1149/18.9T8VRL”.
No entanto, dir-se-á que conforme resulta linearmente da simples leitura da sentença recorrida, contrariamente ao pretendido pelo apelante, não foi a deliberação da assembleia geral do apelante que designou as eleições para o dia 25/05/2018, isto é, a deliberação do assembleia geral que designou o ato eleitoral que o presidente da mesa dessa assembleia geral então em funções, em 24/04/2018, suspendeu, mas que viu essa decisão suspensa no âmbito daquele procedimento cautelar, que aquela sentença anulou, sequer o apelante, em sede de petição inicial, pede efetivamente a invalidação dessa deliberação, mas antes a deliberação de constituição da assembleia geral eleitoral constituída ad hoc e a deliberação de constituição da mesa dessa assembleia geral constituída ad hoc.
Com efeito, as deliberações anuladas em sede de sentença recorrida foram as tomadas no próprio dia designado para as eleições, em que perante a falta de todos os elementos da mesa da assembleia geral do apelante que então se encontravam em funções, os associados presentes no dia 25/05/2018, para a realização do ato eleitoral, declaram delegar no senhor presidente da Direção, A. R., a constituição de uma mesa eleitoral ad hoc e em que, um conjunto de sócios não identificados, declarou disponibilizar-se para integrar a mesa da assembleia geral, vindo a mesa da assembleia geral a ser constituída por A. R., iniciando-se o ato eleitoral pelas 16h30m e a terminar pelas 23h00, vindo A. R. a declarar os resultados apurados na sequência das eleições assim realizadas.
Na sentença recorrida, entendeu a 1ª Instância que quanto as essas deliberações de constituição da assembleia geral ad hoc e de constituição da respetiva mesa estas são inválidas porquanto postergaram “de forma manifesta o ato eleitoral ordinário designado para o dia 25/05/2018” e porque a mesa da assembleia geral foi presidida pelo Presidente da Direção, incumprindo “a imperativa constituição por um vice-presidente, dois secretários e dois vice-secretários”.
Ora, conforme resulta dos factos alegados pelo apelado em sede de petição inicial, ao assim decidir, a 1ª Instância ateve-se aos fundamentos (causa de pedir) com que aquele pede a anulação da deliberação da assembleia geral eleitoral de 25/05/2018, isto é, das duas deliberações nela tomadas.
Na verdade, como causa de pedir desse pedido anulatório, o apelado alega, em sede de petição inicial: “ na AGE de 25/05/2018 sucedeu algo muito distinto: faltaram todos os elementos da mesa e delegaram alguns sócios (não identificados em ata alguma) no presidente da direção, A. R., a constituição de uma assembleia eleitoral ad hoc (art. 46º); e a mesma ata frisou que um conjunto de sócios se disponibilizou para integrar a mesa do ato eleitoral (sem referência se efetivamente o fez, se a integrou e quem a integrou, e em que funções) (art. 47º); Sabendo-se que a mesa da assembleia geral é constituída por um presidente, um vice presidente, dois secretários e dois vice-secretários, quem ocupou as respetivas funções? Nada consta da ata de abertura (art. 48º); da ata de abertura constam apenas 3 assinaturas, a do presidente da direção (que nem sequer foi designado para presidir à mesa, mas sim para constituir uma suposta assembleia geral eleitoral ad hoc) e as de dois dos três candidatos às eleições para os órgãos sociais (art. 49º) e não obstante o ato eleitoral estar marcado para as 17h00, começou meia hora mais cedo, segundo a respetiva ata de abertura (art. 50º); e a ata de encerramento consta apenas com a assinatura, não do presidente da mesa da assembleia geral em exercício de funções e adveniente da mesa ad hoc, mas sim do presidente da direção do clube (art. 51º); a AGE do dia 25/05/2018 não deixa de estar ferida de evidente invalidade uma vez que na realização da mesa foram preteridas formalidades essenciais, quer por violação dos estatutos do Réu, quer por violação da lei (arts. 52º e 53º)”.
Deste modo, contrariamente ao pretendido pelo apelante, na decisão recorrida o tribunal a quo não anulou a deliberação da assembleia geral que designou o ato eleitoral para o dia 25/05/2018, entre as 17h00 e as 23h00, mas antes as deliberações que tiveram lugar no próprio dia 25/05/2018 (dia das eleições) em que os associados do apelante, presentes para a realização desse ato eleitoral, perante a ausência dos elementos da mesa da assembleia geral então em funções, decidiram constituir uma assembleia geral eleitoral ad hoc, e a deliberação de constituição da mesa dessa assembleia geral eleitoral constituída ad hoc, iniciando-se, nessa sequência, o ato eleitoral pelas 16h30m, e foi precisamente essas deliberações que o apelado, em sede de petição inicial, pretendeu que o tribunal invalidasse, com os concretos fundamentos com que a 1ª Instância as invalidou (além de outros), pelo que é manifesto que, no caso, contrariamente ao pretendido pelo apelante, não ocorre qualquer nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia.
Nestes termos, improcede o invocado fundamento de recurso, não padecendo a sentença de recorrida de qualquer nulidade por excesso de pronúncia.

B.1.3.1- Caso concreto – nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Advoga o apelante que a sentença sob sindicância padece do vício da nulidade por omissão de pronúncia, porquanto nela a 1ª Instância não apreciou a causa de pedir invocada pelo apelado, a qual, na sua perspetiva, se centrava na circunstância do então Presidente da Câmara Municipal ... ter mandado realizar o ato eleitoral, mas sem razão.
Na verdade, compulsada a petição inicial, verifica-se que após alegar que na sequência da homologação da transação celebrada no âmbito do procedimento cautelar que identifica, a assembleia geral do apelante designou o ato eleitoral para o dia 25/05/2018, com início pelas 17h00 e términos pelas 23h00, e de ter alegado que o presidente da mesa da assembleia geral então em funções, suspendeu esse ato eleitoral no dia 24/04/2018 (decisão essa que veio a ser suspensa no âmbito dos autos de providência cautelar n.º 1149/18.9T8VRL), o apelado alegou efetivamente, nos arts. 15º a 17º da petição inicial, que “a decisão do Presidente da Mesa da Assembleia Geral não produziu os seus efeitos, tendo o ato eleitoral decorrido no dia 25/05/2018, uma vez que a Câmara Municipal ... decidiu arrombar as portas e mudar as fechaduras do SPORT CLUB X, por ordens expressas do presidente do Município, no que foi auxiliado (…) por agentes de autoridade não tendo contactado previamente qualquer órgão do Réu (…). Ou seja, o Presidente da Câmara Municipal ... decide o ato eleitoral no SPORT CLUB X e assim foi: o ato realizou-se por ordens de uma pessoa que não é sócia, que não pertence ao clube e que fez indevido uso do seu lugar político e executivo de Presidente de Câmara para exercer influência num ato eleitoral que não é seu”.
No entanto, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não foi nesses concretos factos que o apelado alicerçou o seu pedido em que o tribunal declarasse a anulabilidade da deliberação da assembleia geral eleitoral de 25/05/2018 (ou seja, como se referiu, na verdade, das duas deliberações nela tomadas), isto é, aqueles factos não constituem a causa de pedir eleita pelo apelado para suportar o pedido anulatório da deliberação de constituição ad hoc da assembleia geral eleitoral no dia 25/05/2018 e da de constituição da respetiva mesa, mas antes, conforme resulta linearmente da simples leitura dos arts. 21º, 23º, 24º,25º, 2º, 27º, 28º e 38º a 53º da p.i., a causa de pedir que o apelado elegeu para suportar esse pedido reside na circunstância de perante a falta do presidente da mesa da assembleia geral e dos restantes membros dessa mesa então em funções, na assembleia geral eleitoral do dia 25/05/2018, ter sido “constituída uma assembleia eleitoral ad hoc, tendo sido decidido supostamente pelos sócios presentes delegar ao presidente da direção do Réu a constituição dessa mesma mesa” decisão essa “prontamente secundada pelos dois sócios que encabeçaram as listas A e C, ali presentes”; de “um conjunto de sócios se disponibilizar para integrar a mesa do ato eleitoral e assegurar o cumprimento dos estatutos”, sem que a ata dessa assembleia refira “quem integrou a mesa do ato eleitoral, que sócios delegaram no presidente da direção a concretização de uma assembleia eleitoral ad hoc, quem votou, o quê, que votação existiu, que constituição da mesa teve lugar, estando o documento apenas assinado pelo presidente da direção e pelos representantes das listas A e C”; “da ata de encerramento consta apenas a assinatura do presidente de direção, tendo os boletins de voto sido ilegalmente rubricados pelos dois candidatos das listas A e C” e por esse ato eleitoral ter tido lugar entre as 16h30m e ter terminado pelas 23h00, “ao contrário do que ficou deliberado na assembleia geral de marcação do ato eleitoral, o qual previu o início do ato eleitoral pelas 17h00 do dia 25/05/2018”, quando nos termos do art. 66º do estatutos do apelante “na falta de quaisquer membros da mesa a assembleia geral nomeará de entre os sócios efetivos presentes os que foram necessários para constituir ou completar a mesa que dirigirá os trabalhos com as mesmas atribuições da mesa eleita”, concluindo o apelante, nos arts. 46º e segs. da petição inicial, que na “AGE de 25/05/2018 sucedeu algo muito distinto: faltaram todos os elementos da mesa e delegaram alguns sócios (não identificados em ata alguma) no presidente da direção, A. R., a constituição de uma mesa eleitoral ad hoc e a mesma ata frisou que um conjunto de sócios se disponibilizou para integrar a mesa do ato eleitoral (sem referir se efetivamente o fez, se a integrou e quem a integrou, e em que funções (…)” e questiona-se “sabendo-se que a mesa da assembleia geral é constituída por um presidente, um vice-presidente, dois secretários e dois vice-secretários, quem ocupou as respetivas funções? Nada consta da ata da abertura…”.
Deste modo, contrariamente ao pretendido pelo apelante, a causa de pedir eleita pelo apelado para suportar o pedido anulatório que deduziu, não se centra na circunstância do Presidente da Câmara Municipal ... ter mandado realizar o ato eleitoral ou de o ter influenciado, sequer esse facto constitui a causa de pedir, mas esta é constituída antes pelos factos que se acabam de elencar.
Destarte, ao não se pronunciar quanto aos factos que o apelado alega, na petição inicial, a propósito da conduta do Presidente de Câmara de Vila Real, é indiscutível que a 1ª Instância não incorreu em qualquer omissão de pronúncia, uma vez que esses factos não fazem parte da causa de pedir (não a integrando) por ele eleita para suportar o pedido anulatório que deduz.
Continua o apelante sustentando que a sentença recorrida padece do vício da nulidade, por omissão de pronuncia, porquanto nela a 1ª Instância não se pronunciou quanto à exceção perentória do abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium que aquele tinha invocado, em sede de contestação, não constando do elenco dos factos nela julgados provados e não provados a facticidade que o mesmo alegou, na contestação, para suportar a enunciada exceção perentória.
Compulsada a contestação verifica-se que nela o apelante invocou efetivamente a exceção do abuso de direito na modalidade de venire factum proprium e que toda a facticidade que por ele foi alegada para consubstanciar essa exceção não consta dos temas de prova elaborados pela 1ª Instância, pelo que a facticidade em causa não fez parte da instrução da causa.
Mais se verifica que a sentença sob sindicância, proferida a 09/03/2020, é totalmente omissa quanto à mencionada exceção perentória do abuso de direito e, bem assim, quanto a toda a facticidade alegada na contestação, para consubstanciar essa exceção, a qual não consta do elenco dos factos julgados provados e não provados (facticidade essa que, como se referiu, porque não consta dos temas de prova, não fez, aliás, parte da instrução da causa).
Porque assim é, é indiscutível que a sentença recorrida, proferida em 09/03/2020, é nula por omissão de pronúncia, porquanto nela a 1ª Instância não se pronunciou sobre a questão da exceção perentória do abuso de direito, na modalidade de venire factum proprium, que tinha sido invocada pelo apelante em sede de contestação com vista a impedir a pretensão do apelado.
Acontece que na sequência do recurso interposto pelo apelante, das alegações de recurso que este então apresentou, em que invoca a nulidade da sentença com fundamento em omissão de pronúncia, por ausência total e absoluta de apreciação da referida exceção perentória do abuso de direito, e das contra-alegações de recurso que então foram apresentadas pelo apelado, no despacho proferido em 25/09/2020, a 1ª Instância pronunciou-se quanto a essa exceção, indeferindo-a, isto é, concluindo pela respetiva improcedência, com o argumento que os “fundamentos aduzidos pelo Réu contendem, exclusivamente, com a matéria vertida nos arts. 60º a 74º da contestação, os quais contemplam circunstâncias linearmente irrelevantes com referência ao objeto do processo (imprestáveis para estribar uma exceção perentória) e meros enunciados genéricos e conclusivos, inidóneos para integrarem a matéria nuclear da ação”.
Ou seja, ao assim decidir, a 1ª Instância supriu o vício da nulidade de que padecia a sentença de 09/03/2020, julgando a exceção improcedente, com fundamento de que toda a facticidade que o apelante alegou na contestação para suportar a exceção em causa é imprestável para o efeito.
Destarte, se a sentença proferida em 09/03 padecia efetivamente do vício da nulidade por omissão de pronuncia, com a prolação da decisão de 25/09/2020, essa invalidade foi suprida, podendo agora essa sentença, integrada pelo despacho de 25/09/2020, que é seu complemento, padecer de erro de direito, caso em função das várias correntes de direito plausíveis a propósito da exceção do abuso de direito, não seja certo que toda a facticidade alegada pelo apelante na contestação não seja suscetível de a ancorar, caso em que perante a circunstância de tais factos não constarem do elenco dos factos julgados provados e não provados e de não serem englobados nos temas da prova, se terá inevitavelmente de anular a sentença e ordenar a ampliação do julgamento da matéria de facto a essa concreta facticidade.
Argumenta o apelante que assim não é, isto porque, com a prolação da sentença de 09/03/2020, ficou imediatamente esgotado o poder jurisdicional da 1ª Instância, pelo que esta já não poderia suprir a nulidade em que incorrera, além de que, em todo o caso, essa nulidade apenas podia ser suprida em sede de despacho de admissão de recurso, o que não é o caso, uma vez que no despacho de 25/09/2020, o tribunal não se pronunciou sobre a admissibilidade do recurso.
A este propósito diremos que apesar de com a prolação da sentença ficar imediatamente esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto à matéria da causa (art. 613º), conforme decorre dos n.ºs 2 e 3 do art. 613º, bem como do disposto nos arts. 614º a 617º, ao juiz é ainda possível retificar erros materiais, suprir nulidade e reformar a sentença nos termos e limites fixados nesses artigos.
Quando a sentença proferida padeça de nulidades e o processo admita recurso ordinário, como é o caso dos autos, as nulidades da sentença têm de ser suscitadas pelo recorrente nas alegações de recurso (n.º 4 do art. 615º), competindo, então, ao juiz que proferiu a sentença apreciá-las, em ato prévio à subida do recurso, mais precisamente quando profere o despacho de admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento (n.º 1 do art. 614º). Porém, quando o juiz supra a nulidade em que incorreu, como é o caso dos autos, essa decisão não assume autonomia, valendo como complemento e parte integrante da sentença recorrida, cujo recurso subirá em termos de incluir no seu objeto o que resultou do incidente (n.º 2 do art. 604º), podendo, nesse caso, o recorrente, no prazo de dez dias, desistir do recuso interposto, alargar ou restringir o respetivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida pela sentença, podendo o recorrido responder a tal alteração, no mesmo prazo (n.º 6 do art. 617º) .
Deste modo, contrariamente ao pretendido pelo apelante, tendo a 1ª Instância suprido, no despacho de 25/09/2020, a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, decorrente de ter totalmente omitido pronúncia quanto à exceção perentória do abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, que tinha sido alegada pelo apelante na contestação, com os concretos fundamentos enunciados naquele despacho (os quais poderão estar inquinados, reafirma-se, de erro de direito), improcede o vício da nulidade da sentença que suscita, isto sem prejuízo de tal como acusa o apelante acontecer, no despacho de 25/09/2020, a 1ª Instância não se ter efetivamente pronunciado (indevidamente) quanto à admissibilidade do recurso.
No entanto, trata-se de um mero argumento formal que não obsta ao que se acaba de concluir.
Na verdade, o despacho proferido em 25/09/2020, em que a 1ª Instância supriu o vício da nulidade da sentença antes proferida, por omissão de pronúncia, foi prolatado após o apelante ter interposto recurso dessa sentença, onde nas suas alegações de recurso imputa o vício da nulidade da sentença por omissão de pronúncia com o mencionado fundamento de ter omitido pronúncia quanto à exceção do abuso de direito que tinha invocado na contestação e, bem assim quando o apelado já tinha apresentados as suas contra-alegações de recurso, pelo que, no caso, encontram-se plenamente salvaguardados os princípios do dispositivo e do contraditório.
Acresce que nos termos dos arts. 617º, n.º 1 e 641º, n.º 1 do CPC, o momento em que foi proferido o despacho de 25/09/2020, era o momento fixado pela lei adjetiva para a 1ª Instância se pronunciar quanto à admissibilidade (ou não) do recurso, pelo que ao não fazê-lo, aquela incorreu numa mera irregularidade processual, inscuscetível de ter qualquer influência no exame ou na decisão da causa (art. 195º, n.º 1) e que, por isso, não pode ser invocada pelo apelante com vista ao afastamento do regime jurídico do art. 617º, n.ºs 1 a 3 do CPC.
Nesta conformidade, improcede o mencionado fundamento de recurso do apelante, não padecendo a sentença sob sindicância de nenhum dos vícios de nulidade por omissão de pronúncia que este lhe assaca (sequer, conforme antes referido, de nulidade por excesso de pronúncia).

B.1.4- Nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão.

Imputa o apelante à sentença o vício da nulidade por pretensa contradição entre os fundamentos de facto e de direito nela explanados para suportar a decisão nela proferida e a própria decisão, argumentando existir contradição entre o que foi decidido na sentença e o que foi decidido no âmbito dos autos de providência cautelar de suspensão de deliberação social que correu termos sob o n.º 1149/18.9T8VRL, mas, como é bom de ver, sem qualquer arrimo jurídico possível.
Lê-se na al. c) do n.º 1 do art. 615º do CPC, que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
O vício da nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão, tem a ver com uma construção viciosa da sentença (despacho ou acórdão), decorrente de existir uma contradição lógica interna entre a decisão proferida e os fundamentos de facto e/ou de direito que na mesma foram invocados para fundamentarem essa decisão, ou seja, o julgador, em sede de subsunção jurídica da factualidade apurada, seguiu determinada linha de raciocínio fáctico-jurídico argumentativo, que aponta para determinada conclusão, mas em vez de tirar essa conclusão, decide noutro sentido, oposto ou divergente.
Trata-se de nulidade que se relaciona, por um lado, com a obrigação imposta pelos arts. 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC e 205º, nº 1 da C.R.P., do juiz ter de fundamentar as suas decisões e, por outro, com o facto de se exigir que a decisão judicial constitua um silogismo lógico-jurídico, em que o seu decisório final deverá ser a consequência ou conclusão lógica da conjugação da norma legal - premissa maior - com os factos - premissa menor.
Ou seja, “os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a sentença, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário”, de modo que “constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada” .
Essa oposição não se confunde, porém, com “o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir” .
Esse vício distingue-se do erro de julgamento em virtude de neste não existir qualquer vício de raciocínio interno do julgador explanado na sentença, mas ou um erróneo julgamento da matéria de facto, por a prova produzida não consentir esse julgamento de facto, mas antes impor outro (error facti), ou por o juiz ter incorrido numa incorreta aplicação das normas aplicáveis ao caso concreto, por este demandar a aplicação de outras, ou por ter incorrido na errónea interpretação das normas efetivamente aplicáveis (error iuris).
Por conseguinte, saber se a decisão de facto ou de direito está certa ou errada, reafirma-se, é erro de julgamento, e não causa de nulidade da sentença, salvaguardando naturalmente aquelas situações excecionais em que a natureza dos vícios que afetam a sentença em sede de julgamento da matéria de facto ou em sede de subsunção jurídica se mostrem de tal modo graves, que redundam em verdadeiros causas de nulidade do tipo elencado no art. 615º do CPC.
O vício da nulidade da sentença por oposição entre a decisão e os fundamentos fáctico-jurídicos nela invocados para fundamentar essa decisão, conforme decorre do que se vem dizendo, tem a ver com a construção viciosa da sentença, acórdão ou despacho, isto é, estes padecem de um vício lógico interno , em que o juiz subsume os factos provados e não provados ao direito que na sua perspetiva seria aplicável, segue determinada linha de raciocínio com vista a extrair a conclusão (a parte dispositiva, isto é, a decisão), mas em vez de tirar essa conclusão, extrai uma outra (por exemplo, toda a lógica de raciocínio seguida na sentença, em sede de subsunção jurídica dos factos apurados e não apurados, aponta para a condenação do réu no pagamento da dívida reclamada pelo autor, mas o juiz, quando vai extrair a conclusão a partir da linha de raciocínio que nela vinha seguindo, de modo contraditório com esse seu raciocínio, decreta a absolvição do réu do pedido).
“Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendida – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real” .
Neste sentido pronunciam-se Abrantes Geraldes e outros, ao escreverem que a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão “ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente” .
Deste modo, definido que está o que se entender pelo vício da nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão, conforme é bom de ver, a pretensa contradição que o apelante imputa à sentença recorrida não se coloca ao nível interno desta, mas antes entre o que nela foi decidido e o que fora decidido num outro processo, mais concretamente, no âmbito de um procedimento cautelar.
Refira-se, aliás, que as decisões proferida no âmbito dos procedimentos cautelares são sempre precárias, por dependentes da decisão a proferir na ação principal de que o procedimento cautelar é dependente e cujo efeito útil visa acautelar (art. 364º, n.º 1 do CPC), e daí que o decidido em sede de procedimento cautelar nenhuma influência tenha no julgamento a realizar nessa ação principal (n.º 3 do art. 364º), dado que ou o que venha a ser decidido na ação principal vai ao encontro do decidido no procedimento cautelar de que aquela é dependente, e então a decisão proferida no âmbito do procedimento cautelar é absorvido pela decisão proferida na ação principal, uma vez esta transitada em julgado, ou há desencontro, e a providência cautelar caduca com o trânsito em julgado da decisão proferida na ação principal (al. c) do n.º1 do art. 373º do CPC).
Logo, entre procedimento cautelar e ação principal de que aquele é dependente, nunca se coloca qualquer questão de contradição e, muito menos, pode existir o vício da nulidade da sentença proferida no âmbito da ação principal por contradição entre os fundamentos de facto e/ou de direito nela aduzidos para suportar a decisão nela proferida e a própria decisão, e o que fora decidido no âmbito do procedimento cautelar, uma vez que o vício da nulidade da sentença por oposição entre fundamentos e decisão, reafirma-se, pressupõe um vício interno da própria sentença (acórdão ou despacho), e nunca a contradição entre o que nela foi decidido e o que fora decidido num outro processo ou no mesmo processo, o que já contende com a exceção dilatória do caso julgado.
Acresce dizer que lida a sentença sob sindicância, verifica-se que os fundamentos de facto e de direito nela explanados (certos ou errados – o que já contende com o erro de julgamento), mostram-se em plena concordância com a decisão nela proferida, não existindo, por conseguinte, qualquer quebra do silogismo judiciário que tem de se afirmar entre o discurso fáctico-jurídico argumentativo nela aduzido pelo juiz (fundamentos) para suportar a decisão anulatória nela proferida e essa própria decisão.
Decorre do que se vem dizendo, improceder o mencionado fundamento de recurso aduzido pelo apelante, não padecendo a sentença sob sindicância de nenhuma das causas de nulidade que lhe são imputadas pelo último, nomeadamente, por pretensa oposição entre os fundamentos e a decisão.

B.2- Do mérito.

O apelado instaurou a presente ação pedindo, além do mais, que se declare a anulabilidade da deliberação da assembleia geral eleitoral do apelante realizada no dia de 25/05/2018, em que tendo sido celebrada transação judicial, homologada por sentença transitada em julgado, no âmbito dos autos de ação de procedimento cautelar n.º 1162/17.3T8VRL, que correu termos no Juízo Local Cível de Vila Real, Juiz 2, intentada por F. C. contra o aqui apelante (Réu), em que ambos os aí litigantes acordaram que os estatutos do apelante seriam revistos e que seriam designadas eleições para os órgãos sociais do apelante, a realizar até ao final de maio de 2018, a assembleia geral do apelante designou essa assembleia geral eleitoral para o dia 25/05/2018, com início pelas 17h00 e termo pelas 23h00.
Acontece que o presidente da mesa da assembleia geral então em funções, J. P., suspendeu essa assembleia geral eleitoral no dia 24/05/2018, mas essa decisão veio a ser suspensa no âmbito dos autos de providência cautelar de suspensão de deliberação social, instaurada pelo mesmo F. C. contra o aqui apelante, que correu termos sob o n.º 1149/18.9T8VRL, do Juízo Local Cível de Vila Real, Juiz 2.
Chegado ao dia 25/05, tendo o referido presidente da assembleia geral então em funções, J. P., bem como os restantes elementos da mesa, não comparecido à assembleia geral eleitoral designada, os associados do apelante presentes declararam “delegar no senhor Presidente da Direção, A. R., do SPORT CLUB X, a constituição de uma assembleia eleitoral ad hoc”, vindo após, um conjunto de associados, declarar disponibilizar-se para integrar a mesa dessa assembleia geral, na sequência do que foram realizadas as eleições nesse dia 25/05/2018, as quais tiveram início às 16h30m e términos às 23h00 desse mesmo dia, vindo a predita mesa, constituída por A. R., a declarar os resultados dessas eleições, de que foi vencedora a lista C.
Deste modo, como acima já enunciado, a deliberação que o apelado pretende que seja anulada, são na verdade duas, a saber: a deliberação da assembleia geral constitutiva da assembleia geral ad hoc e, bem assim, a deliberação que constituiu a mesa dessa assembleia geral ad hoc, na ausência dos elementos da mesa então em funções.
Assim, o entendeu implicitamente a 1ª Instância em sede de sentença recorrida e, a nosso ver, bem, na medida em que é isso que claramente se extrai da petição inicial ser a pretensão anulatória que nela vem deduzida pelo apelado ao formular o pedido constante da alínea A do petitório, e não, conforme pretende o apelante, a anulação da deliberação da assembleia geral que designou o ato eleitoral para o dia 25/05/2018, isto é, a deliberação que o presidente da mesa da assembleia geral então em funções, J. P., veio a suspender no dia 24/05/2018, mas cuja decisão veio a ser suspensa judicialmente, no âmbito dos autos de procedimento cautelar n.º 1149/18.9T8VRL.
Refira-se, aliás, que nos presentes autos as partes não questionam a validade da deliberação da assembleia geral do apelante que designou a assembleia geral eleitoral para o dia 25/05, mas antes, pelo contrário, o apelado, logo no art. 38º da petição inicial, alega que “a assembleia geral eleitoral de 25/05/2018 tinha poderes para eleger os membros dos órgãos sociais, dada a decisão do Proc. 1149/18.9T8VRL”, ilação essa que foi aceite pelo apelante na sua contestação e que vem reafirmada nas suas alegações de recurso.
O apelado impugnou aquela deliberação constitutiva da assembleia geral eleitoral ad hoc e, bem assim, a deliberação de constituição da mesa dessa assembleia geral, alegando que estas violam a lei e os estatutos, na medida em que (para além de outros fundamentos que aduz, nomeadamente, a circunstância do ato eleitoral ter tido lugar no dia 25/05/2018, entre as 16h30m e as 23h00, quando nos termos da deliberação da assembleia geral que designou a assembleia geral eleitoral para o referido dia 25/05, esse ato eleitoral devia decorrer entre as 17h00 e as 23h00), na ata dessa assembleia geral não se identifica quais foram os concretos associados desta que se encontravam presentes na assembleia geral eleitoral do dia 25/05/2018, quais os associados que delegaram no presidente da direção a constituição de uma assembleia geral ad hoc, se essa delegação de poderes foi ou não objeto de votação, quem votou e o quê, e se a constituição da mesa dessa assembleia geral eleitoral ad hoc foi ou não objeto de votação, quem votou e o quê, além de que a ata dessa assembleia também não refere quem integrou essa mesa, sequer quais as funções que os elementos que dela fizeram parte nela desempenharam, quando, nos termos dos estatutos do apelante, a mesa da assembleia geral é constituída por um presidente, um vice-presidente, dois secretários e dois vice-secretários, e na falta destes, incumbe à assembleia geral nomear, entre os sócios efetivos presentes, os que foram necessários para constituir ou completar a mesa, que dirigirá os trabalhos com as mesmas atribuições da mesa eleita.
Na sentença sob sindicância, a 1ª Instância anulou a deliberação constitutiva da assembleia geral eleitoral ad hoc de 25 de maio de 2018 e, bem assim a de constituição da mesa dessa assembleia geral constituída ad hoc, com fundamento de que a “assembleia eleitoral ad hoc postergou o ato eleitoral ordinário designado para o dia 25/05/2018, sendo que a mesa foi presidida pelo Presidente da Direção e incumpriu a imperativa constituição por um vice-presidente, dois secretários e dois vice-secretários”, concluindo que essas “desconformidades atentaram contra os arts. 56º a 62º dos estatutos do réu, pelo que a respetiva deliberação se antolha inexoravelmente inválida, nos termos consignados no art. 177º do CC, postulando-se a procedência do pedido formulado em A), o que induz à inutilidade das pretensões vertida em B) e C)”.
A propósito do assim decidido, dir-se-á que a procedência da pretensão formulada pelo apelado no petitório vertido na petição inicial sob a alínea A), contrariamente ao que decorre de uma interpretação meramente literal daquilo que se escreve na sentença recorrida, quando nela se diz que a procedência do pedido formulado sob a alínea A) da petição inicial “induz à inutilidade (da apreciação) das pretensões vertidas nas alíneas B) e C” do petitório – interpretação literal essa que não é certa -, o que se extrai da interpretação desse excerto é que perante a procedência do pedido formulado pelo apelado na alínea A), isto é, anulada a deliberação de constituição ad hoc da assembleia geral eleitoral do apelante de 25/05/2008 e, bem assim anulada a deliberação constitutiva da mesa dessa assembleia geral, o que significa que as eleições realizadas nesse dia 25/05/2008, não têm qualquer validade jurídica, automaticamente terá a assembleia geral do apelante de designar novo ato eleitoral, uma vez que, declarada a anulabilidade da deliberação da assembleia eleitoral, que determinou a constituição dessa assembleia geral ad hoc em 25/05/2018 e da deliberação constitutiva da mesa dessa assembleia geral eleitoral e, assim, declarada a invalidade do ato eleitoral que teve lugar nesse dia 25/05, daqui resulta automaticamente, como decorrência dessa invalidade das eleições realizadas, a invalidade do ato de investidura dos elementos dos órgãos diretivos do apelante que saíram vencedores dessas eleições inválidas, pelo que outra solução não restará à assembleia geral do apelante que não seja convocar nova assembleia geral eleitoral para eleição dos elementos dos seus órgãos sociais.
Esta é a interpretação a dar àquele segmento da decisão recorrida quando nela se escreve que “a procedência do pedido formulado em A), (…) induz (…) à inutilidade das pretensões vertida em B) e C)” e essa foi indiscutivelmente a interpretação que foi dada a esse excerto pelo aqui apelante e pelo apelado.
Feita esta concretização, incumbe referir que a constituição de uma associação é um ato de vontade de um grupo de indivíduos, que se reúnem (associam), com o fim de exercerem uma atividade de mera fruição, por oposição às atividades lucrativas, prosseguidas pelas sociedades. Para exercer essa atividade, os associados constituintes acordam entre si a constituição de uma entidade autónoma, que é distinta das pessoas que a integram, sendo objeto de direitos e deveres próprios, que não se confundem com os dos seus associados .
O direito de associação encontra-se constitucionalmente consagrado no art. 46º da CRP, entre os tradicionais direitos e liberdades e garantias e, por isso, configura um dos direitos fundamentais do indivíduo, que são inerente à dignidade daquele enquanto pessoa humana e que, inclusivamente, são pré-existentes à própria ideia de Estado, limitando-se a Constituição a reconhecer e a tutelar esses direitos fundamentais originários do indivíduo.
Precise-se que o “primeiro liberalismo recusou a liberdade de associação, por entender, em nome dos princípios, que todos os corpos e associações reduziam a liberdade individual e, por recear, no plano dos factos, as associações dos economicamente mais débeis e, a partir de certa altura, dos trabalhadores”, mas em contrapartida, “como nos povos democráticos todos os cidadãos são independentes e fracos, quase nada podem por eles próprios e nenhum pode obrigar os outros a prestar-lhe o seu concurso, eles cairiam na impotência se não aprendessem a ajudar-se livremente”, acabou o legislador constituinte por reconhecer que nos povos democráticos são as associações que “devem assumir o papel dos particulares poderoso que a igualdade de condições fez desaparecer” .
Como decorrência, a constituição portuguesa de 1836 consagrou, como direito fundamental, o da liberdade de associação, tendo o Código Civil de 1867, colocado o direito de associação entre os “direitos originários” dos cidadãos, definindo-o como “a faculdade de pôr em comum os meios ou esforços individuais para qualquer fim que não prejudique os direitos de outrem ou da sociedade (art. 365º) .
O direito de associação, é antes de mais, de acordo com a CRP, o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, os cidadãos constituírem com outrem associações para qualquer fim não contrário à lei.
Trata-se de um direito fundamental individual, inerente à dignidade da pessoa humana, mas que é necessariamente de exercício coletivo.
O direito de associação, nos termos da Constituição, estende-se a praticamente todas as áreas da vida coletiva, podendo os indivíduos exercer esse seu direito no sentido mais amplo possível, isto é, nas mais diversas áreas da vida em sociedade, seja no campo económico, social, cultural, desportivo, religioso, etc..
O único limite ao direito de associação é que as associações não podem ter por escopo promover a violência ou fins contrários à lei penal, sequer podem assumir fins ou funções próprias do Estado, como a administração da justiça ou a segurança interna, não obstante se admita que as associações possam assumir funções que o Estado prossegue no campo económico, social e cultural, quando os seus fins possam confluir com os do Estado e sem prejuízo do respeito pelo princípio da especialidade que norteia a atividade de todas as pessoas coletivas, de acordo com o qual, cada pessoa colectiva tem de existir para determinados fins, a que correspondem os meios adequados, e não para a prossecução de uma pluralidade de fins.
O direito de associação é um direito institucional, um direito de liberdade das associações instituídas (n.º 2 do art. 46º da CRP), que se traduz “na liberdade de organização e regulamentação interna, sendo os estatutos elaborados por cada associação, observadas as regras gerais da Constituição e da lei sem qualquer dependência de aprovação ou homologação; na liberdade de constituição dos seus órgãos, sendo os seus titulares eleitos pelos associados sem dependência também de aprovação ou homologação; na liberdade de prossecução dos seus fins, sem interferência das autoridades administrativas e ainda sem dependência de autorização ou de aprovação relativamente aos atos dos seus órgãos; na liberdade de filiação e de participação em uniões ou outras organizações de âmbito mais vasto (v.g. federações de institutos religiosos, uniões e confederações sindicais, federações e confederações desportivas), tanto a nível interno como internacional; e na liberdade de extinção ou de dissolução” .
O direito de associação surge nos termos da Constituição como garantia e salvaguarda de outras liberdades individuais, também elas constitucionalmente consagradas e tuteladas, como sejam: a liberdade política, religiosa, sindical, de criação cultural, etc..
Ao consagrar-se o direito de associação como direito fundamental do indivíduo, a Constituição reconhece assim que “a realização da democracia económica, social e cultural passa, pois, necessariamente também por aqui. A democracia participativa é, fundamentalmente, uma democracia associativa” .
Ao nível do direito infraconstitucional, refira-se que o art. 157º do CC estabelece que “as disposições do presente capítulo são aplicáveis às associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados, às fundações de interesses social, e ainda às sociedades, quando a analogia das situações o justifique”.
Deste modo, no que concerne às associações que não tenham por fim o lucro económico dos respetivos associados, mas que são antes associações de fim desinteressado ou altruístico (como é o caso das associações de beneficência, as corporações de bombeiros voluntários, etc.), ou associações de fim ideal, embora interessado ou egoístico (como é o caso das academias literárias ou científicas, das associações desportivas, de recreio, etc.), ou ainda as associações de fim económico, mas não lucrativo (como é o caso de certas cooperativas, das associações de socorros mútuos, das instituições particulares de previdência, etc.), os particulares que decidam fazer uso da sua liberdade associativa, vêm as associações que constituam subordinadas à regulamentação específica dos arts. 157º a 184º do Código Civil .
No que respeita à capacidade de gozo das associações, rege o art. 160º do CC, no qual, em concordância com o comando constitucional, consagra-se o princípio da especialidade em sentido amplo, ao estabelecer-se que a capacidade das pessoas coletivas abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins, com exceção dos direitos e obrigações vedados por lei ou que sejam inseparáveis da personalidade jurídica.
Por outro lado, quanto à constituição das associações, o n.º 1 do art. 167º do CC estabelece que “o ato de constituição da associação especificará os bens ou serviços com que os associados concorrem para o património social, a denominação, fim e sede de pessoa coletiva, a forma do seu funcionamento, assim como a sua duração, quando a associação se não constitua por tempo indeterminado”, acrescentando o seu n.º 2 que “os estatutos podem especificar ainda os direitos e obrigações dos associados, as condições da sua admissão, saída e exclusão, bem como os termos da extinção da pessoa colectiva e consequente devolução do seu património”.
Decorre deste preceito que o contrato de associação, isto é, o ato constitutivo desta e os respetivos estatutos “são as duas peças fundamentais criadoras do substrato da associação, que podem, aliás, reunir-se no mesmo instrumento”, em que “o primeiro lança as bases da associação e os estatutos fixam a sua regulamentação, traçam o seu regimento”, devendo “um e outro exprimir a vontade unânime dos associados” .
Deste modo, no que respeita às associações sem fins lucrativos dos respetivos associados, como é o caso do aqui apelante, que é uma associação desportiva, é a lei e os respetivo contrato constitutivo e estatutos que regulam juridicamente a sua atividade e as relações destas com os seus associados e com os terceiros.
No que respeita à lei, impõe-se referir que entre as normas previstas nos arts. 157º a 184º do Código Civil, umas têm caráter imperativo, pelo que sob pena de nulidade do contrato de associação e/ou dos respetivos estatutos (na parte em que derroguem o regime jurídico imperativo), não podem ser afastadas pelos últimos, enquanto outras têm caráter meramente facultativo e supletivo, o que significa que o regime jurídico nelas estabelecido pode ser afastado pelo contrato de associação e/ou pelos estatutos da associação, pelo que apenas são aplicáveis, a título supletivo, quando o contrato constitutivo da associação ou os respetivos estatutos não regulam expressamente determinada questão jurídica estatuídas nessas normas legais supletivas.
Entre as normas legais imperativas conta-se o n.º 1 do art. 167º do CC, onde se consagra o conteúdo mínimo que tem de constar do contrato constitutivo da associação.
Por sua vez, o n.º 2 daquele art. 167º que versa sobre o conteúdo dos estatutos, conforme decorre do segmento “podem”, tem indiscutivelmente caráter meramente facultativo, pelo que os estatutos da associação podem ou não regular as concretas matérias especificadas nesse n.º 2, as quais podem antes ser reguladas no contrato constitutivo da associação, assim como ambos (contrato e estatutos) podem abster-se dessa regulamentação, caso em que as mesmas serão reguladas pelas normas supletivas constantes dos arts. 157º a 184º do CC ou, em caso de lacuna legislativa, por recurso ao art. 10º do CC, ao CSC.
Quanto ao modo de funcionamento, aponte-se que as associações são imperativamente constituída por uma assembleia geral, e por dois órgãos, que têm de ser necessariamente colegiais, que são: a) a administração e b) o conselho fiscal. Esses dois órgãos, além de serem imperativamente colegiais, têm de ser constituídos obrigatoriamente por um número ímpar de titulares, com o intuito de facilitar as deliberações (arts. 162º, 170º e 171º do CC).
A assembleia geral das associações, tal como acontece nas sociedades comerciais, como o nome indica, é o fórum de todos os associados, o órgão que congrega todos os associados, no qual eles se reúnem para formar as decisões mais relevantes da vida associativa, fixando o CC normas imperativas quanto a determinadas matérias, que são obrigatoriamente da competência material da assembleia geral (sem prejuízo do contrato constitutivo da associação ou os respetivos estatutos, poderem reservar outras matérias para além daquelas, a essa assembleia geral) e quanto ao quórum constitutivo e deliberativo das assembleias gerais.
Assim, nos termos do n.º 2 do art. 172º do CC, são necessária e imperativamente da competência da assembleia geral a destituição dos titulares dos órgãos da associação, a aprovação do balanço, a alteração dos estatutos, a extinção da associação e a autorização para esta demandar os administradores por factos praticados no exercício do cargo.
Com exceção dessas matérias, as quais não podem ser subtraídas, sob pena de nulidade, pelo contrato constitutivos da associação ou pelos respetivos estatutos à competência material da assembleia geral, são ainda da competência da assembleia geral, todas as restantes matérias que nos termos legais ou estatutários não se encontrem reservadas a outros órgãos (n.º 1 do art. 172º)
É ainda da competência da assembleia geral a eleição dos titulares dos restantes órgãos da associação, exceto se os estatutos estabelecerem outro processo de escolha (n.º 1 do art. 170º do CC).
Passando ao quórum constitutivo da assembleia geral, isto é, aquele que tem de se verificar para que a assembleia geral possa validamente funcionar e formar as deliberações para que haja sido convocada, o n.º 1 do art. 175º do CC estabelece imperativamente que a assembleia geral não pode funcionar, em primeira convocação, sem a presença de metade, pelo menos, dos seus associados.
Já quanto ao quórum deliberativo, com exceção de deliberações sobre alterações dos estatutos ou de dissolução da associação (que exige sempre um quórum deliberativo favorável de ¾ dos associados presentes – n.º 3 do art. 175º) e de deliberações sobre a dissolução ou prorrogação da associação (que exige imperativamente o voto favorável de ¾ de todos os associados – n.º 4 do art. 175º), a assembleia geral delibera por maioria absoluta dos votos dos associados presentes (n.º 2 do art. 175º).
Os enunciados quóruns constitutivos e deliberativos da assembleia geral são estabelecidos, sem prejuízo de os estatutos poderem exigir um número de votos superior aos referidos nas regras anteriores (n.º 5 do art. 175º).
Daqui resulta que quer em sede de quórum constitutivo da assembleia geral, quer em termos de quórum deliberativo, os estatutos da associação “não podem, sob pena de anulabilidade das deliberações, prescrever a suficiência de maiorias menos qualificadas do que as exigidas na lei para a deliberação sobre as matérias nela previstas” , podendo antes impor maiorias mais qualificadas do que as prescritas nos n.ºs 1 a 4 do art. 175º.
Revertendo ao caso dos autos, sendo o apelante uma associação desportiva (ponto 1º dos factos provados), como referido, o mesmo encontra-se submetido ao regime jurídico fixados nos arts. 157º a 184º do CC, incluindo às regras imperativas neles estabelecidas.
Conforme já enunciado, está em causa a validade jurídica da deliberação constitutiva da assembleia geral eleitoral ad hoc que teve lugar no dia 25/05/2018 e, bem assim da deliberação constitutiva da mesa dessa assembleia geral.
Essas deliberações foram tomadas na sequência da circunstância de estando designada a assembleia geral eleitoral do apelante para o dia 25/05/2018, a decorrer entre as 17h00 e as 23horas, tendo o presidente da mesa dessa assembleia geral, então em funções, nas vésperas dessa assembleia geral eleitoral, suspenso esta, e tendo essa decisão do presidente da mesa sido entretanto suspensa, no âmbito dos autos de providência cautelar n.º 1149/18.9T8VRL, chegado ao dia 25/05/2018, não tendo comparecido à assembleia geral eleitoral o presidente da mesa e os restantes elementos desta que então se encontram em funções (cfr. pontos 5º, 6º, 7º, 8º e 9º dos factos provados na sentença e teor do doc. n.º 4, junto em anexo à petição inicial), os sócios presentes para a realização do ato eleitoral declararam “delegar no senhor Presidente da Direção, A. R., do SPORT CLUB X, a constituição de uma assembleia eleitoral ad hoc, após o que, um conjunto de sócios não identificados declarou disponibilizar-se para integrar a mesa da assembleia geral, em decorrência do que, iniciou-se o ato eleitoral às 16h30m e terminou pelas 23h00, vindo a predita mesa, constituída por A. R., Presidente da Direção, a declarar os resultados apurados na sequência desse ato eleitoral, de que saiu vencedora a lista C (cfr. pontos 10º, 11º e 12º da facticidade apurada).
A mesa da assembleia geral é um subórgão da assembleia geral que sendo de constituição obrigatória para as sociedades anónimas, não é de constituição obrigatória para as sociedades por quotas, sequer para as associações, mas que pode encontrar-se contratualmente institucionalizado.
No caso do apelante, a constituição desse subórgão da assembleia geral é obrigatória conforme decorre do contrato constitutivo desta e respetivos estatutos.
Na verdade, nos termos do art. 48º dos estatutos do apelante, este é dotado de órgãos diretivos e órgãos consultivos.
São seus órgãos diretivos: a) a assembleia geral, através da mesa da assembleia geral; b) o conselho fiscal; e c) a direção (art. 49º dos estatutos) e são seus órgãos consultivos: a) o conselho geral; e b) o conselho desportivo (art. 77º dos estatutos).
A assembleia geral é composta, nos termos do art. 54º dos estatutos, pela reunião dos sócios efetivos, beneméritos e honorários no pleno uso dos seus direitos e nela reside o poder supremo do Clube, sendo as suas decisões soberanas, obrigatórias e vinculativas.
Deste modo, nos termos dos estatutos do apelante, a assembleia geral é integrada imperativamente pelo subórgão, que é a mesa da assembleia geral, sendo esta obrigatoriamente composta por um presidente, um vice-presidente, dois secretários e dois vice-secretários (art. 61º).
Nos termos desses estatutos, o presidente da mesa da assembleia geral é o mais categorizado representante do clube e tem por atribuições, entre outras: convocar as reuniões da assembleia geral; presidir às sessões da assembleia geral e dirigir os seus trabalhos, mantendo a devida ordem, assistido por dois secretários; assinar, conjuntamente com os secretários as atas da assembleia geral e investir os sócios eleitos na posse dos respetivos cargos (art. 61º, als. a), b) e) e f) dos estatutos).
Logo, dir-se-á que para além do contrato constitutivo do apelante e dos respetivos estatutos cumprirem com a imperatividade prevista nos arts. 162º, 170º a 172º do CC, nos termos do que as associações têm de ser obrigatoriamente compostas por três órgãos: a assembleia geral, a direção e o conselho fiscal, sendo estes dois últimos obrigatoriamente órgãos colegiais, esse contrato e respetivos estatutos prevêem a constituição obrigatória do subórgão da assembleia geral, que é a mesa da assembleia geral, determinando que essa mesa é imperativamente composta por um presidente, um vice-presidente, dois secretários e dois vice-secretários, e determinando que é ao presidente da mesa que incumbe convocar as reuniões da assembleia geral, presidir a essas assembleias e dirigir os trabalhos, mantendo a devida ordem, assistido de dois secretários, incumbindo-lhe, ainda, conjuntamente com os secretários, assinar as atas da assembleia geral e investir os sócios na posse dos respetivos cargos.
Acresce precisar que nos termos do contrato constitutivo do apelante e dos respetivos estatutos, ao vice-presidente da mesa da assembleia geral compete substituir o presidente nas suas ausências ou impedimentos (art. 63º); aos secretários compete assegurar e prover ao expediente da mesa, elaborar e assinar as atas das assembleias gerais e executar os demais serviços administrativos, sob orientação do presidente (art. 64º) e aos vice-secretários compete substituir os secretários nas suas faltas ou impedimentos (arts. 65º).
Nos termos do art. 66º dos estatutos, “na falta de quaisquer membros da mesa, a assembleia geral nomeará de entre os sócios efetivos presentes os que foram necessários para completar ou constituir a mesa, que dirigirá os trabalhos com as mesmas atribuições da mesa eleita”.
Em sede de quórum constitutivo da assembleia geral, os estatutos do apelante, fazendo uso da prerrogativa concedida pelo n.º 5 do art. 175º do CC, estabelecem, no seu art. 58º, que a assembleia geral reunida ordinária ou extraordinariamente, apenas pode funcionar “legalmente em primeira convocação quando à hora marcada estejam presentes 2/3, ou mais, da totalidade dos sócios efetivos” e só poderá funcionar “em segunda convocação, uma hora depois, com qualquer número de presenças, desde que o aviso convocatório assim o determine”, ou seja, esta última possibilidade tem de constar expressamente do aviso convocatório da assembleia geral, sob pena desta exigir sempre um quórum constitutivo de pelo menos 2/3 da totalidade dos associados efetivos para que possa validamente funcionar e deliberar.
Quanto ao quórum deliberativo, os estatutos do apelante, em consonância com o n.º 2 do art. 175º, estabelece que uma vez formado o quórum constitutivo, as deliberações são tomadas em assembleia geral por maioria absoluta dos associados nela presentes, isto é, os quórum deliberativa exige o voto favorável de 50% + um dos associados presentes na assembleia geral.
Posto isto, o apelado sustenta, em sede de petição inicial, que da ata da assembleia geral eleitoral constituída ad hoc em 25/05/2018, não constam identificados quais os associados do apelante que se encontravam presentes, quais os que delegaram no presidente da direção do apelante a constituição de uma assembleia geral eleitoral ad hoc, quais os associados que se disponibilizaram para integrar a mesa dessa assembleia geral eleitoral constituída ad hoc, quem votou e o quê, que votação existiu, que constituição da mesa da assembleia geral teve lugar e quais as funções que os elementos que a integraram nela efetivamente desempenharam, encontrando-se essa ata apenas assinada pelo presidente da direção e pelos representantes das listas A e C, o que é rigorosamente verdade, conforme se extrai do teor dessa ata, junta em anexo à petição inicial, como doc. 5 A, a qual consta apenas do seguinte:
“Aos 25 de maio de 2018, em face da legalidade da convocatório do ato eleitoral para os órgãos do Sport Club X, considerando a não verificação de qualquer circunstancialismo passível de obstar à realização concreta deste ato eleitoral, dada a ausência de mesa da assembleia geral decidiram os sócios presentes, à hora marcada para a realização do ato eleitoral, delegar no senhor Presidente da Direção, A. R. do Sport Club X, presente no local a constituição de uma assembleia eleitoral “ad hoc”.
Decisão prontamente secundada pelos dois sócios candidatos também presentes no local, J. R. (lista A) e F. C. (lista C).
Prontamente um conjunto de sócios se disponibilizou para integrar a mesa do ato eleitoral e assegurar que durante a realização do mesmo os estatutos são cumpridos, a deliberação da assembleia geral é cumprida bem como são observados durante todo o processo eleitoral os mais elementares princípios da participação democrática.
O ato eleitoral teve o seu início às 16.30 horas”.
Em face do exposto, cumpre indagar se no caso de deliberações de órgãos coletivos, como é o caso das associações, a ata é (ou não) de elaboração obrigatória e, sendo-o, qual a natureza dessa formalidade, nomeadamente, se esta consubstancia uma formalidade ad substantiam, se antes uma formalidade ad probationem ou se não comunga de nenhuma dessas naturezas e se é (ou não) legalmente admissível que as partes façam prova de factos, designadamente, deliberações, que tenham sido tomadas por esses órgãos colegiais e que não tenham sido registados em ata e, nesta última hipótese, sobre quem impende o ónus da prova dos referidos factos ou deliberações.
A propósito da obrigatoriedade da elaboração da ata, onde devem ser registadas as deliberações tomadas pelos órgãos coletivos e os aspetos mais relevantes ocorridos nas reuniões ou assembleias desses órgãos, diremos que “em todas as pessoas coletivas que são constituídas por duas ou mais pessoas jurídicas (singulares ou colectivas), e nos respetivos órgãos de composição plural, o processo de formação de uma deliberação, isto é, de um ato que exprime a confluência do maior número de vontades num certo sentido ou de um número de vontades igual ou superior à maioria que corresponda a um mínimo predeterminado” em que a deliberação dos sócios é uma declaração formada pela manifestação de vontade de um conjunto de titulares de participações sociais (no caso de sociedades) ou de associados (no caso de associações), ou dos seus representantes, em que essa declaração é imputável juridicamente à própria pessoa coletiva , é pacifico o entendimento que essas deliberações devem revestir a forma de atas, por força do disposto no art. 63º, n.º 1 do CSC ex vi art. 10º do CC .
Na verdade as razões de segurança e de prova que ditam que nas sociedades comerciais as deliberações nelas tomadas tenham de ser obrigatoriamente reduzidas a escrito em ata, têm plena aplicação às restantes pessoas coletivas, incluindo, às associações, onde igualmente se está perante deliberações de órgãos colegiais.
Já quando uma deliberação de um órgão colegial seja tomada mas não seja documentada em ata ou nesta não constem todos os factos relevantes que presidiram à tomada dessa concreta deliberação, tem-se discutido quais as consequências jurídicas daí decorrentes, o que não tem merecido resposta uniforme na doutrina e na jurisprudência nacional, sequer nas estrangeiras.
Na verdade, enquanto uma corrente defende que a redução da deliberação a escrito em ata consubstancia formalidade ad substantiam, indispensável, por isso, à própria validade da deliberação, pelo que a ata é condição de validade da própria deliberação, uma outra corrente defende que a ata é requisito ad probationem da deliberação, pelo que a prova da deliberação apenas pode ser realizada mediante a apresentação da ata onde a mesma se encontra reduzida a escrito (requisito de eficácia), enquanto uma terceira e última corrente, à qual aderimos, defende que a ata não goza de nenhuma daquelas naturezas, dado que uma deliberação adotada pelos associados em forma apropriada é, apesar da falta de ata, juridicamente existente. A ata não é modo ou meio pelo qual os associados exprimem ou exteriorizam a sua vontade deliberativa, mas apenas um meio certificativo da deliberação tomada, pelo que a falta de ata, não configura formalidade ad substantiam, não inquinando de nulidade a deliberação, sequer vicia o procedimento deliberativo, que fica completo antes e independentemente da narração em ata. A ata também não é requisito ad probationem e, por isso condição de eficácia da deliberação, uma vez que uma deliberação validamente tomada é eficaz desde que a deliberação foi tomada e produziu os efeitos a que se dirigia .
Neste sentido escrevem Alexandre Mota Pinto e outros, na obra infra identificada que “a falta de ata acarreta consequências negativas. Diferentemente, porém, da ineficácia das deliberações. As atas têm essencialmente uma função certificativa. Atestam o que mais releva da atividade deliberativa, promovendo assim maior segurança no funcionamento societário e informação mais certa dos sócios. Nesta linha, mas exagerando, prescreve o n.º 1 do art. 63º que as deliberações dos sócios tomadas em assembleia (e, acrescentando, por voto escrito) só podem ser provadas pelas atas respetivas. A ata particular em livro de atas tem o valor de prova bastante, cedendo perante a contraprova (cfr. art. 346º do CC); a ata em documento particular avulso constitui princípio de prova (art. 63º, 7 do CSC); a ata notarial tem força probatória plena, ilidível com base na sua falsidade (arts 371º e 372º do CC). Se em tribunal for desfeita a força probatória de certa ata e ficar provado ter sido adotada uma deliberação nela não registada, deverá admitir-se como provada para todos os efeitos esta mesma deliberação – apesar dos dizeres do art. 63º, 1 do CSC (…). As deliberações sujeitas a registo não podem ser registadas se não forem comprovadas (em regra) por ata. No entanto, esta impossibilidade de registo funda-se não na ineficácia das deliberações mas na falta de documento comprovativo das mesmas. Por outro lado, tais deliberações são, enquanto não registadas, tão só relativamente ineficazes (inoponíveis a terceiros)” concluindo “Em suma, a ata é meio – substituível – de prova, não condição de eficácia das deliberações. O que ficou dito acerca da falta de ata (não causa de inexistência, invalidade ou ineficácia das deliberações), vale também, no essencial, para a ata notarial (quando devida)… a ata notarial não é forma legal da deliberação nem consta do art. 56º (deliberação nulas), a sua falta não importa nulidade; porque a falta de ata notarial não é vício de conteúdo da deliberação nem do respetivo procedimento deliberativo, não há lugar para a anulabilidade prevista no art. 58º, 1, a)”.
Destarte, segundo esta última posição, a qual subscrevemos, revertendo ao caso dos autos, diremos que não constando da ata da assembleia geral eleitoral constituída ad hoc do apelante (acima transcrita), que teve lugar no dia 25/05/2018, a menção dos associados que se encontravam presentes nessa assembleia geral eleitoral que tinha sido convocada para as 17h00, sequer qualquer menção sobre se a constituição dessa assembleia geral constituída ad hoc, a hora não concretamente apurada (mas necessariamente antes das 16h30m, hora em que, de acordo com o teor dessa ata, se iniciou o ato eleitoral e, por conseguinte, essa assembleia geral constituída ad hoc já tinha necessariamente de estar constituída, assim como a respetiva mesa), foi ou não objeto de deliberação, bem como, tendo-o sido, qual o número de associados presentes (ou seja, nada consta a propósito do quórum constitutivo da assembleia geral), qual o número dos presentes que votaram favoravelmente a constituição ad hoc dessa assembleia geral eleitoral (isto é, nada também consta a propósito do quórum deliberativo), o mesmo se afirmando em relação à constituição da mesa dessa assembleia geral eleitoral constituída ad hoc, em relação à qual a ata é igualmente omissa quanto à circunstância dessa constituição da mesa ter ou não sido precedida de deliberação da assembleia geral, sequer sobre os associados que votaram favoravelmente a constituição da mesa com os concretos elementos que a integraram, quem foram esses elementos, e quais as concretas funções que cada um deles nela desempenhou, essas omissões da ata podem ser supridas mediante recurso a quaisquer elementos de prova legalmente admissíveis, incluindo a testemunhal.
O ónus da prova de tais factos e deliberações não registados em ata, nos termos do n.º 2 do art. 342º do CC, impende necessariamente sobre o apelante, uma vez que é este que pretende prevalecer-se de factos e deliberações que não constam registados na ata da assembleia geral eleitoral constituída ad hoc em 25/05/2018, acima transcrito, com vista a impedir o direito do apelado em ver declarada a deliberação constitutiva dessa assembleia geral ad hoc e a da constituição da respetiva mesa .
De resto, caso assim não fosse, estar-se-ia forçosamente a onerar aquele, como é o caso do aqui apelado (Autor), que confiou na função certificativa da ata e que esta explanava todas as deliberações e factos relevantes ocorridos nas reuniões ou assembleias dos órgãos colegiais, cujos elementos, mais concretamente, no caso, o secretário da mesa da assembleia geral do apelante, tem a obrigação legal (art. 63º, n.º 1 do CSC ex vi art. 10º do CC) e estatutária de elaborar a ata da assembleia geral e de assiná-la, conjuntamente com o presidente dessa mesa (arts. 62º, al. e) e 64º dos estatutos do apelante) e de nela especificar “sem margem para dúvidas as deliberações aprovadas e o número de votos (…) e de documentar os aspetos mais relevantes” ocorridos nessa assembleia geral, com o ónus da prova da não verificação de factos e/ou deliberações apesar destes não constarem da ata e de ser o apelante (demandado) que quer prevalecer-se desses factos para impedir o direito invalidatório exercido pelo demandante, que confiou no teor da ata e a partir daí estruturou a causa de pedir que elegeu para ancorar o pedido invalidatório das deliberações tomadas.
Aliás, semelhante entendimento, para além de violar a regra do ónus da prova estabelecido no n.º 2 do art. 342º do CC e de ir ao arrepio do regime legal estatuído no art. 63º, n.º 1 do CSC e, no caso, ir inclusivamente, ao arrepio do regime estatutário do apelante, que impõe ao respetivo secretário da mesa da assembleia geral a obrigação de elaborar a ata e de assiná-la, conjuntamente com o presidente da mesa, levaria que os direitos dos associados de reagirem contra deliberações nulas ou anuláveis fossem reduzidos praticamente a uma miragem, porquanto a validade das deliberações passaria praticamente a ficar na dependência da vontade da pessoa coletiva demandada, a quem bastaria alegar que a ata não reproduz os atos e/ou as deliberações que efetivamente foram tomadas, mas que esses atos e/ou deliberações foram antes outros (por forma a assegurar a legalidade) e obstar à procedência da ação, não obstante terem sido os seus órgãos que não reduziram esses factos e/ou deliberações em ata.
Destarte, resulta do exposto que, no caso, é sobre o apelante que impende o ónus da prova de que o quórum constitutivo da assembleia geral se encontrava formado quando foi decidido constituir, no dia 25/05/2018 uma assembleia geral eleitoral ad hoc; que a constituição dessa assembleia geral eleitoral ad hoc foi objeto de deliberação e que foi aprovada pelo número de associados necessários à formação do quórum deliberativo; o mesmo se afirmando quanto à deliberação da constituição da mesa dessa assembleia geral constituída ad hoc.
Posto isto, advoga o apelante que apesar de na ata da assembleia geral eleitoral constituída ad hoc constar que “ dada a ausência da mesa da assembleia geral, decidiram os sócios presentes, à hora marcada para a realização do ato eleitoral, delegar no senhor Presidente da Direção, A. R. do Sport Club X, presente no local a constituição de uma assembleia eleitoral ad hoc” e de nela se fazer referência à constituição da mesa dessa assembleia, que a 1ª Instância, ao declarar a anulabilidade da deliberação constitutiva dessa assembleia geral ad hoc e da deliberação constitutiva da respetiva mesa, padece de erro de direito, isto porque não houve constituição de assembleia geral eleitoral ad hoc alguma, na medida em que essa assembleia geral eleitoral já tinha sido designada pela assembleia geral para o referido dia 25/05/2018, a decorrer entre as 17h00 e as 23h00, desvalorizando a circunstância das eleições terem iniciado às 17 horas.
Mais sustenta que apesar do presidente da mesa então em funções, no dia 24/05/2018, ter suspenso essa assembleia geral eleitoral que se encontrava designada para o dia 25/05/2018, entre as 17h00 e as 23h00, essa decisão veio a ser suspensa no âmbito dos autos de providência cautelar n.º 114/19.9T8VRL, concluindo que a assembleia geral eleitoral de 25/05/2018 tinha poderes para eleger os membros dos seus órgãos sociais, facto este que, inclusivamente, é reconhecido pelo próprio apelante (o que é um facto – vide art. 38º da p.i.)
No entanto, todo este argumentário do apelante mostra-se, na nossa perspetiva, destituído de arrimo jurídico.
É um facto que a assembleia geral do apelante, na sequência da homologação da transação lavrada no âmbito dos autos de providência cautelar n.º 1162/17.3T8VRL, designou a realização de assembleia geral para eleição dos elementos dos órgãos sociais do apelante para o dia 25/05/2018, com início pelas 17h00 e termo pelas 23h00 desse mesmo dia (cfr. pontos 5º e 6º dos factos apurados).
Também é um facto que no dia 24/05/2018, o presidente da direção do apelante decidiu suspender esse ato eleitoral (cfr. ponto 8º dos factos apurados), mas essa decisão foi suspensa no âmbito dos autos de providência cautelar n.º 1149/18.9T8VRL (cfr. doc. 4, junto em anexo à petição inicial), e independentemente dessa suspensão, essa decisão do presidente da direção de suspender a assembleia geral eleitoral designada para o dia 25/05/2018, a decorrer entre as 17h00 e as 23h00, é inválida, isto porque, compulsados os estatutos do apelante, verifica-se que o presidente da direção não tinha competência para suspender a deliberação da assembleia geral eleitoral que antes designara a assembleia geral eleitoral para o dia 25/05, a decorrer entre as 17h00 e as 23h00 (cfr. art. 73º§ único do apelante, onde se encontra definida a competência do Presidente da Direção).
A suspensão dessa deliberação da assembleia geral do apelante que designou a assembleia geral eleitoral para o dia 25/05/2018, a decorrer entre as 17h00 e as 23h00, na ausência de qualquer disposição estatutária do apelante que regulasse especificamente essa matéria, de acordo com a norma supletiva do art. 172º, n.º 1 do CC, apenas podia ser deliberada pela própria assembleia geral do apelante, que teria de reunir para o efeito, a requerimento de uma das pessoas previstas no art. 57º dos estatutos.
Destarte, é um facto que como vem diz o apelante, tendo a assembleia geral designado a realização de assembleia geral eleitoral para o dia 25/05/2018, com início pelas 17h00 e termo pelas 23h00 do mesmo dia, essa assembleia geral eleitoral, desde que assim reunida, dispunha efetivamente de poderes para eleger os membros dos órgãos sociais do apelante.
Acontece que como bem sustenta o apelado e resulta da facticidade apurada no ponto 12º da sentença recorrida, no dia 25/05/2018, o ato eleitoral iniciou-se às 16h30m, o que significa que antes das 16h30 reuniu-se necessariamente a assembleia geral eleitoral do apelante, isto é, antes da hora designada para o efeito.
Acresce que antes das 16h30m, do dia 25/05, perante a falta dos elementos da mesa da assembleia geral então em funções, foi eleita a mesa dessa assembleia geral, posto que só uma vez reunida a assembleia geral do apelante e constituída a respetiva mesa podia naturalmente iniciar-se o processo eleitoral.
Ora, ou a assembleia geral eleitoral do apelante reuniu-se no dia 25/05/2018, antes das 17h00 horas (como foi o caso, dado que, conforme referido, esta teve necessariamente de se reunir antes das 16h30m) e deliberou constituir uma assembleia geral eleitoral ad hoc – conforme o teor da respetiva ata aponta ser o caso – e então essa deliberação, assim como a deliberação de constituição da mesa dessa assembleia geral eleitoral constituída ad hoc são necessariamente anuláveis nos termos do art. 177º do CC, por serem violadoras do disposto no art. 57º dos estatutos do apelante e da norma supletiva fixada no n.º 1 do art. 172º do CC, nos termos dos quais estando convocada a assembleia geral eleitoral do apelante para esse dia 25/05/2018, com início pelas 17h00, apenas a assembleia geral do apelante, uma vez convocada, a requerimento dos legitimados identificados no art. 57º dos estatutos (e uma vez cumpridas as formalidades legais e estatutárias fixadas para a convocação dos associados para essa assembleia geral), podia antecipar a hora designada para o início dessa assembleia geral eleitoral (17h00), para a hora em que esta efetivamente se iniciou (o que sucedeu, reafirma-se, necessariamente antes das 16h30m), ou então não houve deliberação alguma da assembleia geral no dia 25/05/2018, determinando a constituição de uma assembleia geral eleitoral ad hoc, e a única deliberação que existiu e ao abrigo da qual a assembleia geral eleitoral do apelante se reuniu e se realizou o ato eleitoral foi a anterior deliberação que designou a realização da assembleia geral eleitoral para o dia 25/05/2018, com início pelas 17h00 e términos pelas 23h00, e todas as deliberações nela tomadas, incluindo a deliberação de constituição da mesa, são igualmente anuláveis, nos termos do disposto no art. 177º do CC, por violação da lei e dos estatutos do apelante.
Com efeito, encontrando-se a assembleia geral eleitoral do apelante designada para o dia 25/05/2018, com início pelas 17h00, apenas a essa hora podia iniciar-se a assembleia geral do apelante, sob pena de violação da deliberação antes tomada e à qual a assembleia geral se auto vinculou de iniciar a assembleia geral eleitoral pelas 17h00.
Acresce que apenas pelas 17h00, podia a assembleia geral verificar se existia ou não quórum constitutivo dessa assembleia.
Igualmente, apenas pelas 17h00 podia a assembleia geral validamente concluir pela ausência (ou não) dos elementos da mesa da assembleia geral então em função e perante a eventual ausência destes (por efetiva ausência daqueles ou por estes se terem, entretanto, demitido – o que é irrelevante para o caso) e uma vez constituído o quórum constitutivo da assembleia geral, recorrer ao regime do art. 66º dos estatutos, de acordo com o qual, perante a ausência dos elementos da mesa então em funções (constatada, reafirma-se, pelas 17h00, o que não foi o caso), competia à assembleia geral nomear, entre os sócios efetivos presentes, os elementos necessários à constituição da mesa, a qual tinha de ser imperativamente composta por um presidente, um vice-presidente, dois secretários e dois vice-secretários (art. 61º dos estatutos).
Tal significa que, perante a ausência dos elementos da mesa, tinha de ser elaborada proposta ou propostas a submeter à assembleia com os nomes dos associados presentes que iriam desempenhar cada uma daquelas funções, para que esta deliberasse e aprovasse (ou não) as propostas apresentadas.
Acresce que para que a assembleia geral pudesse deliberar (a partir das 17h00) quanto à proposta ou propostas de composição da mesa que lhe fossem apresentadas, tinha de existir quórum constitutivo da assembleia geral, o que, reafirma-se, apenas podia ser verificado a partir das 17h00.
Esse quórum constitutivo exigia a presença de, pelo menos, 2/3 da totalidade dos associados efetivos do apelante.
Caso às 17h00 não existisse quórum constitutivo da assembleia geral, tinha-se que aguardar durante uma hora, isto é, até às 18h00m, para que a assembleia geral pudesse funcionar em segunda convocação, sendo o quórum constitutivo desta, então composto pelos associados presentes, contanto que o aviso convocatório dessa assembleia geral eleitoral assim o determinasse (art. 58º dos estatutos do apelante), posto que, de contrário, por ausência de quórum constitutivo, a assembleia geral não podia deliberar quanto à nomeação dos substitutos da mesa da assembleia geral enquanto esse quórum constitutivo não se formasse, isto é, enquanto pelo menos 2/3 da totalidade dos associados efetivos do apelante não comparecessem à assembleia geral.
Finalmente, uma vez formado o quórum constitutivo da assembleia geral, submetida a proposta ou proposta de composição da mesa a deliberação, essa aprovação exigia o voto favorável de pelo menos 50%, mais um, dos associados presentes.
Nada disto, o apelante provou ter acontecido na assembleia geral eleitoral realizada e nada disto consta da ata dessa assembleia.
Destarte, resulta do que se vem dizendo que quer tenha existido uma deliberação em que a assembleia geral decidiu, no dia 25/05/2018 (necessariamente antes das 16h30m), constituir uma assembleia geral eleitoral ad hoc, quer não tenha existido essa deliberação e a assembleia geral eleitoral se tenha reunido em assembleia geral eleitoral, nesse mesmo dia, ao abrigo da deliberação que designou a assembleia geral eleitoral para esse dia 25/05/2018, com início pelas 17h00 e termo pelas 23h00m, todas as deliberações tomadas nessa assembleia geral eleitoral são anuláveis, por serem violadoras das normas legais e estatutárias do apelante acima identificadas, pelo que ao decidir nesse sentido, a sentença recorrida não padece dos erros de direito que o apelante lhe imputa.

Do abuso de direito

O apelante invocou a exceção perentória do abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, com vista a impedir as pretensões anulatórias formuladas pelo apelado na petição inicial.
Conforme acima referido, na sentença sob sindicância, a 1ª Instância não se pronunciou quanto a essa concreta exceção, pelo que incorreu no vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.
No entanto, na sequência do recurso interposto pelo apelante, a 1ª Instância sanou essa invalidade e julgou improcedente a exceção em causa, com o argumento de que toda a facticidade alegada pelo apelante, na contestação, para a ancorar se mostra irrelevante, por ser insuscetível de consubstanciar a mencionada exceção, pelo que resta verificar se de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, assiste razão à 1ª Instância e se a facticidade que vem alegada pelo apelante nos arts. 60º a 82º da contestação, ainda que provada, jamais é efetivamente suscetível de permitir concluir pela procedência dessa exceção ou, se antes, essa decisão padece de erro de direito, o que, a verificar-se, demandará que se tenha de anular a sentença recorrida e determinar a ampliação do julgamento da matéria de facto a essa concreta facticidade, porquanto a mesma não integra os temas da prova que foram elaborados pela 1ª Instância.
Como é sabido, o instituto do abuso de direito encontra-se previsto no art. 334º do CC e visa obtemperar a situações em que a concreta aplicação de um preceito legal que confere um direito subjetivo a uma determinada pessoa, na normalidade das situações, seria ajustado, mas na concreta relação jurídica estabelecida entre credor e devedor, esse reconhecimento revela-se injusto e fere o sentido de justiça dominante .
O instituto do abuso de direito configura, assim, uma válvula de segurança, uma das cláusulas gerais, com que o legislador visa obtemperar a injustiça chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalecente na comunidade social e dar remédio à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico imperante, em que redundaria o exercício do direito por lei conferido a uma determinada pessoa, numa particular situação em que esta o exerce .
No abuso de direito não está em causa a violação de um direito de outrem, sequer a ofensa de uma norma tuteladora de um interesse alheio, mas o exercício anormal do direito por parte do seu titular, uma vez que este o exerce em termos reprovados pela ordem jurídica, na medida em que embora o exerça respeitando a estrutura formal, atentas as particularidades do caso concreto, viola a afetação substancial, funcional ou teleológica do direito em causa .
É assim que o art. 334º do CC estabelece em termos amplos que “é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Deste modo, conforme decorre expressamente desse preceito, os titulares de um direito encontram-se condicionados, no respetivo exercício, aos limites decorrentes da boa fé, dos bons costumes e do fim social e económico do direito que lhes é reconhecido pela ordem jurídica, de modo que quando esses limites sejam ultrapassados, ainda que o exercício do direito seja formal e aparentemente legítimo, não o é material e substancialmente, impondo-se a neutralização desse exercício, declarando-o ilícito, com as consequências de todo o ato ilegítimo, máxime, em sede indemnizatória.
Um dos limites impostos ao titular do direito é a boa-fé. Atuar de boa fé é fundamentalmente a consideração razoável e equilibrada dos interesses dos outros, a honestidade e a lealdade dos comportamentos e, designadamente, na celebração e execução dos negócios jurídicos.
Trata-se de uma cláusula geral de direito privado que cabe às partes observar tanto na conclusão do contrato, como nos seus preliminares, na formação deste (art. 227º do CC), assim como na respetiva execução (art.762º do CC).
A boa-fé configura, assim, um conceito indeterminado que cabe ao intérprete preencher casuisticamente, de acordo com as circunstâncias específicas do caso concreto e as convicções historicamente dominantes em cada momento histórico .
Como é entendimento pacífico, agir de boa-fé significa atuar “com diligência, zelo e lealdade, correspondente aos legítimos interesses da contraparte; é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte, e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar”.
Por sua vez, os bons costumes são as regras morais e de conduta social, generalizadamente reconhecidas, em dado momento, numa determinada sociedade histórica. Trata-se do conjunto de regras de comportamento sexual, familiar e deontológico, que não estando codificadas, são consensuais, pelo menos, nos casos limite, numa determinada sociedade e num dado momento histórico e que, por isso, são acolhidas pelo direito .
O fim social ou económico do direito tem a ver com a configuração real do direito, a apurar através de interpretação. Existem direitos acentuadamente subordinados à prossecução de determinado fim ou fins, como acontece, por exemplo, quanto aos respeitantes ao exercício das responsabilidades parentais. Já noutros, reconhece-se uma maior liberdade de atuação ou decisão ao titular desse direito, como é o caso dos direitos potestativos, direito de propriedade, etc..
Por conseguinte, se um direito é atribuído com um determinado fim, já não existirá direito quando o titular desrespeitar a norma constitutiva daquele, isto é, o fim para que a norma o atribui e reconhece a determinado sujeito.
Saliente-se no entanto, que reconhecendo a ordem jurídica o direito a um determinado sujeito, não é qualquer exercício deste, que se revele contrário aos mencionados princípios, que justifica a sua neutralização com fundamento na cláusula geral do abuso de direito, não bastando, por isso, que no exercício do direito de que é titular o agente viole os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito em causa, mas é necessário que esse violação seja “manifesta”, isto é que, que seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante.
Precise-se que para haver abuso de direito não é necessário que exista por parte do titular a consciência de está a exceder aqueles limites em termos clamorosos, uma vez que a conceção de abuso de direito adotada pelo legislador é a objetiva, não dependendo, por isso, dessa consciência, mas antes das circunstâncias concretas e objetivas em que o exerce, pelo que se estará perante uma situação de abuso de direito sempre que o exercício do mesmo ofenda objetivamente, em concreto, em termos clamorosos, segundo o padrão de um bonus pater familiae, isto é, do padrão de referência de um cidadão médio, que se encontrasse nas situações especificas em que o titular do direito o exerce, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico que subjazem a esse direito, isto sem prejuízo da lei relevar essa consciência.
Com efeito, se é certo que à afirmação do abuso não é necessária a consciência por parte do titular do direito do abuso, essa consciência, quando exista, não deixa de ser um fator relevante para apurar da dimensão desse abuso, mas também para extrair as consequências legais da conduta abusiva, nomeadamente, em termos indemnizatórios, onde, conforme decorre do art. 483º, n.º 1 do CC, não se prescinde da culpa.
Deste modo, conforme decorre do que se vem dizendo, o instituto do abuso de direito pressupõe que a ordem jurídica reconheça um direito àquele que o exerce e assenta, essencialmente, no princípio geral de que “as pessoas devem ter um comportamento honesto, correto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros”, existindo exercício abusivo quando, em termos objetivos, o titular do direito o exerce em termos clamorosamente contrários àqueles valores.
Posto isto, refira-se que a doutrina e a jurisprudência têm identificado como figuras típicas do abuso de direito, no que ao caso presente importa: o venire contra factum proprium, a supressio e a surrectio, e o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas.
Verifica-se a tipologia do abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium quando, de um modo geral, o titular de um direito visa, mediante o exercício deste “extinguir certa relação subjetiva, recorrendo ao direito de anular, resolver, revogar ou denunciar o negócio que lhe serviu de fonte, depois de fazer ver à parte contrária (…) que não exerceria tal direito” .
O venire contra factum proprium traduz por parte do titular do direito uma traição à confiança depositada por aquele contra quem o direito é exercido, decorrente de uma conduta anterior do titular do direito, geradora da confiança legítima por parte do último de que esse direito jamais seria exercido pelo respetivo titular.
Essa modalidade de abuso baseia-se, por isso, na tutela da confiança e exprime a reprovação social e moral que recai sobre aquele (o titular do direito) que assume comportamentos contraditórios, resumindo-se à ideia de que a ninguém é permitido agir contra o seu próprio ato/comportamento, assentando, por isso, o abuso numa estrutura que pressupõe duas condutas por parte do titular do direito, ambas lícitas, ainda que assumidas em momentos temporais distintos, em que a primeira conduta (factum proprium) é contrariada pela segunda (venire contra) .

Segundo Batista Machado, são pressupostos do abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium:

a- a verificação de uma situação objetiva de confiança: a conduta de alguém que possa ser entendida como vinculante em relação a uma situação futura (v.g. mera conduta de facto – nalguns casos mesmo simples passividade -, ou declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz, mas que revele, direta ou indiretamente, a intenção do agente de se considerar vinculado a determinada atitude no futuro);
b- o investimento na confiança e irreversibilidade desse investimento: o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica apenas surgem quando uma contraparte, com base na situação criada, toma disposição ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos, se a sua confiança legítima lhe vier a ser frustrada; e a
c- boa fé da contraparte que confiou: nos casos de divergência entre a intenção aparente do responsável pela confiança e a sua intenção real, a confiança do terceiro ou da contraparte só é merecedora de proteção jurídica se estiver de boa fé (por desconhecer aquela divergência) e quando tenha agido com os cuidados e as precauções usuais no tráfico jurídico” .
Na variante da “supressio” está em causa o decurso de um período de tempo significativo em que o direito não é exercido, suficientemente amplo, de modo a criar à contraparte a legítima e fundada expectativa de que o direito já não seria exercido pelo respetivo titular.
O que distingue a “supressio” da modalidade “venire contra factum proprium” é a ausência de “factum”, isto é, do comportamento anterior por parte do titular do direito, bastando o decurso de tempo significativo sem que o direito seja exercido para, face às circunstâncias específicas do caso concreto, ser criada à contraparte a fundada expectativa de que aquele não mais será exercido.
Deste modo, o comportamento reiteradamente omissivo por parte de quem poderia exercer o direito, seguido, ao fim de um largo período temporal, de um ato comissivo com que a contraparte legitimamente já não contava, constitui abuso de direito na modalidade de supressio.
Nesta modalidade de abuso, protege-se a legítima confiança do devedor que, ao fim de largo período de tempo de silêncio do seu credor, é surpreendido com a demanda que já não esperava .
No entanto, é entendimento maioritário que para que exista abuso de direito na modalidade de supressio, não basta o simples decurso do tempo sem o exercício do direito por parte do respetivo titular, sendo ainda necessário que se apurem factos ou circunstâncias objetivas que, em concreto, justifiquem a legitima confiança do devedor (contra quem o direito acaba por ser exercido) de que o direito já não seria exercido por parte do respetivo titular.
Conforme se pondera no acórdão da Relação do Porto, embora “a não exigência de um direito de crédito (preço) por um prazo de mais de 12 anos pode vir a ser inesperado e até suscetível de criar anteriormente a convicção (confiança) subjetiva de que o direito não será exercido, se os fatores não revelarem qualquer espécie de justificação objetiva para essa confiança, como desenvolvimento de tentativas de indagação razoáveis por parte do devedor confiante, e se não decorrerem dos autos quaisquer factos dos quais se pudesse concluir que para a Ré confiante, decorreu um prejuízo de um anterior “investimento na confiança”, resta a afirmação da jurisprudência de que o simples decurso do tempo sem o exercício de um direito não é suficiente para se poder concluir pelo abuso de direito” .
Deste modo, para que se afirme abuso de direito na modalidade de “supressio”, exige-se, para além do não exercício do direito por parte do respetivo titular durante um longo período de tempo (eminentemente variável, de acordo com as circunstâncias especificas do caso concreto), que se apurem razões concretas e objetivas que justifiquem a legitima expectativa por parte daquele contra quem o direito é exercido de que este já não seria exercido, ou seja, torna-se necessário que do conjunto das circunstâncias presentes no caso concreto se conclua que o credor deu ao devedor a impressão de que não mais faria valer o direito em causa.
Dito por outras palavras, “a realidade social da supressio, que o Direito procura orientar, está na rutura das expectativas de continuidade da auto-representação praticada pela pessoa que, tendo criado, no espaço jurídico, uma imagem de não-exercício, rompe, de súbito, o estado gerado. (…). A supressio pode, pois, considerar-se uma forma de proscrever os comportamentos contraditórios, estando a sua chave na alteração registada na esfera da contraparte, perante o não exercício. Protege-se a confiança desta, em que não haverá mais exercícios; a bitola pode ser procurada no sentido que o destinatário normal daria ao não exercício – art. 236º, n.º 1 do CC” .

Finalmente, quanto à modalidade do abuso de direito por desequilíbrio de posição jurídicas, esta desdobra-se em três hipóteses:

a) o exercício danoso inútil – “é contrário à boa fé – e, como tal, abusivo – exercer os direitos de modo inútil, como objetivo de provocar danos na esfera alheia”;
b) o dolo agit qui petit quod statim redditurus est – “é contrário à boa fé exigir o que de seguida se deva restituir”, e a
c) desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício de outrem – “tal desproporcionalidade, ultrapassados certos limites, é abusiva, defrontando a boa fé” .

Posto isto, nos autos, está em causa a validade jurídica das eleições realizadas no dia 25/05/2018 para os órgãos sociais do apelante, em que, conforme supra demonstrado, foram preteridas as formalidades prescritas na lei e nos estatutos para a realização dessas eleições.
Condição para a salvaguarda do movimento associativo é que os associados se possam exprimir de modo livre, informado e justo e mediante a observância integral dos procedimentos fixados na lei e nos estatutos para que esses associados se possam expressar sobre os destinos futuros da associação, no fórum próprio para o fazerem, que é a assembleia geral.
A exigência de que esses procedimentos legais e estatutários sejam cabal e integralmente respeitados tem de ser particularmente exigente quando se trate de assembleias gerais eleitorais, uma vez que nestas se trata de os associados elegerem aqueles que, em sua representação, hão-de presidir aos destinos futuros da associação e cujos atos se projetam na esfera jurídica desta e, por isso, interferem nos interesses de todos os associados.
Do cumprimento desses procedimentos está dependente não só a legitimidade dos eleitos para estarem à frente dos órgãos da associação e de neles tomarem decisões em representação (em nome) de todos os associados, que se projetam na esfera jurídica desta, bem como a própria representatividade dos associados, os quais naturalmente não podem sentir-se (e não se sentem) representados por quem for eleito em processos eleitorais em que não tenham sido observados, integral e cabalmente, as regras legais e estatutárias fixadas para o procedimento eletivo. Ou seja, quando essas regras não sejam observadas, naturalmente que os representados não se sentem representados, sequer têm os por eles pretensamente eleitos, como sendo seus representantes, sequer estes têm qualquer legitimidade formal ou substancial para se arvorarem em legítimos representantes de todos os associados.
Deste modo, tal como não há democracia representativa sem eleições livres e democráticas, o que exige, desde logo, integral observância de todo o procedimento eleitoral fixado na lei e nos estatutos, uma vez que são essas regras procidementais que garantem a democraticidade do processo eletivo, a sua justeza e liberdade, também não há movimento associativo sem cabal observância de tais regras, mas antes um “simulacro” de movimento associativa, em que a vontade de alguns se impõe à vontade de todos.
No caso presente, conforme referido, a eleições que tiveram lugar no dia 25/05/2018, destinada a eleger os elementos dos órgãos sociais do apelante, postergaram múltiplas disposições legais e estatutárias, estando em crise todo o processo representativo daqueles que foram aí eleitos nessas concretas eleições (eivadas de ilegalidade) para estarem à frente dos órgãos sociais da apelante em representação dos associados desta.
Vale isto por dizer, que ao instaurar a presente ação, colocando em crise as referidas eleições, nas quais foram efetivamente inobservados os procedimentos legais e estatutários prescritos para o processo eleitoral a realizar no apelante, independentemente do móbil que é prosseguido pelo apelado ao instaurar a presente ação anulatória, não está em causa apenas o interesse individual deste, mas o interesse coletivo de todos os associados do apelante, pelo que não se vislumbra como é que a instauração da presente ação por parte do apelado possa configurar uma atuação abusiva daquele, em qualquer uma das modalidades de abuso de direito, por forma a neutralizar-se as consequências anulatórias do referido processo eleitoral decorrente das supra descritas ilegalidades.
Acresce precisar que lidos e relidos os factos alegados pelo apelante nos arts. 60º a 82º da contestação, não se vislumbra como é que tais factos, de acordo com as diversas posições plausíveis de direito possam integrar a exceção perentória do abuso de direito em qualquer uma das suas modalidades, quando se verifica que nenhum desses factos é suscetível de poder ter gerado na esfera jurídica de quem quer que fosse a legitima confiança de que o apelado não iria requerer a invalidação desse ato eleitoral, mas antes o contrário.
Deste modo, abstraindo-nos exclusivamente dos direitos e interesses dos restantes associados do apelante, os quais naturalmente não se podem sentir representados pelos eleitos no referido processo eleitoral inválido, atende-nos exclusivamente à relação do apelado com o apelante e, consequentemente, à materialidade fáctica que vem alegada pelo apelante na sua contestação, diremos que não é pela circunstância do apelado ter feito parte, no passado, dos órgãos sociais do apelante e de ter sido eleito numa lista concorrente daquela que saiu vencedora no ato eleitoral realizado no passado dia 25/05/2018, e de ter deixado essas funções por se ter incompatibilizado com os elementos dessa lista que saíra vencedora em anteriores eleições, por o presidente dessa lista não ter satisfeito a vontade daquele de maior protaganismo e de, entretanto, o apelado se ter aproximado do cabeça de lista que agora saiu vencedora nas eleições de 25/05, incentivando-o a concorrer contra aqueles que eram os seus antigos correligionários e passando a criticar a atuação dos mesmos à frente dos órgãos do apelante, designadamente, na comunicação social e de, entretanto, se ter também incompatibilizado com aqueles de quem se aproximara e cujos listas chegou a integrar em eleições anteriormente realizadas para os órgãos sociais do apelante, quando, na noite de 05/05/2018, teve conhecimento que não iria fazer parte da lista concorrente às eleições de 25/05, passando desde então a criticar os elementos dessa lista que até aí apoiara, incluindo, nos órgãos de comunicação social, que permite concluir que ao intentar a presente ação, o apelado atua em abuso de direito, designadamente, na modalidade de venire contra factum proprium, sequer noutra modalidade quaisquer.
Na verdade, essas pretensas condutas do apelante em nada contendem com o processo eleitoral que teve lugar no dia 25/05, sequer com as ilegalidades que nele foram cometidas.
Acresce que ainda que o apelante mantivesse a sua alegada posição de aliança para com os elementos da lista que saiu vencedora nas eleições de 25/05, nada permitia ao apelante ou a quem quer que fosse concluir que perante as ilegalidades verificadas ao nível desse processo eletivo, o apelante (ou outro(s) associado(s)) não iriam instaurar a presente ação, pedindo fundadamente a invalidação desse ato eleitoral perante as ilegalidades verificadas, em que não só está em crise os interesses individuais do apelado, enquanto associado do apelante (os quais não se confundem necessariamente com os dos eleitos naquele processo eleitoral ilegal, ainda que aliado deles fosse) como está em causa os interesses dos restantes associados e os do próprio apelante.
De resto, diremos que a serem certos os factos alegados pelo apelante a propósito da conduta, passada e presente, do apelado em sede de contestação, levando-o a alterar a sua conduta para com os elementos da lista vencedora no ato eleitoral de 25/05, quando na noite de 05/05 foi informado que não iria integrar a lista que iria concorrer a essas eleições, passando, desde então, a juntar “a sua vontade àqueles que duramente criticou e que faziam parte da anterior direção da Ré, criticando quinzenalmente todo e qualquer aspeto que julga encontrar e que seja, na sua ótica, motivo de exposição pública. Ou seja: faz exatamente aquilo que fazia, sendo que neste caso visa aqueles que via como seus aliados” (arts. 72º e 73º da contestação), não é geradora de qualquer estado de confiança do apelante de que perante as ilegalidades verificadas nas eleições de 25/05, o apelado não iria reagir, instaurando a presente ação, mas antes pelo contrário.
Essa alegada conduta do apelado era fundamento para que o apelante diligenciasse pelo cabal cumprimento dessas normas, uma vez não desconhecia que às eleições iriam concorrer diversas listas, que existiam querelas entre os diversos elementos e apoiantes dessas listas; que essas querelas eram públicas e que, inclusivamente, existiam apoiantes, como era o caso do aqui apelado, que se tinha incompatibilizado com o cabeça de lista de uma dessas listas quando soube que não iria integrar a sua lista às referidas eleições e que a partir daí passou a criticá-lo publicamente, o que tudo era suscetível de gerar a legitima confiança de qualquer observador externo, incluindo do apelante de que, pelo menos, em caso de ilegalidade das eleições do dia 25/05, o apelado não deixaria de reagir.
Logo, dir-se-á que os descritos comportamentos não são aptos a criar no apelante qualquer situação de legitima confiança de que o apelado não iria invocar eventuais ilegalidades que viessem a ocorrer ao nível do processo eleitoral de 25/05/2018, mas antes o que induz é precisamente a convicção contrária.
Quanto à ação alegadamente positiva que os elementos da lista vencedora nas eleições de 25/05/2018 têm desempenhado ao nível dos destinos do apelante e às consequências nefastas que a realização de novas eleições demandará para esses resultados e para a estabilidade do próprio apelante, dir-se-á que esses prejuízos não são naturalmente superiores aos que resultariam do sancionamento de um processo eleitoral eivado de ilegalidades e em que os aí eleitos não são, aos olhos da lei, os legítimos representantes dos associados do apelante, uma vez que não foram eleitos num processo eleitoral isento de ilegalidade e em que, consequentemente, está em crise o direitos fundamental e constitucional de associação. Aliás, como é do conhecimento geral, os bons resultados prosseguidos por aqueles que se arrogam como representantes dos eleitores e o risco de retrocesso para esses bens resultados caso se deixe os representados exprimir as suas vontades em eleições livres e democráticas (o que, reafirma-se, pressupõe necessariamente o cumprimento integral de procedimentos legais e estatutários) tem servido de mote e de justificação, no passado e no presente, para regimes ditatoriais se manterem à frente dos destinos das nações e das instituições, o que naturalmente não é próprio de uma sociedade democrática e participativa, que são valores fundacionais da Constituição da República Portuguesa.
Resulta do exposto que tal como bem ponderou a 1ª Instância (bem), a facticidade alegada pelo apelante na contestação a fim de consubstanciar a exceção perentória do abuso de direito, nunca seria suscetível de a preencher em nenhuma das suas modalidades, não padecendo a decisão recorrida de qualquer erro de direito quando assim decidiu.
Aqui chegados, resulta do que se vem dizendo, improcederem todos os fundamentos de recurso invocados pelo apelante, impondo-se concluir pela improcedência da presente apelação e confirmar a sentença recorrida.
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Decisão:

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a presente apelação e, em consequência:
- confirmam a sentença recorrida.
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Custas pelo apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
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Guimarães, 17 de dezembro de 2020

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:
Dr. José Alberto Moreira Dias (relator)
Dr. António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto)
Dr. José Manuel Alves Flores (2º Adjunto)