Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
570/09.8TAVNF-G.G1
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
CAUSAS DE SUSPENSÃO
NOTIFICAÇÃO DA ACUSAÇÃO
ARTº 120
Nº 1
B) E Nº 2 E
DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/29/2019
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) De acordo com a alínea b), do nº1, do art. 120, a prescrição do procedimento criminal suspende-se durante o tempo em que o procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação, suspensão esta que não pode, porém, ultrapassar 3 anos, cfr. resulta do nº2, do citado art.120º.

II) Ou seja, o prazo prescricional em apreço não corre a partir do dia em que o arguido foi notificado da acusação e até ao trânsito em julgado da decisão final, salvo se este suceder mais de três anos depois daquela notificação, pois então volta a correr decorridos que sejam esses três anos.

III) No sentido de que na contagem do prazo de prescrição há que considerar o mencionado período de três anos subsequente à notificação da acusação, propende a maioria da doutrina e jurisprudência.

III) Nesta específica causa de suspensão a intenção do legislador foi fixar um período razoável e adequado para a conclusão do processo: o legislador, ciente de que com a dedução de acusação se abre uma nova fase do processo penal (instrução ou julgamento), com o consequente diferimento/protelamento do terminus do processo, quis levar em conta esse facto na contagem do prazo de prescrição, tendo em conta o interesse da eficácia penal. Mas não quis permitir o protelamento indefinido da suspensão, como sucedia no domínio do C.Penal de 1886, pelo que, ponderando o interesse da celeridade, limitou esse período a três anos.

IV) Tal intenção foi clara e vem-se mantendo: a suspensão mantém-se após a notificação da acusação e enquanto “estiver pendente” o procedimento criminal, independentemente das vicissitudes pelas quais o procedimento se mantenha pendente - sejam elas decorrentes da tramitação do processo e imputáveis ao tribunal, sejam elas devidas ao comportamento dos sujeitos processuais - sendo que este se mantém pendente desde que se inicia até que termina.

V) A única restrição fê-la o legislador e traduziu-se em estatuir que a suspensão, com o fundamento em apreço, não pode ultrapassar os três anos.

VI) Nesta matéria existe uma ampla liberdade de conformação do legislador, que teve que ponderar entre o interesse da celeridade e o interesse da eficácia na realização da justiça, quanto a este último aspecto procurando obviar às bem conhecidas manobras dilatórias com vista a eternizar a duração dos processos, obstando por meios processuais que os mesmos atinjam o seu termo com o trânsito em julgado das decisões finais.
Decisão Texto Integral:
Desembargadora Relatora por vencimento: Cândida Martinho

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. Relatório

1.
No processo comum 570/09.8TAVNF que corre termos Tribunal da Comarca de Braga Juízo Central Criminal de Guimarães – Juiz 4, em que é arguido F. C., foi proferido despacho em 4/5/2018 que indeferiu o pedido por este formulado de que fosse reconhecida a prescrição do procedimento criminal, declarando-se extinta a sua responsabilidade.
2.
Não se conformando com tal indeferimento, veio o arguido recorrer do despacho, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:

Conclusões:

«A- Primeira causa de prescrição do procedimento criminal
I. O arguido invocou, nos presentes autos, a prescrição do procedimento criminal; sendo, pois, esta a temática que se discute no presente recurso.
II. O juiz a quo decidiu do seguinte modo: "No caso concreto, o último acto de execução do crime, de acordo com os factos provados, remonta a 03.01.2003. Compulsados os autos, com relevância para a decisão, constata-se que o arguido foi constituído como tal no dia 30 de Junho de 2009 (cfr. fls. 137) e foi notificado da acusação por via postal simples, por carta depositada, no dia 10 de Fevereiro de 2011 (cfr. fls. 616). Como bem sublinha o Ministério Público, ocorreram duas causas de interrupção da prescrição do procedimento criminal (em 30 de Junho de 2009 e em 15 de Fevereiro de 2011) e uma causa de suspensão (igualmente em 15 de Fevereiro de 2011, o que significa que, desde a consumação do crime, não decorreu o prazo de 15 anos, descontando neste o prazo de suspensão (3 anos), pelo que não se mostra extinto o procedimento criminal. Pelo exposto decido indeferir o requerido."
III. A fundamentação aduzida pelo arguido no seu requerimento apresentado em 29/04/2018 assentou na interpretação normativa do acórdão do TRP, proferido no processo 0741311, relatado pelo Desembargador Cravo Roxo; e, cujo sumário é o seguinte: "a suspensão da prescrição do procedimento criminal, iniciada com a notificação da acusação, termina com a abertura da instrução ou com a notificação do despacho que designa dia para julgamento".
IV. O acórdão, supra citado, do TRP constitui "acórdão fundamento", segundo o qual - inequivocamente - o procedimento criminal dos presentes autos encontra-se prescrito.
V. A decisão do tribunal a quo assentou, tão só, na apreciação abstracta das datas relevantes, para a apreciação da prescrição do procedimento, a saber: i) data da prática do último acto (supostamente) criminoso (03/01/2003); ii) data da primeira interrupção do procedimento criminal (a constituição de arguido - 30/06/2009), cuja notificação da acusação se verificou a 10/02/2011; iii) data da segunda causa de interrupção da prescrição (notificação do despacho que designa dia para a audiência - 15/02/2011).
VI. O tribunal a quo também aplicou de forma abstracta o desconto de 3 anos, resultante do prazo de suspensão, adicionado aos 15 anos do prazo de prescrição (cfr. art. 118, al. b) e 120º, n.º 2; ambos do C.Penal).
VII. Concedemos que, se a contagem do prazo for efectuada da forma como efectuou o tribunal a quo, o crime (não cometido, mas, aqui em apreço), só prescreveria a 03/01/2021.
VIII. .Mas se aplicarmos - ao caso concreto - o "acórdão fundamento", supra citado, do TRP: "a suspensão da prescrição do procedimento criminal, iniciada com a notificação da acusação, termina com a abertura da instrução ou com a notificação do despacho que designa dia para julgamento"; o procedimento criminal iá se encontra - efectivamente - prescrito.
IX. Segundo o referido acórdão, a suspensão da prescrição tem um início - com a notificação da acusação - e tem um fim, em alternativa: 1) ou, a abertura de instrução; ii) ou, a notificação do despacho que designa dia para a audiência.
X. As regras da prescrição do procedimento criminal foram bastante alteradas na revisão do CPP de 2013; sendo que, esta revisão revelou-se mais desfavorável aos arguidos em geral.
XI. No caso concreto, ter-se-á de aplicar a legislação em vigor, à data da prática dos factos, supostamente criminosos; isto é, a lei substantiva penal que vigorava nos anos de 2002 e inícios de 2003, pois que o último facto foi praticado em Janeiro de 2003 (redação do C. Penal, pela Lei 65/98 de 2 de Setembro).
XII. Se a fonte legal tem de ser aferida pela Lei positiva em vigor à data dos factos (porque mais favorável ao arguido), também é natural que a fonte jurisprudencial seja aquela que, ao tempo, era vigente; razão por que invocamos como "acórdão fundamento", o supra citado acórdão.
XIII. Naquela altura, o art. 117º, n.º 1 do C.P., cuja epígrafe é "prazos de prescrição", na sua alínea b), lia-se o seguinte, depois do proémio: "o procedimento criminal extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do crime sejam decorridos os seguintes prazos: al. b) 10 anos quando se trate de crime a que corresponde a pena de prisão com o limite máximo igual ou superior a 5 anos, mas que não exceda 10." (previsão semelhante à actual).
XIV. O início da contagem do prazo ocorre nos termos do n.º 2 do art. 118º do C.P., alínea b): "nos crimes continuados, ... desde o dia da prática do último acto criminoso" - no caso concreto, 03 de Janeiro de 2003.
XV. O art. 120º, n.º 3 do C.P. (versão da Lei 65/98 de 02 de Setembro), estatui o seguinte (no que tange à interrupção da prescrição): "a prescrição do procedimento criminal terá sempre lugar quando, desde o seu início, e ressalvado o tempo da suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade". (Portanto, são 15 anos, a contar da prática do último facto, ressalvada a suspensão da prescrição).
XVI. Tendo em consideração que o último facto foi praticado no dia 03 de Janeiro de 2003; volvidos 15 anos (art. 120º do C.P., versão da Lei 65/98 de 02 de Setembro), o processo teria prescrito no dia 03 de Janeiro de 2018, ressalvado o prazo de suspensão, conforme a citada Jurisprudência orientadora da interpretação a extrair do referido normativo.
XVII. Na circunstância (seguindo a jurisprudência citada), a "suspensão máxima" durou entre a data da notificação da acusação (cuja carta foi expedida a 09/02/2010, com ref. 2776516) e o despacho de abertura da instrução (o qual ocorreu em 26/05/2010, com ref. 2937121).
XVIII. Nesta conformidade, a suspensão máxima seria de 3 meses e 16 dias.
XIX. Por consequência, e segundo a dita jurisprudência, tendo em consideração que a prática do último acto (supostamente) criminoso, ocorreu a 03/01/2003; adicionando-lhe 3 meses e 16 dias, o procedimento criminal encontra-se prescrito desde 19/04/2018.

B - De qualquer modo e em quaisquer circunstâncias, sempre o procedimento criminal encontra-se prescrito, conforme subsidiariamente infra concluímos.
XX. Conforme, supra referimos, perante o requerimento formulado pelo arguido, o tribunal a quo despachou tal pedido, com um indeferimento e com a argumentação constante no respectivo despacho, objecto do presente recurso.
XXI. O tribunal recorrido, não aceitou a argumentação do arguido, assente no acórdão TRP, proferido no processo 0741311 relatado pelo Desembargador Cravo Roxo, disponível em dgsi.pt.
XXII. Seja como for - em quaisquer circunstâncias - o procedimento criminal encontra-se prescrito.
XXIII. No fundo, a única questão que obstou o tribunal a quo a reconhecer a prescrição do procedimento criminal, foi o facto de ter adicionado, ao prazo de 15 anos, decorrente do art. 121º, n.º 3 do C.P., outro prazo de 3 anos, correspondente ao desconto do cômputo máximo de suspensão da prescrição, até ao trânsito em julgado.
XXIV. Todavia, a interpretação do art. 120º, n.º 3 do C.P. (na versão da Lei 65/98 de 02 de Setembro) terá de ser efetuada para além da (mera) letra, tendo em consideração o elemento teleológico da Lei.
XXV. Prazo de suspensão de 3 anos, que corresponde ao prazo normal considerado razoável para que uma causa seja julgada.
XXVI. Mas, então, devemos proceder a uma interpretação teleológica (e não só baseada no elemento literal da Lei escrita); isto é, compreende-se que se adicione tal prazo de 3 anos, nos casos em que, por razões objetivas - estranhas ao procedimento do próprio processo -, o tribunal teve de despender o referido prazo suspensivo de 3 anos, não tendo podido concluir o julgamento - dentro daquele cômputo do termo de 15 anos.
XXVII. Todavia, o que não podemos aceitar - de modo algum - é que se adicione - o prazo de 3 anos de suspensão do procedimento criminal, ao prazo máximo de 15 anos, quando o julgamento já decorrera dentro do prazo normal dos 15 anos. Pois - cessada a causa (do tempo para julgamento) deve cessar o efeito (contar mais 3 anos).
XXVIII. Se assim não fosse, estaríamos a admitir que uma causa que deixou de ser relevante prejudicaria as regras de certeza e segurança jurídicas, que tutelam direitos fundamentais do arguido.
XXIX. E, realce-se que o arguido nunca contribuiu para uma qualquer "chicana processual" ou atraso dos autos; muito embora tenha encetado uma defesa enérgica, porque se considera injustamente condenado.
XXX. Para atestar o afirmado, o arguido chegou mesmo a consignar nos autos que "não se opunha que o seu processo fosse tramitado em concomitância em 3 instâncias distintas (no STJ, no TRP e na 1ª Instância), tudo com vista a imprimir celeridade processual aos autos" (esta declaração ocorreu por altura do primeiro semestre de 2014); como, aliás, agora ocorre.
XXXI. As circunstâncias factuais que sustentam a afirmação do arguido acham-se descritas nos itens 41 a 77 das alegações; cujos factos foram alegados sem a possibilidade da consulta física dos autos; e, com base em alguns apontamentos pessoais do mandatário principal do processo (Dr. D. F.); e que - com toda a certeza - os Venerandos Desembargadores poderão constatar através da Certidão, requerida pelo arguido, para instruir o presente recurso, tramitado em separado, na qual se indicam as peças processuais que objetivamente demonstram o atraso provocado na tramitação do processo (por mais de três anos).
XXXII. O arguido não pode ser prejudicado, quando ele não foi o causador de tais atrasos processuais, nem houve circunstâncias objetivas - intrínsecas da tramitação processual - que determinassem tal atraso.
XXXIII. O prazo de suspensão de 3 anos justifica-se como sendo o prazo razoável, para que - após o despacho de pronúncia - se realize o julgamento sem prescrição, até ao seu termo. Mas, se se realizou, dentro dos 15 anos - não se justificará "dilatar" tal prazo!
XXXIV. No caso concreto, o prazo normal acrescido de metade, corresponde a 15 anos; logo, o procedimento criminal prescreveu no dia 03/01/2018, porque não se justifica a dilação de prazo de suspensão.
XXXV. Para sustentar esta interpretação restritiva do referenciado artigo, revemo-nos - também - no acórdão proferido no processo 712/00.9JFLSB-Q.L1-3, de cujo sumário respigamos o seguinte:

1 - No Estado Democrático de Direito, é dever estatal e, portanto, do Poder Judicial, conferir a devida eficiência ao Direito Penal, para que possa desenvolver com plenitude a sua missão fundamental de protecção social.
II - Há ao lado do direito fundamental do arguido de se ver julgado em prazo razoável um direito fundamental da sociedade de obter o resultado deste julgamento em prazo que não torne inócua a tutela penal dos bens jurídicos que a incriminação da conduta almeja salvaguardar. A prescrição penal, resultante da demora na persecução penal. (recordamos que o último facto, supostamente criminoso, ocorreu em 03 de Janeiro de 2003).
(...)
IV - A situação do arguido que se vê indiciado e processado por longos anos é aflitiva, pois o próprio processo contempla em si uma pena processual severa...
(...)
VII —A pena aplicada ao cometimento de um tipo legal de crime apresenta um fim de resposta positiva do direito penal à sociedade. A tramitação célere do processo penal, para possibilitar a sua aplicação e execução, representa um interesse relevante do grupo social.
(...)
IX - A demora do processo penal, além dos funestos prejuízos para o arguido, abala a eficiência do Direito Penal, na medida em que frustra os seus principais objectivos, comprometendo a legitimidade social e a credibilidade do Poder Judicial ao disseminar um senso de descrédito na actuação da justiça penal.
(...)
XII - O instituto da prescrição funda-se no princípio da segurança jurídica e traduz instrumento jurídico destinado a reforçar o aspecto preventivo da pena e a evitar a eternização do clamor social em relação à prática delituosa, é a prescrição imprescindível ao Direito Penal de todos os Estados Democráticos de Direito...
XIII - Mais relevante do que o aspecto do "esquecimento" e da "expiação" vale destacar a "perspectiva funcional" do instituto da prescrição, enquanto instrumento tendente a evitar que a pena seja utilizada com fins distorcidos do seu mais importante desiderato que é o "preventivo".
XIV - A prescrição penal é um instituto que se vincula directamente ao direito fundamental ao prazo razoável do processo constitucionalmente reconhecido no nosso sistema.
(…)
XVI - Não pode pairar sobre o arguido a ameaça ad perpetuam do poder repressivo estatal.
XVIII - Aplicando-se uma pena ao arrepio dos postulados preventivos gerais positivos, implica dizer que essa pena é desnecessária e assim sendo reconhecida, a mesma atenta contra a dignidade da pessoa humana e à ordem democrática, servindo então a prescrição como instituto garantista contra o abuso do próprio Estado em executar uma pena na situação descrita.

C - As normas jurídicas violadas

XXXVI. Em resumo: a invocação da prescrição do procedimento criminal, por parte do arguido, assenta na aplicabilidade do art. 119, n.º 2, do C.Penal (versão da Lei 65/98 de 2 de Setembro) e na jurisprudência - mais favorável - aplicável à data da prática dos factos que é o acórdão TRP, relatado por Cravo Roxo, no processo 0741311, de 06.06.2007, disponível em www.dgsi.pt.
XXXVII. O arguido pugna pela aplicação desse artigo, interpretado de forma restritiva, fundando a sua argumentação estribado no acórdão proferido no processo 712/00.9JFLSB-Q..L1-3, do qual respigamos as partes mais relevantes na conclusão XXXIX.
XXXVIII. Se, porventura, o tribunal ad quem não interpretar de forma restritiva – porque a teleologia da norma assim o impõe - o referenciado artigo, conforme supra pugnamos, então, a "norma jurídica" aplicada, com tal extensão objetiva, será inconstitucional, de acordo com o que se acha melhor descrito nos itens 118º e seguintes da motivação.
XXXIX. Pois, ao aplicar-se, então, o artigo 119º, n.º 2 do C.Penal (versão da Lei 65/98 de 2 de Setembro) com o "conteúdo normativo" do despacho recorrido, então tal "norma jurídica", aplicada pelo tribunal a quo, viola - entre outros - o referido dispositivo legal; e, os seguintes princípios constitucionais; e é, por isso, inconstitucional:

a) Princípio do Estado de Direito Democrático, na medida em que viola "o respeito e a garantia de efectivação dos Direitos e Liberdades Fundamentais".
b) Art. 9º, al. b) da CRP, tendo em consideração que não garante "os Direitos e Liberdades Fundamentais e os Princípios do Estado de Direito Democrático".
c) Art. 16, n.º 2 da CRP, tendo em consideração que "os preceitos Constitucionais ilegais, relativos aos Direitos Fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem".
d) Art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, porque "qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável, por um Tribunal independente e imparcial"
e) Art. 18, n.º 2 da CRP, quando dispõe que: "a Lei só pode restringir os Direitos, Liberdades e Garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros Direitos ou interesses constitucionalmente protegidos".
f) Art. 20º, n.º 4 da CRP, quando estatui "todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo".
g) Art. 27º, n.º 1 da CRP, quando prevê que "todos têm direito à liberdade e à segurança".
h) Art. 32º, n.º 2 da CRP, in fine, quando alude que todo o arguido deve "ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa".
i) Violação do "principio da proibição do excesso" - ínsito no art. 2º da C.R.P. Pois que, o adicionamento do referido prazo de 3 anos de suspensão - só é justificável que se tal é imputável ao arguido; se tal prazo ainda está em curso, quando se invoca a prescrição (o prazo de suspensão para efetuar um julgamento, com trânsito em julgado, terminou em 2013).

Termos em que, sempre com o Mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, pelo Tribunal ad quem; e, por consequência, solicita-se que o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães reconheça e declare que o presente procedimento criminal encontra-se prescrito, conforme pugnamos nas motivações; e, agora, nas conclusões reformuladas; pois, só assim se materializará a almejada
JUSTIÇA!

3. O Exmo Procurador da República na primeira instância respondeu ao recurso, concluindo pela sua improcedência.

4. Neste tribunal da Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, o qual se encontra junto aos autos a fls. 263 a 266, concluindo igualmente pela improcedência do recurso.
5.
No âmbito do disposto no art.417º,nº2, do C.P.P., o arguido respondeu a este parecer.
6.
Nos termos do disposto no art. 417º, nº6, al.c), do C.P.P., foi proferida pela Ex.ma Juiz Relatora, em 15/2/2019, a decisão sumária que se encontra junta aos autos a fls. 284 a 294, decisão esta que, dando provimento ao recurso, declarou prescrito, desde 3/1/2018, o procedimento criminal intentado contra o ora arguido.
7.
O Ministério Público, notificado da decisão sumária, veio ao abrigo do disposto nos arts. 417º,nº8 e 105, nº1, ambos do C.P.P., reclamar para a conferência para que sobre o recurso recaia acórdão, face ao aduzido no parecer a que alude o art. 416º,nº1, do C.P.P., cujo teor deu por reproduzido.

8. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º,nº3,al.a), do mesmo código, tendo a reclamação sido apreciada conjuntamente, nos termos do art. 417,nº10, do C.P.P..

II. Fundamentação

A) Delimitação do Objeto do Recurso

Dispõe o art. 412º,nº1, do Código de Processo Penal que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

O objeto do processo define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - arts. 402º,403º e 412º- naturalmente sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso (Cf.Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, VolIII, 1994,pág.340, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição,2009,pág.1027 a 1122, Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 7ªEd, 2008, pág.103).
O âmbito do recurso é dado, assim, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior ad quem, as questões a decidir e as razões que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam.
No caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, a questão a decidir, que é apenas de direito, consiste em saber se decorreu o prazo de prescrição do procedimento criminal instaurado contra o arguido nos presentes autos.

B) Do despacho recorrido

«A fls. 2492 e ss., veio o arguido requerer que seja reconhecida a prescrição do procedimento criminal, declarando-se extinta a sua responsabilidade.

Vejamos.

O arguido foi condenado, por decisão de 22.07.2011 - a qual, ao que é do conhecimento do Tribunal, ainda não transitou em julgado - pela prática de um crime de peculato, p. e p. pelo art. 375º, n.° 1 do CP, na pena de 4 anos de prisão.

Ao crime de peculato cabe, nos termos do preceito citado, pena de prisão de 1 a 8 anos.

Nos termos do disposto no art. 119º, n.° 1, al. b) do CP, o procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido 10 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a 5 anos, mas que não exceda 10 anos.

É, pois, de 10 anos, o prazo de prescrição aplicável.

O art. 120º do CP, sob a epígrafe "Suspensão da prescrição", dispõe que:

"1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:

a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falia de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por feito da devolução de uma questão prejudicial ajuízo não penal,-
b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo,
c) Vigorar a declaração de contumácia; ou
d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência;
e) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.
3 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão."

Já o artigo 121° do mesmo diploma, sob a epígrafe "Interrupção da prescrição", dispõe que

"1 - A prescrição do procedimento criminal interrompe-se:
a) Com a constituição de arguido;
b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo;
c) Com a declaração de contumácia.
d) Com a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido.
2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
3 - A prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a 2 anos o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo,".

Ainda com relevo para a decisão, importa ter em consideração o disposto no art. 119º do CP, que, sob a epígrafe "Início do prazo", estabelece que

"1 - O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.
2 - O prazo de prescrição só corre:
a) Nos crimes permanentes, desde o dia em que cessar a consumação;
b) Nos crimes continuados e nos crimes habituais, desde o dia da prática do último acto, (...)”.

No caso concreto, o último ato de execução do crime, de acordo com os factos provados, remonta a 03.01.2003.

Compulsados os autos, como relevância para a decisão, constata-se que o arguido foi constituído como tal no dia 30 de Junho de 2009 (cfr. fls. 137) e foi notificado da acusação por via postal simples, por carta depositada no dia 10 de Fevereiro de 2011 (cfr. fls. 616).

Como bem sublinha o Ministério Público, ocorreram duas causas de interrupção da prescrição do procedimento criminal (em 30.06.2009 e 15.02.2011) e uma causa de suspensão (igualmente em 15.02.2011), o que significa que, desde a consumação do crime, não decorreu o prazo de 15 anos, descontado neste o prazo de suspensão (3 anos), pelo que não se mostra extinto o procedimento criminal.
*
Pelo exposto, decido indeferir o requerido.»

C) Apreciando

Como supra referimos, está em causa saber se já decorreu o prazo de prescrição do procedimento criminal instaurado contra o arguido nos presentes autos.

Para o conhecimento de tal questão, importa ter presente os seguintes elementos.

- O arguido foi constituído como tal no dia 30 de junho de 2009 e notificado da acusação (esta deduzida em 8/2/2010), por via postal simples, tendo a carta respectiva sido depositada no dia 10 de fevereiro de 2011.
- Foi requerida a instrução, tendo sido proferida decisão instrutória em 05/11/2010, que declarou extinto o procedimento criminal quanto ao crime de abuso de confiança qualificado de que vinha também acusado o arguido, tendo, porém, pronunciado o arguido pela prática do crime de peculato, na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 375º,nº1 e 30º, ambos do C.Penal.
- Remetidos os autos para julgamento foi recebida a pronúncia, por despacho de 17/12/2010 e, nessa sequência, veio a ser designada data para julgamento, a qual veio a ter lugar.
- Em 22.07.2011 foi proferido acórdão que condenou o arguido, pela prática de um crime de peculato, na forma continuada, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 375º, nº 1 e 30º, ambos do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão e, bem assim, no pagamento de quantias às assistentes, acórdão esse que, em face dos elementos conhecidos e disponíveis, ainda não transitou ainda em julgado.
- Resulta do mencionado acórdão, na parte atinente à descrição da factualidade dada como provada que o último ato de execução do crime remonta a 03/01/2003.
O instituto da prescrição compreende, a prescrição do procedimento criminal e da prescrição da pena.
Em ambos os casos, está-se perante um pressuposto negativo de punibilidade: no primeiro caso, a verificação da prescrição impede o prosseguimento do processo, enquanto que no segundo caso, a prescrição obsta à execução da pena em que o agente foi condenado.
O trânsito em julgado da decisão constitui, assim, a fronteira entre aquelas duas formas de prescrição.
Deste modo, se a prescrição respeita a momento anterior ao trânsito em julgado da decisão está-se numa situação de prescrição do procedimento criminal, se for posterior àquele momento estamos perante uma situação de prescrição da pena.

Como refere Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, edição de 1993, páginas 699 e 700, «A prescrição justifica-se, desde logo, por razões de natureza jurídico-penal substantiva (…). Por um lado, a censura comunitária (…) esbate-se, se não chega mesmo a desaparecer» pelo «mero decurso do tempo». Por outro lado, as exigências de prevenção especial (…) tornam-se progressivamente sem sentido e podem mesmo falhar completamente os seus objectivos (…). Finalmente, e sobretudo, o instituto da prescrição justifica-se do ponto de vista da prevenção geral positiva: o decurso de um largo período sobre a prática de um crime ou sobre o decretamento de uma sanção não executada faz com que não possa falar-se de uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitária, já apaziguadas ou definitivamente frustradas».
«Também do ponto de vista processual (…), o instituto geral da prescrição encontra pleno fundamento. Sobretudo (…) na medida em que o decurso do tempo torna mais difícil e de resultados mais duvidosos a investigação (e a consequente prova) do facto e, em particular, da culpa do agente, elevando a cotas insuportáveis o perigo de erros judiciários».

No âmbito do instituto da prescrição do procedimento criminal, importa ter presente as seguintes disposições legais.

Dispõe o art. 118.º, do C.Penal, para além do mais, na redacção anterior à introduzida pela Lei 32/2010, de 2 de setembro, redacção essa que por ser a mais favorável é a aplicável ao caso vertente, que : «1 - O procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos:

a) 15 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for superior a 10 anos;
b) Dez anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cinco anos, mas que não exceda dez anos;
c) Cinco anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos;
d) Dois anos, nos casos restantes.
2 - Para efeito do disposto no número anterior, na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime, mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes.
(…)

Por sua vez, estatui o art. 119.º, n.º 1, do mesmo diploma, que:

«1 - O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.
2 – O prazo de prescrição só corre:
(…)
3 – Nos crimes continuados e nos crimes habituais, desde a prática do último ato.
(…)»

A respeito da suspensão da prescrição, resulta do artigo 120.º, n.º 1, alínea b), do mesmo diploma, que «1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo».

E, em conformidade com o disposto nos artigos 120.º, n.ºs 2 e 6:

“No caso previsto na alínea b) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar 3 anos” (nº2).
“A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão”(nº6).
Ou seja, a prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão, não podendo, contudo, esta ultrapassar três anos quando respeitar à notificação da acusação.
No que tange a causas de interrupção da prescrição, resulta do art. 121º que tal ocorre, para além do mais, com a constituição de arguido (al.a)); com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo (al.b)).
Temos então que, na suspensão, o tempo decorrido antes da verificação da sua causa conta para a prescrição, juntando-se com o tempo decorrido após a mesma ter desaparecido, enquanto que, diversamente, na interrupção, o tempo decorrido antes da verificação da sua causa fica sem efeito, começando a correr novo prazo de prescrição depois de cada interrupção.
Porém, a prescrição do procedimento criminal terá sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvando o tempo da suspensão tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade – art121,nº3, do C.Penal.
Volvendo-nos no caso vertente, temos que em face do ilícito em apreço, punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, o prazo de prescrição (tendo em conta a redacção mais favorável ao arguido) é de 10 anos – cfr. previsto no citado art.118,nº1,b).
Prazo esse para cujo início da contagem ter-se-à de ter em conta a data de 3/1/2003, coincidente com a prática do último ato que integra a continuação criminosa do arguido, de acordo com a factualidade apurada.

Como se referiu na decisão recorrida, no caso vertente, ocorreram duas causas de interrupção da prescrição: uma com a constituição de arguido em 30/6/2009 e outra com a notificação da acusação, ocorrida em 15/2/2011 (tendo em conta que a carta enviada por via postal simples foi depositada em 10/2/2011, a notificação considera-se feita no 5ºdia), datas a partir das quais se reiniciou a contagem do prazo de prescrição de 10 anos.
Ora, desde o mencionado dia 3/1/2003 até à primeira interrupção não decorreram 10 anos, também não decorreu tal prazo de dez anos entre uma e outra causa de interrupção, nem decorreram tão pouco os dez anos desde a última causa interruptiva.
E, se não houvesse, como há, uma causa de suspensão da prescrição, o procedimento criminal até estaria prescrito, porquanto, tendo em conta o mencionado dia, já decorreu, em relação ao mesmo, o prazo normal de prescrição acrescido de metade (15 anos).
Porém, a notificação da acusação constitui também causa de suspensão da prescrição.
Como supra referimos, tal causa decorre da citada alínea b), do nº1, do art. 120, de acordo com a qual a prescrição do procedimento criminal suspende-se durante o tempo em que o procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação (sublinado nosso).
Tal suspensão, nesta situação da notificação da acusação, não pode, porém, ultrapassar, como já referimos, 3 anos, cfr. resulta do nº2, do citado art.120º.
Ou seja, o prazo prescricional em apreço não corre a partir do dia em que o arguido foi notificado da acusação e até ao trânsito em julgado da decisão final, salvo se este suceder mais de três anos depois daquela notificação, pois então volta a correr decorridos que sejam esses três anos.
Ora, tendo em conta o mencionado prazo de 15 anos, ao qual terão de acrescer os três anos da suspensão, concluiu o tribunal a quo que o procedimento criminal ainda não se encontrava prescrito, prescrição que apenas ocorrerá em 3/01/2021.
E bem andou o tribunal a assim concluir.
Concordamos inteiramente com o decidido, nenhum reparo nos merecendo.
Com efeito, ao contrário da posição assumida na decisão sumária e do que defende o recorrente, na contagem do prazo de prescrição há que considerar o mencionado período de três anos subsequente à notificação da acusação - neste sentido, propende a maioria da doutrina e jurisprudência.
Compulsadas as conclusões do recorrente, extrai-se das mesmas que a sua discordância com o decidido pelo tribunal a quo assentou na posição assumida no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6/6/2007, proferido no processo 0741311, relatado pelo Exmo Desembargador Cravo Roxo, de acordo com o qual "a suspensão da prescrição do procedimento criminal, iniciada com a notificação da acusação, termina com a abertura da instrução ou com a notificação do despacho que designa dia para julgamento", posição que, segundo o recorrente, a ter sido seguida pelo tribunal, levaria, inequivocamente, à conclusão de que o procedimento criminal dos presentes autos se encontra prescrito, porquanto, de acordo com tal acórdão, a suspensão da prescrição tem um início - com a notificação da acusação - e tem um fim, em alternativa: 1) ou, a abertura de instrução; ii) ou, a notificação do despacho que designa dia para a audiência.

Aplicando a doutrina de tal acórdão à situação dos autos, concluiu o recorrente do seguinte modo:

- “… a "suspensão máxima" durou entre a data da notificação da acusação (cuja carta foi expedida a 09/02/2010, com ref. 2776516) e o despacho de abertura da instrução (o qual ocorreu em 26/05/2010, com ref. 2937121.
- Nesta conformidade, a suspensão máxima seria de 3 meses e 16 dias.
- Por consequência, e segundo a dita jurisprudência, tendo em consideração que a prática do último acto (supostamente) criminoso, ocorreu a 03/01/2003; adicionando-lhe 3 meses e 16 dias, o procedimento criminal encontra-se prescrito desde 19/04/2018”.

Aduz ainda o recorrente outra argumentação para fundamentar a pretendida prescrição, a qual passa por fazer uma interpretação do citado art.121º,nº3 (e não 120,nº3, como, certamente, por lapso de escrita mencionou), para além da letra da lei, tendo em consideração o seu elemento teleológico. Assim, se o prazo de suspensão de três anos corresponde ao prazo normal considerado razoável para que uma causa seja julgada, tal prazo apenas deve ser adicionado nos casos em que, por razões objectivas - estranhas ao procedimento do próprio processo – o tribunal teve de despender o referido prazo suspensivo de três de anos, não tendo podido concluir o julgamento – dentro daquele cômputo do termo de 15 anos.

Ou seja, segundo o recorrente, não tem sentido adicionar-se o prazo de 3 anos de suspensão do procedimento criminal ao prazo máximo de 15 anos, quando o julgamento já decorrera dentro do prazo normal dos 15 anos – “cessada a causa (do tempo para julgamento), deve cessar o efeito (contar mais 3 anos)”.

Salvo o devido respeito por opinião diversa, cremos que não assiste qualquer razão ao recorrente nos argumentos que invoca para concluir pela prescrição do procedimento criminal.
No que em especial se refere ao entendimento assente no acórdão que invocou, trata-se de uma posição isolada e na qual não nos revemos de forma alguma, porquanto não tem qualquer fundamento na letra e sentido da lei.

Não partilhamos também, com o devido respeito, que é muito, da posição assumida pela Exma colega na decisão sumária que proferiu, atentos os argumentos que iremos passar a expor.

Na verdade, a expressão “ durante o tempo em que o procedimento criminal estiver pendente”, não permite, salvo melhor opinião, outro entendimento que não seja aquele que seguimos e que esteve na base da decisão recorrida.

A seguir-se o sentido vertido no acórdão invocado pelo recorrente ou na decisão sumária, cremos, salvo o devido respeito, que estar-se-ia a ignorar a evolução histórica nesta matéria.

Vejamos:

1 – O art.º 125.º, §4.º, 1.º, do C.P de 1886 já estatuía que “a prescrição do procedimento criminal não corre: 1.º - A partir da acusação em juízo e enquanto estiver pendente o processo pelo respectivo crime”.
Repare-se: “e enquanto estiver pendente o processo”.
Será que da expressão “e enquanto estiver pendente o processo”, poderá extrair-se que a suspensão só operava se houvesse algum obstáculo ao normal andamento?
É óbvio que não e que tal interpretação violaria claramente a letra da lei, até porque não tem nela um mínimo de suporte legal.
A interpretação correta é precisamente de sentido contrário: com ou sem obstáculo ao normal andamento do processo, a partir da acusação a suspensão perduraria enquanto o processo estivesse pendente, ou seja, até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir no processo.
E, note-se, a lei não impunha aqui qualquer limite máximo a tal suspensão.

2 – O art.º 119.º do C.Penal de 1982 veio depois dispor nesta matéria o seguinte:

1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:

a) O procedimento criminal não possa legalmente iniciar-se ou não possa continuar por falta de uma autorização legal ou de uma sentença prévia a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial para juízo não penal;
b) O procedimento criminal esteja pendente, a partir da notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de processo de ausentes;
c) O delinquente cumpra no estrangeiro uma pena ou uma medida de segurança privativa da liberdade.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar 2 anos, quando não haja lugar a recurso, ou 3 anos, havendo-o.”

Esta norma vem na mesma senda da do C.Penal de 1886 mas, note-se, agora a suspensão só se inicia com a notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, e ressalvava-se o caso de processo de ausentes (que era o que podia efectivamente retardar o andamento dos autos!).

Onde está então o obstáculo se o que faz desencadear a suspensão nem é agora, sequer, a simples prolação do despacho de pronúncia ou equivalente (até à sua notificação ao arguido, por exemplo), mas a própria notificação ao arguido que viabiliza o prosseguimento do processo ?

Por outro lado, ao estatuir-se no n.º 2 que o período da suspensão assim fixada não pode ultrapassar 2 anos, se não couber recurso, ou 3 anos, cabendo-o, não estava o legislador a deixar claro que essa suspensão seria de 2 anos após a aludida notificação houvesse ou não obstáculos ao andamento do processo, e que esse período se alargaria para 3 anos havendo lugar a recurso? Mas então, na tese proposta na decisão sumária, não ocorrendo no processo qualquer obstáculo ao seu andamento, mas havendo um recurso como o presente, qual seria o prazo de suspensão a contabilizar?
Em coerência, nenhum, porque um recurso não é obstáculo a nada, é apenas “o normal andamento do processo”!
Ora, é para nós claríssimo que nesse caso o período de suspensão era de 3 anos, por vontade expressa do legislador.

3 - O art.º 120.º do CP vigente, na parte que aqui interessa, dispõe que:

1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.”

Esta norma vem na sequência da norma do C.Penal de 1982 e valem aqui as considerações aí tecidas.

Em suma, a questão a colocar, perante a tese da decisão sumária, é a seguinte: onde está aqui subentendido que a suspensão só ocorre se houver obstáculo ao prosseguimento do processo se o que faz desencadear a suspensão nem é, sequer, a simples dedução da acusação (até à sua notificação ao arguido, por exemplo), mas a própria notificação ao arguido que viabiliza o prosseguimento do processo?

Também a referência feita na decisão sumária à posição expressa pelo Professor Figueiredo Dias nas actas da Comissão Revisora é, no nosso entender, e salvo o devido respeito, descontextualizada.

Com efeito, o exemplo por ele dado na referência ao período da suspensão da prescrição tinha em vista explicar o funcionamento desta numa situação de contumácia, então não prevista como causa de suspensão. E, sintomaticamente, na sequência dessa posição de Figueiredo Dias, o então procurador-geral Cunha Rodrigues defendeu da seguinte forma a tese que viria a ser vertida na redacção final deste preceito:

“Seria desejável, em consequência, que se autonomizasse numa nova alínea a questão da contumácia de forma a que esta se apresentasse de forma mais clara. Ganharia então a lógica de que a suspensão tem na sua base estados (de pendência) e não de actos” (pág. 108 das Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça, 1993)

Clareza mais clara não há!

Ora, esta resenha histórica serve para deixar claro que quanto a esta específica causa de suspensão a intenção do legislador foi fixar um período razoável e adequado para a conclusão do processo.

Ou seja, a intenção do legislador, quanto a nós, foi bem diversa da apontada na decisão sumária e da pugnada pelo recorrente: o legislador, ciente de que com a dedução de acusação se abre uma nova fase do processo penal (instrução ou julgamento), com o consequente diferimento/protelamento do terminus do processo, quis levar em conta esse facto na contagem do prazo de prescrição, tendo em conta o interesse da eficácia penal. Mas não quis permitir o protelamento indefinido da suspensão, como sucedia no domínio do C.Penal de 1886, pelo que, ponderando o interesse da celeridade, limitou esse período a três anos.

Também não concordamos com a invocada inconstitucionalidade mencionada na decisão sumária.

De facto, entendemos que nesta matéria existe uma ampla liberdade de conformação do legislador, que teve que ponderar entre o interesse da celeridade e o interesse da eficácia na realização da justiça, quanto a este último aspecto procurando obviar às bem conhecidas manobras dilatórias com vista a eternizar a duração dos processos, obstando por meios processuais que os mesmos atinjam o seu termo com o trânsito em julgado das decisões finais.

Inexiste pois qualquer dúvida de que a intervenção legislativa vem sendo no sentido de manter a suspensão da prescrição do procedimento criminal até ao trânsito em julgado da decisão condenatória, limitando-a, no entanto, a um certo lapso de tempo.

Cremos também não fazer qualquer sentido, a pretendida interpretação restritiva do citado art. 121º,nº3, no sentido da não aplicação do prazo de três anos quando o julgamento se realiza dentro dos 15 anos a contar da data dos factos.

Tal interpretação almejada pelo recorrente não tem qualquer correspondência com o texto da lei.

Reafirmamos que a intenção do legislador a respeito do preceito legal em apreço foi clara e vem-se mantendo: a suspensão mantém-se após a notificação da acusação e enquanto “estiver pendente” o procedimento criminal, independentemente das vicissitudes pelas quais o procedimento se mantenha pendente - sejam elas decorrentes da tramitação do processo e imputáveis ao tribunal, sejam elas devidas ao comportamento dos sujeitos processuais - sendo que este se mantém pendente desde que se inicia até que termina.

A única restrição fê-la o legislador e traduziu-se em estatuir que a suspensão, com o fundamento em apreço, não pode ultrapassar os três anos.

Como resulta do art. 9 do C.Civil, “não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”(nº2).

Acresce, como resulta do nº3, do mesmo preceito legal que “na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

Não há pois razões para admitir que a intenção do legislador foi outra que não aquela que já mencionamos e que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Finalmente, entendemos que nenhuma razão assiste também ao recorrente quanto à invocada inconstitucionalidade, trazendo à liça, como bem referiu o Exmo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, quase todos os princípios constitucionais.

Como bem referiu também o Exmo Procurador-Geral Adjunto, “Não se pode esquecer que o legislador ordinário dispôs de alguma margem de liberdade, não proibida pela Constituição, na definição das regras da prescrição, não se revelando, em concreto, o estabelecimento do prazo da prescrição, das causas da sua interrupção e de suspensão e, mormente, do prazo máximo desta, medida que contenda com qualquer um dos princípios ou normas constitucionais, face à sua evidente proporcionalidade e ao compromisso, em medida tolerável, com as exigências do estado na perseguição do crime.”

Em reforço do nosso entendimento chama-se à liça o acórdão desta relação, de 3/6/2013, proferido no processo 1037/08.7PBGMR-A-G1, o qual, a respeito da interpretação do art.º 120 n.ºs 1 al.ª b) e 2 do CP - no sentido de que a suspensão da prescrição do procedimento criminal que ocorre a partir da notificação da acusação perdura até ao trânsito em julgado da decisão final, salvo se este ocorrer mais de três anos depois daquela notificação – defendeu que “em nada colide com o disposto no art.º 20 n.º 4 da CRP, pois que a suspensão da prescrição com fundamento na notificação da acusação, pelo prazo máximo de três anos - e independentemente das razões concretas pelas quais o processo não chega ao seu termo e a quem são imputáveis eventuais atrasos - numa altura em que o arguido tem já conhecimento do crime que lhe é imputado e das razões pelas quais o processo se mantém pendente - apresenta-se razoável e conforme com os critérios da necessidade e proporcionalidade, seja porque esse prazo é adequado ao desenvolvimento da tramitação processual desde a acusação até ao trânsito em julgado da sentença, seja porque da suspensão do prazo durante esse período, de acordo com os critérios da razoabilidade, não resultam prejudicadas, de modo desproporcionado, as garantias do arguido a um julgamento em prazo razoável (neste sentido pode ver-se, v.g., o acórdão deste tribunal de 3.12.2103, in www.dgsi.pt).
Em face de tudo o exposto, sem necessidade de mais considerações, julga-se pois improcedente o recurso do arguido.

III. Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido F. C., mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4UC (art.513º,nº1, do C.P.P.).

(Texto elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários – art.94º,nº2, do C.P.P.)
Guimarães, 29/4/2019

Voto vencida por entender que o procedimento criminal imputado ao arguido prescreveu em 03/01/2018, como deixei dito na decisão sumária que precedeu o presente acórdão e que retomo no voto que agora expresso, com os fundamentos que a seguir exponho.

No instituto da prescrição previsto na lei distingue-se a prescrição do procedimento criminal da prescrição de penas, começando esta, quando aquela termina.

Em ambas as vertentes da prescrição (do procedimento criminal e das penas) encontramos causas de suspensão e interrupção da contagem do prazo de prescrição. Mas qualquer que seja vertente, o entendimento que lhe subjaz é o mesmo: a pretensão punitiva do Estado deixa de fazer sentido quando sobre os factos decorre tanto tempo que torna desnecessária, ou despropositada, a tutela penal.
É que, praticado o ilícito penal, nasce para o Estado, em nome da sociedade, o direito de punir o infrator, mas este direito está condicionado ao tempo. E isto porque o instituto de prescrição funda-se no princípio da segurança jurídica e traduz um instrumento destinado a reforçar o aspeto preventivo da pena e a evitar a eternização do clamor social em relação à prática delituosa. Se o decurso do tempo não permite que se consagre este fim, passa a pena a ser desnecessária, pois assume uma feição meramente retributiva, incompatível com os ideais do Estado de Direito Democrático e com o valor supremo que é a dignidade da pessoa humana ( Cfr. Ac. RC de 14.12.2011 in www.dgsi.pt).

É por isso que não pode o Estado permitir que paire sobre o arguido ad perpetuam a ameaça do poder repressivo.
Ora, como atrás se disse, durante o prazo de prescrição do procedimento criminal ocorrem, ou podem ocorrer, circunstâncias que o fazem interromper ou suspender.
E assim, ocorre interrupção da prescrição do procedimento criminal quando a pretensão punitiva do Estado e as suas exigências de punição são confirmadas através de certos atos de perseguição penal (constituição do arguido, notificação da acusação, do despacho de pronúncia ou notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo, declaração de contumácia, notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido) – cfr. F. Dias in Direito Penal Português Consequências Jurídicas do Crime – Aequitas Editorial Notícias, § 1142, página 708.
Ocorre suspensão da prescrição do procedimento criminal quando têm lugar determinados eventos que excluem a possibilidade do procedimento se iniciar ou continuar. Uma vez eliminado o obstáculo, isto é, cessada a causa da suspensão o resto do prazo de prescrição deve voltar a correr (Ob cit §1149, página 711).
Nos presentes autos a data a ter em conta relativamente aos factos ilícitos que sustentam a pronúncia (que remete para a acusação) remonta a 03/01/2003. E é esta a data a considerar para a contagem do prazo de prescrição, porque este começa a correr desde o dia da prática do último ato criminoso (isto é, do último ato parcial no caso do crime continuado), conforme resulta da alínea b) do nº 2 do artigo119º do Código Penal.
O crime de peculato, punido com pena de prisão de 1 (um) a 8 (oito) anos, prescrevia, na redação do artigo 118º do Código Penal aplicável aos autos (anterior à introduzida pela Lei 32/10 de 2.9), porque mais favorável ( artigo 2º nº 4 do Código Penal) - no prazo de 10 (dez) anos (artigo 118º, nº 1, alínea b)).
Posto isto, há, então, que ver agora as causas da interrupção e suspensão a ter em conta.
A primeira causa de interrupção da prescrição (artigo 121º, nº 1 a) do Código Penal) ocorre com a constituição de arguido em 30/06/2009. Nesse momento haviam decorrido sobre os factos em apreço 6 (seis) anos, 5 (cinco) meses e 27 (vinte e sete) dias, mas reinicia-se aí a contagem do prazo de prescrição de 10 (dez) anos, com o limite de mais metade do prazo inicial (artigo 121º, nº 3 do Código Penal), isto é, até 15 (quinze) anos.
A segunda e última causa de interrupção da prescrição ocorre com a notificação da acusação (artigo 121º, nº 1 alínea b) do CP) em 11/02/2010 (fls 216). De novo recomeça, nesta data, a contagem do prazo de prescrição de 10 anos com o limite de 15 (quinze) anos, como atrás se disse.
Segue-se o requerimento de abertura de instrução entrado nos autos em 08/03/2010, o qual, contudo, não tem a virtualidade de interromper o decurso do prazo de prescrição, (embora haja quem entenda que tem relevância para a contagem do prazo de prescrição - cfr Ac. RP de 06/06/2007).

Para além destas causas de interrupção, há agora que ver se ocorreram nos autos causas de suspensão da prescrição do procedimento criminal.

Dispõe o atual artigo 120º do Código Penal que:

1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:

a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal;
b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;
c) Vigorar a declaração de contumácia;
d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência;
e) A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado;
f) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar três anos.
3 - No caso previsto na alínea c) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição.
4 - No caso previsto na alínea e) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar 5 anos, elevando-se para 10 anos no caso de ter sido declarada a excecional complexidade do processo.
5 - Os prazos a que alude o número anterior são elevados para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional.
6 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.

A atual redação do artigo 120º foi introduzida pela Lei 19/2013 de 21/02.

Nela se prevê como causa de suspensão (artigo 120º, nº 1 alínea e) do Código Penal) que a sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transite em julgado.

Trata-se de uma causa não aplicável aos autos, uma vez que na data dos factos - e até na data em que foi proferido o acórdão condenatório - ela ainda não existia no ordenamento jurídico, resultando, portanto, mais favorável a redação da lei vigente no momento da prática de facto punível, razão pela qual por ela se opta (artigo 2º, nº 4 do Código Penal).

A redação do artigo 120º do Código Penal, em vigor à data da imputada prática dos factos, que prevê as causas de suspensão que se terá de ter em conta é a seguinte:

1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:

a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falia de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por feito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal;
b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo,
c) Vigorar a declaração de contumácia; ou
d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência;
e) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.
3 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.

De entre todas as causas de suspensão interessa-nos apenas a que consta da alínea b) do nº 1 do artigo 120º do Código Penal, uma vez que é a única cuja aplicação é equacionável nestes autos.
Entende a posição que fez vencimento, tal como o entendeu a decisão recorrida que, na contagem do prazo de prescrição, há que considerar um período de suspensão de 3 (três) anos, razão pela qual não decorreu ainda o prazo máximo de 15 (quinze) anos, previsto para o crime em apreço.
É, pois, na interpretação deste período de 3 (três) anos que reside o fulcro da questão.
Há efetivamente quem defenda - aliás a generalidade da jurisprudência - que o período de suspensão do procedimento criminal a ter em conta subsequente à notificação da acusação se prolonga por 3 (três) anos.
Conhecemos apenas duas vozes discordantes: a do acórdão da Relação do Porto de 22/03/2000, relatado pelo Exmo Desembargador Correia de Paiva e a do acórdão da Relação do Porto de 06/06/2007 relatado pelo Exmo Desembargador Cravo Roxo (embora nesta situação seja defendido o entendimento de que a suspensão do procedimento criminal ocorrida com a notificação da acusação termina com a abertura de instrução ou a notificação do despacho que designa dia para a audiência).
A análise da questão impõe que se recorde o que deve entender-se por causa de suspensão do procedimento criminal.
Sirvamo-nos dos ensinamentos de F. Dias ob cit § 1149: “O instituto da suspensão da prescrição – uma novidade introduzida pelo artigo 119º do Código Penal de 1982 no direito penal português – radica na ideia seguindo a qual a produção de determinados eventos, que excluem a possibilidade de o procedimento se iniciar ou continuar, deve impedir o decurso do prazo de prescrição. Uma vez eliminado o obstáculo – isto é, uma vez cessada a causa de suspensão – o resto do prazo de prescrição deve voltar a correr (artigo 119º, nº 3)”( sublinhado nosso).
Quando foi proferida esta lição pelo eminente Professor a redação da alínea b) do nº 1 do artigo 119º não coincidia com a posterior redação da alínea b) do nº 1 do artigo 120º. Mas já ele chamava a atenção (§1151) para a necessidade de vir a ser dada nova redação à referida alínea b), o que veio efetivamente a acontecer.
É, então, recordemo-la, a redação do artigo 120º, nº 1, alínea b) a ter em conta na apreciação destes autos.

Artigo 120º:

1- A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
(…)
b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo.
(...)
É na expressão “estiver pendente” que se concentra a controvérsia.
A generalidade da jurisprudência interpreta tal expressão dando-lhe o sentido comum, literal, da linguagem não jurídica. Pendente é interpretado como algo que se mantém no tempo. E nesta conformidade, mantendo-se o processo como, literal e obviamente, se mantém após a acusação, a contagem do tempo pararia durante 3 (três) anos.
Só que tal interpretação olvida completamente o que deve entender-se por causa da suspensão. Causa da suspensão, já o vimos, é o obstáculo que impede o procedimento de continuar (“uma vez eliminado o obstáculo, o resto do prazo de prescrição deve voltar a correr” -F. Dias ob cit § 1149, página 711).
(Para melhor se perceber este entendimento veja-se o tipo de obstáculos que estão previstos nas demais alínea desse artigo 120º do Código Penal: o procedimento criminal não poder iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal; vigorar a declaração da contumácia; a sentença não poder ser notificada ao arguido julgado na ausência; o delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas de liberdade).
Cessado o obstáculo, isto é, a causa de suspensão, diz o nº 3 do artigo 120º, do Código Penal - recomeça a contagem.
É evidente que não se ignora a razão pela qual o entendimento de acrescentar 3 (três) anos aos prazos previstos de prescrição do procedimento criminal tem sido adotado: a morosidade dos processos. Mas o prazo de prescrição fixado pelo legislador não pode ser usado para fazer face aos esquecimentos dos processos nas “secretarias sem serem levados ao conhecimento do individuo” (cfr. Atas e Projeto da Comissão de Revisão do Código Penal, Ministério da Justiça, 1993, 107).
Ora, nos presentes autos, após a notificação acusação, não ocorreu nenhum obstáculo que impedisse o processo de prosseguir. Os autos continuaram com a abertura de instrução, depois com a remessa para julgamento após decisão instrutória e depois com a prolação de acórdão. Não há, pois, motivo para considerar, como resulta do despacho recorrido, que o processo teve um obstáculo e por isso ficou parado durante 3 (três) anos ( maxime a partir de fevereiro de 2010) e só depois se retomou a contagem.
Interpretar a lei de outro modo, interpretação que, obviamente, se respeita mas da qual se discorda, é esquecer a verdadeira noção da causa de suspensão – algo que impede o processo de prosseguir (“obstáculo”). Ora, se o processo se desenvolve, não se percebe onde está o “obstáculo” que possa ser identificado como causa de suspensão. É que importa não esquecer que a notificação da acusação é causa de interrupção da prescrição do procedimento criminal ( art. 121 nº 1 b) do CPP).
Veja-se, aliás, o exemplo dado pelo Senhor Professor Figueiredo Dias a propósito de como interpretar a suspensão da prescrição do procedimento criminal após a notificação da acusação (Ata nº11 de 16/06/89, ob cit, 107): “Um indivíduo foi acusado e considerado notificado. Tal facto origina a interrupção. Só que ele encontra-se no estrangeiro e não vem ao país. Então como o processo está pendente, o prazo suspende-se pelo período de 3 anos, findo o qual continuará a correr (...)”.
Se colocarmos estas afirmações na realidade processual do tempo (só a partir da revisão do Código de Processo Penal operada pelo DL 59/98 de 20/09 e, posteriormente, pelo DL 320-C/2000 de 15/12, se passaram a realizar julgamentos na ausência do arguido, com os contornos permitidos após a revisão constitucional de 1997) – facilmente verificamos que a “pendência” a que se refere a alínea b) do nº 1 do artigo 120º do Código Penal pressupõe que o processo não corra por estar impedido de seguir os seus normais e ulteriores termos. E não se afigura correto afirmar que o exemplo dado pelo eminente Professor apenas serve para as situações de contumácia, porque ele distingue claramente as duas realidades ao acrescentar “ sendo contumaz, a suspensão permanece”.
Assim sendo, considerando que sempre que ocorreu uma causa de interrupção da contagem da prescrição do procedimento criminal, recomeçou a contagem do prazo de 10 (dez) anos (artigo 121º, nº 2 do Código Penal), mas que, na contagem, desde esses recomeços (em 30/06/2009 e 11/02/2010), não pode ser ultrapassado o prazo normal de prescrição acrescido e metade (10 + 15 anos), temos que concluir que o procedimento criminal se encontra prescrito desde 03/01/2018, e assim deveria ter sido declarado.
Sustenta este entendimento que acabámos de expor o disposto no artigo 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa que estatui que todos têm direito a que a causa em que intervenham seja objeto de discussão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
Ora, 15 (quinze) anos é, para este concreto crime, um prazo mais que razoável para que o processo seja tramitado e julgado definitivamente.
Por outro lado, diz o artigo 32º, nº 2 da mesma lei fundamental que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.
Assim sendo, afigura-se inconstitucional a interpretação de quem entende que a partir da acusação pode o prazo prescricional ficar parado (“pendente”) durante 3 (três) anos ao abrigo de uma “suspensão”, de um obstáculo inexistente.
É evidente que se afigura lamentável que uma decisão proferida em 2011, não tenha sido executada. É, também, evidente que foi por situações semelhantes à que está em apreciação nos autos que foi acrescentada ao nº 1 do artigo 120º do Código Penal a atual alínea e), pela Lei 19/2013 de 21/02., mas tal irreleva para a apreciação da concreta questão sobre a qual agora nos debruçamos, dado não lhe ser aplicável.
Em conclusão: a expressão “pendente” (artigo 120º, nº 1, alínea b) do Código Penal), impõe, pois, a uma interpretação de acordo com o direito substantivo que regula a matéria da suspensão do procedimento criminal que é a que, no nosso modesto entender e sem quebra de respeito por opinião diversa, se afigura mais correta: o procedimento criminal considera-se “pendente” e, nessa medida, suspenso, se alguma causa impedir o seu normal prosseguimento, mas só nestes casos.
Em face do exposto declararia prescrito o procedimento criminal desde 03/01/2018.
Guimarães, 29/04/2019

Maria Teresa Coimbra