Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
327/20.5T8CBT.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
ACÇÃO DECLARATIVA
PRECLUSÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Os embargos não são um meio facultativo de oposição à execução, mas o único meio para essa oposição
II -. Se não houvesse um efeito preclusivo decorrente da não dedução de embargos de executado, ter-se-ia de admitir que, durante a pendência da execução, o executado poderia escolher entre embargar ou defender-se numa acção própria.
III – Ora, é precisamente para obviar à instauração de uma outra acção que existe e se destina o processo de embargos de executado, a fim de permitir ao executado que se defenda, no âmbito da execução, fazendo valer o seu direito perante o exequente.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1- Relatório

A autora A. M. intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum contra o réu J. N. pedindo que:

“a) Se declare a inexistência do título executivo constante do processo n.º 397/08.4TBCBT e corre termos no Juízo de Execução de Guimarães - Juiz 2, do Tribunal da Comarca de Braga, porquanto a assinatura é falsificada e não foi aposta pelo punho da A., não produzindo o mesmo qualquer efeito relativamente à A., por nele não ter intervindo;

Caso assim se não entenda,
b) Se declare a nulidade do título executivo constante do processo n.º 397/08.4TBCBT e corre termos no Juízo de Execução de Guimarães - Juiz 2, do Tribunal da Comarca de Braga, porquanto a assinatura é falsificada e não foi aposta pelo punho da A., não produzindo o mesmo qualquer efeito relativamente à A., por nele não ter intervindo.
c) Em qualquer dos casos, seja a ré condenada a pagar à A. a quantia de 10.000,00€, a título de indemnização por danos morais, acrescido de juros legais contados desde a citação ate efetivo e integral pagamento”.

Para tanto, alegou a autora, em síntese, ter sido instaurada pelo réu acção executiva tendo por título executivo uma letra de câmbio subscrita e aceite pela autora e pelo seu ex-marido, no valor de €26.691,90 (trinta e seis mil seiscentos e noventa e um euros e noventa cêntimos), emitida em 23.04.2008.
Contudo, alegou que nunca subscreveu a referida letra ou aceitou, desconhecendo quem elaborou a assinatura dela constante, tendo apresentado a respectiva queixa crime.
Alegou, ainda, que foi notificada, pela primeira vez, do processo executivo apenas em Fevereiro de 2009.
Referiu, também, que o réu usou título executivo falso o que lhe provoca danos não patrimoniais no valor de €10.000,00 (dez mil euros), pugnando, assim, pela procedência da acção.
*
Regularmente citado, o réu apresentou contestação.

Para tanto, alegou o réu, em suma, que a autora não deduziu o incidente de embargos de executado ou incidente de falsidade no processo executivo, pelo que o exercício do direito que pretende exercer deveria ter sido exercido no processo executivo, encontrando-se o mesmo precludido.
*

Notificada para se pronunciar ao abrigo do princípio do contraditório (artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil), a autora veio alegar que não foi citada para a acção executiva tendo invocada a falta de citação, sendo certo que tal não a pode impedir de exercer no presente processo o seu direito, com vista à restituição da quantia injustamente recebida pelo réu.
*
Proferida decisão, o tribunal a quo julgou totalmente improcedente os pedidos formulados pela autora absolvendo, em consequência, o réu.
*
II - Objecto do recurso

A A. não se conformando com o teor dessa decisão vieram recorrer, concluindo nos seguintes termos:
1. Considerou o Tribunal “a quo” que: “constata-se que a autora pretende exercer um direito que deveria ter exercido em incidente próprio de oposição mediante embargos nos termos do disposto no artigo 729º do Código de Processo Civil, mais concretamente, o n.º 1, o qual refere que “Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes: a) Inexistência ou inexequibilidade do título”. O que não fez. (…) considerando os pedidos formulados em a) e b), e encontrando dependente dos mesmos o pedido formulado em c), o Tribunal considera que aqueles primeiros e a matéria a eles subjacente não podem ser apreciados nos presentes autos por efeito da preclusão (extraprocessual) do direito da autora, verificando-se, pois, uma verdadeira improcedência dos pedidos.”.
2. Não pode a ora recorrente (A.) conformar-se de maneira alguma com a decisão do Tribunal “a quo”, pois, salvo o devido respeito, entende a Apelante que, com base nos elementos constantes dos autos e nos normativos legais aplicáveis, tal sentença não tem fundamentação.
3. O facto de não ter a A. apresentado oposição/embargos na ação executiva, anteriormente apresentada pela ré, não impede a mesma de, por ora, recorrer à ação declarativa por forma a ver ser restituído o que foi prestado indevidamente, por via da nulidade ou da inexistência, devidamente peticionada nesta ação.
4. O resultado dum processo executivo não goza, via de regra, da irrevogabilidade análoga à do caso julgado material; não obstando, em princípio, à propositura, pela executada, duma ação de restituição do indevido, uma vez que, não representando a oposição à execução uma contestação da ação executiva (e não estando por isso sujeita aos ónus de contestação, de impugnação especificada e de preclusão), esta (a ação de restituição do indevido) se deve ter sempre como admissível e acessível ao executado que, mesmo por negligência, não deduziu qualquer oposição.
5. E ainda que haja total identidade entre o deduzido na oposição e na posterior ação de repetição do indevido, se a oposição tiver terminado sem decisão de mérito, por, tendo o executado pago a quantia exequenda e a execução ter sido julgada extinta por ter ocorrido tal pagamento, tal ação de restituição do indevido terá de ser necessariamente admitida.
6. A executada, neste caso, ora recorrente, podia, assim, defender-se em ação declarativa, como fez na presente ação, invocando a nulidade ou inexistência do título executivo, por o mesmo ter sido falsificado e do mesmo constar assinatura falsa, visando a restituição do indevido, mediante a invocação do que podia ter sido fundamento de uma eventual oposição.
7. Só as decisões transitadas que incidam sobre o mérito da causa, ou seja, que apreciem a relação material controvertida que se discute na ação adquirem a força de caso julgado material e têm a virtualidade de poder ter força obrigatória fora do processo em que foram proferidas.
8. A não dedução de oposição à execução apenas preclude, no âmbito de tal execução, o exercício do direito processual (em que a oposição se traduz), não impedindo a invocação do que podia ter sido fundamento de oposição, noutro processo, visando a restituição do indevido, devendo, assim, ser restituído tudo o que tiver sido prestado.
9. Por outro lado, a nulidade e a inexistência podem ser invocadas a todo o tempo, conforme preceitua o artigo 286º CC, decorrendo da lei que a declaração de nulidade tem efeito retroativo, “devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado” (artigo 289º, nº 1, CC).
10. Consoante consta do art. 619.º do CPC, transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos limites fixados pelos arts. 580.º e 581.º - quando constitui uma decisão de mérito, a sentença produz, também fora do processo, o efeito de caso julgado material.
11. Em dois aspectos se pode revelar a força do caso julgado: o da excepção do caso julgado (ou seja, da decisão transitada em julgado); o da autoridade do caso julgado. Pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem, antes o efeito positivo de impor a primeira decisão como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito.
12. Está na disponibilidade da A. (recorrente) invocar neste processo (isto com vista à restituição da quantia injustamente recebida pelo Réu naquela execução) os fundamentos (excepções) que podia ter invocado na oposição, pois a não dedução de oposição à execução não impede o executado de lançar mão de uma acção declarativa autónoma que tenha por base o título dado à execução. E a não utilização dos meios de defesa na execução não preclude a posterior invocação de excepções ao direito exequendo em outras ações, sendo que o efeito preclusivo só se verifica no processo executivo e relativamente aos meios de defesa específicos desse processo.
13. No mais, trata-se de uma situação da mais elementar justiça.
14. Afirmava Anselmo de Castro (professor da Universidade de Direito de Coimbra) não ser possível estender às execuções concluídas efeitos que são próprios do caso julgado material «através de meras analogias e dando-se à figura da preclusão um sentido que lhe adultera a essência». Explicando que «operando a preclusão só no processo em que se produz não é lícito estender a esfera da sua eficácia fora dele sem cair em imisção entre preclusão e caso julgado» e que «sem norma expressa a excluí-la, nada há que permita negar ao devedor a acção de restituição do indevido». Salientando entre as consequências de entendimento contrário ficar o executado sem defesa quando só depois de concluída a execução cheguem ao seu conhecimento as provas da inexistência do crédito, sustentava: «A acção executiva existe para realizar o direito, com tanto se bastando, e não para o declarar; logo, também esse fim não pode ser imputado à oposição, nem impôr-se ao executado o ónus de a deduzir. A oposição está instituída na e para a execução, tão só para os fins que a lei lhe fixa, quando o executado a queira deduzir, de suspender ou anular a execução, e não para que em todo o caso seja tornado ou fique certo o direito do credor».
15. A decisão neste subsequentemente conduzirá à restituição ao executado da quantia conseguida na execução, pelo mecanismo da restituição do indevido.
16. A decisão proferida naqueles autos de execução não se configura como obstáculo a uma decisão de mérito no presente processo, uma vez que o objecto processual antecedente não é repetido no objecto processual do processo agora em análise.
17. No caso dos autos não se formou caso julgado material em acção declarativa de embargos de executado, uma vez que estes não foram deduzidos, não tendo sido proferida decisão de mérito sobre as questões relativas à assinatura da letra, validade formal da letra e à responsabilidade da A..
18. Pelo exposto, deve a decisão recorrida ser revogada, julgando improcedente a exceção de caso julgado, sendo substituída por outra que decida julgar totalmente procedente a ação, condenando a ré no pedido.

Termos em que deve ser julgada procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e determinando que os autos sigam os posteriores termos julgados adequados, fazendo assim V/Exas. inteira justiça!
*
O Réu/recorrido apresentou contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:

I. Questão prévia: da errónea interposição de recurso para o Tribunal da Relação do Porto
1. A Autora/recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, o que fez erroneamente, uma vez que, o Tribunal competente para apreciar o aludido recurso, é o Tribunal da Relação de Guimarães.
2. Com efeito, como decorre da Lei 62/2013 (LOSJ), no seu anexo I (a que se refere o nº1 do art.32º), o Tribunal da Relação de Guimarães, tem como áreas de competência as comarcas de Braga, Bragança, Viana do Castelo e Vila Real, e por sua vez, o Tribunal da Relação do Porto, tem como áreas de competência as comarcas de Aveiro, Porto e Porto Este.
3. Ora, o Tribunal de primeira instância dos presentes autos - Juízo de Competência Genérica de Celorico de Basto - encontra-se inserido no Tribunal Judicial da comarca de Braga, pelo que, o Tribunal competente para apreciar o recurso em apreço, é o Tribunal da Relação de Guimarães e não o Tribunal da Relação do Porto.
4. Assim, o lapso cometido pelo ilustre mandatário da Autora/recorrente, dirigindo o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, deve ser relevado, para todos os efeitos legais, considerando-se como Tribunal de interposição de recurso o Tribunal da Relação de Guimarães por ser o Tribunal competente para apreciar o aludido recurso.

II. Da preclusão do direito da recorrente à tutela jurisdicional pretendida
5. Ressalvando o muito respeito, é para nós insofismável, que a não dedução de embargos de executado por parte da Autora, ora recorrente, no âmbito do processo nº 397/08.4TbCBT e que corre termos no Juízo de Execução de Guimarães – Juiz 2, do Tribunal da Comarca de Braga, constitui um efeito de vinculação extraprocessual e de preclusão, pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a relação processual.
6. Conforme notou a douta sentença recorrida, e que merece a nossa inteira concordância, com a presente ação declarativa, a Autora/recorrente pretende ardilosamente exercer um direito que deveria ter exercido em incidente próprio de oposição mediante embargos (o que não fez), transparecendo a ideia de que está em causa a restituição da quantia injustamente recebida pelo réu, todavia não é esse o pedido formulado pela mesma, já que o pedido tem como fundamento a inexistência ou inexequibilidade do título (cfr. artigo 729.º,n.º1, al. a) do CPC).
7. Pretendendo a Autora que se declare um direito, poderá interpor ação própria, porém, não é toda e qualquer ação, mas apenas aquela que não seja incompatível com a preclusão advinda da não dedução de embargos.
8. Isto porque, se a Autora/recorrente pretendia impedir a prossecução da execução e impedir que a mesma realize os seus fins, cabia-lhe cumprir o ónus de deduzir oposição à execução por embargos.
9. Portanto, a tutela declarativa passível de ser deduzida pela Autora/recorrente e que não se mostra precludida, é aquela que não contende com os fins da oposição á execução, assim, que não fica precludida pela não dedução de embargos.
10. Como tal, a ação própria não pode ser suscetível de contrariar a execução e os seus fins, porquanto para tanto, cabe deduzir embargos (artigo 728º, nºs 1 e 2, do CPC), para os quais a lei fixa um prazo perentório que, para os factos supervenientes, encontra assento n.º 2 do artigo 728.º n.º 2 CPC, e que no caso não ocorreu.
11. Assim, forçosamente se tem de concluir que, não está na livre disponibilidade dos executados optarem por opor-se à execução por embargos ou deduzir ação autónoma, com os mesmos fundamentos em que poderiam alicerçar a sua oposição à execução.
12. Veja-se neste sentido os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 15/12/2020, da relatora Carla Câmara e da Relação de Guimarães, de 25/06/2020, da relatora Margarida Sousa, Acórdão da Relação de Évora, datado de 08.06.2017, do relator Rui Machado e Moura, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2016 (processo nº 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2, relator Fonseca Ramos), bem como Teixeira de Sousa, in “Preclusão e caso julgado” (https://www.academia.edu/22453901/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M._Preclus%C3%A3o_e_caso_julgado_02.2016_?email_work_card=view-paper, e ainda comentários aos Acórdãos da Relação de Lisboa, de 16/1/2018 (1301/12.0TVLSB.L1-1) e da Relação de Coimbra, de 16/10/2018 (158/14.1TBCBR.C1), em, respetivamente https://blogippc.blogspot.com/2018/04/jurisprudencia-2018-164.html, e Lebre Freitas, in Ação Executiva e Caso Julgado, págs. 232, 242/243).
13. Regressando ao caso em análise, verifica-se que, o que a Autora/recorrente pretende verdadeiramente, é deduzir em ação própria (a presente ação declarativa), os fundamentos de embargos que obviariam, sendo procedentes, ao pagamento da 0brigação exequenda.
14. Ora, não tendo a Autora deduzido embargos de executado, meio adequado a fazer extinguir ou modificar, a instância executiva, a não preclusão do seu direito de ação não lhe confere o direito a interpor a ação declarativa destinada a obter os mesmos efeitos dos embargos de executado, no âmbito dos preceitos legais que o disciplinam (artigos 728º e segs), que não deduziu, por tal lhe estar vedado pelo efeito extraprocessual da preclusão, conforme o entendimento da jurisprudência e doutrina citadas, o qual sufragamos na íntegra.
15. Por todo o supra explanado, não violou o tribunal recorrido qualquer disposição legal, pelo que a douta sentença recorrida não merece a censura que lhe é feita, devendo o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se aquela, na íntegra.

Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, que Vªs Exªs doutamente suprirão, deve a apelação ser julgada improcedente, mantendo-se a douta sentença apelada nos seus precisos termos, com as legais consequências.
Assim decidindo, farão Vªs Exªs, Venerandos Desembargadores, a habitual JUSTIÇA.
*
III- O Direito

Como resulta do disposto nos art..ºs 608.º, nº. 2, ex vi do artº. 663.º, n.º 2, 635.º, nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Assim, face às conclusões das alegações de recurso, ultrapassada a questão prévia suscitada, por os autos terem sido direccionados para este tribunal, apesar do lapso cometido, , importa decidir, quais os efeitos e consequências decorrentes do facto da recorrente, enquanto executada, não ter deduzido oposição à execução que lhe foi instaurada pelo aqui réu, concretamente se tal faz operar a preclusão do direito da aqui autora propor acção contra o então exequente a pedir a declaração de inexistência do título executivo, com base na falsidade da sua assinatura, ou a declaração da sua nulidade, com condenação nos danos morais que peticiona.
*
A – Fundamentação de facto

- a materialidade jurídico-processual constante do relatório desenvolvido no ponto I.
*
B – Fundamentação Jurídica

A oposição à acção executiva por embargos de executado constitui, do ponto de vista estrutural, algo que àquela é extrínseco, como contra-acção, tendente a obstar à produção de efeitos pelo respectivo título executivo.
Incidindo os embargos de executado sobre o mérito da execução em termos de negação da obrigação exequenda, ou seja, em contrário do que consta do título executivo, o seu escopo é o de obstar ao seu prosseguimento por via da eliminação, via indirecta, da eficácia daquele título enquanto tal (JOSÉ LEBRE DE FREITAS, "A Acção Executiva à Luz do Código Revisto", Coimbra, 2001, pág. 160).
Os termos dos embargos de executado em geral correm por apenso ao processo de execução, iniciando-se por via de petição inicial articulada, prosseguindo com despacho judicial liminar, nos termos do art. 726.º, do Código de Processo Civil, sendo o executado citado para, no prazo de 20 dias, pagar ou opor-se à execução, quando o processo deva prosseguir (cfr. n.º 2, desse preceito).
Nessa fase, seria possível à executada, aqui autora, arguir a falsidade da assinatura aposta no título executivo, invocando não ter sido feita pelo seu próprio punho o nome nele escrito.
Pois, a falsidade da assinatura torna nula a obrigação da pessoa a quem respeita (artigos 7.º e 77.º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças-LULL).
Na verdade, faltando a vontade de vinculação, ou seja, não se tratando de vício ou irregularidade de manifestação de determinado conteúdo de vontade, não pode valer como constituição de obrigação cambiária a assinatura que pretensamente seja imputada a determinada pessoa.
Opondo-se o executado à execução por embargos, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo (art. 732.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Se o embargado não deduzir contestação segue-se o regime geral da revelia, operante ou não operante, conforme os casos (artigo 723.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Como decorre do mesmo preceito, respectivamente no seu n.º 4 e 6, ‘a[A]procedência dos embargos extingue a execução, no todo ou em parte’ e p[P]ara além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda’.
Daqui decorre que a referida estrutura dos embargos de executado, consubstanciam uma verdadeira acção declarativa, sendo os embargos de executado o meio processual legalmente previsto no nosso ordenamento jurídico para a articulação de factos que na acção declarativa condenatória integrariam a matéria de excepção.
Importa, então, face ao exposto, apurar se precludido ficou o seu direito de instaurar a acção declarativa em que requer a declaração de inexistência/nulidade do título executivo, invocando, para o efeito, a falsidade da sua assinatura.
Ora, perante o exposto, entende-se que o princípio do contraditório é, nos embargos de executado, plenamente assegurado, pelo que não se justificaria admitir posteriormente outra acção com a mesma causa de pedir em que se pudesse voltar a pôr em causa a existência da obrigação exequenda, dado que o executado tem ao seu alcance o meio de defesa proporcionado pelos embargos de executado, enquanto meio de oposição à execução idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção.
Por outro lado, a acção executiva tem como objectivo a reparação efectiva de um direito violado, sendo que a realização coactiva da prestação é conseguida à custa do património do devedor, pois o título executivo faz presumir a existência desse direito, presunção essa que, no entanto, é ilidível. E, o meio próprio para afastar essa presunção - que recai sobre o executado – é na acção executiva, o instituto da oposição à execução (cfr. art. 728.º do C.P.C.).
É esse o meio processual próprio para o executado reagir contra a pretensão do exequente, apresentando-se como uma acção declarativa funcionalmente acessória da acção executiva, porquanto justificada pela oposição de uma defesa à dedução de uma pretensão executiva (cfr., neste sentido Anselmo de Castro, A Acção executiva, págs. 262-263; Lebre de Freitas, A acção executiva, págs. 292-293).
Sendo a oposição à execução, ou embargos de executado, um processo declaratório instrumental, o mesmo surge como sendo algo de extrínseco à acção executiva, tomando o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e/ou da acção em que ele se baseia (Ac. da RG de 21/4/2004 - Proc. n° 525/04-1. e Ac. da RP de 22/2/2007 - Proc. n° JTRP00040098 – in www.dgsi.pt).
É precisamente para obviar à instauração de uma acção como a presente, com a causa de pedir e o pedido daquela que ora foi instaurada, que existe e se destina o processo de embargos de executado, a fim de permitir ao executado que se defenda, no âmbito da execução, pedindo a extinção da mesma e fazendo valer o seu direito perante o exequente. O que o executado não pode fazer é deixar de se defender na sede própria, que é a execução, e, posteriormente, defender-se por via da acção.
Se assim fosse, então os embargos de executado não teriam qualquer função útil, porque, caso não embargasse, sempre o executado poderia reagir contra a execução, através de outro meio processual, noutra sede processual, quando bem entendesse. Seria o desvirtuamento total dos embargos de executado na sua função e na sua estrutura.

Acontece que uma boa parte da doutrina e da jurisprudência entende que a dita preclusão não opera para além do processo executivo a que respeitam os fundamentos da oposição não invocados, referindo, entre outros, os mais recentes, como é o caso do Acórdão da Relação de Lisboa de 16/01/2018 no proc. 1301/12.0TVLSB.L1-1, o seguinte: “A não utilização dos meios de defesa na execução não preclude a posterior invocação de excepções ao direito exequendo em outras acções (sendo que o efeito preclusivo só se verifica no processo executivo e relativamente aos meios de defesa específicos desse processo) e que, quando utilizados, as decisões de mérito nela proferidas formam caso julgado material apenas quanto às concretas excepções apreciadas, por inexistência na execução de ónus de concentração da defesa”.
Assim, dentro desta linha, tem-se entendido que nada impede que o executado que deduziu oposição à execução com determinado fundamento material mas que improcedeu, possa, em acção subsequente, neutralizar o enriquecimento do exequente, mediante a invocação de um outro fundamento material distinto (neste sentido, entre outros, Lebre de Freitas, in ‘A acção executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013’, 6.ªed. pp. 214 e 215, Carlos Soares, ‘Themis’, n.º 7, p.241 a 259, Ac. STJ de 16.2.2012, proc. 286/07.0TVLSB.L1.S1, e Ac. RP de 13.3.2014, proc. n.º 2997/11.6TBMTS.P1, disponíveis no site da dgsi).
Baseia-se esta facção fundamentalmente, na posição de Lebre de Freitas expressa na obra citada, ao defender que “c[C]onstituindo petição duma acção declarativa e não contestação duma acção executiva, a dedução da oposição à execução não representa a observância de qualquer dos ónus cominatórios (ónus da contestação, ónus da impugnação especificada) a cargo do réu na acção declarativa: nem a omissão de oposição produz a situação de revelia nem a omissão de impugnação dum facto constitutivo da causa de pedir da execução produz qualquer efeito probatório (…) A não observância do ónus de excepcionar, diversamente da não observância do ónus de contestar ou do de impugnação especificada, não acarreta uma cominação, mas tão-só a preclusão dum direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso.”
Negando efeitos extraprocessuais à preclusão no âmbito do processo executivo, pronunciou-se também o ainda mais recente acórdão do STJ de 19 de Março de 2019 (Relator – José Rainho), bem como o Ac. do STJ, no proc. 751/16.8T8LSB.L2.S1, também publicados no site da dgsi.
Cremos, todavia, à semelhança do que já se defendeu no acórdão desta Relação de 25.6.2020, prolatado no proc. 5381/15.9T8VNF-D.G1, que não é necessariamente este o entendimento mais defensável.
Como aí se evidenciou e aqui se realça, de novo, importa ter em conta a inexistência de uma dicotomia entre preclusão intraprocessual e extraprocessual, conforme afirmado por Teixeira de Sousa, in “Preclusão e caso julgado”, quando refere que “a[A] preclusão intraprocessual torna-se uma preclusão extraprocessual quando o que não foi praticado num processo anterior também não pode ser realizado num processo posterior. Importa salientar um aspecto essencial: a preclusão intraprocessual e a preclusão extraprocessual não são duas modalidades alternativas da preclusão (no sentido de que a preclusão é intraprocessual ou extraprocessual), mas duas manifestações sucessivas de uma mesma preclusão: primeiro, verifica-se a preclusão da prática do acto num processo pendente; depois, exactamente porque a prática do acto está precludida nesse processo, torna-se inadmissível a prática do acto num processo posterior. Portanto, a preclusão começa por ser intraprocessual e transforma-se em extraprocessual quando se pretende realizar o acto num processo posterior.”
No aludido artigo, Teixeira de Sousa sublinha que “a preclusão pode ser definida como a exclusão (e a consequente inadmissibilidade) da prática de um acto processual depois do prazo peremptório fixado, pela lei ou pelo juiz, para a sua realização” e que “qualquer preclusão constrói um nullum: a consequência de qualquer preclusão é sempre a irrelevância do acto precludido”, sendo uma das funções da preclusão a função de estabilização – “uma vez inobservado o ónus de praticar o acto, estabiliza-se a situação processual decorrente da omissão do acto, não mais podendo esta situação ser alterada ou só podendo ser alterada com um fundamento específico” –, chamando ainda a atenção para o facto de a preclusão ser sempre correlativa de um ónus da parte: “é porque a parte tem o ónus de praticar um acto num certo tempo que a omissão do acto é cominada com a preclusão da sua realização”.
Mais aí frisando que “q[Q]uando referida à alegação de factos pelas partes, a preclusão é correlativa de um ónus de concentração ou de exaustividade: de molde a evitar a preclusão da alegação posterior do facto, a parte tem o ónus de alegar todos os factos relevantes no momento adequado. Se não for imposto à parte nenhum ónus de concentração, então a parte pode escolher o facto que pretende alegar para obter um determinado efeito e, caso não consiga obter esse efeito, pode alegar posteriormente um facto distinto para procurar conseguir com base nele aquele efeito.”
Destas proposições parece, desde logo, resultar, no que para o caso interessa, que, afirmada a existência de um ónus de concentração na oposição à execução se deve, sem mais, concluir pela inadmissibilidade de invocação das excepções extintivas da obrigação exequenda que poderiam ter sido invocadas na dita oposição e o não foram. E isto dentro ou fora do processo executivo em causa, pois só assim se cumprirá verdadeiramente a função de estabilização reconhecida à preclusão.
Por outro lado, deixa o referido autor de dar relevância à delimitação do caso julgado feita pelos defensores da orientação anteriormente referida no sentido de dele excluir “outras causas de pedir” que não tenham sido objeto de decisão judicial, proferida sobre oposição à execução e já transitada em julgado, colocando antes o acento tónico na preclusão e perspetivando o caso julgado apenas como meio para impor a referida estabilização daquela decorrente num outro processo.
Na verdade, mais à frente, expõe explicitamente o referido autor, relativamente aos embargos de executado que “e[E]m referência ao caso julgado da decisão proferida nos embargos de executado, o art.732.º, n.º 5, estabelece que a decisão proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda’.
Tudo para concluir que “n[N]a oposição à execução e nos procedimentos cautelares, o embargante e o requerente têm o ónus de concentrar na respectiva petição ou no requerimento inicial todos os fundamentos que podem justificar o pedido por eles formulado. A inobservância deste ónus de concentração implica a preclusão dos fundamentos não alegados naquela petição ou naquele requerimento. Após o trânsito em julgado da decisão proferida na oposição à execução ou no procedimento cautelar, aquela preclusão, em vez de operar per se, actua através da excepção de caso julgado, apesar de não existir entre a primeira e a segunda acção identidade de fundamentos e, portanto, identidade de objectos.”.
“Como argumento a favor desta orientação invoca-se o facto de nos termos do art. 716.º, n.º 4, CPC, o executado ser citado para contestar a liquidação em oposição à execução, com a cominação de que, na falta da dedução dessa oposição, a obrigação se considera fixada nos termos do requerimento executivo.
Como tal, não se compreenderia que, por falta de dedução desses embargos, a quantia ficasse liquidada no montante indicado no requerimento executivo e que, uma vez finda a execução, o exequente pudesse vir a argumentar que a dívida exequenda nem sequer existe. O efeito cominatório da liquidação só é compreensível se a não oposição à execução (com fundamento, por exemplo, na inexistência, invalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda) tiver um efeito preclusivo.
A inexistência do referido efeito preclusivo também não é facilmente compatível com a fixação de um prazo peremptório para a dedução de embargos de executado com base em factos supervenientes (cf. art. 728.º, n.º 2, CPC). Se a omissão da oposição à execução não tem nenhum efeito preclusivo, cabe perguntar o que justifica que se fixe um prazo peremptório para a apresentação dessa oposição com fundamento num facto superveniente. Se o facto é superveniente e se o prazo fixado para a oposição com base neste facto é peremptório, isto só pode significar que fica precludida a invocação pelo executado desse fundamento superveniente de oposição à execução em qualquer acção posterior. Sem este efeito preclusivo não se compreende o regime estabelecido na lei para a oposição à execução baseada num facto superveniente, tal como é referido por Teixeira de Sousa em sede de comentários aos Acs. da RL já referenciado e ao Ac. de Coimbra de 16.10.2018, no proc. 158/14.1TBCBR.C1.
E a estes argumentos acrescenta um outro, no último dos referidos comentários: “se não houvesse um efeito preclusivo decorrente da não dedução de embargos de executado, ter-se-ia de admitir que, durante a pendência da execução, o executado poderia escolher entre embargar ou defender-se numa acção própria. Ora, o que impede esta escolha? Precisamente, o efeito preclusivo decorrente da não oposição em embargos. Efectivamente, estes embargos não são um meio facultativo de oposição à execução, mas o único meio para essa oposição.”
Estes argumentos afiguram-se-nos válidos e contrariam o resultado da orientação oposta que tende a beneficiar o executado que, por negligência ou até por estratégia, não deduz embargos, deixando intacta a possibilidade de futuramente deduzir, com os fundamentos que nos embargos poderia ter invocado, mas não invocou, acção contra o exequente – com a insegurança jurídica por tal possibilidade gerada –, pelo que, em conformidade com o que inicialmente se expôs, igualmente se perfilha.
A tudo isto acresce o facto de, no âmbito da acção executiva fundada em título extrajudicial, o documento que corporiza a obrigação exequenda encontrar-se dotado de certeza suficiente que permite o imediato recurso a acção executiva, passando-se desde logo à realização coerciva da prestação, sem necessidade de que declare previamente a validade e exigibilidade da obrigação, cabendo, ao executado, caso pretenda usar de tal faculdade, o ónus de impugnar a validade de tal documento ou de, independentemente dessa impugnação, afastar a presunção legal que dele decorre.
A estrutura da acção executiva não difere, pois, daquela que tem uma acção declarativa, pois, não sendo deduzida oposição tem-se por admitido o que consta no requerimento inicial da execução, nem sendo necessário, por força da suficiência do título, apreciar a obrigação que nele consta e prosseguindo-se, de imediato, com a realização coerciva dessa obrigação. Sendo apresentada oposição, a sua estrutura é a de uma acção declarativa em que, salvas as devidas adaptações, a petição inicial seja o requerimento executivo e a contestação seja a oposição, valendo a contestação do exequente como réplica e é, por isso, que a sua estrutura é aquela que se descreveu, que não difere muito daquela que tem a acção de apreciação negativa em que também, mas desta feita por via do art. 343.º do Código Civil, existe uma inversão do ónus da prova e em que a contestação tem, em substância, a função que nas restantes acções declarativas tem a petição inicial.
Assim, mesmo no que tange à solução a dar à questão quando não tenha havido qualquer oposição, inexistindo uma sentença proferida em acção de estrutura declarativa na qual os elementos da instância tenham sido objecto de apreciação jurisdicional de mérito, cremos ficar ultrapassada pela aceitação, nos termos preconizados por M. Teixeira de Sousa, da eficácia da preclusão “per se” em conformidade com o exposto.
Também Marco Carvalho Gonçalves, in Lições de Processo Civil Executivo, págs. 261 e 262, referindo-se ao preceituado no n.º 5 do art. 732.º do CPC, entende que: “(…) se o executado não deduzir oposição à execução, não pode, posteriormente, intentar acção declarativa de condenação contra o primitivo exequente, pedindo a condenação deste na repetição do indevido, com fundamento na existência de um vício no título que serviu de base à execução”, dando como exemplo de jurisprudência nesse sentido o Acórdão da Relação de Évora, de 08-06-2017 (Relator - Rui Moura).
Neste último aresto, em defesa da preclusão fora do âmbito do processo executivo, apontam-se os argumentos já expostos de que é “precisamente para obviar à instauração de uma acção como a presente, com a causa de pedir e o pedido daquela que ora foi instaurada, que existe e se destina o processo de embargos de executado, a fim de permitir ao executado que se defenda, no âmbito da execução, pedindo a extinção da mesma e fazendo valer o seu direito perante o exequente”.
Acolhendo esta orientação, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa, de 29/10/2019 (Relatora Vera Antunes) e ainda o Acórdão da Relação de Lisboa de 28/2/2019 (Relator - António Manuel Fernandes dos Santos).
Por tudo isto, pendemos, portanto, para afirmar precludido, “in casu”, o direito da Recorrente, por forma a confirmar-se a decisão proferida.
*
IV-DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os Juízes na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente o recurso interposto, confirmando, em consequência, a decisão proferida.
Custas pela Recorrente.
Notifique.
*
Guimarães, 16.12.2021
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária sem observância do novo acordo ortográfico, a não ser nas transcrições que a ele atenderam, e é por todos assinado electronicamente)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel A. Figueiredo de Almeida